CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 14 de novembro de 2019 ( 1 )

Processo C‑752/18

Deutsche Umwelthilfe eV

contra

Freistaat Bayern

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Poluição atmosférica — Diretiva 2008/50/CE — Plano de qualidade do ar — Valores‑limite para o dióxido de azoto — Efetividade do direito da União — Obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais adotarem as medidas necessárias para assegurar a execução de uma diretiva — Incumprimento de decisões judiciais pela Administração — Intimações e sanções pecuniárias compulsórias ineficazes — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito à ação — prisão de responsáveis públicos — Necessidade de respeitar o artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Direito à liberdade individual»

I. Introdução

1.

O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera, Alemanha) tem por objeto a aplicação efetiva do direito da União e mais especificamente da Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa ( 2 ). Como assegurar que as decisões judiciais nacionais, neste caso no domínio particularmente sensível do direito do ambiente, sejam respeitadas? Perante a vontade manifesta de responsáveis públicos de não cumprirem decisões judiciais transitadas em julgado, o direito da União autoriza ou impõe o recurso à medida privativa de liberdade que constitui a prisão, se esta estiver prevista no ordenamento jurídico nacional em causa, mas não em relação a essas pessoas? Esta questão deve levar a uma consideração de dois direitos fundamentais, o direito à ação e o direito à liberdade.

2.

Esta problemática é suscitada no âmbito de um litígio que opõe a organização não governamental Deutsche Umwelthilfe e.V. ao Freistaat Bayern (Land da Baviera, Alemanha) a respeito de uma decisão do Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera) que ordena a esse Land a alteração do seu plano para a qualidade do ar, prevendo proibições de circulação de veículos com motor diesel na cidade de Munique (Alemanha). No entanto, este recusa‑se a prever essas proibições, apesar das repetidas sanções pecuniárias compulsórias que lhe foram aplicadas.

3.

Confrontado com uma insuficiência de medidas de direito interno para impor o cumprimento dessa decisão ao Land da Baviera, o juiz de reenvio interroga‑se, nestas condições, sobre o alcance das obrigações que lhe são impostas pelo direito da União, para assegurar a execução da Diretiva 2008/50 e do direito fundamental à ação.

4.

Nas presentes conclusões, exporei as razões por que, em meu entender, a obrigação do juiz nacional, por força do direito da União, de aplicar medidas coercivas para assegurar a efetividade desse direito não é ilimitada, nomeadamente quando essas medidas sejam suscetíveis de colidir com outro direito fundamental, neste caso, o direito à liberdade.

5.

Proporei ao Tribunal de Justiça que declare que, embora o juiz nacional deva, regra geral, tudo fazer para assegurar a aplicação efetiva do direito da União e, para esse efeito, tomar qualquer medida que o seu direito nacional comporte para obrigar os responsáveis públicos a cumprirem uma decisão judicial transitada em julgado, o direito da União não obriga nem autoriza o juiz nacional a adotar uma medida privativa de liberdade quando esta não esteja prevista numa lei clara, previsível, acessível e desprovida de arbitrariedade.

II. Quadro jurídico

A.   Direito internacional

6.

O artigo 9.o da Convenção de Aarhus ( 3 ) prevê amplo acesso do público à justiça com o objetivo de, em conformidade com o artigo 1.o dessa convenção, contribuir para a proteção do direito de todos os indivíduos, das gerações presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar.

B.   Direito da União

7.

O artigo 13.o da Diretiva 2008/50, intitulado «Valores‑limite e limiares de alerta para a proteção da saúde humana», prevê, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros respeitam determinados valores‑limite de dióxido de azoto.

8.

O artigo 23.o, n.o 1, desta diretiva determina que os Estados‑Membros estabeleçam planos de qualidade do ar quando, numa determinada zona ou aglomeração, os níveis de poluentes no ar ambiente excedam os valores‑limite previstos pela referida diretiva.

C.   Direito alemão

9.

O § 2, n.o 2, segundo período, da Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschand (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha) de 23 de maio de 1949 (BGB1 1949 I, p. 1, a seguir «Lei Fundamental») prevê um direito fundamental à liberdade pessoal. Nos termos do § 104, n.o 1, primeiro período, da Lei Fundamental, «[a] liberdade da pessoa só pode ser limitada com base numa lei formal e no respeito das formalidades nela previstas».

10.

O § 167, n.o 1, primeiro período, do Verwaltungsgerichtsordnung (Código da Justiça Administrativa, a seguir «VwGO») dispõe:

«Salvo disposição especial da presente lei, a execução rege‑se, mutatis mutandis, pelo oitavo livro do Zivilprozessordnung [Código de Processo Civil, a seguir “ZPO”].»

11.

O § 172 do VwGO, que constitui, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, um disposição especial desse tipo, que, em conformidade com a fórmula de introdução do § 167, n.o 1, primeiro período, do VwGO, exclui, em princípio, a aplicação das disposições em matéria de execução coerciva que figuram no oitavo livro do ZPO, enuncia:

«Se, nos casos referidos no § 113, n.o 1, segundo período, no § 113, n.o 5, e no § 123, a Administração não der cumprimento à intimação que lhe tenha sido feita na sentença ou no despacho que ordena medidas provisórias, o tribunal de primeira instância pode, a pedido e por despacho, adverti‑la sob cominação de uma sanção pecuniária compulsória até 10000 euros na falta de execução no prazo por ele fixado, proceder, em caso de incumprimento da execução no referido prazo, à liquidação dessa sanção pecuniária compulsória e proceder oficiosamente à execução coerciva. A mesma intimação pode dar origem, por diversas vezes, à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, à sua liquidação e à sua execução.»

12.

O § 888, que consta do oitavo livro do ZPO enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Quando um ato não pode ser praticado por um terceiro e depende exclusivamente da vontade do devedor, o tribunal de primeira instância declara, a pedido, que o devedor deve ser obrigado a cumprir esse ato, recorrendo à sanção pecuniária compulsória e, em caso de impossibilidade da sua cobrança, a sujeito a prisão. O montante de cada sanção pecuniária compulsória não pode exceder 25000 euros. As disposições da secção 2, relativas à privação da liberdade, são aplicáveis mutatis mutandis à medida de prisão.

2.   As medidas coercivas são ordenadas sem aviso prévio cominatório.»

13.

O § 890.o, n.os 1 e 2, do ZPO prevê que seja feita uma advertência cominatória ao devedor de uma obrigação de não fazer ou de tolerar um ato antes de ser condenado em multa ou prisão.

III. Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

14.

A Deutsche Umwelthilfe, uma organização não governamental alemã com legitimidade para intentar ações coletivas em matéria de ambiente, na aceção do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Convenção de Aarhus e do artigo 11.o, n.o 3, segundo e terceiro períodos, da Diretiva 2011/92/UE ( 4 ), intentou uma ação contra o Land da Baviera com o objetivo de o obrigar a respeitar os valores‑limite de dióxido de azoto fixados pela Diretiva 2008/50.

15.

Resulta da decisão de reenvio que foi verificado judicialmente que esses valores‑limite são excedidos, por vezes consideravelmente, desde há muitos anos, no território da cidade de Munique. Essas excedências dizem respeito a cerca de 250 estradas ou secções de estradas e atingem, em determinados casos, o dobro dos valores autorizados.

16.

Por sentença de 9 de outubro de 2012, o Verwaltungsgericht München (Tribunal Administrativo de Munique, Alemanha) ordenou ao Land da Baviera que alterasse o «Plano de ação para a qualidade do ar», correspondente ao «Plano de qualidade do ar», na aceção do artigo 23.o da Diretiva 2008/50, relativamente à cidade de Munique, para que fossem respeitados os referidos valores. Essa sentença transitou em julgado.

17.

Por Despacho de 21 de junho de 2016, esse tribunal endereçou uma intimação ao Land da Baviera sob cominação de uma sanção pecuniária compulsória por excesso dos valores‑limite em causa, da qual o Land interpôs recurso.

18.

Por Despacho de 27 de fevereiro de 2017, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera) negou provimento ao recurso. Tendo verificado que o Land da Baviera ainda não tinha dado cumprimento à sentença de 9 de outubro de 2012, ameaçou‑o de várias sanções pecuniárias compulsórias no montante total de 10000 euros, se não adotasse as medidas necessárias para respeitar esses valores‑limite. Essas medidas incluíam a aplicação de proibições de circulação para determinados veículos com motor diesel em certas zonas urbanas ( 5 ). Esse despacho também transitou em julgado.

19.

A pedido da Deutsche Umwelthilfe, o Verwaltungsgericht München (Tribunal Administrativo de Munique), por Despacho de 26 de outubro de 2017, procedeu à liquidação de uma das sanções pecuniárias compulsórias previstas no anterior Despacho de 27 de fevereiro de 2017. O Land da Baviera não recorreu dessa decisão e pagou o montante da sanção pecuniária compulsória.

20.

Por Despachos de 29 de janeiro de 2018, esse tribunal, a pedido da Deutsche Umwelthilfe, liquidou outra das sanções pecuniárias compulsórias objeto do Despacho de 27 de fevereiro de 2017 e intimou o Land da Baviera sob cominação de nova sanção pecuniária compulsória no montante de 4000 euros. Em contrapartida, o referido tribunal julgou improcedente, entre outros, o pedido de uma medida de prisão do Ministro do Ambiente e da Proteção dos Consumidores do Land da Baviera em funções à época ou, na sua falta, do Ministro‑Presidente desse Land. A Deutsche Umwelthilfe recorreu dessa decisão para o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera).

21.

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o Land da Baviera nunca cumpriu as intimações que lhe foram endereçadas pelo Despacho de 27 de fevereiro de 2017 e que não é de esperar que respeite esse despacho. Pelo contrário, os representantes do Land da Baviera, entre os quais o seu Ministro‑Presidente, comunicaram publicamente a sua intenção de não respeitar a obrigação de proibir a circulação de veículos com motor diesel em determinadas estradas. O Land também tinha referido no Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera) no âmbito do processo principal, que considerava desproporcionado proibir a circulação aos veículos a diesel em determinadas estradas ou partes de estradas e, consequentemente, que não havia que tomar medidas nesse sentido.

22.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, quando o poder executivo manifesta, de forma tão clara e tenaz, a sua determinação em não cumprir determinadas decisões judiciais, há que considerar excluída a possibilidade de a aplicação e a liquidação de novas sanções pecuniárias compulsórias de montante superior terem efeito sobre esse comportamento. Isto é tanto mais assim quando o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória não implica nenhuma perda patrimonial para o Land. Com efeito, a liquidação dessa sanção pecuniária compulsória é feita imputando o montante fixado pelo tribunal a uma determinada rubrica do orçamento do Land e contabilizando esse mesmo montante como receita da caixa central do Land.

23.

Esse órgão jurisdicional acrescenta que o ZPO prevê a prisão para assegurar a execução de determinadas decisões. Todavia, este instrumento não é aplicável aos responsáveis públicos por razões de direito constitucional.

24.

Efetivamente, enquanto o § 167, n.o 1, primeiro período, do VwGO permite a aplicação ‑ salvo disposição especial em contrário ‑ das medidas previstas no oitavo livro do ZPO, incluindo a prisão, o § 172 do VwGO constitui essa disposição especial que exclui a aplicação das medidas de execução coerciva que constam do oitavo livro do ZPO.

25.

É certo que o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha) já declarou que os órgãos jurisdicionais administrativos têm, em princípio, o dever de, sendo caso disso, não se considerarem vinculados pelas restrições que resultam do § 172 do VwGO. No seu Despacho de 9 de agosto de 1999 (1 BvR 2245/98), salientou que a aplicação de outras medidas de coação possíveis nos termos das disposições conjugadas do § 167.o do VwGO e do ZPO, «se impõe, tendo em conta a necessidade de uma proteção judicial efetiva, em todo o caso se a aplicação e a liquidação de uma sanção pecuniária compulsória limitada a 2000 DEM [aproximadamente 1000 euros, limite máximo em vigor à época] não for suficiente para proteger os direitos do interessado». Nos termos desse despacho:

«Se, por exemplo, tendo em conta a experiência passada, declarações inequívocas ou a aplicação de várias sanções pecuniárias compulsórias ineficazes, for claro que a Administração não vai ceder à pressão de uma sanção pecuniária compulsória, então a exigência de uma proteção jurisdicional efetiva impõe a aplicação “mutatis mutandis” das normas de processo civil, autorizada pelo § 167 do VwGO, e a adoção de medidas coercivas mais drásticas para obrigar a Administração a cumprir a lei […]. Em último recurso compete ao tribunal administrativo decidir quais das medidas de coação, mais drásticas, previstas nos §§ 885 a 896 do ZPO […] serão aplicadas, sendo caso disso, durante a execução, em que ordem e sob que forma […].»

