CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 27 de junho de 2019 ( 1 )

Processo C‑379/18

Deutsche Lufthansa AG

contra

Land Berlin,

sendo intervenientes:

Berliner Flughafen Gesellschaft mbH,

Vertreter des Bundesinteresses beim Bundesverwaltungsgericht

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Taxas aeroportuárias — Proteção dos direitos dos utilizadores dos aeroportos — Possibilidade de fixar por acordo taxas diferentes das aprovadas pela autoridade supervisora independente — Vias de recurso — Competência dos tribunais cíveis — Compatibilidade com a Diretiva 2009/12/CE»

1. 

A Diretiva 2009/12/CE ( 2 ) dispõe que as entidades gestoras aeroportuárias cobram aos «utilizadores» (entendidos como as pessoas que transportam passageiros, correio e/ou carga por via aérea) ( 3 ) taxas como contrapartida pela utilização das instalações disponibilizadas e pelos serviços prestados pelas referidas entidades.

2. 

As questões do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito, em resumo, à aprovação dessas taxas aeroportuárias, tanto pela autoridade supervisora independente (a seguir «autoridade supervisora») como pela entidade gestora de cada aeroporto. Pretende também saber como e perante quem pode o utilizador impugná‑las.

I. Quadro jurídico

A.   Diretiva da União

3.

O artigo 2.o («Definições») da Diretiva 2009/12 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

“Aeroporto”, um terreno especialmente preparado para a aterragem, descolagem e manobras de aeronaves, incluindo as instalações anexas que possam existir para as necessidades do tráfego e para o serviço das aeronaves, nomeadamente as instalações necessárias para as operações comerciais de transporte aéreo;

2)

“Entidade gestora aeroportuária”, a entidade à qual, em conjunto ou não com outras atividades, compete, nos termos da legislação nacional, da regulamentação ou de contratos, a administração e a gestão das infraestruturas de um aeroporto ou de uma rede de aeroportos e a coordenação e o controlo das atividades dos vários operadores presentes no aeroporto ou na rede de aeroportos em causa;

3)

“Utilizador do aeroporto”, uma pessoa singular ou coletiva que transporte passageiros, correio e/ou carga por via aérea de ou para esse aeroporto;

4)

“Taxa aeroportuária”, uma contrapartida financeira cobrada em proveito da entidade gestora aeroportuária, paga pelos utilizadores do aeroporto pela utilização das instalações disponibilizadas e pelos serviços prestados exclusivamente pela entidade gestora aeroportuária, relacionados com a aterragem, descolagem, iluminação e estacionamento das aeronaves e com o processamento de passageiros e carga;

[…]».

4.

O artigo 3.o («Não discriminação») dispõe:

«Os Estados‑Membros asseguram que as taxas aeroportuárias não estabeleçam discriminações entre os utilizadores dos aeroportos, em conformidade com o direito comunitário. Tal não impede a modulação das taxas aeroportuárias por motivos de interesse público e geral, nomeadamente de ordem ambiental. Os critérios utilizados para a referida modulação devem ser pertinentes, objetivos e transparentes.»

5.

O artigo 5.o («Sistemas de tarifação comuns») estabelece:

«Depois de informarem a Comissão e em conformidade com o direito comunitário, os Estados‑Membros podem autorizar uma entidade gestora aeroportuária a aplicar um sistema de tarifação comum e transparente nos aeroportos que sirvam a mesma cidade ou a mesma conurbação, desde que cada aeroporto cumpra inteiramente os requisitos de transparência previstos no artigo 7.o»

6.

O artigo 6.o («Consultas e recurso») prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que seja estabelecido um procedimento obrigatório para a realização de consultas periódicas entre a entidade gestora aeroportuária e os utilizadores do aeroporto, ou os representantes ou associações dos utilizadores do aeroporto, a respeito do funcionamento do sistema de taxas aeroportuárias e do nível dessas taxas e, se necessário, da qualidade dos serviços prestados. As referidas consultas realizam‑se pelo menos uma vez por ano, salvo decisão em contrário tomada na última consulta. Caso exista um acordo plurianual entre a entidade gestora aeroportuária e os utilizadores do aeroporto, as consultas realizam‑se nos termos do referido acordo. Os Estados‑Membros reservam‑se o direito de solicitar consultas mais frequentes.

2.   Os Estados‑Membros asseguram que, sempre que possível, as alterações do sistema ou do nível das taxas aeroportuárias sejam introduzidas de comum acordo entre a entidade gestora aeroportuária e os utilizadores do aeroporto. Para tal, a entidade gestora aeroportuária apresenta aos utilizadores do aeroporto as eventuais propostas de alteração do sistema ou do nível das taxas aeroportuárias, juntamente com as razões para as alterações propostas, o mais tardar quatro meses antes da respetiva entrada em vigor, exceto em circunstâncias excecionais que devem ser justificadas perante os utilizadores do aeroporto. A entidade gestora aeroportuária consulta os utilizadores do aeroporto sobre as alterações propostas e tem em conta os seus pontos de vista antes de tomar uma decisão. Normalmente, a entidade gestora aeroportuária publica a sua decisão ou recomendação o mais tardar dois meses antes da respetiva entrada em vigor. Caso a entidade gestora aeroportuária e os utilizadores do aeroporto não cheguem a acordo sobre as alterações propostas, a primeira deve justificar a sua decisão relativamente aos pontos de vista dos utilizadores do aeroporto.

3.   Os Estados‑Membros asseguram que, em caso de desacordo quanto a uma decisão relativa às taxas aeroportuárias tomada pela entidade gestora aeroportuária, qualquer parte possa solicitar a intervenção da autoridade supervisora independente a que se refere o artigo 11.o, que examina as justificações para a alteração do sistema ou do nível das taxas aeroportuárias.

