CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 27 de junho de 2019 ( 1 )

Processo C‑445/18

Vaselife International BV,

Chrysal International BV

contra

College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em matéria económica, Países Baixos)]

«Pedido de decisão prejudicial — Colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado — Comércio paralelo — Alteração do prazo de validade da autorização de comércio paralelo — Identidade do produto fitofarmacêutico e do produto de referência — Requisitos»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 52.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho ( 2 ).

2.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Vaselife International BV (a seguir «Vaselife») e a Chrysal International BV (a seguir «Chrysal») ao College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden (Conselho dos Países Baixos para a autorização dos produtos fitofarmacêuticos e biocidas, a seguir «Ctgb»), e que, em substância, diz respeito à recusa do Ctgb de renovar uma autorização de comércio paralelo anteriormente concedida à Vaselife, após ter autorizado o novo registo do produto de referência em favor da Chrysal.

II. Quadro jurídico

3.

Os considerandos 8, 9, 24, 29 e 33 do Regulamento n.o 1107/2009 referem:

«8)

O presente regulamento tem por objetivo garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente, preservando simultaneamente a competitividade da agricultura da Comunidade. Deverá prestar‑se especial atenção à proteção de grupos populacionais vulneráveis, incluindo grávidas, lactentes e crianças. O princípio da precaução deverá ser aplicado e o presente regulamento deverá garantir que a indústria demonstre que as substâncias ou produtos produzidos ou colocados no mercado não têm quaisquer efeitos nocivos na saúde humana ou animal, nem qualquer efeito inaceitável no ambiente.

9)

A fim de eliminar, tanto quanto possível, os obstáculos ao comércio de produtos fitofarmacêuticos decorrentes da existência de diferentes níveis de proteção nos Estados‑Membros, o presente regulamento deverá também estabelecer regras harmonizadas para a aprovação de substâncias ativas e para a colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos, incluindo regras relativas ao reconhecimento mútuo das autorizações e ao comércio paralelo. O objetivo do presente regulamento é, pois, incrementar a livre circulação de tais produtos e garantir a sua disponibilidade nos Estados‑Membros.

[…]

24)

As disposições que regulamentam as autorizações deverão ser garantia de um nível elevado de proteção. Em particular, ao conceder autorizações a produtos fitofarmacêuticos, o objetivo de proteger a saúde humana e animal e o ambiente deverá ter primazia sobre o de melhorar a produção vegetal. […]

[…]

29)

O princípio do reconhecimento mútuo é um dos meios de assegurar a livre circulação de mercadorias na Comunidade. Para evitar duplicações de esforços, para reduzir a carga administrativa para o setor e para os Estados‑Membros e permitir uma maior harmonização da disponibilidade dos produtos fitofarmacêuticos, as autorizações concedidas por um Estado‑Membro deverão ser aceites pelos outros Estados‑Membros sempre que as suas condições agrícolas, fitossanitárias e ambientais (incluindo climáticas) sejam comparáveis. Assim, a Comunidade deverá ser dividida em zonas com condições comparáveis para facilitar esse reconhecimento mútuo. No entanto, as circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas do território de um ou mais Estados‑Membros podem requerer que, mediante pedido, os Estados‑Membros reconheçam ou modifiquem a autorização concedida por outro Estado‑Membro, ou recusem autorizar o produto fitofarmacêutico no seu território, se isso se justificar devido a circunstâncias ambientais ou agrícolas específicas ou se o elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente exigido pelo presente regulamento não puder ser alcançado. […]

[…]

33)

A legislação comunitária relativa às sementes prevê a livre circulação de sementes dentro da Comunidade mas não inclui uma disposição específica relativa às sementes tratadas com produtos fitofarmacêuticos. Tal disposição deverá, pois, ser incluída no presente regulamento. Se as sementes tratadas constituírem um risco grave para a saúde humana ou animal ou para o ambiente, os Estados‑Membros deverão ter a possibilidade de tomar medidas de proteção.»

4.

O artigo 1.o do Regulamento n.o 1107/2009 define o seu objeto e finalidade. Nos termos do n.o 3 desse artigo:

«O presente regulamento visa assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente e melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos, melhorando simultaneamente a produção agrícola.»

5.

O artigo 28.o do Regulamento n.o 1107/2009, sob a epígrafe «Autorização de colocação no mercado e de utilização», prevê:

«1.   Um produto fitofarmacêutico apenas pode ser colocado no mercado ou utilizado se tiver sido autorizado no Estado‑Membro em questão nos termos do presente regulamento.

2.   Em derrogação do n.o 1, não é necessária autorização nos seguintes casos:

[…]

e)

Colocação no mercado e utilização de produtos fitofarmacêuticos para os quais tenha sido concedida uma autorização de comércio paralelo, nos termos do artigo 52.o»

6.

O artigo 43.o do Regulamento n.o 1107/2009, sob a epígrafe «Renovação da autorização», prevê:

«1.   A autorização é renovada a pedido do titular, desde que os requisitos estabelecidos no artigo 29.o continuem a ser cumpridos.

[…]

5.   Os Estados‑Membros tomam uma decisão sobre a renovação da autorização de um produto fitofarmacêutico no prazo de doze meses a contar da renovação da aprovação da substância ativa, do protetor de fitotoxicidade ou do agente sinérgico contidos no produto.