26.

Estas disposições abrangem a execução por um terceiro que, na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, não seria possível no âmbito do presente processo, bem como a medida de prisão prevista no § 888 do ZPO.

27.

No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se se aplicasse a medida de prisão aos responsáveis públicos do Land da Baviera com base no § 888 do ZPO, isso violaria a condição, enunciada pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) no seu Despacho de 13 de outubro de 1970 (1 BvR 226/70), de o objetivo efetivamente prosseguido com esse artigo ter sido previsto pelo legislador quando aprovou a lei. Tendo em conta a génese do § 888 do ZPO, não é esse o caso.

28.

Por esta razão, os órgãos jurisdicionais alemães, mesmo após a prolação do Despacho do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) de 9 de agosto de 1999 (1 BvR 2245/98), têm reiteradamente declarado ilegal a aplicação de uma medida de prisão aos responsáveis públicos pertencentes ao poder executivo.

29.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no entanto, sobre se o direito da União exige ou autoriza uma interpretação diferente da situação jurídica em causa no processo principal.

30.

Segundo esse órgão jurisdicional, se, numa situação como a que está em causa no processo principal, fosse aplicada uma medida de prisão, os tribunais alemães não poderiam ter em conta o obstáculo que constitui a jurisprudência constitucional. O juiz nacional tem a obrigação de assegurar o pleno efeito das disposições do direito da União, se necessário deixando de aplicar, por sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, sem ter de pedir ou aguardar a sua eliminação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional, bem como qualquer jurisprudência nacional contrária.

31.

Nestas circunstâncias, o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem

1)

o imperativo consagrado no artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Tratado sobre a União Europeia (TUE), segundo o qual os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União,

2)

o princípio estabelecido, designadamente, no artigo 197.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), da execução efetiva do direito da União pelos Estados‑Membros,

3)

o direito à ação garantido pelo artigo 47.o, n.o 1, da [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia] ( 6 ),

4)

a obrigação resultante do artigo 9.o, n.o 4, primeira frase, da Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente (Convenção de Aarhus) de os Estados contratantes garantirem soluções efetivas em matéria de ambiente,

5)

a obrigação estabelecida no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, de os Estados‑Membros assegurarem uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União,

ser interpretados no sentido de que um órgão jurisdicional alemão pode e, eventualmente deve, decretar a detenção de funcionários de um Estado federado alemão para assim fazer cumprir a obrigação que impende sobre esse mesmo Estado federado de atualizar um plano de qualidade do ar na aceção do artigo 23.o, da Diretiva 2008/50, com um determinado conteúdo mínimo, se o referido Estado federado tiver sido condenado por sentença transitada em julgado a proceder a uma revisão com o referido conteúdo mínimo e

o Estado federado tiver por diversas vezes sido ameaçado com sanções pecuniárias compulsórias tendo‑lhe sido impostas sanções pecuniárias compulsórias, sem sucesso,

as ameaças de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e a imposição de sanções pecuniárias compulsórias não tiverem surtido efeitos dissuasores dignos de nota, mesmo sob a ameaça e mediante a imposição de sanções pecuniárias compulsórias mais elevadas do que as anteriores, pelo facto de o pagamento das sanções pecuniárias compulsórias por parte do Estado federado condenado por sentença transitada em julgado não implicar perdas financeiras para o mesmo, mas apenas uma transferência do montante respetivo de uma rubrica do orçamento do Estado federado para outra rubrica desse mesmo orçamento,

o Estado federado condenado por sentença transitada em julgado tiver declarado, tanto perante os órgãos jurisdicionais como publicamente, especialmente através do seu mais alto representante político, perante o parlamento, que não cumpriria as obrigações que lhe foram judicialmente impostas no que diz respeito ao plano de qualidade do ar,

o direito nacional previr, em princípio, o instituto da detenção para efeitos de cumprimento de decisões judiciais, mas a jurisprudência do Tribunal Constitucional nacional se opuser à aplicação da disposição pertinente a um caso como o presente e,

o direito nacional não disponibilizar, para um caso como o presente, instrumentos coercivos mais adequados do que a ameaça de sanções pecuniárias compulsórias e a imposição de sanções pecuniárias compulsórias, mas menos intrusivos do que a detenção, e o recurso a tais instrumentos coercivos também não puder ser tido em conta do ponto de vista substantivo?»

32.

A Deutsche Umwelthilfe, o Land da Baviera e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça. As mesmas partes, as partes interessadas e o Governo alemão estiveram representados na audiência de alegações realizada em 3 de setembro de 2019.

IV. Análise

A.   Observações preliminares

33.

A questão do órgão jurisdicional de reenvio relativa à aplicação efetiva do direito da União refere‑se às medidas que um juiz nacional pode ou deve tomar relativamente à Administração tendo em conta dois tipos de obrigações que se lhe impõem por força, em primeiro lugar, de disposições de direito derivado, neste caso da Diretiva 2008/50, e, em segundo lugar, de decisões judiciais já tomadas contra si com vista a assegurar a aplicação desse direito.

34.

A problemática com que o órgão jurisdicional de reenvio se confronta é a da falta de medidas de coação suficientes no direito interno para obrigar os responsáveis públicos a cumprirem as suas decisões e, ao fazê‑lo, a respeitarem o direito da União.

35.

As disposições referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio relativas ao primeiro tipo de obrigações são o artigo 4.o, n.o 3, TUE que consagra o princípio da cooperação leal entre a União e os Estados‑Membros e exige que estes tomem todas as medidas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos atos das instituições e do artigo 197.o, n.o 1, TFUE, que sublinha a característica essencial ao bom funcionamento da União da aplicação efetiva do direito da União pelos Estados‑Membros.

36.

Em apoio do segundo tipo de obrigações, o órgão jurisdicional de reenvio refere o direito à ação enunciado no artigo 47.o da Carta e previsto no artigo 9.o da Convenção de Aarhus em matéria de ambiente. Desse direito decorre uma obrigação, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, de os Estados‑Membros instituírem os meios processuais necessários para assegurar uma proteção jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.

37.

