CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GIOVANNI PITRUZZELLA

apresentadas em 5 de dezembro de 2019 ( 1 )

Processo C‑560/18 P

Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos das instituições da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Documentos relativos a um procedimento de infração em curso — Pareceres circunstanciados emitidos no âmbito de um procedimento de notificação com base na Diretiva 98/34/CE — Recusa de conceder o acesso — Exceção prevista pelo artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão — Divulgação dos documentos solicitados no decurso de um processo no Tribunal Geral — Despacho de não conhecimento do mérito — Manutenção do interesse em agir»

I. Introdução

1.

Falta o interesse em agir a uma associação que representa os interesses dos operadores de um setor comercial específico na sequência da divulgação, durante o processo no Tribunal Geral da União Europeia, dos documentos a que foi recusado o acesso pela Comissão Europeia?

2.

Quais são os elementos que o Tribunal Geral deve considerar verificados para poder legitimamente excluir a manutenção do interesse em agir do recorrente e, portanto, declarar o não conhecimento do mérito?

3.

Deve a apreciação de probabilidade de que a alegada ilegalidade, que consiste na recusa de acesso a determinados documentos, se repita no futuro ser feita em abstrato, em relação a qualquer hipótese de recusa com base na mesma disposição normativa, ou em concreto, tendo em conta as características subjetivas e objetivas da situação específica?

4.

Estas são, em substância, as questões jurídicas na base do presente processo em que uma associação que defende os interesses dos fabricantes, dos distribuidores e dos operadores de máquinas de entretenimento na Polónia, interpõe um recurso no Tribunal de Justiça para pedir a anulação do despacho do Tribunal Geral que decidiu não conhecer do mérito em razão da falta do interesse em agir dessa mesma associação.

5.

A recorrente baseou o seu recurso em cinco fundamentos, mas, nestas conclusões, limitar‑me‑ei, como pedido pelo Tribunal de Justiça, a abordar as questões jurídicas ligadas ao primeiro fundamento.

6.

Após ter delimitado o objeto do processo, analisarei a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de interesse em agir, aplicando os princípios expostos ao presente processo.

7.

Em especial, procurarei esclarecer que a manutenção do interesse em agir num processo relativo ao acesso a documentos, posteriormente à divulgação destes últimos, é absolutamente excecional e reservada a situações específicas que o Tribunal de Justiça também recordou recentemente no Acórdão proferido no processo C‑57/16 P (ClientEarth) ( 2 ).

8.

Por último, concluirei que essas situações específicas não se verificam na factualidade objeto do presente processo, que, por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito ao decidir não conhecer do mérito e que, portanto, o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

II. Quadro jurídico

A.   Regulamento n.o 1049/2001

9.

O considerando 4 do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 ( 3 ) estabelece:

«O presente regulamento destina‑se a permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos e a estabelecer os respetivos princípios gerais e limites, em conformidade com o disposto no n.o 2 do artigo 255.o do Tratado CE.»

10.

Além disso, o considerando 11 do mesmo regulamento específica:

«Em princípio, todos os documentos das instituições deverão ser acessíveis ao público. No entanto, determinados interesses públicos e privados devem ser protegidos através de exceções. É igualmente necessário que as instituições possam proteger as suas consultas e deliberações internas, se tal for necessário para salvaguardar a sua capacidade de desempenharem as suas funções.

[…]»

11.

O artigo 2.o do Regulamento n.o 1049/2001, sob a epígrafe «Beneficiários e âmbito de aplicação», estabelece:

«1.   Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.»

12.

O artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1049/2001, sob a epígrafe «Exceções», dispõe:

«2.   As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual,

processos judiciais e consultas jurídicas,

objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.   O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.» […]

III. Factos, processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

A.   Factos anteriores ao recurso no Tribunal Geral

13.

Em 20 de novembro de 2013, a Comissão Europeia enviou à República da Polónia, no âmbito do procedimento de infração 2013/4218, uma notificação para cumprir ao abrigo do artigo 258.o TFUE, na qual pediu que conformasse o seu quadro jurídico nacional relativo aos serviços de jogos de fortuna e azar às liberdades fundamentais definidas pelo direito da União.

14.

Por conseguinte, a República da Polónia anunciou à Comissão, na resposta recebida em 3 de março de 2014, a sua intenção de notificar, com base na Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de junho de 1998 ( 4 ), relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, um projeto de lei com a finalidade de alterar a lei polaca dos jogos de fortuna e azar.

15.

Em 5 de novembro de 2014, a República da Polónia notificou à Comissão o projeto de lei anunciado ( 5 ), nos termos do artigo 8.o da Diretiva 98/34.

16.

No âmbito do referido procedimento, a Comissão e a República de Malta emitiram, respetivamente, em 3 e 6 de fevereiro de 2015, dois pareceres circunstanciados sobre o projeto de lei notificado, de acordo com o disposto no artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 98/34.

17.

Em 17 de fevereiro de 2015, a Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych (a seguir «IGPOUR»), uma organização que representa os interesses dos fabricantes, dos distribuidores e dos operadores de máquinas de entretenimento na Polónia, requereu o acesso aos dois pareceres emitidos pela Comissão e pela República de Malta, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001.

18.

Na sequência de uma apreciação, datada de 10 de março de 2015, a Comissão recusou conceder à IGPOUR o acesso aos documentos pedidos.

19.

Consequentemente, em 16 de abril de 2015, a IGPOUR dirigiu à Comissão um pedido confirmativo de acesso aos documentos, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

20.