6.   Se, por razões independentes da vontade do titular da autorização, não for tomada qualquer decisão sobre a renovação da autorização antes da data da sua caducidade, o Estado‑Membro em causa prorroga a validade da autorização pelo prazo necessário para completar o exame e aprovar uma decisão sobre a renovação.»

7.

O artigo 44.o do Regulamento n.o 1107/2009, sob a epígrafe «Retirada ou alteração de uma autorização», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros podem rever uma autorização em qualquer altura se tiverem indicações de que um dos requisitos referidos no artigo 29.o deixou de ser cumprido.

[…]

2.   Caso um Estado‑Membro pretenda retirar ou alterar uma autorização, informa o titular da autorização e concede‑lhe a possibilidade de apresentar comentários ou outras informações.

3.   O Estado‑Membro retira ou altera a autorização, consoante adequado, se:

a)

Os requisitos previstos no artigo 29.o não forem ou tiverem deixado de ser cumpridos;

[…]»

8.

Nos termos do artigo 45.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009, «[u]ma autorização pode ser retirada ou alterada a pedido do seu titular, que deve justificar esse pedido».

9.

O artigo 52.o do Regulamento n.o 1107/2009, sob a epígrafe «Comércio paralelo», prevê:

«1.   Um produto fitofarmacêutico autorizado num Estado‑Membro (Estado‑Membro de origem) pode, sob reserva da concessão de uma autorização de comércio paralelo, ser introduzido, colocado no mercado ou utilizado noutro Estado‑Membro (Estado‑Membro de introdução), se este último estabelecer que esse produto é idêntico, no que respeita à composição, a um produto fitofarmacêutico já autorizado no seu território (produto de referência). O pedido é apresentado à autoridade competente do Estado‑Membro de introdução.

2.   A autorização de comércio paralelo é concedida por procedimento simplificado no prazo de 45 dias úteis se o produto fitofarmacêutico a introduzir for idêntico nos termos do n.o 3. Mediante pedido, os Estados‑Membros comunicam entre si as informações necessárias para avaliar se os produtos são idênticos, no prazo de dez dias úteis a contar da receção do pedido. O procedimento de concessão de uma autorização de comércio paralelo é interrompido a contar do dia em que o pedido de informação é enviado à autoridade competente do Estado‑Membro de origem, até que todas as informações solicitadas sejam prestadas à autoridade competente do Estado‑Membro de introdução.

3.   Os produtos fitofarmacêuticos são considerados idênticos aos produtos de referência se:

a)

Tiverem sido fabricados pela mesma empresa ou por uma empresa associada, ou sob licença, de acordo com o mesmo processo de fabrico;

b)

Forem idênticos nas especificações e conteúdo das substâncias ativas, protetores de fitotoxicidade e agentes sinérgicos, e no tipo de formulação; e

c)

Forem idênticos ou equivalentes no que se refere aos coformulantes presentes, à dimensão e forma da embalagem e ao material de que esta é constituída, em termos de efeito negativo potencial na segurança do produto em relação à saúde humana ou animal ou ao ambiente.

[…]

6.   A autorização de comércio paralelo é válida pelo prazo de validade da autorização do produto de referência. Se o titular da autorização do produto de referência solicitar a retirada da autorização nos termos do n.o 1 do artigo 45.o, e os requisitos do artigo 29.o continuarem a estar cumpridos, a validade da autorização de comércio paralelo caduca na data em que a autorização do produto de referência caducaria normalmente.

7.   Sem prejuízo das disposições específicas do presente artigo, os artigos 44.o, 45.o, 46.o e 55.o e o n.o 4 do artigo 56.o e os capítulos VI a X são aplicáveis aos produtos fitofarmacêuticos objeto de comércio paralelo.

8.   Sem prejuízo do disposto no artigo 44.o, pode ser retirada a autorização de comércio paralelo se a autorização do produto fitofarmacêutico introduzido for retirada no Estado‑Membro de origem por razões de segurança ou de eficácia.

9.   Se o produto não for idêntico, nos termos do n.o 3, ao produto de referência, o Estado‑Membro de importação apenas pode conceder a autorização solicitada para a colocação no mercado e a utilização nos termos do artigo 29.o

[…]»

III. Factos do litígio no processo principal

10.

A Vaselife é titular de uma autorização de comércio paralelo para o produto fitofarmacêutico Vaselife Universal Bulb PHT (a seguir «Vaselife UB»). Este produto é importado de Itália, onde se encontra registado e autorizado sob o nome Promalin. O produto é idêntico ao produto VBC‑476, que é autorizado nos Países Baixos e fabricado pela empresa Valent Biosciences, uma divisão da Sumitomo. Estes produtos são reguladores de crescimento. O primeiro é usado para maçãs e peras, o segundo para flores cortadas. O Ctgb concedeu a autorização em causa por um período que terminava em 31 de dezembro de 2016.

11.

Na sequência do pedido de novo registo da autorização do produto fitofarmacêutico VBC‑476 apresentado pela Sumitomo, o Ctgb concedeu autorização para esse produto por decisão de 23 de dezembro de 2015. Esta decisão alterou a identidade do titular da autorização para o produto em causa da Valent Biosciences para a própria Sumitomo, e refere que o prazo de validade é 1 de dezembro de 2025.

12.