Como resulta do quadro jurídico apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio, as medidas de execução de uma sentença, no direito civil alemão, incluem a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, a execução por parte de um terceiro e a medida de prisão. O direito administrativo alemão prevê, por seu turno, a possibilidade de aplicar sanções pecuniárias compulsórias a fim de assegurar o respeito pela Administração da intimação que lhe é feita por decisão judicial. Estas são de montante inferior ao do no direito civil. Se o recurso à sanção pecuniária compulsória se revelar ineficaz, é possível, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, recorrer às regras de direito civil que preveem, nomeadamente, sanções pecuniárias compulsórias que podem atingir um montante de 25000 euros em vez de 10000 euros, mas a medida de prisão não pode ser aplicada aos responsáveis públicos. Conforme referido no n.o 27 das presentes conclusões, isso decorre do direito constitucional alemão, tal como interpretado pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal).

38.

Esclareço nesta fase que esta descrição do quadro jurídico nacional é contestada pela Deutsche Umwelthilfe ( 7 ). Todavia, quando um órgão jurisdicional nacional lhe submete uma questão prejudicial, o Tribunal de Justiça deve limitar‑se à interpretação do direito nacional que lhe foi apresentada pelo referido órgão jurisdicional ( 8 ). Assim, quaisquer que sejam as críticas das partes no processo principal à interpretação do direito nacional feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, a análise do presente reenvio prejudicial deve ser efetuada à luz da interpretação desse direito feita por esse órgão jurisdicional.

39.

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, a razão pela qual as medidas coercivas utilizadas contra o Estado e contra a sua Administração no direito nacional alemão são mais moderadas do que no direito civil se deve ao facto de o Estado respeitar habitualmente as decisões judiciais de que é destinatário. Na própria opinião da Deutsche Umwelthilfe, o presente processo é, aliás, um caso excecional.

40.

No entanto, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, da Deutsche Umwelthilfe e da Comissão, devo sublinhar que o presente caso, ainda que excecional, não é anódino. Pelo contrário, a recusa de os responsáveis públicos do Land da Baviera cumprirem as decisões judiciais em causa no processo principal, transitadas em julgado, é suscetível de provocar consequências graves, tanto para a saúde e para a vida das pessoas ( 9 ) como para o Estado de direito ( 10 ).

41.

Neste contexto, há que considerar que, com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, especificamente, o artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, TUE, o artigo 197.o, n.o 1, TFUE, o artigo 47.o, n.o 1, da Carta, o artigo 9.o, da Convenção de Aarhus e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, deve ser interpretado no sentido de que, para assegurar a execução efetiva da Diretiva 2008/50 e, para esse efeito, obrigar os responsáveis públicos a dar cumprimento a uma decisão judicial transitada em julgado, o juiz nacional pode ou deve ordenar uma medida privativa da sua liberdade como a prisão, se o seu direito nacional previr essa medida, mesmo que não esteja prevista para essas pessoas por lei nacional clara e previsível.

42.

Para responder a esta questão, examinarei, numa primeira fase, o alcance das obrigações que se impõem ao juiz nacional a fim de garantir a efetividade do direito da União (secção B) e depois, num segundo momento, os eventuais limites dessas obrigações à luz do direito fundamental à liberdade (secção C).

B.   Obrigação de garantir a efetividade do direito da União

43.

O Tribunal de Justiça já teve a ocasião de examinar as medidas que se impõem ao juiz nacional por força do princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE e do direito dos particulares a uma proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta, em caso de incumprimento por um Estado‑Membro das disposições da Diretiva 2008/50, nomeadamente dos seus artigos 13.o e 23.o

44.

A este respeito, resulta dos Acórdãos Janecek ( 11 ), ClientEarth ( 12 ) e Craeynest e o. ( 13 ), que quando um Estado não cumpre as suas obrigações relativas à elaboração de um plano de qualidade do ar, o juiz nacional deve tomar, a pedido de particulares interessados, todas as medidas necessárias, como uma intimação, se estiver prevista no direito nacional, para que a autoridade competente institua esse plano nas condições previstas pela Diretiva 2008/50 ( 14 ).

45.

Esses acórdãos só em parte respondem à questão da aplicação efetiva do direito da União num caso como o do processo principal. Como nos processos que deram origem aos acórdãos em questão, o problema da aplicação do direito da União não incide sobre a transposição da Diretiva 2008/50 pelo Estado‑Membro em causa, mas sim sobre as ações concretas adotadas pelo Estado para lhe dar cumprimento. No entanto, a este problema, acresce, no âmbito do presente processo, o da inobservância, pela Administração, de decisões judiciais que ordenam a execução de determinadas ações concretas, no caso em apreço a de prever proibições de circulação em determinadas estradas.

46.

Coloca‑se a questão de saber se a obrigação do juiz nacional de tomar «todas as medidas necessárias», para assegurar o respeito da Diretiva 2008/50, inclui, neste caso, a obrigação de aplicar uma medida privativa de liberdade, como a prisão.

47.

Esta questão coloca‑se ainda com mais relevância no presente processo quando a violação do direito da União é particularmente grave. Com efeito, o facto de o Estado não respeitar uma decisão judicial que lhe impõe o cumprimento de determinados atos para respeitar esta diretiva viola o direito fundamental do particular à ação garantido pelo artigo 47.o da Carta.

48.

Conforme resulta dos Acórdãos Toma e Biroul Executorului Judecătoresc Horațiu‑Vasile Cruduleci ( 15 ) e Torubarov ( 16 ), o direito à ação garantido pelo artigo 47.o da Carta seria ilusório se a ordem jurídica de um Estado‑Membro permitisse que uma decisão judicial definitiva e obrigatória ficasse inoperante em detrimento de uma das partes, uma vez que a execução de uma sentença deve ser considerada parte integrante da «ação» na aceção do artigo 47.o da Carta.

49.

A recusa do Estado‑Membro de cumprir uma decisão judicial também é suscetível de causar prejuízo ao Estado de direito que constitui um dos valores em que se funda a União ( 17 ). O respeito do Estado de direito impõe‑se a todos os cidadãos da União e, em primeiro lugar, aos representantes do Estado, tendo em conta as suas responsabilidades específicas neste domínio, em consequência das suas próprias funções ( 18 ). O próprio Governo alemão reconheceu‑o na audiência ao sublinhar que uma decisão judicial deve evidentemente ser respeitada pelo poder executivo. Por seu turno, a Deutsche Umwelthilfe referiu também que o Estado respeita, em geral, as decisões judiciais, bastando habitualmente sanções pecuniárias compulsórias moderadas para incentivar a Administração a dar‑lhes cumprimento.

50.