Em 12 de junho de 2015, a Comissão indeferiu o pedido confirmativo apresentado pela IGPOUR, na medida em que dizia respeito ao seu parecer circunstanciado; em 17 de julho de 2015, indeferiu o pedido confirmativo na medida em que se referia ao parecer circunstanciado emitido pela República de Malta ( 6 ).

21.

Nas decisões impugnadas, a Comissão fundamentou a sua recusa de divulgar a documentação solicitada pela IGPOUR com base no estabelecido pelo artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Mais detalhadamente, a Comissão precisou que a divulgação dos documentos em causa teria comprometido a proteção dos «objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria» no que respeita ao procedimento de infração n.o 2013/4218, dado que os pareceres solicitados estavam indissociavelmente ligados ao referido procedimento.

B.   Tramitação do processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

22.

Perante a referida recusa, em 1 de setembro de 2015, a IGPOUR apresentou na Secretaria do Tribunal Geral um recurso de anulação das decisões impugnadas.

23.

No âmbito do referido processo, o Reino da Suécia foi autorizado a intervir em apoio das conclusões da IGPOUR, enquanto a República da Polónia foi autorizada a intervir no processo em apoio da Comissão.

24.

Na audiência realizada em 28 de setembro de 2017, as partes apresentaram observações orais e responderam às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

25.

Por requerimento apresentado em 6 de março de 2018, a Comissão pediu ao Tribunal Geral que declarasse que o recurso interposto pela IGPOUR tinha ficado sem objeto, uma vez que, depois de concluído o correspondente procedimento de infração 2013/4218, a Comissão tinha decidido conceder à recorrente o acesso aos dois documentos controvertidos. Através do mesmo ato, a Comissão pediu, além disso, a condenação da recorrente nas despesas do processo.

26.

Atendendo ao referido pedido, o Tribunal Geral decidiu reabrir a fase oral do processo por Despacho de 14 de março de 2018 e convidou as partes a pronunciarem‑se sobre o pedido de não conhecimento do mérito apresentado pela Comissão.

27.

Nas suas observações, a IGPOUR contestou que tivesse perdido o interesse em agir, enquanto a República da Polónia, nas suas observações, declarou simplesmente que não se opunha ao pedido da Comissão. O Reino da Suécia não apresentou observações sobre esse pedido.

28.

Por Despacho de 10 de julho de 2018 ( 7 ), o Tribunal Geral decidiu não conhecer do mérito, condenando cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas do processo.

29.

Para fundamentar a sua decisão, o Tribunal Geral, tendo em conta a particularidade da situação objeto do processo, considerou improvável que se verifique uma situação semelhante à do caso em apreço no futuro e, portanto, excluiu o interesse em agir da recorrente na sequência da disponibilização dos documentos pedidos.

30.

Além disso, o Tribunal Geral salientou que a IGPOUR, ao contestar o pedido da Comissão de não conhecimento do mérito, se limitou a fazer referência à possibilidade genérica de uma ação de indemnização futura sem, todavia, especificar se tinha efetivamente a intenção de proceder nesse sentido.

C.   Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

31.

Com o recurso interposto em 3 de setembro de 2018 no Tribunal de Justiça, a IGPOUR pediu a anulação do despacho de não conhecimento do mérito proferido pelo Tribunal Geral, bem como a anulação das decisões impugnadas, que recusaram à recorrente o acesso aos pareceres circunstanciados emitidos pela Comissão e pela República de Malta no âmbito do procedimento de notificação 2014/537/PL. A IGPOUR pediu, também, a condenação da Comissão nas despesas do processo.

32.

A título subsidiário, a IGPOUR pediu que o processo seja remetido novamente ao Tribunal Geral, para que este decida quanto ao mérito e às despesas.

33.

O Reino da Suécia pediu ao Tribunal de Justiça a anulação do despacho recorrido e das decisões impugnadas.

34.

Em contrapartida, a Comissão pediu que seja negado provimento ao recurso e que a recorrente seja condenada nas despesas do processo.

IV. Análise do recurso

35.

A IGPOUR invoca cinco fundamentos para sustentar o seu recurso.

36.

Com o primeiro fundamento, subdividido em duas partes, a IGPOUR alega que o Tribunal Geral incorreu em erro de direito (n.os 30 e 32 do despacho recorrido): ao considerar improvável que a ilegalidade alegada pela recorrente se possa repetir no futuro e que, portanto, a recorrente, na sequência da divulgação dos documentos solicitados, não tinha interesse em prosseguir o recurso; ao considerar, para efeitos da referida apreciação, que a questão pertinente é saber se no futuro pode ocorrer uma situação específica como a que está em causa no presente processo, e não a de que, no futuro, a Comissão faça a mesma aplicação, noutros casos de acesso, da exceção prevista no artigo 4.o, segundo parágrafo, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

37.

Com o segundo fundamento, a recorrente alega que, no n.o 33 do despacho recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que uma decisão de encerramento do processo sem um acórdão não permitiria à Comissão subtrair‑se a uma fiscalização jurisdicional efetiva.

38.

Através do terceiro fundamento, a IGPOUR alega que, no n.o 34 do despacho recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o encerramento do processo sem a prolação de um acórdão não imporia à recorrente uma sobrecarga injustificada se tivesse de intentar uma ação de indemnização contra a Comissão.

39.

O quarto fundamento, relativo ao n.o 34 do despacho recorrido, diz respeito a um alegado erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao considerar que não era necessário decidir com base nos eventuais pedidos de indemnização apresentados pela recorrente ou pelos seus membros pelos prejuízos causados pelas decisões recorridas, na medida em que a recorrente: não especificou se a intenção de propor uma ação de indemnização era puramente hipotética; não se baseou em elementos de prova precisos, concretos e passíveis de verificação; não forneceu qualquer prova dos prejuízos causados pelas decisões impugnadas.