Por decisão de 19 de fevereiro de 2016, o Ctgb, a pedido da Sumitomo, decidiu alterar a composição do produto fitofarmacêutico autorizado VBC‑476. A alteração foi classificada como ligeira. A autorização, no entanto, manteve o mesmo número e o prazo de validade até 1 de dezembro de 2025. Igualmente por decisão do Ctgb de 19 de fevereiro de 2016, a autorização do produto VBC‑476 também foi transferida para a Chrysal. Este produto passou posteriormente a designar‑se Chrysal BVB, conforme autorizado por decisão do Ctgb de 3 de junho de 2016.

13.

Por decisão de 1 de março de 2016, o Ctgb decidiu renovar até 1 de dezembro de 2025 a autorização de comércio paralelo concedida em 12 de junho de 2015 para o produto fitofarmacêutico Vaselife UB. Para esse efeito, o Ctgb invocou o artigo 52.o do Regulamento n.o 1107/2009, considerando que o produto Vaselife UB é fabricado pela Valent Biosciences e, portanto, provém da mesma empresa que o produto de referência.

14.

A Chrysal reclamou desta decisão em 1 de março de 2016. Por decisão de 26 de abril de 2017, o Ctgb declarou a reclamação admissível e parcialmente procedente. Revogou a sua decisão de 1 de março de 2016 e indeferiu o pedido da Vaselife de renovar a decisão de 12 de junho de 2015 com base no facto de a Chrysal não ser uma empresa associada da Valent Biosciences ou que opera sob licença concedida por esta, e por ter sido alterado o local de produção. Por conseguinte, o Ctgb decidiu que a Vaselife deixou de reunir os requisitos exigidos pelo artigo 52.o do Regulamento n.o 1107/2009. No entanto, o Ctgb concedeu à Vaselife um prazo de tolerância.

15.

Em seguida, a Vaselife interpôs recurso da decisão do Ctgb de 26 de abril de 2017 no órgão jurisdicional de reenvio. Por seu turno, a Chrysal interpôs recurso da decisão do Ctgb de 20 de julho de 2017 que prorroga o período de tolerância concedido à Vaselife por decisão de 26 de abril de 2017. Ambas as empresas são, portanto, recorrentes e, simultaneamente, intervenientes nos recursos interpostos por cada uma delas no órgão jurisdicional de reenvio, que os aprecia como processos apensos.

16.

O litígio no processo principal suscita, portanto, dúvidas relativas ao prazo de validade de uma autorização de comércio paralelo para produtos fitofarmacêuticos, quando o produto de referência em que se baseou a autorização de comércio paralelo foi objeto, no país de destino, de «novo registo» e ao procedimento relacionado com a sua concessão. Diz igualmente respeito à apreciação dos requisitos de identidade no tocante ao produto em causa e ao produto de referência para efeitos do artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 e, por fim, ao ónus da prova em caso de um litígio relativo à identidade do produto e do produto de referência.

IV. Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.

Nestas circunstâncias, por despacho de reenvio de 3 de julho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de julho de 2018, o College van Beroep voor het Bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em matéria económica, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A autoridade competente, [a seguir «Ctgb»], é competente para, depois de ter adotado uma decisão de novo registo do produto de referência, alterar, oficiosamente ou não, e de acordo com a data — posterior — do prazo de validade associado à decisão de novo registo do produto de referência, o prazo de validade de uma autorização de comércio paralelo, na aceção do artigo 52.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009, que foi concedida antes da decisão de novo registo?

2)

Em caso de resposta afirmativa à questão 1, a alteração do prazo de validade de uma autorização de comércio paralelo é uma consequência automática, decorrente do próprio Regulamento n.o 1107/2009, de uma decisão de novo registo do produto de referência? A inscrição da nova data do prazo de validade da autorização de comércio paralelo na base de dados da autoridade competente constitui, por conseguinte, um ato puramente administrativo, ou deve a mesma ser objeto de uma decisão oficiosa ou a pedido?

3)

Se a resposta à questão 2 for que deve ser tomada uma decisão, é aplicável a esta situação o artigo 52.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009, em especial, o n.o 3 deste artigo?

4)

Em caso de resposta negativa à questão 3, qual ou quais são as disposições aplicáveis?

5)

Pode um produto fitofarmacêutico deixar de ser considerado idêntico na aceção do artigo 52.o do Regulamento n.o 1107/2009 se o produto de referência (já) não for originário da mesma empresa? Pede‑se ao Tribunal de Justiça que, na resposta a esta pergunta, examine igualmente a questão de saber se também se pode entender por “empresa associada ou sob licença” uma empresa que fabrique o produto segundo a mesma receita e com o consentimento do titular da autorização. Para o efeito, é relevante saber se o processo de produção segundo o qual o produto de referência e o produto de importação paralela são fabricados é conduzido, em relação às substâncias ativas, pela mesma empresa?

6)

É a simples alteração do local de produção do produto de referência relevante para a apreciação da questão de saber se o produto é idêntico?

7)

Em caso de resposta afirmativa à questão 5 e/ou 6, pode a conclusão a extrair (“não idêntico”) ser comprometida pelo facto de a autoridade competente já ter decidido que, quanto à sua composição, o produto não sofreu alterações ou sofreu apenas uma ligeira alteração?

8)

A quem e em que medida incumbe o ónus da prova de que estão cumpridos os requisitos previstos no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 se os titulares de autorização do produto objeto de comércio paralelo e do produto de referência tiverem opiniões diferentes a esse respeito?»

18.

A Vaselife, a Chrysal, o Governo dos Países Baixos e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Além disso, a Vaselife, o Governo dos Países Baixos e a Comissão Europeia foram ouvidas na audiência de 13 de maio de 2019.

