CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 23 de maio de 2019 ( 1 )

Processo C‑383/18

Lexitor Sp. z o.o

contra

Spółdzielcza Kasa Oszczędnościowo — Kredytowa im. Franciszka Stefczyka z siedzibą w Gdyni,

Santander Consumer Bank S.A. z siedzibą we Wrocławiu,

mBank S.A. z siedzibą w Warszawie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy Lublin‑Wschód w Lublinie z siedzibą w Świdniku (Tribunal de Primeira Instância de Lublin‑Wschód de Lublin com sede em Świdnik, Polónia)]

«Pedido de decisão prejudicial — Defesa do consumidor — Diretiva 2008/48/CE — Artigo 16.o, n.o 1 — Contratos de crédito — Reembolso antecipado — Direito do consumidor a uma redução do custo total do crédito correspondente aos juros e custos devidos pelo período remanescente do contrato»

1. 

O presente processo tem por objeto a interpretação do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008 L 133, p. 66, e retificações JO 2009, L 207, p. 14, JO 2010, L 199, p. 40, JO 2011, L 234, p 46). Como demonstraremos em seguida, o sentido desta disposição legislativa — que diz respeito ao direito que um consumidor tem a uma redução do custo do crédito quando esse consumidor ou essa consumidora proceda ao reembolso integral ou parcial antecipado de uma quantia devida no âmbito de um contrato de crédito — é, no mínimo, em alguns aspetos, obscuro e não se presta facilmente a uma interpretação que seja satisfatória. Com efeito, pode ser possível — eventualmente devido aos problemas suscitados por esta mesma questão prejudicial — que o legislador da União, em algum momento, queira rever a redação desta disposição.

2. 

Seja como for, o pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Lexitor Sp. z o.o ao Spóldzielcza Kasa Oszczednosciowo — Kredytowa im. Franciszka Stefczyka z siedzibą w Gdyni, ao Santander Consumer Bank S.A. z siedzibą we Wrocławiu («Santander Consumer Bank») e ao mBank S.A. z siedzibą w Warszawie, num processo relativo à aplicação de encargos e de penalidades adicionais nos casos em que os consumidores reembolsam antecipadamente as suas obrigações resultantes de contratos de crédito ao consumo.

3. 

Antes de abordar esta questão, é necessário começar por expor as disposições pertinentes tanto da Diretiva 2008/48/CE como do direito nacional.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 87/102/CEE

4.

O artigo 8.o da Diretiva 87/102/CEE do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo (JO 1987 L 42, p. 48), previa:

«Será garantida ao consumidor a possibilidade de cumprir as suas obrigações no âmbito de um contrato de crédito antes do prazo estipulado no contrato. Nesse caso, de acordo com as regras estabelecidas pelos Estados‑Membros, será garantida ao consumidor uma redução equitativa do custo total do crédito.»

5.

A Diretiva 87/102 foi revogada e substituída pela Diretiva 2008/48, com efeitos a partir de 11 de junho de 2010.

2. Diretiva 2008/48

6.

Os considerandos 7, 9, 10, 39 e 40 da Diretiva 2008/48 dispõem:

«(7)

A fim de facilitar a emergência de um mercado interno do crédito aos consumidores que funcione corretamente, é necessário prever um quadro comunitário harmonizado em determinados domínios essenciais. Tendo em conta a permanente evolução do mercado do crédito aos consumidores e a crescente mobilidade dos cidadãos europeus, uma legislação comunitária prospetiva, capaz de se adaptar a novas formas de crédito e que permita aos Estados‑Membros a flexibilidade adequada à sua execução, deverá contribuir para estabelecer um acervo legislativo moderno em matéria de crédito aos consumidores.

[…]

(9)

A harmonização plena é necessária para garantir que todos os consumidores da Comunidade beneficiem de um nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses e para instituir um verdadeiro mercado interno. Por conseguinte, os Estados‑Membros não deverão ser autorizados a manter nem a introduzir outras disposições para além das estabelecidas na presente diretiva. Todavia, esta restrição só será aplicável nos casos em que existam disposições harmonizadas na presente diretiva. Caso não existam essas disposições harmonizadas, os Estados‑Membros deverão continuar a dispor da faculdade de manter ou introduzir legislação nacional […]

(10)

As definições constantes da presente diretiva determinam o âmbito da harmonização. Por conseguinte, a obrigação de execução das disposições da presente diretiva por parte dos Estados‑Membros deverá ser limitada ao âmbito determinado por essas definições. […]

[…]

(39)

O consumidor deverá ter o direito de cumprir as suas obrigações antes da data estipulada no contrato de crédito. Em caso de reembolso antecipado, quer parcial, quer total, o mutuante deverá ter direito a uma indemnização pelos custos diretamente relacionados com o reembolso antecipado, tendo‑se igualmente em conta as poupanças que advieram para o mutuante. No entanto, para determinar o método de cálculo da indemnização, importa respeitar vários princípios. O cálculo da indemnização ao mutuante deverá ser transparente e compreensível para os consumidores já na fase pré‑contratual e em qualquer caso durante a execução do contrato de crédito. Além disso, o método de cálculo deverá ser fácil de aplicar para os mutuantes e a supervisão da indemnização pelas autoridades responsáveis deverá ser facilitada. Consequentemente, e tendo em conta que um crédito ao consumidor, em virtude da sua duração e do seu volume, não é financiado por mecanismos de financiamento a longo prazo, o limite máximo da indemnização deverá ser fixado com base num montante forfetário. Esta abordagem reflete a especificidade dos créditos aos consumidores e não deverá prejudicar uma eventual abordagem diferente para outros produtos financiados por mecanismos de financiamento de longo prazo, como os créditos hipotecários de taxa fixa.