40.

Com o seu quinto fundamento, a IGPOUR alega que, no n.o 34 do despacho recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a recorrente não tinha qualquer interesse em prosseguir o recurso, quando a anulação das decisões recorridas era necessária para reparar o dano moral causado à recorrente na qualidade de organização profissional.

41.

Como referi, as presentes conclusões concentram‑se no primeiro fundamento de recurso.

A.   Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na medida em que o Tribunal Geral: (i) declarou improvável que a ilegalidade alegada pela recorrente no recurso se possa repetir no futuro; (ii) considerou que a questão pertinente é a possibilidade de que se verifique no futuro uma situação específica análoga à do caso em apreço

1. Argumentos das partes

42.

A IGPOUR sustenta que, nos n.os 30 e 32 do despacho recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que é improvável que, numa situação análoga à que está em causa no presente processo, a alegada recusa ilegal de acesso aos documentos referidos por parte Comissão se possa verificar no futuro e que, por conseguinte, a recorrente não tinha interesse em prosseguir com o recurso.

43.

Mais detalhadamente, a IGPOUR considera que o Tribunal Geral não considerou improvável que a Comissão se baseasse no futuro na interpretação do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, segundo a qual se os documentos aos quais é solicitado o acesso nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 incluem referências a notificações de incumprimento ou, na falta dessas referências, estão «indissociavelmente ligados» a um procedimento de infração pendente, estão abrangidos por uma presunção geral de não divulgação.

44.

Com efeito, a recorrente alega que o Tribunal Geral apreciou antes a probabilidade de a interpretação efetuada no caso em apreço poder voltar a ser utilizada numa situação semelhante à do presente processo, ou seja, um novo caso em que, no âmbito de um procedimento de infração, um Estado‑Membro notifique à Comissão um projeto de lei para responder às preocupações que justificam o procedimento, e a Comissão recuse divulgar pareceres proferidos sobre esse projeto de lei a fim de proteger a necessária confidencialidade das relações entre Estados e Comissão no procedimento de infração.

45.

A este respeito, a IGPOUR faz referência, em particular, ao Acórdão do Tribunal Geral de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento ( 8 ), no qual o Tribunal Geral confirmou o interesse na decisão da recorrente numa situação análoga, uma vez que a ilegalidade alegada pela recorrente se baseava numa interpretação de uma das exceções previstas pelo Regulamento n.o 1049/2001 que o Parlamento poderia reafirmar aquando de um novo pedido de acesso.

46.

Segundo a IGPOUR, o Tribunal Geral cometeu o mesmo erro referido nos números anteriores, ao aprovar a interpretação da Comissão segundo a qual o princípio da transparência na base da Diretiva 98/34 (substituída pela Diretiva 2015/1535) não se opõe à invocação de presunções gerais de não divulgação em relação a pareceres circunstanciados emitidos num procedimento de notificação não confidencial.

47.

Além disso, a IGPOUR alega que, à luz do grande alcance das obrigações de notificação por parte dos Estados‑Membros ao abrigo da Diretiva 2015/1535, é altamente provável que muitos dos documentos notificados respondam, pelo menos em parte, às preocupações da Comissão.

48.

A recorrente observa, além disso, que outro despacho que lhe diz respeito, concretamente o Despacho de 19 de julho de 2018, Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/Comissão ( 9 ), pode ser considerado pertinente no presente processo, a fim de demonstrar que a Comissão defende constantemente as suas interpretações na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, bem como o princípio da transparência estabelecido pelas Diretivas 98/34 e 2015/1535. Precisamente esse precedente, de acordo com a recorrente, confirma a probabilidade de que a interpretação contestada possa repetir‑se no futuro.

49.

Por último, a IGPOUR alega que é muito provável que apresente, no futuro, pedidos de acesso a documentos semelhantes aos do caso em apreço, dado ser uma organização de empresários cujas atividades respeitam a todos os aspetos das operações comerciais dos seus membros e não apenas aos aspetos diretamente relacionados com o domínio específico que representa, ou seja, o dos jogos de fortuna e azar.

50.

O Governo sueco considera que o recurso é procedente e limita as suas observações ao primeiro fundamento alegado pela IGPOUR. A este respeito, o Governo observa que, embora a IGPOUR tenha agora acesso aos documentos controvertidos, resulta dos n.os 10 e 35 do recurso que as decisões recorridas não foram formalmente revogadas pela Comissão, pelo que o litígio conservou o seu objeto.

51.

Segundo o Governo sueco, a IGPOUR procurou deliberadamente aceder aos pareceres circunstanciados no âmbito de um procedimento de notificação quando o procedimento de infração ainda se encontrava pendente. Todavia, o acesso a esses documentos só foi autorizado após a conclusão do procedimento de infração e do procedimento de notificação. Uma vez que a divulgação dos documentos solicitados não ocorreu antes do encerramento desses processos, não atingiu plenamente os objetivos prosseguidos pelo pedido de acesso.

52.

O Governo sueco partilha da posição da IGPOUR segundo a qual o Tribunal Geral deveria ter analisado se a regra da presunção geral da Comissão aplicável às decisões recorridas poderia ser invocada pela Comissão no futuro. Alega que essa conclusão é diretamente confirmada pelo Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, do qual resulta que o que deve ser analisado é se a ilegalidade invocada se poderá repetir no futuro.

53.

O Governo sueco, tal como a IGPOUR, considera que uma situação semelhante se pode verificar novamente no futuro.