V. Análise

A.   Quanto às primeiras quatro questões

19.

As primeiras quatro questões dizem respeito às consequências da decisão adotada pela autoridade competente para efetuar o novo registo de um produto de referência sobre a validade de uma autorização de comércio paralelo.

20.

Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre:

se a autoridade competente pode, oficiosamente ou a pedido, ajustar o prazo de validade de uma autorização de comércio paralelo ao termo posterior do produto de referência que foi objeto de novo registo (primeira questão)

em caso afirmativo, se esse ajustamento decorre automaticamente da decisão de renovar a autorização do produto de referência ou se é necessário adotar uma decisão separada (segunda questão);

se, no caso de ser necessária uma decisão separada, a autoridade competente tem de efetuar uma fiscalização relativa aos requisitos estabelecidos do artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 (terceira questão) ou relativo a qualquer outra disposição (quarta questão).

21.

Uma vez que estas questões representam aspetos do mesmo tema, proponho‑me examiná‑las em conjunto.

1. Observações preliminares sobre a necessidade de responder à luz das disposições do Regulamento n.o 1107/2009

22.

A renovação da autorização de um produto fitofarmacêutico rege‑se pelo artigo 43.o do Regulamento n.o 1107/2009. Em primeiro lugar, o artigo 43.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 prevê que «[a] autorização [de um produto fitofarmacêutico] é renovada a pedido do titular, desde que os requisitos estabelecidos no artigo 29.o continuem a ser cumpridos». O artigo 43.o, n.o 5, especifica ainda que «[o]s Estados‑Membros tomam uma decisão sobre a renovação da autorização de um produto fitofarmacêutico no prazo de doze meses a contar da renovação da aprovação da substância ativa, do protetor de fitotoxicidade ou do agente sinérgico contidos no produto». Por último, o artigo 43.o, n.o 6, acrescenta que «[s]e, por razões independentes da vontade do titular da autorização, não for tomada qualquer decisão sobre a renovação da autorização antes da data da sua caducidade, o Estado‑Membro em causa prorroga a validade da autorização pelo prazo necessário para completar o exame e aprovar uma decisão sobre a renovação».

23.

Resulta, portanto, destas disposições que a autoridade competente do Estados‑Membro deve tomar uma decisão para renovar a autorização de um produto fitofarmacêutico e que o produto fitofarmacêutico deve cumprir os requisitos previstos no artigo 29.o do Regulamento n.o 1107/2009.

24.

Pelo contrário, este regulamento não contém qualquer disposição relativa à questão da renovação de uma autorização de comércio paralelo. O artigo 52.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1107/2009 prevê apenas que «[a] autorização de comércio paralelo é válida pelo prazo de validade da autorização do produto de referência. Se o titular da autorização do produto de referência solicitar a retirada da autorização nos termos do n.o 1 do artigo 45.o, e os requisitos do artigo 29.o continuarem a estar cumpridos, a validade da autorização de comércio paralelo caduca na data em que a autorização do produto de referência caducaria normalmente».

25.

Ora, como o Tribunal de Justiça salientou em relação à anterior legislação relativa à colocação de produtos fitofarmacêuticos no mercado ( 3 ) — que, curiosamente, não estabeleceu os requisitos de autorização de um produto fitofarmacêutico que beneficia de uma autorização de colocação no mercado concedida de acordo com as suas disposições e que é objeto de uma importação paralela em relação a um produto fitofarmacêutico que já beneficia de uma autorização de colocação no mercado no Estado‑Membro de importação — tal situação é suscetível de ter repercussões sobre a livre circulação das mercadorias em causa ( 4 ).

26.

Nestas circunstâncias, parece‑me que à questão das repercussões da renovação da autorização do produto de referência sobre uma autorização de comércio paralelo deve dar‑se uma solução uniforme na União Europeia à luz do Regulamento n.o 1107/2009, tendo em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em causa ( 5 ).

2. Necessidade de adotar uma nova decisão e efetuar um controlo sobre os requisitos estabelecidos no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009

27.

O artigo 52.o do Regulamento n.o 1107/2009 prevê um regime simplificado para os produtos fitofarmacêuticos já autorizados noutro Estado‑Membro.

28.

Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou em relação à Diretiva 91/414 — que, conforme foi referido, não previa esse regime — quando uma operação de importação paralela «diz respeito a um produto fitofarmacêutico já autorizado, nos termos da Diretiva 91/414, no Estado‑Membro de exportação e no Estado‑Membro de importação, não se pode considerar que este produto é colocado pela primeira vez no mercado do Estado‑Membro de importação. Logo, não é necessário, para proteger a saúde humana e animal ou o ambiente, sujeitar os importadores paralelos ao procedimento de autorização de colocação no mercado previsto nesta diretiva, uma vez que as autoridades competentes do Estado‑Membro de importação dispõem já de todas as informações indispensáveis ao exercício da sua fiscalização. A sujeição do produto de importação ao procedimento de autorização de colocação no mercado excederia o que é necessário para atingir os objetivos da Diretiva 91/414 relativos à proteção da saúde pública, dos animais e do ambiente, e poderia contrariar, sem justificação, o princípio da livre circulação das mercadorias enunciado no artigo 34.o TFUE» ( 6 ). No entanto, o Tribunal precisou que «um produto fitofarmacêutico introduzido no território de um Estado‑Membro através de uma importação paralela não pode beneficiar automaticamente, nem de forma absoluta e incondicional, da autorização de colocação no mercado emitida para um produto fitofarmacêutico já presente no mercado desse Estado. […] [O]s Estados‑Membros são obrigados a sujeitar a um procedimento de exame os produtos fitofarmacêuticos cuja importação paralela no território nacional é solicitada, podendo esse procedimento, […], revestir a forma de um procedimento dito “simplificado”». ( 7 )

29.