(40)

Os Estados‑Membros deverão dispor da faculdade de prever que a indemnização por reembolso antecipado possa ser pedida pelo mutuante apenas na condição de o montante do reembolso exceder, num período de 12 meses, um limiar fixado pelos Estados‑Membros. Ao fixar este limiar, que não deverá ser superior a 10000 EUR, os Estados‑Membros deverão ter em conta, por exemplo, o montante médio dos créditos aos consumidores no respetivo mercado.»

7.

O artigo 1.o da Diretiva 2008/48 intitula‑se «Objeto». Prevê:

«A presente diretiva visa a harmonização de determinados aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos que regulam o crédito aos consumidores.»

8.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, a Diretiva 2008/48 é aplicável aos contratos de crédito.

9.

O artigo 3.o da Diretiva 2008/48 intitula‑se «Definições». Tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

c)

“Contrato de crédito”: o contrato por meio do qual um mutuante concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de pagamento diferido, empréstimo ou qualquer outro acordo financeiro semelhante; excetuam‑se os contratos de prestação de serviços ou de fornecimento de bens do mesmo tipo com caráter de continuidade, nos termos dos quais o consumidor pague esses serviços ou bens a prestações durante o período de validade dos referidos contratos;

[…]

g)

“Custo total do crédito para o consumidor”: todos os custos, incluindo juros, comissões, taxas e encargos de qualquer natureza ligados ao contrato de crédito que o consumidor deve pagar e que são conhecidos do mutuante, com exceção dos custos notariais; os custos decorrentes de serviços acessórios relativos ao contrato de crédito, em especial os prémios de seguro, são igualmente incluídos se, além disso, a celebração do contrato de serviço for obrigatória para a obtenção de todo e qualquer crédito ou para a obtenção do crédito nos termos e condições de mercado;

[…]»

10.

O artigo 10.o da Diretiva 2008/48 intitula‑se «Informação a mencionar nos contratos de crédito». Prevê no seu n.o 2:

«O contrato de crédito deve especificar de forma clara e concisa:

[…]

r)

O direito de reembolso antecipado, o procedimento a seguir em caso de reembolso antecipado e, se for caso disso, informações sobre o direito do mutuante a uma indemnização e a forma de determinar essa indemnização;

[…]»

11.

O artigo 16.o da Diretiva 2008/48 intitula‑se «Reembolso antecipado» e tem a seguinte redação:

«1.   É garantida ao consumidor a possibilidade de, em qualquer momento, cumprir, integral ou parcialmente, as suas obrigações no âmbito de um contrato de crédito. Nestes casos, o consumidor tem direito a uma redução do custo total do crédito consistindo essa redução nos juros e nos custos do período remanescente do contrato.

2.   Em caso de reembolso antecipado do crédito, o mutuante tem direito a uma indemnização justa e justificada objetivamente por eventuais custos diretamente relacionados com o reembolso antecipado do crédito, desde que o reembolso antecipado ocorra num período em que a taxa devedora aplicável seja fixa.

Essa indemnização não pode exceder 1 % do montante do crédito reembolsado antecipadamente, se o período decorrido entre o reembolso antecipado e a data estipulada para a resolução do contrato de crédito for superior a um ano. Se esse período não exceder um ano, a indemnização não pode ser superior a 0,5 % do montante do crédito reembolsado antecipadamente.

3.   Não pode ser pedida qualquer indemnização por reembolso antecipado:

a)

Se o reembolso tiver sido efetuado no cumprimento de um contrato de seguro destinado a garantir o reembolso do crédito; ou

b)

No caso de facilidades de descoberto; ou

c)

Se o reembolso ocorrer num período em que a taxa devedora aplicável não seja fixa.

4.   Os Estados‑Membros podem dispor que:

a)

A referida indemnização só pode ser pedida pelo mutuante na condição de o montante do reembolso antecipado exceder o limiar definido na lei nacional. Esse limiar não deve ser superior a 10000 EUR num período de 12 meses;

b)

O mutuante pode excecionalmente pedir uma indemnização superior se puder provar que a perda que sofreu por causa do reembolso antecipado excede o montante determinado nos termos do n.o 2.

Se a indemnização pedida pelo mutuante exceder a perda de facto sofrida, o consumidor pode pedir uma redução correspondente.

Neste caso, a perda consiste na diferença entre a taxa de juros acordada inicialmente e a taxa de juros à qual o mutuante pode emprestar o montante reembolsado antecipadamente à data do reembolso antecipado e tem em conta o impacto do pagamento antecipado sobre os custos administrativos.

5.   A indemnização não deve exceder o montante dos juros que o consumidor teria pago durante o período decorrido entre o reembolso antecipado e a data estipulada para a resolução do contrato de crédito.»

12.

O artigo 22.o da Diretiva 2008/48 intitula‑se «Harmonização e caráter imperativo da presente diretiva». O seu n.o 1 prevê:

«Na medida em que a presente diretiva prevê disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir no respetivo direito interno disposições divergentes daquelas que vêm previstas na presente diretiva para além das nela estabelecidas.»

B.   Direito nacional

13.

A Diretiva 2008/48 foi transposta para o direito polaco pela Ustawa z dnia 12 maja 2011 roku o kredycie konsumenckim (Lei de 12 de maio de 2011 sobre o Crédito ao Consumo, Dz.U. 2016, position 1528, conforme alterada) (a seguir «Lei sobre o Crédito ao Consumo»).