54.

Em primeiro lugar, existe um risco imediato de que a Comissão possa fundamentar as decisões que recusem os pedidos futuros de acesso aos documentos apresentados no âmbito dos procedimentos de notificação previstos pela Diretiva 2015/1535 por referência à presunção geral contestada.

55.

Em segundo lugar, a Comissão, de facto, já aplicou essa regra de presunção geral depois de ter adotado as decisões recorridas, para justificar a recusa de um pedido adicional da IGPOUR que, apresentado no âmbito de um procedimento de notificação previsto pela Diretiva 2015/1535, tinha por objeto o acesso às observações da Comissão e a um parecer circunstanciado.

56.

Em terceiro lugar, o facto de a IGPOUR se encontrar em risco de ver a referida regra geral de presunção invocada, no futuro, decorre também do facto de a IGPOUR ser uma organização que representa os interesses dos fabricantes, dos distribuidores e dos operadores de máquinas de entretenimento na Polónia, cujas atividades respeitam a todos os aspetos das operações comerciais dos seus membros e não apenas aos aspetos diretamente relacionados com o domínio específico que representa ou que estão abrangidos pela legislação nacional sobre jogos de fortuna e azar. Por último, este risco não diz apenas respeito aos pedidos de acesso aos documentos da IGPOUR, mas também aos de outras pessoas.

57.

A Comissão considera que o primeiro fundamento de recurso é improcedente por três razões.

58.

Em primeiro lugar, alega que a IGPOUR não contesta os critérios jurídicos aplicados pelo Tribunal Geral para apreciar a possibilidade de a mesma manter o interesse na prossecução do processo, mas parece pedir ao Tribunal de Justiça que substitua a apreciação de um elemento factual efetuada pelo Tribunal Geral, a saber, a probabilidade de que a alegada ilegalidade se repita no futuro, pela sua própria apreciação do mesmo elemento factual. De acordo com a Comissão, o Tribunal Geral analisou corretamente as circunstâncias do processo e concluiu que a IGPOUR não tinha interesse concreto e atual em impedir que a alegada ilegalidade se repetisse no futuro.

59.

Em segundo lugar, a Comissão alega que, depois de ter tomado a decisão de conceder o acesso aos documentos em causa, o interesse atual da recorrente na anulação das decisões controvertidas deixou de existir, uma vez que a prossecução do processo não lhe teria conferido qualquer vantagem concreta. A IGPOUR afirmou erradamente que o seu interesse em prosseguir o processo pode ser considerado como o de contestar a interpretação do Regulamento n.o 1049/2001 com base na qual a Comissão adotou as decisões controvertidas e que poderia repetir‑se no futuro.

60.

Em terceiro lugar, a Comissão alega que o Tribunal Geral utilizou corretamente os factos específicos do processo como ponto de referência para apreciar o grau de probabilidade de que ações como a da IGPOUR se possam repetir e concluiu que é improvável que uma situação assim atípica se repita no futuro.

61.

Por último, na opinião da Comissão, a posição da IGPOUR é muito diferente da posição da recorrente no processo que deu lugar ao Acórdão ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P). Naquele processo, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de um interesse da recorrente em iniciar ou prosseguir o processo não obstante a divulgação dos documentos solicitados, uma vez que o recurso visava reformar um acórdão que tinha reconhecido a aplicação de uma presunção geral de confidencialidade a uma determinada categoria de documentos e que a recorrente, uma organização sem fins lucrativos que se dedica à proteção do ambiente, era particularmente suscetível de ser novamente confrontada com a referida ilegalidade.

2. Apreciação

62.

O objeto do presente recurso é a fiscalização pelo Tribunal de Justiça do despacho impugnado de 10 de julho de 2018 a fim de apreciar se o Tribunal Geral incorreu ou não em erro de direito ao considerar que faltava à ora recorrente o interesse em agir (rectius prosseguir o recurso) pelo facto de a Comissão, antes do termo do processo no Tribunal Geral, ter concedido o acesso aos documentos objeto de uma anterior recusa que deu origem ao pedido de anulação.

63.

Para o efeito, exporei brevemente os princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça em matéria de interesse em agir para, em seguida, abordar o tema dos limites nos quais se pode configurar a manutenção do interesse em agir na sequência da disponibilização dos documentos solicitados.

64.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o objeto do litígio deve perdurar, assim como o interesse em agir, até à prolação da decisão do órgão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito. Tal interesse pressupõe que a anulação do ato impugnado possa produzir, por si só, consequências jurídicas e que o recurso possa, portanto, com o seu termo, conferir um benefício à parte que o interpôs ( 10 ).

65.

Daqui decorre que, para que se considere que o interesse em agir ou em prosseguir o recurso se verifica, não só o recorrente se deve encontrar numa situação especial em relação ao ato cuja legalidade pretende contestar, mas também a anulação desse ato tem de produzir efeitos positivos na sua situação jurídica ( 11 ). Se o recorrente não puder retirar nenhum benefício do facto de o seu recurso, o início ou a prossecução do recurso não tem justificação. Com efeito, é precisamente para garantir a boa administração da justiça, evitando que o juiz da União seja chamado a decidir questões meramente teóricas, cuja solução não é suscetível de acarretar consequências jurídicas ou de proporcionar um benefício ao recorrente, que qualquer pessoa que intente uma ação em tribunal deve ter, e manter durante todo o processo, interesse em agir ( 12 ).

66.

O interesse em agir, qualificado na jurisprudência como condição primeira e essencial de qualquer ação judicial, deve ser efetivo e atual e não pode ser apreciado em função de um acontecimento futuro e hipotético ( 13 ).