Todavia, precisamente, quando essas sanções pecuniárias compulsórias, previstas no direito nacional relativamente à Administração, não forem suficientes para obrigar o Estado‑Membro a dar cumprimento a uma decisão judicial com vista a implementar uma diretiva, o juiz nacional pode ou deve recorrer a medidas diferentes das que estão à sua disposição nos termos desse direito?

51.

Com efeito, de acordo com a decisão de reenvio, as medidas já aplicadas, em conformidade com o direito interno, a saber, sanções pecuniárias compulsórias de 10000 euros, não tiveram qualquer efeito no Land da Baviera. Por outro lado, as únicas medidas possíveis, na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, a saber, sanções pecuniárias compulsórias que podem atingir 25000 euros, também não preenchem a exigência de efetividade, uma vez que não têm impacto sobre o orçamento do Land ( 19 ) e os responsáveis públicos deste último declararam publicamente que não tinham a intenção de prever proibições de circulação conforme ordenado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

52.

A este respeito, resulta do Acórdão Craeynest e o. ( 20 ) que as medidas necessárias que devem ser tomadas pelo juiz nacional para garantir o respeito das obrigações impostas pela Diretiva 2008/50 se limitam, em princípio, às previstas no direito nacional.

53.

Do mesmo modo, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a execução de uma decisão judicial nacional relativa a um ato da União é abrangida, em princípio, pela autonomia processual dos Estados‑Membros. Na falta de regras do direito da União na matéria, cabe ao ordenamento jurídico de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a proteção dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União ( 21 ). Esta autonomia processual é exercida sob reserva de essas modalidades não serem menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) ( 22 ). O princípio da equivalência não está em causa no presente processo.

54.

No caso em apreço, no processo principal, as medidas adotadas pelo juiz nacional não permitem assegurar a aplicação efetiva da Diretiva 2008/50 e, correlativamente, essa situação torna praticamente impossível o exercício pela Deutsche Umwelthilfe dos direitos que lhe são conferidos por esta diretiva.

55.

Coloca‑se a questão de saber se o direito da União oferece instrumentos, em tais circunstâncias, que permitam ultrapassar os obstáculos encontrados no direito interno. Importa, a este respeito, verificar se o princípio do primado do direito da União constitui esse instrumento.

56.

Por força deste princípio, o direito da União prevalece sobre o direito dos Estados‑Membros e impõe a todas as instâncias destes últimos que confiram pleno efeito às diferentes normas de direito da União ( 23 ). Os órgãos jurisdicionais nacionais devem assim dar ao direito interno, na medida do possível, uma interpretação em conformidade com as exigências do direito da União a fim de assegurar o pleno efeito deste último ( 24 ).

57.

Embora a obrigação de interpretação conforme não seja ilimitada e não possa especialmente servir de fundamento para uma interpretação contra legem do direito nacional, não deixa de exigir que se tome em consideração todo o direito interno e se apliquem métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena efetividade do direito da União e alcançar uma solução conforme com o objetivo por ele prosseguido ( 25 ).

58.

Os tribunais nacionais são, pois, obrigados a alterar, sendo caso disso, uma jurisprudência assente caso esta se baseie numa interpretação do direito interno incompatível com os objetivos de uma diretiva e a não aplicar, por sua iniciativa, qualquer interpretação que lhes seja imposta pelo seu direito nacional, se essa interpretação não for compatível com a diretiva em causa ( 26 ).

59.

Na impossibilidade de proceder a uma interpretação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União, o juiz nacional pode ser obrigado, por força do princípio do primado do direito da União, no âmbito de um litígio contra uma autoridade pública, a não aplicar qualquer disposição nacional contrária a uma norma europeia que tenha efeito direto, no sentido de que é suficientemente clara, precisa e incondicional para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal num órgão jurisdicional nacional ( 27 ).

60.

O princípio do primado do direito da União permitiu assim superar numerosos obstáculos de ordem processual emanados do direito interno, no âmbito de litígios baseados no direito da União. Em certos casos, pôde levar o juiz nacional a aplicar regras processuais e a adotar medidas em situações não previstas pelo direito nacional ( 28 ).

61.

No recente Acórdão Torubarov, relativo a um pedido de proteção internacional, o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional que conduz a uma situação em que o órgão jurisdicional de reenvio se encontra desprovido de qualquer medida que lhe permita fazer respeitar a sua sentença pelas autoridades administrativas em causa viola o conteúdo essencial do direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta ( 29 ). Considerou que competia ao juiz nacional, se necessário, deixar de aplicar uma regulamentação nacional que o proibia de substituir pela sua decisão a do órgão administrativo não conforme com a sua sentença anterior ( 30 ).

62.

Tal como no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio considerava não dispor de medidas de coação suficientes, com base no seu direito nacional, para fazer respeitar a sua sentença pela Administração e assegurar a plena efetividade do direito da União. Por conseguinte, existe uma analogia entre o presente processo e o Acórdão Torubarov.

63.

Recordadas estas considerações, que consequência deve ser tirada do princípio do primado do direito da União no presente processo?

64.

Conforme resulta dos n.os 58 e 59 das presentes conclusões, o juiz nacional é obrigado, na medida do possível, a não aplicar uma jurisprudência que constitua obstáculo à aplicação plena do direito da União, ou mesmo uma lei que crie esse obstáculo, quando o litígio que lhe foi submetido, que opõe um particular ao Estado, tenha por objeto uma disposição do direito da União dotada de efeito direto ( 31 ).

65.

O tribunal de reenvio refere que lhe parece possível interpretar o seu direito nacional de modo a assegurar o pleno efeito das disposições de direito da União no âmbito do processo principal. Para esse efeito, propõe a utilização do mecanismo da interpretação referido no n.o 56 das presentes conclusões, aplicando‑o às medidas de execução coerciva previstas no direito nacional no seu conjunto.

66.

Uma vez que a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias de um montante total de 10000 euros se revelou ineficaz e que também não surtiria o efeito desejado a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias de montante superior, até 25000 euros, há que aplicar, segundo esse órgão jurisdicional, a medida de prisão. Isto implicaria ter em consideração a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal), de 1999 ( 32 ), a qual prevê a consideração das medidas mais coercivas que figuram no direito civil alemão, mas ignorar a jurisprudência de 1970 ( 33 ) do mesmo tribunal que obsta ao recurso à medida de prisão de responsáveis públicos. Este obstáculo dever‑se‑ia à falta de uma lei clara e precisa que preenchesse determinados requisitos formais relativamente a essas pessoas. O § 888 do ZPO não preenche esses requisitos e, como foi referido na audiência pelo Governo alemão em resposta a uma pergunta do Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais alemães não decretaram nenhuma medida de prisão contra eles com base nisso.