4.   Se uma alteração do sistema ou do nível das taxas aeroportuárias decidida pela entidade gestora aeroportuária for submetida à apreciação de uma autoridade supervisora independente, tal alteração não produz efeitos até ter sido analisada por esta última. No prazo de quatro semanas após a questão ter sido submetida à sua apreciação, a autoridade supervisora independente deve tomar uma decisão provisória sobre a entrada em vigor da alteração das taxas aeroportuárias, a não ser que a decisão final possa ser tomada dentro do mesmo prazo.

5.   Um Estado‑Membro pode decidir não aplicar os n.os 3 e 4 em relação a alterações do nível ou da estrutura das taxas aeroportuárias nos aeroportos em que:

a)

Exista um procedimento obrigatório nos termos da legislação nacional segundo o qual as taxas aeroportuárias, ou o seu nível máximo, são determinados ou aprovados pela autoridade supervisora independente […]»

7.

Em conformidade com o artigo 7.o («Transparência»):

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que a entidade gestora aeroportuária forneça a cada utilizador do aeroporto ou aos representantes ou associações de utilizadores do aeroporto, cada vez que se devam realizar as consultas a que se refere o n.o 1 do artigo 6.o, as informações sobre as componentes que servem de base para a determinação do sistema ou do nível de todas as taxas cobradas em cada aeroporto pela entidade gestora aeroportuária. Essas informações incluem, no mínimo:

a)

A lista dos serviços prestados e das infraestruturas disponibilizadas em contrapartida da taxa aeroportuária cobrada;

b)

A metodologia utilizada para a fixação das taxas aeroportuárias;

c)

A estrutura global dos custos ligados às instalações e serviços a que se referem as taxas aeroportuárias;

d)

A receita das diferentes taxas e o custo total dos serviços cobertos por essas taxas;

e)

Qualquer financiamento de autoridades públicas às instalações e serviços a que se referem as taxas aeroportuárias;

f)

As previsões relativas à situação do aeroporto no que diz respeito às taxas, ao aumento do tráfego e aos investimentos propostos;

g)

A utilização efetiva das infraestruturas e dos equipamentos aeroportuários num determinado período; e

h)

Os resultados previstos de todos os investimentos de vulto propostos, em termos dos seus efeitos na capacidade aeroportuária.

[…]»

8.

O artigo 11.o («Autoridade supervisora independente») dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros nomeiam ou criam uma autoridade independente como sua autoridade supervisora independente nacional a fim de assegurar a aplicação correta das medidas tomadas para dar cumprimento à presente diretiva e desempenhar, pelo menos, as funções atribuídas nos termos do artigo 6.o Essa autoridade pode ser a mesma à qual o Estado‑Membro tenha confiado a aplicação das medidas regulamentares adicionais a que se refere o n.o 5 do artigo 1.o, incluindo a aprovação do sistema de tarifação e/ou do nível das taxas aeroportuárias, desde que cumpra os requisitos estabelecidos no n.o 3 do presente artigo.

[…]

7.   Ao proceder a uma investigação sobre a justificação da alteração do sistema ou do nível das taxas aeroportuárias nos termos do artigo 6.o, a autoridade supervisora independente tem acesso às informações necessárias das partes interessadas e consulta‑as para tomar a sua decisão. Sem prejuízo do n.o 4 do artigo 6.o, a autoridade supervisora independente toma uma decisão final o mais rapidamente possível e, em todo o caso, no prazo de quatro meses a contar da data em que a questão tenha sido submetida à sua apreciação. Em casos excecionais devidamente justificados, este prazo pode ser prorrogado por dois meses. As decisões da autoridade supervisora independente são vinculativas, sem prejuízo de revisão parlamentar ou judicial, conforme aplicável nos Estados‑Membros.

[…]»

B.   Direito alemão

1. Verwaltungsgerichtsordnung (Código de Processo Administrativo; a seguir «VwGO»)

9.

Nos termos do § 42, n.o 2, salvo disposição em contrário, o recurso administrativo só é admissível se o recorrente puder alegar que a adoção do ato administrativo adotado bem como a recusa ou a abstenção de adotá‑lo infringe os seus direitos.

2. Luftverkehrsgesetz (Código da Aviação Civil)

10.

O artigo § 19b, n.o 1, regula a tarifação das taxas aeroportuárias. A entidade gestora aeroportuária submete a referida tarifação à aprovação da autoridade competente para a emissão de licenças, que o aprova se forem cumpridos determinados requisitos ( 4 ).

11.

O artigo § 19b, n.o 3, regula o procedimento para a autorização da tarifação das taxas, prevendo as seguintes fases:

Pelo menos seis meses antes da sua entrada em vigor, a entidade gestora aeroportuária deve apresentar aos utilizadores do aeroporto o projeto de tarifação das taxas, ou qualquer alteração, juntamente com uma fundamentação.

Pelo menos cinco meses antes da entrada em vigor da tarifação das taxas, o pedido de autorização deve ser apresentado à autoridade competente para a emissão de licenças. Deve ser fundamentado e tomar em consideração as objeções dos utilizadores.

A autorização deve ser concedida se o nível das taxas for razoável relativamente aos custos de exploração previsíveis e se as taxas assegurarem prestações eficazes. É possível prescindir desta análise se a entidade gestora aeroportuária e os utilizadores tiverem chegado a acordo quanto à tarifação das taxas.

3. Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil; a seguir «BGB»)

12.

Nos termos do § 315 do BGB, relativo aos contratos:

Se a prestação for determinada por uma das partes contratantes, em caso de dúvida, essa determinação deve ser feita equitativamente.

A determinação considera‑se efetuada com uma declaração à outra parte contratante.

Quando a prestação for determinada deste modo, só obriga a outra parte contratante se for conforme à equidade. Caso contrário, será fixada por sentença.

II. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

13.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de junho de 2018.

14.

Apresentaram observações escritas a Deutsche Lufthansa, a Berliner Flughafen Gesellschaft, o Land de Berlim, os Governos da Alemanha e da Polónia, bem como a Comissão. Com a exceção do Governo da Polónia, todos compareceram na audiência realizada em 11 de abril de 2019.