Decorre dessa jurisprudência que o elemento‑chave que deve orientar a interpretação da lei relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado é claramente o equilíbrio que é necessário encontrar entre dois objetivos que podem ser contraditórios, a saber: a livre circulação de mercadorias, por um lado, e a proteção da saúde pública e animal e do ambiente, por outro.

30.

Neste contexto, importa referir, contudo, que o legislador da União considerou — por razões perfeitamente compreensíveis — o segundo objetivo mais importante. Tal decorre da jurisprudência — tendo o Tribunal de Justiça qualificado a proteção da saúde humana e animal e do ambiente como «objetivo essencial da regulamentação da União» ( 8 ) — mas também da própria redação do Regulamento n.o 1107/2009. Assim, o considerando 24 do Regulamento n.o 1107/2009 afirma que «[a]s disposições que regulamentam as autorizações deverão ser garantia de um nível elevado de proteção. Em particular, ao conceder autorizações a produtos fitofarmacêuticos, o objetivo de proteger a saúde humana e animal e o ambiente deverá ter primazia sobre o de melhorar a produção vegetal». ( 9 )

31.

Nestas condições, quando o próprio produto de referência está sujeito a uma nova autorização após um exame completo dos requisitos previstos no artigo 29.o do Regulamento n.o 1107/2009, é evidente que uma adaptação automática do período de validade da autorização de comércio paralelo facilitaria a liberdade de circulação das mercadorias em causa. Contudo, uma vez que o Regulamento n.o 1107/2009 não prevê expressamente uma prorrogação automática da validade da autorização de comércio paralelo «relacionada» com o produto de referência que é objeto de uma nova autorização, o principal objetivo da proteção da saúde humana e animal assim como do ambiente não permite que tal prorrogação da autorização de comércio paralelo seja automaticamente presumida ( 10 ).

32.

Pelo contrário, uma vez que o próprio produto de referência foi submetido a uma nova fiscalização, o objetivo da proteção da saúde humana e animal e do ambiente deve prevalecer. Nestas circunstâncias, o direito da União prevê que seja tomada uma nova decisão através de um procedimento simplificado a fim de verificar se ainda existe uma identidade entre o produto de referência anterior sujeito a uma nova autorização e o produto fitofarmacêutico sujeito à autorização de comércio paralelo. A este respeito, os requisitos estabelecidos no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 são suficientes e na medida do estritamente necessário para alcançar os objetivos de proteção do ambiente e da saúde humana e animal legitimamente prosseguidos.

33.

Esta interpretação do Regulamento n.o 1107/2009 também é coerente com a necessidade de garantir a efetividade do mecanismo de controlo que incumbe aos Estados‑Membros e que norteia a legislação relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado ( 11 ).

34.

Esta interpretação é também realçada pelo contexto do Regulamento n.o 1107/2009. Com efeito, o artigo 52.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1107/2009 dispõe que os artigos 44.o e 45.o desse regulamento são aplicáveis mutatis mutandis aos produtos fitofarmacêuticos objeto de comércio paralelo. Uma vez que os artigos 44.o, n.o 1, e 45.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009 se referem aos requisitos previstos no artigo 29.o do mesmo regulamento — que é específico para a autorização do produto de referência — devem ser tidos em conta os requisitos correspondentes para a autorização de comércio paralelo, nomeadamente os estabelecidos no artigo 52.o do Regulamento n.o 1107/2009.

35.

Nessas circunstâncias, por um lado, o artigo 44.o autoriza os Estados‑Membros a rever uma autorização, em qualquer altura, se tiverem indicações de que um dos requisitos referidos no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 deixou de ser cumprido. Por outro lado, o artigo 45.o prevê que uma autorização pode ser alterada a pedido do seu titular se se verificar que os requisitos referidos no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 continuam a ser cumpridos.

36.

Além disso, resulta destas disposições que, embora o titular da autorização de comércio paralelo possa, obviamente, pedir a renovação da sua autorização por sua própria iniciativa, as autoridades competentes dos Estados‑Membros também podem iniciar o procedimento. Neste caso e em conformidade com o artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1107/2009, devem informar o titular da autorização de comércio paralelo e conceder‑lhe a possibilidade de apresentar comentários ou outras informações.

3. Conclusões quanto às primeiras quatro questões

37.

Por conseguinte, à luz das considerações precedentes, concluo que a alteração do prazo de validade de uma autorização de comércio paralelo concedida com base no artigo 52.o do Regulamento n.o 1107/2009 não resulta automaticamente de uma decisão de novo registo do produto de referência. Pelo contrário, tal prorrogação deve ser objeto de uma decisão da autoridade competente na sequência de um procedimento no âmbito do qual essa autoridade verifica se o produto para o qual foi concedida uma autorização de comércio paralelo se mantém idêntico com o produto de referência, em conformidade com os requisitos constantes do artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009. Esta decisão pode ser adotada por iniciativa da autoridade competente ou a pedido do titular da autorização de comércio paralelo.