14.

Nos termos do artigo 49.o, n.o 1, desta lei, em caso de reembolso do montante total do crédito antes do prazo contratualmente estabelecido, subtraem‑se ao custo total do crédito os custos que correspondem ao período residual do contrato, ainda que o consumidor os tenha suportado antes de proceder ao reembolso.

II. Matéria de facto

15.

O pedido de decisão prejudicial diz respeito a três processos que o órgão jurisdicional de reenvio apensou para efeitos de apreciação e decisão conjunta. Estes três processos apresentam, essencialmente, a mesma tipologia, que a seguir se descreve.

16.

Os demandados, que são instituições de crédito, celebraram com consumidores contratos de crédito ao consumo por determinados períodos, tendo cobrado uma comissão pela concessão dos respetivos créditos. Nos três processos, o montante da comissão não dependia da duração dos contratos de crédito. Todos os consumidores reembolsaram a totalidade do montante do crédito concedido antes da data estipulada nos contratos.

17.

Posteriormente, estes consumidores celebraram com a demandante contratos por meio dos quais cederam os direitos, então objeto de litígio, relativos ao reembolso total antecipado do crédito ao consumo, incluindo o montante relativo ao reembolso das comissões anteriormente pagas. A demandante enviou aos demandados uma notificação relativa à cessão dos créditos em questão, solicitando‑lhes em simultâneo o pagamento voluntário dos montantes controvertidos, que correspondiam a uma parte das comissões proporcionais ao período de reembolso, acrescidos dos juros de mora à taxa legal.

18.

Uma vez que os demandados não se conformaram com estes pedidos, o demandante intentou ações no órgão jurisdicional de reenvio, em cujo âmbito requer aos demandados o pagamento dos montantes litigiosos, acrescidos de juros legais de mora.

III. Pedido de decisão prejudicial

19.

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se o direito dos consumidores a uma redução do custo total do crédito, prevista na legislação nacional que transpôs o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, deve ser interpretado no sentido de que os custos não dependem da duração do contrato de crédito. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que os órgãos jurisdicionais polacos têm adotado interpretações divergentes. O órgão jurisdicional de reenvio, em especial, cita duas decisões judiciais proferidas por dois órgãos jurisdicionais polacos diferentes nas quais foi declarado que a Lei sobre o Crédito ao Consumo só reconhece o direito ao reembolso de uma parte dos custos, dependendo este reembolso da duração do contrato. Contudo, numa terceira decisão judicial, outro órgão jurisdicional nacional declarou, com base numa interpretação do direito nacional efetuada à luz do artigo 16.o da Diretiva 2008/48, que o direito dos consumidores à redução dos custos inclui os custos que não dependem da duração do contrato de crédito.

20.

Nestas circunstâncias, o Sąd Rejonowy Lublin‑Wschód w Lublinie z siedzibą w Świdniku (Tribunal de Primeira Instância de Lublin‑Wschód de Lublin com sede em Świdnik, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve a disposição contida no artigo 16.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 3.o, [alínea] g), da [Diretiva 2008/48], ser interpretada no sentido de que, caso o consumidor proceda ao reembolso antecipado das suas obrigações resultantes de um contrato de crédito, tem direito a uma redução do custo total do crédito, incluindo também dos custos cujo valor é independente da duração do contrato de crédito?»

IV. Análise

A.   Competência do Tribunal de Justiça e admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

21.

Do lado dos demandados, o Santander Consumer Bank afirma, em substância, que a questão suscitada é inadmissível. Com efeito, considera que o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 não é aplicável, uma vez que o litígio no processo principal opõe duas pessoas que atuam no âmbito da sua atividade profissional.

22.

A este respeito, importa recordar que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça da União Europeia e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a decisão do litígio que lhes é submetido ( 2 ). Compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, chamados a conhecer do litígio que lhes foi submetido e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto da necessidade de uma decisão prejudicial para poderem proferir a sua decisão como da pertinência das questões que submetam ao Tribunal de Justiça ( 3 ).

23.

Consequentemente, na medida em que as questões submetidas tenham por objeto a interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com os factos ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ( 4 ). No entanto, o facto de uma das partes no processo principal contestar a pertinência da questão prejudicial para a resolução do litígio no processo principal não pode, por si só, justificar a conclusão de que essas questões devem ser julgadas inadmissíveis.

24.

No presente processo, há que observar que o âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48 não depende da identidade das partes no litígio, mas da identidade das partes envolvidas no crédito. Com efeito, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, esta diretiva aplica‑se a «contratos de crédito», um conceito que se encontra definido no artigo 3.o, alínea c), da mesma diretiva como «o contrato por meio do qual um mutuante concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de pagamento diferido, empréstimo ou qualquer outro acordo financeiro semelhante; excetuam‑se os contratos de prestação de serviços ou de fornecimento de bens do mesmo tipo com caráter de continuidade, nos termos dos quais o consumidor pague esses serviços ou bens a prestações durante o período de validade dos referidos contratos». No caso em apreço, é facto assente que os créditos em causa foram concedidos aos consumidores.

25.

Atendendo a estas circunstâncias, não resulta de forma assim tão evidente da apresentação do processo efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 não é aplicável à situação em causa no processo principal. Por conseguinte, considero que o Tribunal de Justiça não deve julgar inadmissível a questão submetida.

B.   Quanto ao mérito

26.