III. Matéria de facto do litígio e questão prejudicial

A.   Antecedentes

15.

Em 25 de junho de 2014, a entidade gestora aeroportuária de Berlin‑Tegel (Berliner Flughafen Gesellschaft mbH) apresentou ao Land de Berlim, organismo que exerce as funções de autoridade supervisora, uma proposta de taxas aeroportuárias para autorização deste.

16.

Em 13 de outubro de 2014, a autoridade supervisora concedeu a autorização requerida, em conformidade com o § 19b da Lei da navegação aérea.

17.

A Deutsche Lufthansa pediu a revogação da autorização numa ação intentada no Oberverwaltungsgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Administrativo Superior de Berlim ‑ Brandenburgo, Alemanha).

18.

Por sentença de 22 de junho de 2016, o referido tribunal julgou a ação inadmissível por falta de legitimidade ativa da Deutsche Lufthansa (em conformidade com o § 42, n.o 2, da VwGO), uma vez que a autorização não podia violar os seus direitos.

19.

A Deutsche Lufthansa interpôs recurso de revista para o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha), que submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais.

«1)

Uma norma nacional que prevê que a tarifação das taxas aeroportuárias estabelecida pela entidade gestora aeroportuária deve ser submetida à aprovação da autoridade supervisora independente, sem no entanto proibir a entidade gestora aeroportuária e o utilizador do aeroporto de fixarem taxas diferentes das aprovadas pela autoridade supervisora, é compatível com a Diretiva 2009/12/CE […], em particular, com os seus artigos 3.o, 6.o, n.os 3 a 5 e 11.o, n.os 1 e 7?

2)

É compatível com a diretiva acima referida uma interpretação do direito nacional segundo a qual um utilizador do aeroporto não pode impugnar a aprovação das tarifas aeroportuárias pela autoridade supervisora independente, mas pode propor uma ação contra a entidade gestora aeroportuária, em que pode alegar que a taxa fixada na tarifação não [respeita a equidade]?»

20.

O órgão jurisdicional de reenvio afirma que a autorização não é juridicamente vinculativa para a fixação das taxas, segundo a sua própria jurisprudência ( 5 ). O § 19b do Código da Aviação Civil estabelece uma relação de direito público apenas entre a autoridade supervisora e a entidade gestora aeroportuária, na sua qualidade de destinatária da autorização. Como o vínculo entre a entidade gestora e os utilizadores do aeroporto é de direito privado, a remuneração acordada entre as partes é eficaz mesmo na ausência da autorização.

21.

Afirma que, segundo a jurisprudência cível, a fiscalização do montante das taxas é da competência dos juízes cíveis, que levam a cabo uma fiscalização da equidade em conformidade com o § 315 do BGB.

22.

No entanto, deveria ser reconhecida a competência da jurisdição administrativa (e, por conseguinte, a legitimidade da demandante) para conhecer do recurso direto contra a autorização nos seguintes casos:

Se se considerasse que a autorização contém cláusulas contratuais gerais que as partes não podem alterar, de modo que estas não podem acordar taxas diferentes das indicadas pela autoridade supervisora.

Se o § 19b do Código da Aviação Civil proporcionasse aos utilizadores dos aeroportos uma proteção individualizada que lhes conferisse um interesse direto superior ao conferido ao público em geral.

23.

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, à luz do Acórdão CTL Logistics ( 6 ), se poderia questionar a adequação da via do § 315 do BGB para satisfazer as exigências da Diretiva. Se se excluísse a via cível para a proteção dos direitos dos utilizadores dos aeroportos, estes não teriam uma via alternativa para a defesa dos seus interesses, o que seria contrário ao princípio da proteção jurisdicional efetiva consagrado na Lei Fundamental alemã.

24.

O órgão jurisdicional de reenvio aponta como solução uma interpretação do § 19b do Código da Aviação Civil em conformidade com a Constituição, conducente a um reconhecimento da legitimidade dos utilizadores, ao abrigo do § 42, n.o 2, da VwGO.

B.   Observações preliminares

25.

Das informações que constam dos autos infere‑se que, na Alemanha, é a autoridade supervisora que autoriza as taxas aeroportuárias. O utilizador só pode impugnar essa autorização indiretamente, através de uma ação cível, pelo que a eventual procedência dessa ação o beneficia apenas a ele. Por outro lado, a entidade gestora aeroportuária pode impugná‑la diretamente, num processo judicial administrativo.

26.

Nesse contexto, as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à possibilidade de a jurisdição administrativa ser competente para conhecer de um recurso interposto por um utilizador (uma transportadora aérea) diretamente contra a tarifação das taxas aprovada pela autoridade supervisora. Tal verificar‑se‑ia se as partes não pudessem negociar preços diferentes dos fixados pela referida autoridade e se a defesa jurisdicional dos direitos dos utilizadores confiada aos juízes cíveis fosse considerada incompatível com a Diretiva.

27.

O Tribunal de Justiça não pode proceder à interpretação das normas internas, nem determinar que competências têm os órgãos jurisdicionais nacionais ou como é regulada a legitimidade dos demandantes nos respetivos processos, sejam cíveis ou administrativos. Pode, no entanto, fornecer orientações interpretativas do direito da União que permitam ao tribunal de reenvio retirar as consequências necessárias.

28.

Antes de proceder à análise das duas questões prejudiciais, parece‑me oportuno examinar se a Diretiva confere aos utilizadores dos aeroportos um interesse legítimo para se oporem à fixação das taxas.

C.   O interesse legítimo dos utilizadores para a impugnação das taxas aeroportuárias

29.

Durante os trabalhos preparatórios da Diretiva relativa às taxas aeroportuárias, a Comissão enquadrou a sua proposta no âmbito «de uma iniciativa mais vasta que coloca a ênfase nos aeroportos e [procurava] promover operações aeroportuárias eficientes e a utilização ótima de uma capacidade escassa» ( 7 ). Sublinhou, em particular, a importância das taxas para a eficiência da atividade das transportadoras aéreas ( 8 ).