67.

No entanto, coloca‑se a questão de saber se o juiz nacional deve ir tão longe na interpretação do seu direito nacional para dar pleno efeito ao artigo 23.o da Diretiva 2008/50 e ao artigo 47.o da Carta, afastando a jurisprudência, ou mesmo uma lei, protetora dos particulares. Não creio.

68.

Com efeito, a plena efetividade do direito da União pode, na prática, estar sujeita a limites. O juiz nacional, a quem compete aplicar o direito da União, deve por vezes efetuar uma ponderação de diversos direitos fundamentais ( 34 ). Em certos casos, a plena aplicação de uma norma de direito da União deve ser afastada em nome de um princípio geral de direito ( 35 ) ou de um direito fundamental ( 36 ).

69.

Uma vez que a prisão implica uma privação da liberdade, importa verificar se o afastamento de uma parte do direito nacional, tal como previsto pelo órgão jurisdicional de reenvio, para dar plena execução a uma diretiva e assegurar o direito à ação, é compatível com o artigo 6.o da Carta, que garante o direito à liberdade.

C.   Consideração do direito fundamental à liberdade

70.

O artigo 6.o da Carta prevê um direito fundamental à liberdade que reflete o direito consagrado no artigo 5.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). ( 37 ).

71.

Este direito à liberdade deve ser interpretado à luz do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, por força do qual qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela Carta deve estar prevista na lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades.

72.

A jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que se deve tomar como base em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, uma vez que se trata de um direito correspondente a um direito previsto pela CEDH, confirma a necessidade de uma lei. Esta jurisprudência e nomeadamente o Acórdão del Rio Prada c. Espanha ( 38 ) acentua a qualidade da lei, sublinhando que qualquer privação de liberdade deve ter uma base legal e a lei em causa deve ser suficientemente acessível, precisa e previsível na sua aplicação para evitar qualquer perigo de arbitrariedade. O Tribunal de Justiça retomou estes critérios no seu Acórdão Al Chodor, ao esclarecer que é exigida uma base legal e que esta deve corresponder a critérios de clareza, de previsibilidade, de acessibilidade e de proteção contra a arbitrariedade ( 39 ).

73.

Saliento que o artigo 104.o da Lei Fundamental, a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere, contém exigências semelhantes, ao prever que a liberdade de uma pessoa só pode ser limitada por força de uma lei, a qual deve preencher certos critérios de formalidade.

74.

Ora, no presente processo, o órgão jurisdicional nacional expõe de forma clara e firme que o direito interno não comporta uma lei dessa natureza relativa à privação da liberdade pela medida de prisão para forçar os responsáveis públicos a cumprirem uma decisão judicial transitada em julgado.

75.

Esta apresentação do direito nacional foi efetivamente debatida nas observações escritas das partes e na audiência no Tribunal de Justiça. Todavia, além de não competir ao Tribunal de Justiça pôr em causa a interpretação que o órgão jurisdicional de reenvio dá ao direito nacional ( 40 ), sublinho que resulta da discussão da causa, pelo menos, que existe uma dúvida séria sobre a interpretação do direito nacional e, portanto, sobre o seu grau de clareza e de previsibilidade.

76.

Na opinião da Deutsche Umwelthilfe e do órgão jurisdicional de reenvio, este problema de previsibilidade pode ser ultrapassado mediante a adoção de um aviso cominatório em relação às pessoas em causa. Todavia, esse mesmo órgão jurisdicional refere que este tipo de aviso não está previsto no ZPO para as obrigações de fazer, como a obrigação de prever uma proibição de circulação de determinados veículos ( 41 ).

77.

Por outro lado, a decisão de reenvio demonstra que existe uma incerteza adicional e não negligenciável quanto às pessoas que podem ser afetadas pela prisão.

78.

Com efeito, o tribunal de reenvio menciona várias pessoas, a saber, o nível do Land, o Ministro‑Presidente e o Ministro do Ambiente e da Proteção dos Consumidores, a nível da Região administrativa da Alta Baviera, o Presidente e o Vice‑Presidente do Governo. Acrescenta que devem também ser referidas, por precaução, as pessoas que ocupam cargos de direção no Land e na Região Administrativa da Alta Baviera, uma vez que os órgãos responsáveis do Land beneficiam de imunidade parlamentar que, se não for levantada, torna a prisão inoperante.

79.

Resulta desta enumeração que os principais responsáveis públicos a nível do Land podem escapar à medida de prisão. Em contrapartida, os altos funcionários da Região Administrativa da Alta Baviera, que, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, devem seguir as instruções do Land, bem como das pessoas que ocupam um cargo de direção nos serviços competentes deste último e da Região Administrativa da Alta Baviera, podem ser objeto dessa medida. No entanto, relativamente a essas pessoas, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que é ainda necessário verificar se pode ser‑lhes exigido que executem a decisão judicial mesmo que devam agir contra o entendimento do seu superior hierárquico.

80.

Resulta do exposto que, mesmo admitindo que a medida de prisão pudesse atingir o objetivo pretendido, a saber, o respeito do caso julgado e, da mesma forma, a plena aplicação da Diretiva 2008/50 — o que me parece longe de ser certo ‑ a aplicação dessa medida aos responsáveis do Land violaria o direito fundamental à liberdade garantido pelo artigo 6.o da Carta, devido à inexistência de uma lei nesse sentido ou, pelo menos, à inexistência de uma lei clara e previsível.

81.

Apesar do problema da efetividade do direito da União e, nomeadamente, da ingerência no direito à ação que a situação específica gera, o julgador nacional não pode deixar de respeitar as exigências fundamentais desse artigo 6.o

82.

Como salientou o Governo alemão na audiência no Tribunal de Justiça, uma vez que se trata de um litígio que tem por objeto um direito resultante de uma diretiva, o juiz chamado a decidir deve interpretar o direito nacional em conformidade com o direito da União e pode ser obrigado a não aplicar uma lei nacional que se lhe oponha. Todavia, esta interpretação do direito nacional não deve, certamente, levar a uma violação do direito fundamental à liberdade.

83.