No que respeita à questão submetida, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ou não ser interpretado no sentido de que, caso o consumidor proceda a um reembolso antecipado, a redução dos custos de crédito a que esse consumidor tem direito pode abranger custos cujo montante não depende da duração do contrato de crédito.

1. Teor do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48

27.

Nos termos do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, «é garantida ao consumidor a possibilidade de, em qualquer momento, cumprir, integral ou parcialmente, as suas obrigações no âmbito de um contrato de crédito. Nestes casos, o consumidor tem direito a uma redução do custo total do crédito consistindo essa redução nos juros e nos custos do período remanescente do contrato».

28.

Decorre, assim, da redação do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 que, em caso de reembolso antecipado, os Estados‑Membros devem prever o direito dos consumidores a uma redução que, primeiro, deve ser feita em relação ao custo total do crédito e que, segundo, consiste numa redução dos juros e dos custos do período remanescente do contrato.

29.

No que se refere à primeira parte desta disposição, esta especifica o tipo de custos em relação aos quais, devido à sua natureza, pode haver lugar a uma redução. Com efeito, uma vez que o artigo 16.o, n.o 1, prevê que a redução deve incidir sobre o custo total do crédito, apenas os custos que fazem parte do custo total do crédito poderão ser reduzidos.

30.

A definição de custo total de um crédito encontra‑se consagrada no artigo 3.o, alínea g), da Diretiva 2008/48 como «todos os custos […] que o consumidor deve pagar e que são conhecidos do mutuante, com exceção dos custos notariais; os custos decorrentes de serviços acessórios relativos ao contrato de crédito, em especial os prémios de seguro são igualmente incluídos se, além disso, a celebração do contrato de serviço for obrigatória para a obtenção de todo e qualquer crédito ou para a obtenção do crédito nos termos e condições de mercado». Por conseguinte, os custos notariais estão excluídos do direito a redução em caso de reembolso antecipado efetuado ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48.

31.

No que diz respeito à segunda parte do artigo 16.o, n.o 1, este dispõe que a redução aplicável consiste «nos juros e nos custos do período remanescente do contrato». Daqui resulta que, primeiro, a redução deve incidir tanto sobre os custos como sobre os juros e, segundo, que a mesma deve dizer respeito ao «período remanescente do contrato».

32.

Resulta do que foi acima indicado que o artigo 16.o, n.o 1, estabelece alguns princípios fundamentais — nomeadamente os que acabo de expor — que devem ser respeitados pelos Estados‑Membros. Proponho que analisemos em seguida em que medida a Diretiva 2008/48 constitui uma medida de harmonização.

2. Âmbito da harmonização alcançada pela Diretiva 2008/48

33.

É certo que o primeiro período do considerando 9 refere que «[a] harmonização plena é necessária». No entanto, o grau de harmonização prosseguido por uma diretiva não deve ser confundido com o respetivo âmbito de harmonização. Por conseguinte, a harmonização plena referida no considerando 9 não abrange necessariamente todos os aspetos dos créditos aos consumidores mencionados na Diretiva 2008/48. Saliento ainda que o terceiro período do mesmo considerando prevê expressamente que a proibição de os Estados‑Membros manterem ou introduzirem outras disposições para além das estabelecidas na presente diretiva «só será aplicável nos casos em que existam disposições harmonizadas na presente diretiva. Caso não existam essas disposições harmonizadas, os Estados‑Membros deverão continuar a dispor da faculdade de manter ou introduzir legislação nacional».

34.

O facto de a Diretiva 2008/48 ter por objetivo uma harmonização total apenas no que se refere a alguns aspetos do crédito ao consumo é confirmado pelo artigo 1.o da referida diretiva. De acordo com esta disposição, a Diretiva 2008/48 tem como objetivo «a harmonização de determinados aspetos das disposições legislativas […] em matéria de contratos que regulam o crédito aos consumidores». Além disso, o artigo 22.o da Diretiva 2008/48 refere apenas que tal deverá suceder «[n]a medida em que a presente diretiva prevê disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir no respetivo direito interno disposições divergentes daquelas que vêm previstas na presente diretiva para além das nela estabelecidas».

35.

Por último, é ainda possível ainda observar que o Tribunal de Justiça já reconheceu, no contexto de uma diretiva que tem por objetivo a realização de uma harmonização plena, que nem todos os aspetos mencionados nessa diretiva foram harmonizados. Por exemplo, o Tribunal de Justiça declarou, no que respeita à Sexta Diretiva do Conselho relativa ao IVA ( 5 ), que os Estados‑Membros podem, quando fazem uso de algumas das opções previstas no artigo 17.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva, aplicar um método de cálculo diferente do método referido nessa diretiva, desde que, nomeadamente, o método adotado garanta uma determinação proporcional de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a prevista na diretiva ( 6 ).

36.

No que diz respeito ao artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, cabe assinalar que, na medida em que esta disposição não estabelece o método de cálculo que deve ser utilizado, parece‑me que foi intenção do legislador da União atribuir aos Estados‑Membros uma certa margem de manobra nesta matéria. Além disso, o considerando 10 estipula que o âmbito de harmonização pretendida pela Diretiva 2008/48 é determinado pelas definições específicas constantes do artigo 3.o, alínea g), da diretiva. Por conseguinte, importa salientar que o conceito «redução», utilizado no artigo 16.o, n.o 1, não se encontra definido na presente diretiva.

37.