B.   Quanto à quinta, sexta e sétima questões

38.

A quinta, sexta e sétima questões dizem respeito aos requisitos estabelecidos pelo artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 para que um produto fitofarmacêutico seja considerado idêntico ao produto de referência e, mais precisamente, à obrigação de os produtos fitofarmacêuticos terem «sido fabricados pela mesma empresa ou por uma empresa associada, ou sob licença, de acordo com o mesmo processo de fabrico». Por conseguinte, analisarei estas questões em conjunto.

1. A génese do artigo 52.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009

39.

Como já foi referido anteriormente, para interpretar uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a mesma faz parte e, nomeadamente, a génese dessa regulamentação ( 12 ).

40.

Neste contexto, resulta do teor do artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 que os requisitos previstos nesta disposição são de natureza cumulativa. Tal é corroborado pela utilização da conjunção «e» entre o requisito constante do artigo 52.o, n.o 3, alínea b), e o constante do artigo 52.o, n.o 3, a alínea c), do regulamento. É manifesto ainda que é o produto fitofarmacêutico em si mesmo (ou enquanto tal) — ou seja, o produto no seu todo — que «[foi] fabricado pela mesma empresa ou por uma empresa associada, ou sob licença, de acordo com o mesmo processo de fabrico».

41.

Em segundo lugar, conforme expliquei relativamente às quatro primeiras questões, o Regulamento n.o 1107/2009 prossegue dois objetivos: assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente e melhorar o funcionamento do mercado interno ( 13 ). No entanto, o primeiro requisito exigido pelo artigo 52.o, n.o 3, alínea a), tem um objetivo específico com origem na jurisprudência do Tribunal de Justiça, ao passo que a legislação aplicável não contém qualquer disposição que determine as condições de concessão de uma autorização de colocação no mercado nos casos de importações paralelas ( 14 ).

42.

Com efeito, mesmo antes da adoção do Regulamento n.o 1107/2009, o Tribunal de Justiça já tinha declarado que, para beneficiar da autorização de colocação no mercado já concedida no Estado‑Membro de importação, um produto fitofarmacêutico importado deve, pelo menos, ter uma origem comum com o produto já autorizado no Estado‑Membro de importação, entre outras, no sentido de que o produto fitofarmacêutico importado «[foi] fabricado pela mesma empresa ou por uma empresa associada, ou sob licença, de acordo com a mesma fórmula». ( 15 ) Decorre, no entanto, da mesma jurisprudência assente que estes produtos não precisam de ser totalmente idênticos ( 16 ). Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça considerou que um requisito semelhante, estabelecido na legislação de um Estado‑Membro, não constituía necessariamente um obstáculo às trocas comerciais proibido pelo artigo 34.o TFUE ( 17 ).

43.

Segundo o Tribunal de Justiça, «este requisito relativo à origem comum dos produtos em causa, por um lado, permite identificar os casos de importações paralelas e distingui‑los de outras situações próximas nas quais a importação de um produto requer uma autorização de colocação no mercado e, por outro, constitui um indício importante da identidade entre o produto importado e o produto de referência» ( 18 ).

44.

Parece‑me, portanto, que a proveniência deste requisito, atualmente previsto formalmente no artigo 52.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009, não pode conduzir a uma interpretação que exceda o necessário para demonstrar a origem comum do produto de referência e do produto fitofarmacêutico, sob pena de entrar em contradição com um dos objetivos gerais do presente regulamento, por constituir um obstáculo à livre circulação dos produtos em causa.

2. Interpretação do artigo 52.o, n.o 3, alínea a), em relação ao presente processo

45.

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se um produto fitofarmacêutico pode deixar de ser considerado idêntico, na aceção do artigo 52.o do Regulamento n.o 1107/2009, se o produto de referência (já) não for originário da mesma empresa, e se o conceito de empresa associada ou sob licença também pode abranger uma empresa que fabrique o produto segundo a mesma formulação e com o consentimento do titular da autorização.

46.

Resulta da redação do artigo 52.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009 que dois produtos podem ser idênticos mesmo não sendo originários da mesma empresa, uma vez que esta disposição contempla expressamente duas outras possibilidades, sendo certo que só quando estes produtos «foram fabricados em paralelo, por duas empresas concorrentes, [é que] deve considerar‑se, a priori, que o produto de importação é distinto do produto de referência» ( 19 ).

47.

Na minha opinião, os termos «sob licença, de acordo com o mesmo processo de fabrico» enunciadas no artigo 52.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009 também podem ser interpretadas, sem gratuidade indevida, como incluindo as circunstâncias em que os produtos fitofarmacêuticos são fabricados utilizando o mesmo processo de fabrico por uma entidade diferente com o consentimento do titular da autorização, mesmo que tal acordo não seja assim em conformidade com um acordo formal de licenciamento negociado entre as partes. É verdade, no entanto, como a Comissão observou na audiência de 13 de maio de 2019, que deve haver algum grau de estabilidade nas relações entre as partes. Uma transação isolada ou puramente efémera provavelmente não bastaria para este efeito.

48.

Nestas circunstâncias e à luz das considerações precedentes, entendo que, se o produto de referência — ou seja, o produto no seu todo — for fabricado por uma empresa que utiliza o mesmo processo de fabrico que o produto fitofarmacêutico importado, com o consentimento do fabricante desse produto, ambos os produtos devem ser considerados como tendo a mesma origem, na aceção do artigo 52.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009.