À semelhança do Governo alemão, considero que a liberdade dos indivíduos não pode ser limitada sem que haja base legal suficiente. Esse limite deve assentar numa lei clara, previsível, acessível e desprovida de arbitrariedade. Se assim não for, a limitação da liberdade é, por sua vez, suscetível de atentar gravemente contra o Estado de direito.

84.

Portanto, por muito grave que seja o comportamento de responsáveis públicos que recusam dar cumprimento a uma decisão judicial transitada em julgado, considero que a obrigação de o juiz nacional de fazer tudo o que for da sua competência para dar pleno efeito a uma diretiva, nomeadamente uma diretiva em matéria de ambiente, e de assegurar o direito fundamental à ação, não pode ser cumprida em violação do direito fundamental à liberdade. Por conseguinte, essa obrigação não pode ser entendida no sentido de que lhe permite ‑ nem, a fortiori, o obriga ‑ a violar esse direito fundamental à liberdade ( 42 ).

85.

Proponho, assim, que o Tribunal de Justiça esclareça que a obrigação do juiz de interpretar o seu direito nacional na medida do possível em conformidade com o direito da União e, eventualmente, de afastar uma lei que, na prática, criaria entraves à plena efetividade desse direito é absolutamente limitada quando essa interpretação é contrária ao direito fundamental à liberdade garantido pelo artigo 6.o da Carta.

86.

Acresce que, mesmo no caso de a prisão estar prevista na lei, quero recordar, como tinha sublinhado nas minhas conclusões no processo Al Chodor, que a privação da liberdade deve, em minha opinião, constituir um último recurso ( 43 ). Assim, em todo o caso, só deve ser aplicada se tiver sido tomada em consideração qualquer outra medida e se o princípio da proporcionalidade tiver sido respeitado.

87.

De resto, observo, no caso vertente, que não é certo que o órgão jurisdicional de reenvio tenha recorrido a todos os meios à sua disposição ao abrigo do direito nacional. Foi sugerido na audiência que podiam ser consideradas outras medidas como as sanções pecuniárias compulsórias, até 25000 euros, eventualmente repetidas em prazos curtos. Foi também evocada a possibilidade de essas sanções serem pagas não ao Land mas a um terceiro, ou mesmo à recorrente no processo principal. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se tais medidas são possíveis.

88.

Na falta de medidas coercivas eficazes no direito interno para assegurar a execução das sentenças, é, em todo o caso, ao legislador nacional que compete, se o considerar pertinente ou desejável, prever ou não uma medida privativa de liberdade como a prisão dos responsáveis públicos. Essa decisão pode variar consoante os Estados‑Membros em função de opções sociais e de apreciação da aptidão dessa medida para permitir alcançar o resultado previsto pela diretiva em causa ( 44 ).

89.

Saliento que, embora o órgão jurisdicional de reenvio esteja totalmente desarmado, nos termos do seu direito interno, para assegurar o respeito pela recorrida das suas decisões judiciais transitadas em julgado e, ao mesmo tempo, da Diretiva 2008/50, a União dispõe ainda de uma medida coerciva. Em tal situação pode ser ponderada uma ação por incumprimento contra o Estado‑Membro tendo, aliás, a Comissão movido um processo dessa natureza a respeito da qualidade do ar, nomeadamente na cidade de Munique ( 45 ). Se o Estado‑Membro for condenado por violação da Diretiva 2008/50 e se não der cumprimento à decisão do Tribunal de Justiça, este poderá, com base no artigo 260.o, n.o 2, TFUE, condená‑lo no pagamento de uma quantia fixa pelo passado e em sanções pecuniárias compulsórias para o futuro, de nível dissuasivo, pagáveis, sendo caso disso, por cada dia em que o Estado‑Membro não lhe dê cumprimento.

V. Conclusão

90.

Em face destas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera, Alemanha) do seguinte modo:

O direito da União Europeia, especificamente, o artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, TUE, o artigo 197.o, n.o 1, TFUE, o artigo 47.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 9.o da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente de 1998, assinada em Aarhus em 25 de junho de 1998, e aprovada em nome da Comunidade Europeia adotada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005, e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, deve ser interpretado no sentido de que, para garantir a execução efetiva da Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa e, para esse efeito, obrigar os responsáveis públicos a darem cumprimento a uma decisão judicial transitada em julgado, o órgão jurisdicional nacional não está obrigado, nem sequer autorizado, a aplicar‑lhes uma medida privativa de liberdade, como a prisão, se a aplicação dessa medida a essas pessoas não estiver prevista em lei nacional clara, previsível, acessível e desprovida de arbitrariedade.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2008 L 152, p. 1. Esta diretiva substituiu a Diretiva 96/62/CE do Conselho de 27 de setembro de 1996 relativa à avaliação e gestão da qualidade do ar ambiente (JO 1996 L 296, p. 55).

( 3 ) Convenção sobre o Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, assinada em Aarhus em 25 de junho de 1998, e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1; a seguir «Convenção de Aarhus »).

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1).

( 5 ) O órgão jurisdicional de reenvio refere que o caráter adequado dessas medidas de proibição de circulação para respeitar os valores‑limite previstos na Diretiva 2008/50 é confirmado por um Acórdão do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) de 27 de fevereiro de 2018 (7 C 26.16).

( 6 ) JO 2007, C 303, p. 1; a seguir «Carta».

( 7 ) A Deutsche Umwelthilfe alega que existe uma base legal para a aplicação da medida de prisão aos responsáveis públicos. Esta consta do § 167 do VwGO, que reconhece a possibilidade de recorrer ao direito civil. Assim, segundo a Deutsche Umwelthilfe, as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio não refletem a lei conforme prevista § artigo 167, mas a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal). O Land da Baviera e o Governo alemão consideram que as medidas de execução que podem ser tomadas relativamente à Administração estão previstas no § 167 do VwGO, que remete para o direito civil, se não existir uma disposição especial. Na sua opinião, o § 172 do VwGO constitui uma disposição deste tipo e a alteração introduzida neste § 172 na sequência do Despacho do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) de 9 de agosto de 1999 (1 BvR 2245/98), que tem em conta este despacho ao aumentar o montante máximo das sanções pecuniárias compulsórias aplicáveis à Administração para aumentar a sua eficácia, tem como efeito que deixa de ser possível recorrer a outras medidas mais coercitivas previstas no direito civil.

( 8 ) V., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2017, Online Games e o. (C‑685/15, EU:C:2017:452, n.o 45), e, nomeadamente, Acórdão de 21 de junho de 2016, New Valmar (C‑15/15, EU:C:2016:464, n.o 25).