67.

A manutenção do interesse em agir de um recorrente deve, portanto, ser apreciada in concreto, tendo em conta, nomeadamente, as consequências da ilegalidade alegada e a natureza do prejuízo pretensamente sofrido ( 14 ).

68.

Dos ensinamentos do Tribunal de Justiça referidos podemos, por conseguinte, retirar os seguintes princípios gerais: o interesse em agir deve existir no momento da ação e manter‑se até ao termo do processo e a sua falta origina a inadmissibilidade ou o não conhecimento do mérito; o interesse em agir deve ser concreto, atual e efetivo, e não meramente hipotético; a conclusão do processo deve poder proporcionar ao recorrente benefícios concretos.

69.

É agora necessário passar ao segundo aspeto, mais específico, da manutenção ou não do interesse em agir no caso de processos relativos ao acesso a documentos que, no decurso de um processo judicial, são colocados à disposição do requerente.

70.

No presente processo, como vimos, a tese em que assenta a recorrente é a de que o seu interesse em agir se mantém mesmo depois da disponibilização pela Comissão dos documentos solicitados (na sequência do encerramento do procedimento de infração contra a República da Polónia), devido ao risco de que tal situação, alegadamente ilegal, possa repetir‑se frequentemente no futuro.

71.

É pois necessário delimitar a situação que se poderia repetir no futuro e que, consequentemente, poderia justificar a manutenção do interesse em agir.

72.

De acordo com a recorrente, essa é a interpretação que a Comissão faz do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. A recorrente considera, então, que a simples circunstância de a Comissão poder, no futuro, interpretar de maneira análoga aquela disposição, entendendo, assim, que pode recusar o pedido de acesso durante um procedimento de infração contra um Estado‑Membro, teria por consequência a manutenção do interesse em agir e, portanto, a necessária prossecução do recurso até à decisão quanto ao mérito.

73.

Uma solução desse género teria consequências paradoxais: com efeito, o interesse em agir, em qualquer processo em matéria de acesso a documentos, manter‑se‑ia automaticamente na esfera do recorrente pelo simples facto de, no futuro, a instituição europeia poder interpretar da maneira contestada uma determinada disposição legal em circunstâncias diferentes.

74.

Para evitar tais efeitos paradoxais, que fariam perder qualquer efeito útil às disposições que permitem o não conhecimento do mérito no processo perante o Tribunal Geral nos recursos relativos ao acesso aos documentos, é certamente mais correto efetuar o teste de probabilidade em relação à circunstância concreta objeto do processo.

75.

Isto deve ser feito em coerência com o que foi exposto, supra, a propósito da natureza do interesse em agir que, reitera‑se, deve ser concreto, efetivo e não puramente hipotético.

76.

Tal não significa, naturalmente, que a situação a ter em consideração para o teste de probabilidade seja apenas a do presente processo, mas também uma situação análoga, que possa reconduzir‑se à mesma factualidade.

77.

A leitura da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre este assunto confirma esta posição quando, num acórdão, igualmente citado pela recorrente para confirmação da sua tese, o Tribunal de Justiça recorda que a manutenção do interesse em agir pressupõe que a ilegalidade em causa seja suscetível de se reproduzir no futuro «independentemente das circunstâncias do processo» ( 15 ).

78.

O significado a atribuir a essa expressão, se se fizer a leitura de todo o raciocínio do Tribunal de Justiça, é que o interesse em agir pode manter‑se na esfera do recorrente se este demonstrar que a alegada ilegalidade pode, no futuro, verificar‑se novamente também em processos análogos e não idênticos ao que está em análise ( 16 ).

79.

No presente processo, a situação que deve ser levada em consideração para apreciar o grau de probabilidade de que se verifique novamente é a seguinte: o pedido de acesso a documentos apresentado por uma associação que representa interesses comerciais no âmbito de um procedimento de infração, durante o qual o Estado‑Membro, para evitar as consequências do incumprimento que lhe é imputado, notifica à Comissão um projeto de lei com vista a alterar as disposições consideradas ilegais. Os documentos pedidos são, designadamente, dois pareceres proferidos pela própria Comissão e por outro Estado‑Membro no âmbito deste procedimento.

80.

Uma tal situação é sem dúvida atípica e a probabilidade de se repetir não pode certamente ser considerada elevada.

81.

A este respeito, a recorrente não fez nenhuma alegação específica, tendo‑se limitado, como já foi referido, a afirmar que o erro de direito em que, em sua opinião, incorreu o Tribunal Geral residia no facto tomado como referência para o juízo de probabilidade.

82.

Pelo contrário, a Comissão, considerando que, na sua opinião, se tratava de uma situação de facto e não de direito cuja apreciação pelo Tribunal Geral não pode ser objeto de revisão em sede de recurso, alegou diversas vezes nos seus articulados, confirmados na audiência, o caráter atípico desta situação, confirmando que raramente ocorreu na prática e que, portanto, é improvável que se verifique novamente em breve.

83.

Para apreciar se o Tribunal Geral incorreu efetivamente em erro de direito ao apreciar como improvável a verificação da situação objeto do presente processo, é de grande utilidade a comparação com uma jurisprudência recente do Tribunal de Justiça, evocada por todas as partes no processo para confirmar as respetivas teses e, em particular, pelo Governo sueco nas suas observações escritas e pela recorrente na audiência.

84.