Como já indiquei anteriormente, é evidente que isto não significa que os Estados‑Membros possam optar por um qualquer método da sua escolha. Devem respeitar os princípios estabelecidos no artigo 16.o, n.o 1, no que se refere à obrigação de abranger tanto os juros como os custos. No entanto, no que diz respeito à determinação de qual é a parte desses juros e desses cursos que pode ser objeto de redução, nenhum destes princípios exige, conforme pergunta o órgão jurisdicional de reenvio, que o montante dos custos em causa dependa da duração do contrato de crédito que será reduzido. Embora o artigo 16.o, n.o 1, da diretiva especifique que essas partes devem corresponder aos juros e aos custos «[devidos relativamente ao] período remanescente do contrato», esta disposição continua a ser relativamente vaga porquanto pode significar que os juros e os custos em causa são aqueles que seriam devidos após a data de reembolso ( 7 ).

38.

Atendendo ao que precede, parece‑me claro que a Diretiva 2008/48 não harmoniza o método de cálculo que deve ser utilizado para determinar a redução a aplicar em caso de reembolso antecipado, embora consagre princípios que os Estados‑Membros devem respeitar quando da determinação desse método.

3. Análise da compatibilidade das diferentes interpretações propostas com o artigo 16.o, n.o 1

39.

No processo principal, a redação da Ustawa z dnia 12 maja 2011 roku o kredycie konsumenckim (Lei de 12 de maio de 2011 sobre o Crédito ao Consumo) apresenta, aparentemente, uma relativa abertura, facto que é confirmado pelas diversas interpretações dos órgãos jurisdicionais nacionais polacos, como referido pelo órgão jurisdicional de reenvio.

40.

Por conseguinte, uma vez que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar a sua legislação nacional em conformidade com o direito da União, proponho que se analise a obrigação imposta aos Estados‑Membros através da expressão «período remanescente do contrato» que figura no artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 e à qual a questão submetida se refere ( 8 ).

41.

A este respeito, há que referir que o órgão jurisdicional de reenvio propõe duas interpretações diferentes desta expressão.

42.

A primeira interpretação assenta na ideia de que a expressão «do período remanescente do contrato» pretende limitar a redução apenas aos custos relacionados com a duração do crédito. Por conseguinte, o conceito «custos» refere‑se às despesas que a instituição de crédito tem de suportar decorrentes da concessão do crédito ( 9 ). Assim, em substância, o artigo 16.o, n.o 1, isenta os consumidores do pagamento, a título de «custos», das despesas relativas ao período remanescente do contrato. No entanto, uma vez que a instituição de crédito não suportará estas despesas, o consumidor deve ter direito a deduzi‑las do custo total do crédito ( 10 ).

43.

A segunda interpretação consiste em considerar que a redução do custo total do crédito deve ser proporcional ao período remanescente do contrato. Em substância, a expressão «do período remanescente do contrato» é uma mera indicação da forma de calcular a redução, nomeadamente de forma proporcional à duração remanescente do contrato.

44.

Além disso, duas outras interpretações devem ser tidas em conta.

45.

A terceira interpretação, que é a que é proposta pelos demandados, consiste em considerar que os custos que podem ser deduzidos do custo total do crédito são apenas os que são apresentados formalmente no contrato de crédito como sendo dependentes da duração do contrato de crédito. Em contrapartida, uma vez que o serviço, que se traduz na concessão de crédito, é integralmente prestado no momento em que o dinheiro é disponibilizado ao consumidor, a margem de lucro da instituição de crédito deve manter‑se intacta.

46.

Nos termos da quarta e última interpretação, a redução a que o consumidor tem direito corresponde aos pagamentos únicos ou recorrentes ainda não vencidos à data do reembolso antecipado.

47.

Para determinar quais destas interpretações são compatíveis com o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, há que tomar em consideração os princípios que esta disposição consagrou, uma vez que estes princípios podem ser deduzidos, de acordo com os métodos de interpretação do Tribunal de Justiça, do contexto em que a referida disposição é mencionada, dos objetivos prosseguidos por esta bem como da sua redação ( 11 ).

48.

No que se refere ao contexto, é possível observar que várias partes propuseram a adoção de uma interpretação sistemática do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 à luz do artigo 16.o, n.o 2. Deste modo, uma vez que, nos termos do artigo 16.o, n.o 2, as instituições de crédito têm direito a uma indemnização «justa e justificada objetivamente» por «eventuais custos diretamente relacionados com o reembolso antecipado do crédito, desde que o reembolso antecipado ocorra num período em que a taxa devedora aplicável seja fixa», o objetivo da redução prevista no artigo 16.o, n.o 1, deve ser objeto de interpretação ampla e de forma a favorecer o consumidor.

49.

No que me diz respeito, contudo, esta abordagem não me convence. Com efeito, contrariamente ao argumento aduzido pelo Governo polaco, não considero que para conferir pleno efeito («effet utile») ao artigo 16.o, n.o 2, o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deva ser interpretado no sentido de que implica necessariamente uma redução dos lucros de uma instituição de crédito. É certo que, contrariamente ao que parece ser uma interpretação generalizada, o artigo 16.o, n.o 2, não se destina a compensar o lucro cessante que o mutuante poderia ter obtido se o reembolso antecipado do crédito não tivesse ocorrido. É certo que ainda que a instituição de crédito conceda novamente a título de mútuo os montantes reembolsados, a sua margem de lucro não será necessariamente igual à que teria obtido se o contrato de crédito inicial tivesse continuado em vigor ( 12 ). Contudo, importa não perder de vista que a redação do artigo 16.o, n.o 2, se refere a «custos» e não a «perdas» suportadas pela instituição, que, aliás, devem estar «diretamente relacionados com o reembolso antecipado do crédito». Assim, daqui resulta que a indemnização que pode ser pedida ao abrigo desta disposição visa apenas compensar as despesas suportadas decorrentes do reembolso antecipado dos contratos de crédito, quando para esse efeito a instituição de crédito deva realizar operações específicas ( 13 ).