30.

A competitividade das transportadoras aéreas da União é, por conseguinte, fundamental para a conceção da tarifação das taxas aeroportuárias ( 9 ).

31.

A Comissão previa, entre outras, estas opções:

Atribuir aos Estados‑Membros a competência para regular a questão.

Estabelecer uma intervenção máxima, isto é, um sistema regulamentar aplicável em toda a União de modo uniforme, segundo o qual as taxas aeroportuárias seriam determinadas e cobradas segundo um único método de cálculo.

Estabelecer, como via intermédia, um quadro geral constituído por princípios comuns, em que os reguladores nacionais teriam mais flexibilidade para adaptar a Diretiva às circunstâncias nacionais ( 10 ).

32.

Prevaleceu a terceira opção, consagrada no considerando 2 da Diretiva ( 11 ). Por conseguinte, a relação entre as entidades gestoras aeroportuárias e os utilizadores, no que diz respeito às taxas, tem de respeitar princípios básicos, definidos na Diretiva.

33.

Concretamente, esses princípios são os da não discriminação, da transparência e da participação dos interessados no procedimento.

34.

No que diz respeito à não discriminação, o artigo 3.o da Diretiva prevê que as taxas não estabeleçam «discriminações entre os utilizadores dos aeroportos». Trata‑se de uma regra destinada a assegurar condições de concorrência equitativas entre as transportadoras aéreas que utilizem o aeroporto, impedindo que umas sejam favorecidas em detrimento de outras e, por conseguinte, possam ultrapassar os seus concorrentes ao disponibilizarem serviços mais atrativos ao mercado ( 12 ).

35.

No que diz respeito à participação dos utilizadores no procedimento para fixar as taxas, o artigo 6.o da Diretiva determina a realização de consultas periódicas entre os utilizadores e as entidades gestoras — pelo menos uma vez por ano — (n.o 1), bem como em caso de alteração do sistema de taxas aeroportuárias ou do seu nível (n.o 2) ( 13 ).

36.

A decisão final adotada pode assumir duas formas, previstas no artigo 6.o da Diretiva, consoante:

A entidade gestora aeroportuária seja competente para determinar as taxas (n.o 2). Nessa hipótese, a sua decisão é suscetível de recurso, com efeito suspensivo, para a autoridade supervisora.

A competência para que «as taxas aeroportuárias, ou o seu nível máximo, s[ejam] determinados ou aprovados», pertença à autoridade supervisora [n.o 5, alínea a)]. Nesta hipótese, o procedimento de consulta dos n.os 1 e 2 do artigo 6.o ( 14 ) deve preceder a proposta que, na Alemanha, o gestor aeroportuário submeterá à autoridade independente.

37.

Por último, a Diretiva proclama a transparência no artigo 7.o Embora esta disposição se refira apenas às consultas do artigo 6.o, n.o 1, o princípio da transparência afeta igualmente o procedimento de alteração do sistema ou do nível de taxas previsto no n.o 2. É por esse motivo que se exige que a entidade gestora aeroportuária apresente aos utilizadores a proposta de alteração «juntamente com as razões para as alterações propostas».

38.

A Diretiva, ao mesmo tempo que determina a sujeição das taxas aos princípios que acabo de enumerar, refere‑se, no seu artigo 6.o, ao recurso dos utilizadores dos aeroportos das decisões da entidade gestora que, em seu entender, não respeitem esses princípios.

39.

Esses recursos estão associados aos direitos reconhecidos aos utilizadores. Se a Diretiva dispõe que lhes deve ser assegurada uma participação informada no procedimento de decisão (a tal ponto que, se a entidade gestora discordar das suas alegações, tem que emitir uma decisão fundamentada), confere‑lhes, ao mesmo tempo, um direito que terá que ser respeitado. O legislador da União pretendeu que a posição dos utilizadores constitua um elemento imprescindível para a adoção da decisão final.

40.

O mesmo se aplica aos princípios da transparência e da não discriminação: a sua violação pode ser invocada pelos utilizadores e, se for caso disso, implicar a revogação da decisão de aprovação das taxas. Se esta última for, a título exemplificativo, contrária à igualdade entre as transportadoras aéreas, não há dúvida de que o lesado por essa discriminação deve poder dispor de uma via de recurso.

41.

Esse eventual recurso pode também ter por objeto outros componentes da tarifação das taxas estabelecida. A relação económica entre o gestor do aeroporto e os utilizadores tem de se basear no equilíbrio entre as taxas e os custos para cujo financiamento são cobradas ( 15 ). Por conseguinte, o utilizador deve dispor de um mecanismo de impugnação das taxas cujo montante exceda esse equilíbrio, ou seja, que se traduza num encargo claramente desproporcionado relativamente aos custos do serviço ou à utilização da estrutura.

42.

O artigo 6.o da Diretiva dispõe que os recursos das decisões da entidade gestora, quando for competente para aprovar as taxas, devem ser interpostos perante a autoridade supervisora. A disposição não prevê, no entanto, que seja possível impugnar nos tribunais a decisão da referida autoridade quando aprecia esses recursos.

43.

É necessário recorrer ao artigo 11.o, n.o 7, in fine, da Diretiva para encontrar uma referência à revisão jurisdicional dos atos proferidos pela autoridade supervisora. Nos termos da referida disposição, as decisões dessa autoridade «são vinculativas, sem prejuízo de revisão parlamentar ou judicial, conforme aplicável nos Estados‑Membros».

44.

A redação do parágrafo final do artigo 11.o, n.o 7, da Diretiva evidencia, pelo menos, dois problemas:

O primeiro consiste no facto de o n.o 7 dizer respeito, em princípio, a um tipo específico de atos da autoridade supervisora, e não a todos ( 16 ). Em concreto, limita‑se aos atos adotados após a «investigação sobre a justificação da alteração do sistema ou do nível das taxas aeroportuárias […]».