49.

Do mesmo modo, a simples alteração do local de produção do produto de referência ou uma alteração da sua denominação ou uma ligeira alteração na sua composição, sem quaisquer consequências significativas em relação aos seus efeitos, é irrelevante caso o produto no seu todo continuar a ser fabricado com o consentimento do fabricante do produto fitofarmacêutico importado.

50.

Qualquer outra interpretação do artigo 52.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009 excederia, na minha opinião, o necessário para garantir a origem comum dos dois produtos — que é o objetivo concreto desta disposição — e, ao fazê‑lo, seria contrária aos objetivos gerais do Regulamento n.o 1107/2009, que são a proteção da saúde e do ambiente, mas também a livre circulação de produtos.

51.

Em contrapartida, se o processo de fabrico tiver sofrido alterações substanciais ou mesmo ligeiras — tendo, contudo, estas alterações consequências significativas em relação aos efeitos do produto — ou se [o processo de fabrico] deixar de ser utilizado com o consentimento do fabricante do produto fitofarmacêutico importado, os produtos deverão ser considerados distintos. Com efeito, neste caso, os produtos devem ser considerados como já não tendo uma origem comum, mas sim como fabricados em paralelo por duas empresas concorrentes.

3. Conclusões quanto às quinta, sexta e sétima questões

52.

Por conseguinte, à luz das considerações precedentes, entendo que, se o produto de referência — ou seja, o produto no seu todo — for fabricado por uma empresa que utiliza o mesmo processo de fabrico do produto fitofarmacêutico importado, com o consentimento do fabricante desse produto como parte de uma relação comercial estável, ambos os produtos devem ser considerados como tendo a mesma origem, na aceção do artigo 52.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009. A este respeito, a simples alteração do local de produção do produto de referência ou uma alteração da sua denominação ou uma ligeira alteração na sua composição, sem consequências significativas em relação aos seus efeitos, é irrelevante caso o produto no seu todo continue a ser fabricado com o consentimento do fabricante do produto fitofarmacêutico importado.

C.   Quanto à oitava questão

53.

Com a sua oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça a quem e em que medida incumbe o ónus da prova de que estão cumpridos os requisitos previstos no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009 se os titulares de autorização do produto objeto de comércio paralelo e do produto de referência tiverem opiniões diferentes a esse respeito.

54.

Tendo chegado à conclusão de que é necessário adotar uma nova decisão quando o próprio produto de referência é objeto de um novo registo, decorre do artigo 52.o, n.o 2, deste regulamento que cabe ao titular da autorização para produtos objeto de comércio paralelo elaborar um novo «pedido completo» (por iniciativa própria ou a pedido da autoridade competente) ( 20 ), a fim de demonstrar que os produtos em causa continuam a ser idênticos.

55.

A este respeito, o artigo 52.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1107/2009 enumera os elementos que o pedido de autorização de comércio paralelo deve incluir. Além disso, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 2, do mesmo regulamento, a autoridade competente pode solicitar ao Estado‑Membro de origem do produto importado as informações necessárias para avaliar se os produtos são idênticos.

56.

De resto, na falta de regras, estabelecidas pelo direito da União, sobre as modalidades processuais relativas ao ónus da prova na análise de um pedido de autorização de comércio paralelo, cabe, segundo jurisprudência constante, à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular essas modalidades, ao abrigo do princípio da autonomia processual, desde que tais modalidades não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e que não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) ( 21 ).

57.

No que respeita ao princípio da efetividade, se o titular da autorização do produto de referência contestar o pedido do titular da autorização de comércio paralelo ou a decisão da autoridade competente, é da sua responsabilidade fundamentar essas alegações. Caso assim não fosse, tal significaria que o requerente de uma autorização de comércio paralelo poderia eventualmente ser obrigado a fornecer provas relativas a elementos que o seu produto não contém por referência ao produto de referência. Nestas circunstâncias, o exercício do direito de obter uma autorização de comércio paralelo conferida pelo direito da União tornar‑se‑ia, por conseguinte, excessivamente difícil e, talvez, mesmo impossível.

58.

A este respeito, recorde‑se que a autoridade competente do Estado‑Membro de importação deve dispor de meios legislativos e administrativos capazes de obrigar o fabricante, o seu representante autorizado ou o detentor de licença da especialidade farmacêutica que beneficia já de uma autorização de colocação no mercado a fornecer as informações de que dispõe e que ela considere necessárias ( 22 ).

59.

Por conseguinte, cabe ao requerente da autorização de comércio paralelo prestar as informações referidas no artigo 52.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1107/2009, a fim de demonstrar que o produto fitofarmacêutico preenche os requisitos estabelecidos no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009. Isto, evidentemente, não prejudica a possibilidade de a autoridade competente recolher junto do Estado‑Membro de origem as informações necessárias para avaliar a natureza idêntica dos produtos em causa e de verificar se esses requisitos estão reunidos. Por outro lado, no caso de uma eventual reclamação ou recurso contra a decisão de emissão de uma autorização de comércio paralelo, cabe ao titular da autorização do produto de referência fundamentar a razão pela qual as suas objeções merecem acolhimento, em conformidade com o princípio de autonomia processual.