50.

A possibilidade de pedir uma indemnização por lucros cessantes devido ao facto de se ter procedido a um reembolso antecipado de um contrato de crédito está efetivamente prevista na Diretiva 2008/48: é, no entanto, concedida ao abrigo do artigo 16.o, n.o 4, alínea b), e não do artigo 16.o, n.o 2. Contudo, visto que o artigo 16.o, n.o 4, alínea b), é facultativo, os Estados‑Membros devem ter optado por contemplar esta possibilidade na transposição da diretiva. Além disso, o artigo 16.o, n.o 4, alínea b), desta diretiva prevê que uma tal indemnização só pode ser pedida excecionalmente se a instituição de crédito puder provar que a perda que sofreu excede o montante determinado nos termos do n.o 2 do artigo 16.o Por conseguinte, o risco de uma instituição de crédito poder receber uma indemnização, apesar de o seu lucro não ter sido significativamente reduzido, é relativamente limitado.

51.

No que diz respeito aos objetivos prosseguidos pelo artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, é certo que o considerando 7 prevê que a diretiva se destina a facilitar «a emergência de um mercado interno do crédito aos consumidores que funcione corretamente». Contudo, contrariamente ao argumento defendido pelos demandados, não se pode daí deduzir que o artigo 16.o, n.o 1, tem por objetivo proteger as instituições de crédito das consequências decorrentes de um pagamento antecipado. Com efeito, este considerando menciona expressamente que o surgimento de um mercado interno que funcione corretamente deve ser alcançado através da estatuição de um quadro harmonizado da União em determinados domínios essenciais e não através da proteção das instituições de crédito relativamente às consequências decorrentes de um reembolso antecipado.

52.

Em contrapartida, não se pode ignorar que o considerando 39, que aborda especificamente os objetivos prosseguidos pelo artigo 16.o, n.o 1, não contém nenhuma referência a essa redução, antes prevendo apenas que «[o] consumidor deverá ter o direito de cumprir as suas obrigações antes da data estipulada no contrato de crédito». Isto sugere efetivamente que o legislador da União considerou que esta redução é concebida como uma simples consequência do reembolso antecipado e, por conseguinte, como algo que é fácil de calcular. Além disso, a ideia de que as consequências do pagamento antecipado devem ser fáceis de avaliar está também expressa no mesmo considerando, quando a redação se refere, desta vez, à indemnização a que uma instituição de crédito tem direito. Com efeito, de acordo com o considerando 39, em tal situação: «[…] o método de cálculo deverá ser fácil de aplicar para os mutuantes […]».

53.

Nesta perspetiva, embora a primeira interpretação, nos termos da qual a redução deve corresponder às despesas que a instituição de crédito não terá de suportar devido ao reembolso antecipado pareça superficial e relativamente simples — e, por conseguinte, bastante apelativa —, a sua aplicação prática poderá suscitar dificuldades práticas consideráveis. Com efeito, como o órgão jurisdicional de reenvio referiu no seu pedido, as instituições de crédito raramente especificam quais são as despesas por si suportadas que são abrangidas pelos custos que cobram aos consumidores e, mesmo quando o fazem, o consumidor teria, não obstante, o direito de contestar a exatidão dessas especificações.

54.

O montante das taxas cobradas também não reveste grande utilidade. Com efeito, mesmo nos casos em que o cálculo dos custos cobrados tenha tido por base a duração do crédito, há que recordar que estes podem servir para compensar parcialmente os custos recorrentes e parcialmente os custos únicos, incluindo os custos que surgiram exclusivamente antes do pagamento antecipado. Sucede o mesmo quando esses encargos tenham sido calculados em relação ao montante do crédito concedido, uma vez que os custos variáveis não são todos necessariamente custos recorrentes. Por último, quaisquer encargos ou despesas cujo pagamento seja imputado aos consumidores podem incluir uma parte do lucro, uma vez que nenhuma regra obriga as instituições de crédito a atingir a sua margem de lucro apenas através dos juros cobrados aos consumidores.

55.

Assim, na prática, só através de uma determinação destinada a contabilizar os custos será possível ter uma noção exata do montante que a instituição de crédito irá poupar, tendo essa determinação precisamente por objetivo identificar e avaliar os elementos que constituem a sua receita líquida. Com efeito, no caso de uma instituição de crédito, estes elementos incluem as despesas decorrentes da duração dos créditos concedidos. No entanto, nem a Diretiva 2008/48, nem sequer, aparentemente, nenhum outro ato da União, parecem ter imposto às instituições de crédito a obrigatoriedade de contabilização dos custos ( 14 ). Se, por conseguinte, o Tribunal de Justiça viesse a abordar a primeira abordagem, tal significaria que a contabilização dos custos se tornaria, na prática, obrigatória, embora tal obrigação não esteja prevista de outra forma. Para mais, em caso de litígio relativo ao montante da redução a que o consumidor tem direito quando efetua um reembolso antecipado, os órgãos jurisdicionais nacionais teriam de recorrer a peritos contabilísticos, ainda que os custos envolvidos fossem, pela sua própria natureza, relativamente pequenos.