O segundo consiste no facto de o teor literal da disposição parecer permitir que os Estados‑Membros submetam as decisões da autoridade supervisora apenas a controlo parlamentar e não judicial ( 17 ).

45.

Creio que esses dois problemas podem ser resolvidos recorrendo às disposições do direito primário da União. Como regra geral, o artigo 19.o, n.o 1, in fine, TUE, obriga os Estados‑Membros a estabelecerem «as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União». Do mesmo modo, o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia dispõe que «[t]oda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal».

46.

A partir do momento em que a Diretiva reconhece aos utilizadores dos aeroportos tanto um interesse legítimo como verdadeiros direitos subjetivos, a aplicação das duas disposições referidas, de nível superior, determina que os Estados estabeleçam os meios processuais que assegurem a tutela jurisdicional efetiva dos referidos utilizadores, neste âmbito específico.

47.

A dúvida suscitada pelo tribunal de reenvio consiste, precisamente, em saber se o mecanismo previsto pelo direito alemão é suficiente para assegurar a tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses que a Diretiva reconhece aos utilizadores do aeroporto.

D.   Quanto à possibilidade de a entidade gestora e os utilizadores fixarem por acordo taxas diferentes das aprovadas pela autoridade supervisora (primeira questão prejudicial)

48.

Como foi já explicado, segundo o sistema alemão, a entidade gestora aeroportuária apresenta uma proposta e a autoridade supervisora aprova as taxas aeroportuárias.

49.

Por conseguinte, o legislador alemão optou pela alternativa prevista no artigo 6.o, n.o 5, alínea a), da Diretiva. Em consonância com essa opção, deve reconhecer às decisões da autoridade supervisora efeitos vinculativos, uma vez que é esta consequência que justifica e confere utilidade à estrutura organizativa da Diretiva.

50.

Não faria sentido que a Diretiva, no artigo 5.o, preveja um «sistema de tarifação comum e transparente» para os aeroportos da «mesma cidade ou [da] mesma conurbação», se se permitissem acordos particulares que contornassem a sua aplicação relativamente a um ou vários utilizadores.

51.

Esses acordos particulares condicionariam, por um lado, o caráter comum do sistema de tarifação e, por outro lado, sob a perspetiva da transparência, introduziriam fatores de distorção intransponíveis.

52.

Com efeito, os utilizadores devem dispor de informações sobre «as componentes que servem de base para a determinação do sistema ou do nível de todas as taxas cobradas em cada aeroporto pela entidade gestora aeroportuária» (artigo 7.o, n.o 1) ( 18 ). Entre essas componentes incluem‑se, por exemplo, as relativas à relação custos/taxas. De nada valeria prestar informações, por exemplo, relativamente à receita das diferentes taxas e ao custo dos serviços cobertos por essas taxas [artigo 7.o, n.o 1, alínea d)] se, após a aprovação do sistema de tarifação, se pudesse prescindir desse parâmetro.

53.

Mesmo nos casos de «diferenciação dos serviços» previstos no artigo 10.o da Diretiva, esta recorre a categorias gerais, sem admitir a particularização relativamente a determinados utilizadores. Nos termos dessa disposição, a entidade gestora pode prestar serviços personalizados, caso em que o nível das taxas pode ser diferenciado «em função da qualidade e do âmbito [dos] serviços e dos respetivos custos, ou de qualquer outra justificação objetiva e transparente». Mas essas «taxas diferenciadas» fazem parte do próprio sistema geral aprovado (na Alemanha) pela autoridade supervisora, que predetermina o seu conteúdo, sem que as suas componentes estejam sujeitas a negociação individual.

54.

Na audiência, foi discutida a possibilidade de a entidade gestora aeroportuária e os utilizadores estabelecerem um acordo sobre as taxas quando a autoridade supervisora aprova o nível máximo das mesmas [artigo 6.o, n.o 5, alínea a), in fine, da Diretiva]. A questão consistiria em esclarecer se, nessa hipótese, deveria realizar‑se uma negociação individual ou se a negociação deveria ser realizada conjuntamente com todos os utilizadores do aeroporto ( 19 ).

55.

Os argumentos expostos militam em favor de uma resposta afirmativa, na medida em que: i) seja respeitado o nível máximo determinado, ii) a negociação seja, em todos os casos, coletiva, iii) qualquer das transportadoras aéreas possa beneficiar da mesma taxa reconhecida a outra ou outras, inferior ao nível máximo aprovado; e iv) os acordos da gestora aeroportuária com os utilizadores estejam submetidos ao controlo posterior da autoridade supervisora. Apenas nestas circunstâncias são assegurados os princípios inspiradores da Diretiva, em particular o da não discriminação ( 20 ).

E.   Quanto ao sistema alemão de tutela jurisdicional e à sua compatibilidade com a Diretiva (segunda questão prejudicial)

56.

As linhas essenciais do sistema alemão, tal como resultam do despacho de reenvio, podem ser resumidas do seguinte modo ( 21 ):

As regras do direito civil regulam a relação contratual entre os utilizadores e a entidade gestora aeroportuária.

Os litígios entre ambas as partes, no que respeita às taxas, têm que ser dirimidos num órgão jurisdicional cível. Este decidirá «segundo critérios de equidade», procurando um equilíbrio entre os interesses económicos objetivos de cada contratante, em função do objeto do contrato e da importância da prestação pela qual é exigido o preço (taxa), que deve constituir uma «contrapartida razoável».

A entidade gestora aeroportuária dispõe de uma margem de apreciação para determinar a «contrapartida razoável». O juiz cível procura atingir a equidade contratual: se considerar que as taxas são demasiado elevadas, pode indicar o seu montante equitativo, com efeitos ex tunc.

A decisão do juiz cível só tem consequências inter partes ( 22 ).

57.

Uma vez que os mecanismos nacionais de tutela dos direitos dos utilizadores dos aeroportos não estão harmonizados, cada Estado‑Membro é competente para os estabelecer em conformidade com o princípio da autonomia processual, matizado pelos princípios da equivalência e da efetividade.