( 9 ) Resulta da decisão de reenvio, bem como da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de setembro de 2005, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa [COM(2005) 447 final], que as concentrações de dióxido de azoto largamente superiores às autorizadas por lei afetam a saúde das pessoas diariamente e a sua esperança de vida.

( 10 ) V. n.o 49 das presentes conclusões.

( 11 ) Acórdão de 25 de julho de 2008 (C‑237/07, EU:C:2008:447).

( 12 ) Acórdão de 19 de novembro de 2014 (C‑404/13, EU:C:2014:2382).

( 13 ) Acórdão de 26 de junho de 2019 (C‑723/17, EU:C:2019:533).

( 14 ) Acórdão de 26 de junho de 2019, Craeynest e o. (C‑723/17, EU:C:2019:533, n.o 56) (o sublinhado é meu).

( 15 ) Acórdão de 30 de junho de 2016 (C‑205/15, EU:C:2016:499, n.o 43).

( 16 ) Acórdão de 29 de julho de 2019 (C‑556/17, EU:C:2019:626, a seguir «Acórdão Torubarov», n.o 57).

( 17 ) V. Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 43), e de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 30 e 31).

( 18 ) V., por analogia, Acórdão de 11 de julho de 2006, Comissão/Cresson (C‑432/04, EU:C:2006:455, n.o 70).

( 19 ) V. n.o 22 das presentes conclusões.

( 20 ) Acórdão de 26 de junho de 2019 (C‑723/17, EU:C:2019:533, n.o 56).

( 21 ) Acórdão de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 39).

( 22 ) Acórdão de 26 de junho de 2019, Craeynest e o. (C‑723/17, EU:C:2019:533, n.o 54 e jurisprudência aí referida).

( 23 ) Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 53 a 54).

( 24 ) Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 55).

( 25 ) V., e, neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 74, 76 e 77).

( 26 ) V. e, neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 78).

( 27 ) V. Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 58 e 61).

( 28 ) V. Acórdãos de 19 de junho de 1990, Factortame e o. (C‑213/89, EU:C:1990:257, n.o 23); de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan (C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 26 e n.o 36, segundo travessão); de 21 de novembro de 2002, Cofidis (C‑473/00, EU:C:2002:705, n.o 38); e de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 64).

( 29 ) Acórdão Torubarov (n.os 71 e 72).

( 30 ) Acórdão Torubarov (n.o 74).

( 31 ) Quanto ao artigo 23.o da Diretiva 2008/50, o Tribunal de Justiça já declarou que esta disposição impõe uma obrigação clara de estabelecer um plano de qualidade do ar em conformidade com certas exigências que os particulares podem invocar contra as autoridades públicas (v. Acórdão de 19 de novembro de 2014, ClientEarth, C‑404/13, EU:C:2014:2382, n.os 53 a 56 e jurisprudência referida). No que respeita ao artigo 47.o da Carta, o Tribunal de Justiça declarou que, no âmbito de um litígio relativo a uma situação regulada pelo direito da União, este artigo é suficiente por si só e não tem de ser precisado por disposições do direito da União ou do direito nacional para conferir aos particulares um direito invocável enquanto tal (Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 78, e Acórdão Torubarov, já referido, n.o 56).

( 32 ) Despacho de 9 de agosto de 1999 (1 BvR 2245/98). O processo que deu origem a esse despacho dizia respeito à recusa de um município a arrendar uma sala a um determinado partido político. O Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) considerou que as medidas previstas pelo VwGO, nomeadamente o § 172, se podiam revelar insuficientes e que nessa situação, era possível «mutatis mutandis» a aplicação das regras do ZPO [«in entsprechender Anwendung»] nos termos do § 167 do VwGO. O Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) dá exemplos de medidas de execução coerciva, baseadas no ZPO, que dizem respeito à execução por terceiros (por exemplo, a abertura da sala por um oficial de justiça). No entanto, a medida de prisão não é mencionada no despacho.

( 33 ) Despacho de 13 de outubro de 1970 (1 BvR 226/70).

( 34 ) V., no que respeita à ponderação do direito ao respeito da vida privada e do direito à liberdade de expressão, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia (C‑73/07, EU:C:2008:727, n.os 52 e 53).

( 35 ) V. Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 53).

( 36 ) V. Acórdão de 17 de janeiro de 2019, Dzivev e o. (C‑310/16, EU:C:2019:30, n.os 33, 34, 36 e 39).

( 37 ) De acordo com as anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17), o direito à liberdade previsto pelo artigo 6.o da Carta corresponde ao que é garantido pelo artigo 5.o da CEDH, e, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, tem o sentido e alcance (v. Secção «Anotação ad artigo 6.o», primeiro parágrafo).

( 38 ) TEDH, 21 de outubro de 2013, del Rio Prada c. Espanha (CE:ECHR:2013:1021JUD004275009, § 125 e jurisprudência aí referida), e, em especial, TEDH de 25 de junho de 1996, Amuur c. França (CE:ECHR:1996:0625JUD001977692, § 50).

( 39 ) Acórdão de 15 de março de 2017, Al Chodor (C‑528/15, EU:C:2017:213, n.os 38 e 40).

( 40 ) V. n.o 38 das presentes conclusões.

( 41 ) V. n.os 12 e 13 das presentes conclusões. O aviso cominatório não está previsto no § 888, n.o 2, do ZPO. Nos termos do § 890, n.os 1 e 2, do ZPO, este aviso está previsto para o caso de uma obrigação de não fazer ou de tolerar um ato.

( 42 ) Remeto para as Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Dzivev e o. (C‑310/16, EU:C:2018:623, n.os 123 e 124) que sublinham a necessidade de encontrar um equilíbrio entre o imperativo da efetividade e a necessidade de proteger os direitos fundamentais.

( 43 ) V. as minhas Conclusões no processo Al Chodor (C‑528/15, EU:C:2016:865, n.o 55).

( 44 ) Num artigo de 18 de julho de 2019, publicado no Frankfurter Allgemeine Zeitung, o presidente do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), escreve que a prisão não é, na sua opinião, uma medida adequada em relação aos representantes de um órgão administrativo como o Ministro‑Presidente de um Land. O público espera que os órgãos estatais e regionais bem como os altos funcionários continuem a exercer todas as suas funções.

( 45 ) V. processo pendente C‑635/18, Comissão/Alemanha.