56.

Independentemente de quais sejam os méritos teóricos desta possível interpretação, dadas as dificuldades práticas que esta envolve que, como acabo de referir, podem ser consideráveis, considero que esta interpretação é incompatível com a ideia implícita no considerando 39 da Diretiva 2008/48 segundo a qual as consequências de um pagamento antecipado devem ser simples de avaliar.

57.

Mais decisiva ainda é a redação do artigo 16.o, n.o 1. De facto, a este respeito, tanto a primeira como a terceira interpretações são inconsistentes com a referência feita neste artigo ao conceito de «juros». Começarei pela terceira interpretação.

58.

De acordo com esta interpretação, só poderão ser reduzidos custos que formalmente tenham sido considerados como sendo dependentes da duração do contrato. Note‑se, no entanto, que, uma vez que o legislador da União considerou que era necessário fazer referência tanto aos juros como aos custos, a redução prevista no artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 deve ser interpretada como sendo relativa aos dois elementos e não, conforme considerado na terceira interpretação, apenas aos custos.

59.

Além disso, ainda que a terceira interpretação também devesse ser aplicada no caso de juros, esta, na prática, não poderia funcionar sem se basear na segunda ou na quarta interpretações ( 15 ). Desta forma, manter a terceira interpretação pressuporia que fossem aplicados dois métodos de cálculo diferentes, um para os juros e outro para os custos. No entanto, tal seria incompatível com a própria redação do artigo 16.o, n.o 1.

60.

No que respeita à primeira interpretação, noto que o conceito de «juros» se refere a um elemento de remuneração da instituição de crédito que se afigura preciso e prontamente determinável, uma vez que é calculado através da aplicação de uma percentagem anual. Como qualquer outro elemento da sua remuneração, o pagamento de juros contribui naturalmente para a rentabilidade da instituição de crédito, mas é também utilizado para repercutir nos consumidores as despesas suportadas pelos bancos decorrentes de créditos. Consequentemente, interpretar o conceito de «custos» mencionado no artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 no sentido de que se refere aos custos suportados pela instituição de crédito, conforme é sugerido pela primeira e pela terceira interpretações, poderia resultar numa dupla redução do mesmo elemento, uma vez que os juros também são abrangidos. Contudo, em minha opinião, considero que não era isto que o legislador da União tinha em mente.

61.

Uma vez que o conceito «juro» está relacionado com o conceito de «custos» devido à utilização da conjunção «e», parece‑me mais lógico considerar que estão ambos relacionados com pagamentos que precisam de ser efetuados pelo consumidor. Por conseguinte, o conceito de «custos» previsto no artigo 16.o, n.o 1, não se refere, como pressupõe a primeira interpretação, às despesas suportadas pela instituição de crédito, mas antes aos pagamentos cobrados aos consumidores, para além dos juros.

62.

Por outras palavras, a expressão «[devidos relativamente ao] período remanescente do contrato» deve ser entendida no sentido de que a redução prevista no artigo 16.o, n.o 1, não depende da finalidade dos custos imputados aos consumidores, conforme proposto pela primeira e pela terceira interpretações, dependendo antes da data em que o pagamento dos custos é solicitado aos consumidores.

63.

A meu ver, apenas a segunda ou a quarta interpretações estão em conformidade com esta constatação. Reconheço que as duas interpretações têm desvantagens, mas, como já tive ocasião de referir, não há, honestamente, nenhuma interpretação do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 que seja totalmente satisfatória.

64.

Em especial, reconheço que as duas interpretações podem conduzir a um desequilíbrio na relação credor/mutuante. Com efeito, no caso da segunda interpretação, se o reembolso for efetuado muito cedo, pode dar‑se o caso de as despesas fixas suportadas pela instituição de crédito não terem sido integralmente amortizadas pelas despesas e pelos juros pagos pelo consumidor e, consequentemente, a instituição de crédito sofrerá um prejuízo. No que se refere à quarta interpretação, deixa em aberto a possibilidade de as instituições de crédito, ao repercutirem, no início do contrato, todos os seus custos recorrentes nos consumidores, conseguirem contornar as consequências da redução de custos em caso de reembolso antecipado. Contudo, as duas interpretações têm a vantagem distinta de que como resultado do reembolso antecipado, o consumidor obterá uma redução dos juros e dos custos de uma forma que é (relativamente) proporcional na medida em que o contrato de crédito tenha sido reembolsado antecipadamente.

65.

Para mais, não estou persuadido de que o legislador da União tenha necessariamente pretendido alcançar um equilíbrio perfeito entre os interesses das instituições de crédito e os dos consumidores. Com efeito, também resulta do artigo 16.o, n.o 5, da Diretiva 2008/48 que, em certa medida, o legislador não pretendeu excluir a possibilidade de o consumidor ter de pagar o mesmo montante que teria de pagar, caso não tivesse efetuado o reembolso antecipado ( 16 ).

66.

Embora a redação do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 pudesse, com vantagens, ter sido mais clara sobre esta questão muito específica, não apenas são a segunda e a quarta interpretações compatíveis com os princípios consagrados na Diretiva 2008/48, como também podem refletir o objetivo que o legislador da União tinha em mente.

67.

Por conseguinte, em minha opinião, os Estados‑Membros podem optar, nomeadamente, por transpor esta disposição ou, pelo menos, se for caso disso, interpretar o seu direito nacional em conformidade com uma destas duas interpretações.

V. Conclusão

68.