58.

Por conseguinte, à primeira vista, o sistema de tutela jurisdicional concebido pelo legislador alemão poderia considerar‑se legítimo, se o § 315 do BGB estabelecesse um quadro processual adequado para a defesa dos direitos do utilizador, tanto nos seus aspetos processuais (informação, consulta e participação) como materiais (não discriminação e correspondência entre taxas e custos).

59.

Penso, no entanto, que não o é.

60.

Da descrição resumida infere‑se que o sistema concebido pelo direito alemão para impugnar as taxas aeroportuárias corresponde ao que foi analisado no Acórdão CTL Logistics, que suscitava problemas semelhantes relativamente às taxas ferroviárias alemães. O paralelismo entre ambos implica que se tome o referido acórdão como referência, tendo em conta que nesse processo estava também em causa a aplicação do § 315 do BGB para a resolução dos litígios correspondentes.

61.

Como objeção à extrapolação da jurisprudência do Acórdão CTL para o presente litígio, tem‑se argumentado que a regulamentação da utilização da infraestrutura ferroviária e a estrutura das taxas não são equiparáveis às dos aeroportos.

62.

É verdade que existem diferenças de regulamentação entre o setor ferroviário e o setor da aviação. Enquanto, no primeiro, a Diretiva 2012/34/UE ( 23 ) abrange tanto a repartição da capacidade de infraestrutura ferroviária (e das instalações de serviços) entre as empresas ferroviárias como a fixação das taxas, no setor da aviação a regulamentação está mais dispersa. No entanto, considerando o conteúdo das duas regulamentações, as semelhanças prevalecem sobre as diferenças no que diz respeito às taxas.

63.

Em ambos os casos, as instalações (ferroviárias ou aeroportuárias) têm uma capacidade limitada, que deve ser disponibilizada aos utilizadores de forma não discriminatória. Mantém‑se, nos dois setores, a diferenciação entre, por um lado, as infraestruturas e os serviços que o gestor (administrador de infraestruturas ferroviárias ou entidade gestora aeroportuária) deve colocar à disposição do utilizador (empresa ferroviária ou transportadora aérea) e, por outro lado, os serviços que um terceiro (operador de instalações de serviço ferroviário ou prestador de assistência em escala) pode prestar.

64.

O paralelismo entre o regime das taxas ferroviárias e o das taxas aeroportuárias é inegável no que diz respeito ao princípio da não discriminação ( 24 ). O corolário da igualdade imperativa entre as empresas utilizadoras consiste na necessidade de que as decisões relativas às taxas afetem do mesmo modo todos os interessados. A garantia da unidade de critérios na fixação das taxas implica a existência de uma autoridade supervisora que tenha a última palavra.

65.

O mesmo paralelismo abrange as funções dessa autoridade supervisora. No setor ferroviário, as suas competências são análogas às que já foram identificadas em matéria de taxas aeroportuárias. Concretamente, os artigos 55.o a 58.o da Diretiva 2012/34 dizem respeito à entidade reguladora, perante a qual as empresas que prestam os serviços podem recorrer (artigo 56.o) do regime de tarifação ou do nível ou estrutura das taxas.

66.

Por conseguinte, entendo que a comparação, no que diz respeito às taxas, entre o regime jurídico do espaço ferroviário e o do aeroportuário, demonstra existir uma similaridade que permite aplicar o Acórdão CTL Logistics às taxas do setor da aviação.

67.

A partir desta premissa, saliente‑se como a resposta do Tribunal de Justiça no Acórdão CTL Logistics é transponível para este processo. O raciocínio seguido nesse acórdão é desenvolvido em sete argumentos sucessivos (n.os 69 a 102), quatro dos quais merecerão, em particular, a minha atenção.

68.

Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça declarou que «uma apreciação equitativa em cada caso concreto viola o princípio da não discriminação consagrado no artigo 4.o, n.o 5, e no considerando 11 da Diretiva 2001/14». Acrescentou, para fundamentar esta afirmação, que, «[a]o insistir exclusivamente na racionalidade económica do contrato individual, a aplicação do § 315 do BGB ignora o facto de que só uma determinação das taxas baseadas em critérios uniformes pode garantir que a política em matéria de taxas seja aplicada da mesma forma a todas as empresas ferroviárias» ( 25 ).

69.

Ora, a aplicação do mesmo raciocínio, no que diz respeito às taxas aeroportuárias, implica que o mecanismo de decisão, da responsabilidade do juiz cível, segundo critérios de equidade e com efeitos apenas inter partes, não seja conforme ao sistema comum e ao princípio da não discriminação consagrado no artigo 3.o da Diretiva.

70.

Em segundo lugar, «diversas decisões de tribunais cíveis independentes, eventualmente não harmonizadas pela jurisprudência dos tribunais superiores, substituem‑se à unicidade do controlo efetuado pela entidade competente, sem prejuízo, sendo esse o caso, da fiscalização ulterior realizada pelos tribunais que decidem os recursos interpostos das decisões desse organismo, concretamente pelos tribunais administrativos […] Daqui resulta uma justaposição de duas vias decisórias não coordenadas, em contradição manifesta com o objetivo prosseguido pelo artigo 30.o da Diretiva 2001/14» ( 26 ).

71.

No setor aeroportuário ocorre algo análogo. A unidade de critérios da autoridade supervisora, quer aprove por si própria, diretamente, o sistema de tarifação, quer supervisione em sede de recurso o aprovado pela entidade gestora aeroportuária, é posta em causa por um sistema que não permite a impugnação direta dos seus atos pelos utilizadores, a qual é substituída por ações cíveis individuais com efeitos inter partes ( 27 ).

72.

Em terceiro lugar, no sistema dual de impugnação das taxas ferroviárias, a autoridade supervisora não tinha que adaptar o sistema de tarifação ao decidido pela jurisdição cível, em conformidade com o § 315 do BGB, uma vez que «uma obrigação dessa natureza não resulta das disposições da Diretiva 2001/14 relativas à entidade reguladora» ( 28 ).