Com efeito, no processo C‑57/16 P, o Tribunal de Justiça, em Grande Secção, pronunciou‑se sobre o recurso de um acórdão do Tribunal Geral em matéria de acesso a documentos da Comissão, mas, sobretudo, e é o aspeto que tem maior conexão com o presente processo, teve que responder ao pedido da Comissão no sentido de concluir o processo não conhecendo do mérito a partir do momento em que, depois da audiência e antes do acórdão, os documentos solicitados tinham sido transmitidos à recorrente.

85.

Nessa ocasião, o Tribunal de Justiça afirmou, remetendo igualmente para jurisprudência anterior, que, em certos casos, um recorrente pode, mesmo após a colocação à disposição dos documentos solicitados, manter um interesse em pedir a anulação ( 17 ), mas isto quando se verifiquem determinadas condições que o Tribunal de Justiça considerou verificadas no caso específico que lhe tinha sido submetido, mas que, como veremos, não estão reunidas no presente processo. E concluiu, quanto a este ponto, que nestas condições, deve considerar‑se que a recorrente conservou um interesse em agir e que, «o reconhecimento desse interesse é, tendo em conta o risco de repetição da ilegalidade invocada e as circunstâncias particulares acima mencionadas, importante para uma boa administração da justiça» ( 18 ).

86.

No Acórdão proferido no processo C‑57/16 P, o Tribunal de Justiça não enunciou, como a recorrente parece sustentar, um princípio geral em matéria de manutenção do interesse em agir nos processos relativos ao acesso a documentos das instituições europeias.

87.

Pelo contrário, esclareceu, superando algumas dúvidas que podiam surgir da leitura de alguns acórdãos do Tribunal Geral ( 19 ), que, em processos relativos ao acesso de documentos, a manutenção do interesse em agir na sequência da colocação à disposição desses mesmos documentos pela instituição europeia deve considerar‑se excecional, devendo considerar‑se que a regra é que, uma vez adquirida a disponibilidade dos documentos, se esgota o objeto do litígio e o interesse em agir.

88.

Tal circunstância excecional, a manutenção do interesse em agir, pode, de facto, verificar‑se, ou não, dependendo de algumas variáveis: a natureza do requerente e dos interesses envolvidos e a disciplina jurídica específica aplicável, a tipologia dos atos objeto do pedido de acesso, a natureza do procedimento a que se referem os documentos solicitados e a exceção ao direito de acesso invocada pela Comissão para a recusa.

89.

Todas estas variáveis que, à luz do anteriormente exposto, são, em meu entender, as «circunstâncias particulares» que permitem a manutenção do interesse em agir, são diferentes no processo C‑57/16 P e no presente processo e devem, portanto, conduzir a uma solução diferente.

90.

O requerente no processo C‑57/16 P é uma associação sem fins lucrativos que se dedica à proteção de interesses em matéria ambiental; a atual recorrente é uma associação que protege os interesses dos produtores, distribuidores e operadores de máquinas de entretenimento e jogo de fortuna e azar.

91.

Em matéria ambiental, como é sabido, existe uma disciplina específica sobre a transparência dos atos que impõe, nomeadamente, que se interpretem restritivamente os motivos de recusa no que respeita ao acesso à informação sobre ambiente ( 20 ).

92.

Quanto à tipologia dos atos objeto do pedido de acesso, tratava‑se, no processo C‑57/16 P, de relatórios de avaliação de impacte e de pareceres do Comité de Avaliação de Impacte que os acompanhavam, que continham informações que constituem elementos importantes do processo legislativo da União e fazem parte da fundamentação da ação legislativa desta última. Daqui decorre que o motivo de recusa deve ser interpretado de forma restritiva, tendo em conta o interesse que a divulgação das informações solicitadas apresenta para o público, com o objetivo de obter assim uma maior transparência dessa informação ( 21 ).

93.

Os atos objeto do pedido de acesso no presente processo são os pareceres emitidos pela própria Comissão e por um Estado‑Membro sobre a proposta de alteração legislativa apresentada pela República da Polónia para evitar as consequências de um procedimento de infração.

94.

Com efeito, há que recordar que o processo C‑57/16 P dizia claramente respeito a um processo de natureza legislativa ( 22 ) enquanto, no presente processo, estamos em presença, como foi dito, de um processo legislativo que, porém, se enxerta funcionalmente num procedimento de infração contra um Estado‑Membro, em que deve ser preservado, segundo jurisprudência constante, o diálogo confidencial entre a Comissão e os Estados‑Membros.

95.

A este respeito, não pode ser posta em causa a estreita relação entre os documentos recorridos e o procedimento de infração, sempre afirmada pela Comissão nos seus articulados e na audiência, confirmada pela República da Polónia na audiência e não desmentida com alegações específicas pela recorrente, que se limita a contestá‑la categoricamente sem formular qualquer comentário quanto ao mérito, apesar de ter podido ler o seu conteúdo antes do processo no Tribunal de Justiça.

96.

Com efeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça reiterou em várias ocasiões que os documentos relativos à fase pré‑contenciosa de um procedimento de infração constituem, para efeitos da proteção dos objetivos das atividades de inquérito, uma única categoria de documentos, sem que se deva operar qualquer distinção em função do tipo de documento que faz parte do processo ou do autor dos documentos em questão ( 23 ).

97.

Também a fonte em que a Comissão baseou a sua recusa de acesso difere nos dois processos. No processo C‑57/16 P, dado tratar‑se de um processo legislativo, a Comissão invocou o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, fundamentando a recusa de acesso na necessidade de um espaço de reflexão a salvo de pressões externas em relação a iniciativas políticas a propor.

98.