VI. Conclusão

60.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo College van Beroep voor het Bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em matéria económica, Países Baixos) da seguinte forma:

1)

A alteração do prazo de validade de uma autorização de comércio paralelo concedida com base no artigo 52.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho não resulta automaticamente de uma decisão de novo registo do produto de referência. Pelo contrário, tal prorrogação deve ser objeto de uma decisão da autoridade competente na sequência de um procedimento no âmbito do qual essa autoridade verifica se o produto para o qual foi concedida uma autorização de comércio paralelo se mantém idêntico ao produto de referência, em conformidade com os requisitos impostos pelo artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009. Esta decisão pode ser adotada por iniciativa da autoridade competente ou a pedido do titular da autorização de comércio paralelo.

2)

Se o produto de referência — ou seja, o produto no seu todo — for fabricado por uma empresa que utiliza o mesmo processo de fabrico do produto fitofarmacêutico importado, com o consentimento do fabricante desse produto como parte de uma relação comercial estável, ambos os produtos devem ser considerados como tendo a mesma origem, na aceção do artigo 52.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1107/2009. A este respeito, a simples alteração do local de produção do produto de referência ou uma alteração da sua denominação ou uma ligeira alteração na sua composição, sem consequências significativas em relação aos seus efeitos, é irrelevante caso o produto no seu todo continue a ser fabricado com o consentimento do fabricante do produto fitofarmacêutico importado.

3)

Cabe ao requerente da autorização de comércio paralelo prestar as informações referidas no artigo 52.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1107/2009, a fim de demonstrar que o produto fitofarmacêutico preenche os requisitos estabelecidos no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009, sem prejuízo da possibilidade de a autoridade competente recolher junto do Estado‑Membro de origem as informações necessárias para avaliar a natureza idêntica dos produtos em causa e de verificar se esses requisitos estão reunidos. Por outro lado, no caso de uma eventual reclamação ou recurso contra a decisão de emissão de uma autorização de comércio paralelo, cabe ao titular da autorização do produto de referência fundamentar a razão pela qual as suas objeções merecem acolhimento, em conformidade com o princípio de autonomia processual.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) JO 2009, L 309, p. 1.

( 3 ) Diretiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1).

( 4 ) V., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2014, Mac (C‑108/13, EU:C:2014:2346, n.o 27 e jurisprudência referida).

( 5 ) V., para aplicações recentes, Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 44), e de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēviès e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 45).

( 6 ) Acórdão de 6 de novembro de 2014, Mac (C‑108/13, EU:C:2014:2346, n.o 27 e jurisprudência referida).

( 7 ) Acórdão de 6 de novembro de 2014, Mac (C‑108/13, EU:C:2014:2346, n.os 29 e 30). V., igualmente, Acórdão de 8 de novembro de 2007, Escalier e Bonnarel (C‑260/06 e C‑261/06, EU:C:2007:659, n.os 30 e 32).

( 8 ) «Ora, embora caiba às autoridades nacionais competentes zelar pelo estrito respeito do objetivo essencial da regulamentação da União, ou seja, a proteção da saúde humana e animal assim como do ambiente, o princípio da proporcionalidade exige, para proteger a livre circulação de mercadorias, que a regulamentação em causa seja aplicada na medida do estritamente necessário para alcançar os objetivos de proteção do ambiente e da saúde humana e animal legitimamente prosseguidos» (Acórdão de 6 de novembro de 2014, Mac, C‑108/13, EU:C:2014:2346, n.o 39).

( 9 ) O sublinhado é meu. V., igualmente, considerandos 8, 25, 29 e 33.

( 10 ) Bem pelo contrário, o artigo 52.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1107/2009 dispõe que «[s]e o titular da autorização do produto de referência solicitar a retirada da autorização nos termos do n.o 1 do artigo 45.o, e os requisitos do artigo 29.o continuarem a estar cumpridos, a validade da autorização de comércio paralelo caduca na data em que a autorização do produto de referência caducaria normalmente» (o sublinhado é meu).

( 11 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2007, Escalier e Bonnarel (C‑260/06 e C‑261/06, EU:C:2007:659, n.o 35).

( 12 ) V., para aplicações recentes, Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 44), e de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēviès e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139, n.o 45).

( 13 ) V. artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1107/2009.

( 14 ) V., neste sentido, Acórdãos de 11 de março de 1999, British Agrochemicals Association (C‑100/96, EU:C:1999:129, n.os 33 e 40); de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/França (C‑201/06, EU:C:2008:104, n.os 39 e 43); e de 6 de novembro de 2014, Mac (C‑108/13, EU:C:2014:2346, n.o 24).

( 15 ) V., neste sentido, acórdãos citados na nota anterior.

( 16 ) V., neste sentido, Acórdãos de 11 de março de 1999, British Agrochemicals Association (C‑100/96, EU:C:1999:129, n.os 33 e 40) e 21 de fevereiro de 2008, Comissão/França (C‑201/06, EU:C:2008:104, n.o 39).

( 17 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/França (C‑201/06, EU:C:2008:104, n.o 42).

( 18 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/França (C‑201/06, EU:C:2008:104, n.o 43).

( 19 ) Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/França (C‑201/06, EU:C:2008:104, n.o 43).

( 20 ) V. desenvolvimentos supra relativos às quatro primeiras questões.

( 21 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2018, INEOS Köln (C‑572/16, EU:C:2018:100, n.o 42).

( 22 ) V., neste sentido, Acórdãos de 11 de março de 1999, British Agroquochemicals Association (C‑100/96, EU:C:1999:129, n.o 34).