73.

O mesmo acontece com as taxas aeroportuárias. A hipótese de que a autoridade supervisora «deveria limitar‑se a reagir às decisões individuais já proferidas pelos tribunais cíveis com base no § 315 do BGB» ( 29 ), é, também neste setor, contrária às funções da autoridade supervisora.

74.

Em quarto lugar, o Tribunal de Justiça salientou que, no setor ferroviário, a aplicação do mecanismo da dupla competência judicial «não [respeitaria] o caráter vinculativo das decisões tomadas pela entidade reguladora para as partes a que respeitam, conforme resulta do artigo 30.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14. […] Seria contrário a este princípio que as sentenças proferidas pelos tribunais cíveis, eventualmente com base em critérios fixados pela legislação relativa ao cálculo das taxas, produzissem um efeito limitado apenas às partes nos litígios trazidos a juízo» ( 30 ).

75.

Este argumento é, mais uma vez, aplicável aos litígios que os utilizadores podem suscitar relativamente às taxas aeroportuárias, dada a inexistência de efeitos erga omnes das sentenças cíveis que os apreciem.

76.

Específico do juiz cível, nos termos do § 315 do BGB, é o estabelecimento de uma modulação equitativa nos aspetos sinalagmáticos da relação contratual. Nesse sentido, poderia até avaliar a proporcionalidade entre os custos do serviço prestado e o preço (taxa).

77.

No entanto, é lógico pensar que não seriam abrangidos pelo âmbito de apreciação de um tribunal cível outros aspetos fundamentais do processo que conduziu à aprovação da taxa, como as questões relativas à formação da vontade do órgão decisor ou aos eventuais vícios de forma que possam ter sido relevantes para a determinação do conteúdo da decisão administrativa ( 31 ).

78.

Nesse contexto, os utilizadores — a quem os tribunais administrativos alemães negam legitimidade para impugnar, perante eles, as decisões da autoridade supervisora — não poderiam submeter a nenhum órgão jurisdicional a fiscalização destes elementos, de natureza essencialmente administrativa e determinantes para a aprovação das taxas.

79.

Também não parece possível que os efeitos da sentença cível proferida no âmbito de um litígio específico possam ser alargados a outros utilizadores. Aparentemente, a única via disponível seria a propositura de novas ações cíveis. A eficácia da Diretiva dependeria, assim, da decisão individual de intentar ações sucessivas, sujeitas a contingências incontroláveis, o que não assegura a preservação de um sistema de tarifação comum, baseado na não discriminação, na transparência e na participação dos utilizadores.

80.

Do que precede deduz‑se que os utilizadores devem dispor de uma via de recurso jurisdicional que lhes permita impugnar, sem restrições, a decisão adotada pela autoridade supervisora.

81.

Na audiência, algumas das partes alegaram que, se se admitisse a possibilidade de os utilizadores recorrerem, na jurisdição administrativa, das decisões da autoridade supervisora, a cobrança das taxas aeroportuárias poderia ser interrompida, tendo em conta as regras processuais relativas à suspensão dos atos impugnados.

82.

Esta objeção não pode ser acolhida. Por um lado, compete ao legislador nacional estabelecer, neste como noutros setores, as normas processuais que evitem uma situação de interrupção generalizada da cobrança das taxas. Por outro lado, como reconheceu, na audiência, uma das referidas partes, a autoridade supervisora é competente, nos termos das disposições nacionais em vigor, para impor, em quaisquer casos, o pagamento das referidas taxas, independentemente da impugnação jurisdicional das suas decisões, se existirem motivos de interesse público que o requeiram.

IV. Conclusão

83.

Atendendo a estas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) nos seguintes termos:

«1)

A Diretiva 2009/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009, relativa às taxas aeroportuárias, opõe‑se a que a entidade gestora aeroportuária e os utilizadores do aeroporto possam fixar por acordo taxas aeroportuárias diferentes das aprovadas pela autoridade supervisora independente.

2)

A Diretiva 2009/12 opõe‑se à aplicação de uma legislação nacional, como a que está em causa no presente processo, que, segundo a interpretação jurisprudencial prevalecente, atribui aos tribunais cíveis a competência para decidir, caso a caso, segundo critérios de equidade, as ações dos utilizadores relativas às taxas aeroportuárias aprovadas pela autoridade supervisora independente e, simultaneamente, impede os utilizadores do aeroporto de impugnar diretamente as decisões da referida autoridade.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009, relativa às taxas aeroportuárias (JO 2009, L 70, p. 1; a seguir «Diretiva»).

( 3 ) Utilizarei o termo utilizador nesse sentido, não abrangendo, por conseguinte, os passageiros que utilizem as instalações e os serviços aeroportuários (nos quais as companhias aéreas repercutem, posteriormente, o montante da taxa).

( 4 ) As taxas devem preencher critérios adequados, objetivos, transparentes e não discriminatórios; os serviços e infraestruturas tributados têm de estar claramente definidos; as taxas devem ser calculadas com base nos custos e previamente fixadas; todos os utilizadores devem ter o mesmo acesso aos serviços e infraestruturas; a aplicação de taxas diferenciadas não é possível sem uma razão objetiva.

( 5 ) Toma como referência o Acórdão de 8 de julho de 1977, proferido relativamente ao § 43 do antigo Código da Aviação Civil.

( 6 ) Acórdão de 9 de novembro de 2017 (C‑489/15, a seguir Acórdão CTL Logistics, EU:C:2017:834).

( 7 ) Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às taxas aeroportuárias (apresentada pela Comissão) SEC(2006) 1688; SEC(2006) 1689. COM(2006) 820 final.

( 8 )

( 9 ) O Governo alemão tem consciência deste facto quando reconhece, nas suas observações (n.o 54), a importância do nível das taxas para os aeroportos e para as transportadoras aéreas, como fator na escolha, por estas últimas, dos seus destinos.