Em contrapartida, no presente processo, a Comissão baseou a recusa de acesso aos documentos solicitados no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001, fundamentando a recusa de acesso no facto de os referidos pareceres conterem apreciações diretamente relacionadas com o procedimento de infração, cujo conhecimento poderia ter minado o diálogo entre Estados e Comissão num procedimento pré‑contencioso.

99.

No que respeita à fundamentação da Comissão para a recusa, e portanto à interpretação do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001, apesar de não ser o objeto direto da análise das minhas conclusões pelas razões acima expostas, limitar‑me‑ei a algumas breves considerações.

100.

Se a regra em matéria de acesso aos atos das instituições europeias é a maior transparência possível e, portanto, a exceção é a possibilidade de recusar o acesso com base em motivos específicos, exceção que, uma vez que derroga o princípio geral, deve ser aplicada de forma estrita ( 24 ), existem, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, várias declinações para a aplicação concreta desses princípios.

101.

O Acórdão no processo C‑57/16 P tem o mérito de clarificar o alcance dessas exceções, fazendo‑as depender da natureza dos atos, dos sujeitos e do processo. Com efeito, se, no âmbito de um processo legislativo, o alcance do direito de acesso assume a sua maior amplitude (e mais ainda se se tratar da proteção de interesses ambientais), quando se trata de procedimento de infração pré‑contenciosos, ou de inspeção em sentido amplo, esse alcance tende a reduzir e a ponderação entre o interesse da transparência e o interesse da confidencialidade tende a pender para o segundo, permitindo que as instituições europeias façam uso de presunções gerais.

102.

O regime das exceções previsto no artigo 4.o, designadamente no n.o 2, do Regulamento no 1049/2001, baseia‑se, de facto, numa ponderação dos interesses que se opõem numa determinada situação, a saber, por um lado, os interesses que são favorecidos pela divulgação dos documentos em questão e, por outro, os que são ameaçados por esta divulgação. A decisão tomada sobre um pedido de acesso a documentos depende da questão de saber qual o interesse que deve prevalecer no caso concreto ( 25 ).

103.

Em virtude da exceção invocada pela Comissão no presente caso, concretamente a prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, as instituições da União recusam o acesso aos documentos se a sua divulgação prejudicar a proteção de objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação desse documento ( 26 ).

104.

Com efeito, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de presunções gerais de confidencialidade a favor de cinco categorias de documentos, entre os quais os documentos de um procedimento de infração pré‑contencioso, incluindo os documentos trocados entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, no âmbito de um processo EU Pilot ( 27 ).

105.

O objetivo dessas presunções reside na possibilidade de a instituição da União em causa considerar que a divulgação de certas categorias de documentos prejudica, em princípio, o interesse protegido pela exceção que invoca, baseando‑se nessas considerações de ordem geral, sem ser obrigada a examinar concreta e individualmente cada um dos documentos solicitados ( 28 ).

106.

O procedimento de infração pré‑contencioso tem por objetivo dar ao Estado‑Membro a possibilidade de, por um lado, dar cumprimento às suas obrigações decorrentes do direito da União e, por outro, apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão ( 29 ).

107.

Assim, a divulgação dos documentos relativos a um procedimento de infração, na sua fase pré‑contenciosa, é suscetível de modificar a natureza e a tramitação desse processo, tendo em conta que, nessas circunstâncias, pode revelar‑se ainda mais difícil iniciar um processo de negociação e obter um acordo entre a Comissão e o Estado‑Membro em questão que ponha termo ao incumprimento imputado, com o objetivo de permitir que o direito da União seja cumprido e de evitar um recurso judicial ( 30 ).

108.

Pode, portanto, presumir‑se que a divulgação dos documentos relativos a um procedimento de infração, durante a sua fase pré‑contenciosa, corre o risco de alterar o caráter desse procedimento e a sua tramitação, e que, consequentemente, essa divulgação prejudica, em princípio, a proteção dos objetivos das atividades de inquérito, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 ( 31 ).

109.

O Tribunal de Justiça esclareceu ainda que esta presunção geral não exclui a possibilidade de demonstrar que um determinado documento cuja divulgação é pedida não está coberto pela referida presunção ou que existe um interesse público superior que justifica a divulgação do documento em causa ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, in fine, do Regulamento n.o 1049/2001 ( 32 ). Mas esse ónus da prova incumbe ao recorrente ( 33 ) e, no caso em apreço, não parece ter sido cumprido.

110.

A oportunidade de aplicar uma presunção geral, no caso que nos ocupa, não parece de excluir; com efeito, encontramo‑nos no âmbito de um procedimento de infração, embora caracterizado por algumas particularidades.

111.

À luz do já exposto, pode concluir‑se que a recorrente não demonstrou a manutenção do seu interesse em agir após a colocação à disposição, durante o processo no Tribunal Geral, dos documentos solicitados e inicialmente recusados pela Comissão.

112.

O Tribunal Geral, no que respeita ao primeiro fundamento de recurso, não cometeu um erro de direito ao considerar improvável que a alegada ilegalidade invocada pela recorrente se possa repetir no futuro e que, para efeitos da referida apreciação, a questão pertinente é se no futuro pode ocorrer uma situação análoga à que está em causa no presente processo.

113.

Em razão da natureza do procedimento de infração, em cujo âmbito o pedido de documentos foi apresentado, da própria natureza dos atos solicitados e do requerente, bem como da matéria em cujo âmbito decorre o procedimento, não pode ser aplicada a orientação, excecional, do Tribunal de Justiça afirmada no Acórdão C‑57/16 P.

114.