Pelas razões anteriormente expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Sąd Rejonowy Lublin‑Wschód w Lublinie z siedzibą w Świdniku (Tribunal de Primeira Instância de Lublin‑Wschód de Lublin com sede em Świdnik, Polónia) nos seguintes termos:

O artigo 16.o, n.o 1, lido em conjugação com o artigo 3.o, alínea g), da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um consumidor ter procedido a um reembolso antecipado, a redução a que esse consumidor tem direito pode dizer respeito a custos relativamente aos quais o montante é independente da duração do contrato de crédito. Contudo, um Estado‑Membro não pode limitar — e um órgão jurisdicional nacional não pode interpretar a respetiva legislação nacional neste sentido — esta redução unicamente ao montante das despesas que a instituição de crédito poupou devido ao reembolso antecipado.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov (C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 16).

( 3 ) Acórdão de 1 de julho de 2010, Sbarigia (C‑393/08, EU:C:2010:388, n.os 19 a 20).

( 4 ) Acórdão de 20 de setembro de 2018, OTP Bank e OTP Faktoring (C‑51/17, EU:C:2018:750, n.o 37).

( 5 ) Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

( 6 ) Com efeito, nenhuma disposição da Sexta Diretiva IVA mencionava expressamente a possibilidade de os Estados‑Membros derrogarem este método. V. Acórdão de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt (C‑511/10, EU:C:2012:689, n.o 24).

( 7 ) As versões francesa e italiana da Diretiva 2008/48 utilizam o adjetivo «devido» («intérêts et frais dus pour la durée résiduelle», «dovuti per la restante durata»). Contudo, para além de este qualificativo não se encontrar noutras versões linguísticas, não me parece contradizer a análise que acabo de efetuar, pois a expressão pode ser entendida no sentido de caducado. Seja como for, a versão inglesa não contém semelhante adjetivo («interest and the costs for the remaining duration»); por seu turno, as versões espanhola e alemã utilizam expressões bastante genéricas, respetivamente, «correspondientes a la duración» e «für die verbleibende Laufzeit des Vertrags richtet»).

( 8 ) V., por exemplo, Acórdão de 27 de março de 2019, Pawlak (C‑545/17, EU:C:2019:260, n.o 83).

( 9 ) De acordo com esta interpretação, defendida pelos demandados no processo principal e pelo Governo espanhol, os custos pontuais não podem ser reduzidos em caso de reembolso antecipado. Só os custos recorrentes suportados após o reembolso são abrangidos por esta redução.

( 10 ) Por conseguinte, os custos a deduzir do custo total do empréstimo seriam reduzidos: consistem essencialmente nos custos relacionados com a preparação e a comunicação periódica de informações ao consumidor em conformidade com as disposições nacionais e da União aplicáveis. Com efeito, a grande maioria dos custos decorrentes de um empréstimo representam custos únicos, tais como os custos de elaboração e tratamento do dossiê de pedido de empréstimo ou de pesquisa de informações sobre a solvabilidade do consumidor. Na prática, as despesas em causa são as despesas recorrentes que teriam ocorrido após a data do reembolso antecipado, uma vez que os custos não recorrentes são geralmente independentes da duração do contrato.

( 11 ) Acórdão de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland (C‑533/08, EU:C:2010:243, n.o 44).

( 12 ) Se a instituição de crédito emprestar novamente os montantes reembolsados, poderão ter mudado as condições de refinanciamento (tanto através do recurso ao mercado interbancário como através da utilização do dinheiro dos depositantes, no caso de a instituição de crédito ser um banco). No entanto, nesta situação, em princípio, a taxa de juro aplicável ao contrato de empréstimo também será diferente. Assim, a margem de lucro irá sofrer alterações, em primeiro lugar e sobretudo, no caso de a intensidade competitiva no mercado tiver conhecido evoluções desde que o contrato foi celebrado.

( 13 ) As razões pelas quais os lucros cessantes não estão abrangidos pela indemnização prevista no artigo 16.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48 podem deduzir‑se do considerando 39, uma vez que este salienta que «um crédito ao consumidor, em virtude da sua duração e do seu volume, não é financiado por mecanismos de financiamento a longo prazo». Com efeito, nestas circunstâncias, os lucros cessantes continuam a ser relativamente limitados, exceto se o mercado se inverter por completo.

( 14 ) Tal obrigação existe apenas em situações muito específicas. V., por exemplo, o artigo 34.o do Regulamento (UE) n.o 909/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à melhoria da liquidação de valores mobiliários na União Europeia e às Centrais de Valores Mobiliários e que altera as Diretivas 98/26/CE e 2014/65/UE e o Regulamento (UE) n.o 236/2012 (JO 2014 L 257, p. 1) e o artigo 11.o do Regulamento (UE) 2017/352 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de fevereiro de 2017, que estabelece o regime da prestação de serviços portuários e regras comuns relativas à transparência financeira dos portos (JO 2017 L 57, p. 1).

( 15 ) Além disso, tal implica que se considere e, assim, que se imponha que uma parte do lucro possa ser considerada a título do período remanescente. No entanto, a margem de lucro não é necessariamente linear.

( 16 ) Além disso, deve salientar‑se, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea r), da Diretiva 2008/48, as instituições de crédito devem informar os consumidores do procedimento a seguir em caso de reembolso antecipado e, como tal, dos termos e condições desse reembolso antecipado. Por conseguinte, estes termos e condições também constituem um elemento que pode ser tomado em consideração pelos consumidores antes de tomarem a decisão de subscreverem um contrato de crédito com uma determinada instituição de crédito em vez de outra.