( 10 ) Documento de análise do impacto da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às taxas aeroportuárias (apresentada pela Comissão) SEC(2006) 1688, n.o 6.2.2. [http://www.europarl.europa.eu/registre/docs_autres_institutions/commission_europeenne/sec/2006/1688/COM_SEC(2006)1688_EN.pdf].

( 11 )

( 12 ) Durante o processo legislativo, esta regra foi completada para sublinhar que o princípio da não discriminação não obstava ao estabelecimento da modulação de taxas, por razões objetivas e transparentes de interesse geral [Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 15 de janeiro de 2008, sobre a proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às taxas aeroportuárias (COM(2006) 0820 — C6‑0056/2007 — 2007/0013(COD)]. O artigo 3.o da Diretiva faz referência a essas modulações com base em critérios «pertinentes, objetivos e transparentes». No mesmo sentido, a Diretiva permite diferenciar o montante das taxas nos casos de níveis diferenciados de infraestruturas ou serviços. Ora, estes não podem ser disponibilizados de forma discriminatória (considerando 15 e artigo 10.o da Diretiva). O acesso deve ser determinado com base em critérios objetivos «a definir pela entidade gestora aeroportuária».

( 13 ) Caso não se chegue a acordo, a entidade gestora aeroportuária deve justificar a sua decisão relativamente aos pontos de vista dos utilizadores.

( 14 ) As consultas não terminam com as previsões do artigo 6.o: nos termos do artigo 11.o, n.o 7, «[ao] proceder a uma investigação sobre a justificação da alteração do sistema ou do nível das taxas aeroportuárias nos termos do artigo 6.o, a autoridade supervisora independente tem acesso às informações necessárias das partes interessadas e consulta‑as para tomar a sua decisão». Por conseguinte, quer através de um recurso da decisão da entidade gestora aeroportuária, quer no âmbito do processo decisório próprio, a autoridade supervisora tem de ter em conta a opinião dos utilizadores do aeroporto.

( 15 ) V, entre outros, os considerandos 1 («cujos custos recuperam geralmente mediante a cobrança de taxas aeroportuárias») e 10 («uma taxa aeroportuária é uma contrapartida financeira concebida e aplicada especificamente para recuperar o custo da disponibilização de instalações e da prestação de serviços à aviação civil») da Diretiva. O considerando 15 é particularmente expressivo: «[d]everá ser permitido às entidades gestoras aeroportuárias aplicar taxas aeroportuárias que correspondam às infraestruturas disponibilizadas e/ou ao nível de serviço prestado, visto que as transportadoras aéreas têm um interesse legítimo em solicitar à entidade gestora aeroportuária a prestação de serviços que correspondam ao rácio preço/qualidade».

( 16 ) A proposta de Diretiva da Comissão incluía todos os atos da Autoridade supervisora.

( 17 ) Esta segunda questão não se coloca na Alemanha, onde foi estabelecido um regime de controlo jurisdicional das decisões da autoridade supervisora. Como sublinha o tribunal de reenvio, a dificuldade reside então em esclarecer se as vias para exercer esse controle respeitam a Diretiva. Na audiência, a Comissão reconheceu que o controlo parlamentar não constituía uma via alternativa ao controlo jurisdicional, devendo este último estar sempre à disposição dos utilizadores.

( 18 ) O artigo 6.o, n.o 2, refere‑se, no que diz respeito às alterações, às «razões para as alterações propostas».

( 19 ) Não creio que a discussão seja relevante para a decisão deste processo, uma vez que, segundo o despacho de reenvio, a autoridade supervisora aprovou a proposta da entidade gestora aeroportuária, de modo que não se trataria da determinação de um nível máximo. Na audiência foi sublinhado que o sistema de tarifação é composto por diferentes componentes, cada uma delas mensurável economicamente, cuja soma permite obter o resultado final. As taxas inferiores ao nível máximo têm necessariamente de respeitar estes parâmetros.

( 20 ) O Governo alemão parece admiti‑lo com naturalidade quando, nas suas observações escritas (n.o 35), refere que é possível afastar‑se do sistema de tarifação, sempre que seja respeitado o nível máximo por ele determinado e se tenham em conta os princípios da transparência, da objetividade e da não discriminação.

( 21 ) N.os 22 e 38, fundamentalmente.

( 22 ) Sem prejuízo de que outros utilizadores, ao terem conhecimento da decisão do juiz cível, apresentem os seus próprios recursos para beneficiarem da mesma solução.

( 23 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, que estabelece um espaço ferroviário europeu único (JO 2012, L 343, p. 32). Revoga a Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária, à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e à certificação da segurança (JO 2001, L 75, p. 29).

( 24 ) No que diz respeito às taxas aeroportuárias, a Diretiva 2009/12 destaca‑o no seu artigo 3.o Relativamente às taxas ferroviárias, a Diretiva 2012/34 sublinha‑o no seu artigo 29.o, n.o 3: «O gestor de infraestrutura deve garantir que o regime de tarifação seja aplicado de modo a que as taxas cobradas às diferentes empresas ferroviárias que prestam serviços equivalentes num segmento análogo de mercado sejam equivalentes e não discriminatórias».

( 25 ) Acórdão CTL Logistics, n.os 70 e 74.

( 26 ) Ibidem, n.o 87. A situação de base é mais claramente patente nas Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo CTL Logistics (C‑489/15, EU:C:2016:901, n.os 1 e 9).

( 27 ) Segundo o despacho de reenvio, considera‑se que a relação jurídica administrativa existe apenas entre a autoridade supervisora e o gestor aeroportuário, de modo que apenas este tem acesso ao recurso.

( 28 ) Acórdão CTL Logistics, n.o 91.

( 29 ) Ibidem, n.o 92.

( 30 ) Ibidem, n.o 94.

( 31 ) Como foi salientado na audiência, a via do § 315 do BGB limita‑se à ponderação do caráter equitativo das prestações entre as partes, sem entrar na análise da autorização que aprova a tarifação das taxas.