É, portanto, aplicável a orientação geral, confirmada pelo Acórdão C‑57/16 P, que, na falta de condições particulares, permite ao Tribunal Geral encerrar o processo sem conhecer do mérito quando, nos recursos que têm por objeto o direito de acesso a documentos, estes últimos sejam colocados à disposição durante o processo e a parte não demonstre um interesse específico suscetível de justificar o prosseguimento do recurso.

115.

Com efeito, não existem, no presente processo, razões específicas que levem a pensar que a recorrente está «particularmente exposta a essas aplicações da referida presunção no futuro», ao contrário da recorrente no processo C‑57/16 P que, enquanto organização sem fins lucrativos que tem por objeto a proteção do ambiente, tem entre as suas missões a de atuar a favor de uma transparência e de uma legitimidade reforçadas do processo legislativo da União em matéria ambiental. Assim, retomando as palavras do Tribunal de Justiça, é provável que, no futuro, esta solicite novo acesso a documentos análogos aos documentos controvertidos ( 34 ). O mesmo não se pode dizer da aqui recorrente, que não demonstrou ter qualquer interesse específico na anulação das decisões recorridas uma vez que, como resulta das considerações anteriores, ao contrário do processo C‑57/16 P, a prossecução do recurso não traria qualquer benefício adicional concreto.

V. Conclusão

116.

Com base nas considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente, por falta de fundamento, o primeiro fundamento do recurso.


( 1 ) Língua original: italiano.

( 2 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660.

( 3 ) Regulamento CE n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

( 4 ) JO 1998, L 204, p. 37. Alterada pela Diretiva 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de setembro de 2015.

( 5 ) A Comissão atribuiu ao projeto de lei a referência 2014/537/PL.

( 6 ) As decisões impugnadas foram classificadas de GESTDEM 2015/1291.

( 7 ) Despacho de 10 de julho de 2018, Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/Comissão (T‑514/15, não publicado, EU:T:2018:500).

( 8 ) T‑540/15, EU:T:2018:167.

( 9 ) Despacho de 19 de julho de 2018, Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/Comissão (T‑750/17, não publicado, EU:T:2018:506).

( 10 ) V., entre outros, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 43 e jurisprudência referida).

( 11 ) Tal caracterização do interesse em agir é confirmada, por um lado, pelo teor literal de certas línguas oficiais da União, como o alemão, que designa o interesse em agir pelo termo «Rechtsschutzbedurfnis» ou «Rechtschutzinteresse» (literalmente «necessidade» ou «interesse na proteção jurisdicional») e, por outro, na jurisprudência do Tribunal de Justiça que fala de «interesse efetivo e atual que [necessita] de proteção jurídica» (v. Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Planet/Comissão, C‑564/13 P, EU:C:2015:124, n.os 28 e 34). Neste sentido, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:409, n.os 27 e 28 e nota 19).

( 12 ) Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:409, n.o 28 e jurisprudência referida).

( 13 ) Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:409, n.o 29 e jurisprudência referida).

( 14 ) Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 65).

( 15 ) Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 52).

( 16 ) Com efeito, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça, que dizia respeito a um processo de seleção para recrutamento, que «o Tribunal de Primeira Instância considerou que o recorrente mantinha um interesse em obter uma decisão sobre a legalidade do processo de seleção em causa, a fim de evitar que, no futuro, a ilegalidade alegada se reproduzisse no âmbito de um processo análogo ao do caso vertente. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância baseou‑se no fundamento, invocado pelo recorrente, relativo à ilegalidade do processo de seleção decorrente da pré‑seleção dos candidatos resultante da nota do diretor‑geral. O Tribunal de Primeira Instância concluiu que não era de excluir que o diretor‑geral pudesse desempenhar um papel similar num processo de seleção ulterior e análogo».

( 17 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 48). O sublinhado é meu.

( 18 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 56). O sublinhado é meu.

( 19 ) T‑540/15, EU:T:2018:167.

( 20 ) Considerando 15 do Regulamento (CE) n.o 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO 2006, L 264, p. 13).

( 21 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.os 91 e 100).

( 22 ) O considerando 6 do Regulamento n.o 1049/2001 refere que deverá ser concedido maior acesso aos documentos nos casos em que as instituições da União ajam no exercício dos seus poderes legislativos. Com efeito, a possibilidade de os cidadãos controlarem e conhecerem todas as informações que constituem o fundamento da ação legislativa da União é uma condição do exercício efetivo, por estes últimos, dos seus direitos democráticos, reconhecidos, nomeadamente, no artigo 10.o, n.o 3, TUE. Esse exercício pressupõe não só que os cidadãos disponham das informações em causa, a fim de compreenderem as escolhas efetuadas pelas instituições da União no âmbito do processo legislativo, mas também que possam ter acesso a essas informações em tempo útil, numa altura que lhes permita fazer valer utilmente o seu ponto de vista sobre essas escolhas (Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 84).

( 23 ) Acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 64), e Acórdão de 16 de julho de 2015, ClientEarth/Comissão (C‑612/13 P, EU:C:2015:486, n.o 74).

( 24 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 78).

( 25 ) Acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 42).

( 26 ) Acórdão de 16 de julho de 2015, ClientEarth/Comissão (C‑612/13 P, EU:C:2015:486, n.o 58).

( 27 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 81 e jurisprudência referida).

( 28 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 52 e a jurisprudência referida).

( 29 ) Acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 62 e jurisprudência referida).

( 30 ) Acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 63).

( 31 ) Acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 65).

( 32 ) Acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 66 e jurisprudência referida).

( 33 ) Acórdão de 16 de julho de 2015, ClientEarth/Comissão (C‑612/13 P, EU:C:2015:486, n.o 90).

( 34 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 54).