CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 7 de agosto de 2018 ( 1 )

Processo C‑310/18 PPU

Spetsializirana prokuratura

contra

Emil Milev

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Diretiva (UE) 2016/343 — Artigos 3.o, 4.o e 10.o — Presunção de inocência — Referências em público à culpa — Artigos 6.o, 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito à liberdade — Direito à ação e a um tribunal imparcial — Presunção de inocência e direitos de defesa — Processo de fiscalização da legalidade da prisão preventiva»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de maio de 2018 pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), diz respeito à interpretação do artigo 3.o, do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 10.o da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal ( 2 ), e dos artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo intentado por Emil Milev, acusado por roubo à mão armada num estabelecimento, com vista ao levantamento de uma medida de coação de prisão preventiva que lhe foi aplicada.

II. Quadro Jurídico

A.   Direito internacional

1. Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

3.

O artigo 5.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), com a epígrafe «Direito à liberdade e à segurança», estabelece:

«1.   Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal:

[…]

c)

Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi‑lo de cometer uma infração ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido;

[…]

3.   Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c) do presente artigo, deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem o direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do executado em juízo.

4.   Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.

[…]»

4.

O artigo 6.o da CEDH, com a epígrafe «Direito a um processo equitativo», estabelece:

«1.   Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. […]

2.   Qualquer pessoa acusada de uma infração presume‑se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

[…]»

B.   Direito da União

1. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

5.

O artigo 82.o, n.o 2, TFUE dispõe:

«Na medida em que tal seja necessário para facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a cooperação policial e judiciária nas matérias penais com a dimensão transfronteiriça, o Parlamento Europeu e o Conselho [da União Europeia], por meio de diretivas adotadas de acordo com o processo legislativo ordinário, podem estabelecer regras mínimas. Essas regras mínimas têm em conta as diferenças entre as tradições e os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros.

Essas regras mínimas incidem sobre:

[…]

b)

Os direitos individuais em processo penal;

[…]»

2. Carta

6.

O artigo 6.o da Carta dispõe que «[t]oda a pessoa tem direito à liberdade e segurança».

7.

Nos termos do artigo 47.o da Carta, com a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial»:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

[…]»

8.

O artigo 48.o da Carta, com a epígrafe «Presunção de inocência e direitos de defesa», tem a seguinte redação:

«1.   Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.

2.   É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.»

9.

O artigo 51.o da Carta, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respetivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados.»

10.

O artigo 52.o da Carta, com a epígrafe «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», enuncia, no seu n.o 3:

«Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.»

3. Diretiva 2016/343

11.

Nos termos do considerando 16 da Diretiva 2016/343:

«A presunção de inocência seria violada se as declarações públicas emitidas pelas autoridades públicas, ou as decisões judiciais que não sejam as que estabelecem a culpa, apresentarem um suspeito ou um arguido como culpado, enquanto não tiver sido provada a respetiva culpa nos termos da lei. Tais declarações ou decisões judiciais não devem refletir a opinião de que o suspeito ou arguido é culpado. Esta disposição deverá aplicar‑se sem prejuízo de atos de acusação que visam provar a culpa do suspeito ou arguido, como a acusação, e sem prejuízo de decisões judiciais que decretem a execução de uma pena suspensa, desde que os direitos de defesa sejam respeitados. A mesma disposição também não deverá prejudicar as decisões preliminares de natureza processual proferidas pelas autoridades judiciárias ou por outras autoridades competentes e baseadas em suspeitas ou em elementos de acusação, tais como as decisões sobre a prisão preventiva, desde que tais decisões não apresentem o suspeito ou o arguido como culpado. Antes de proferir uma decisão preliminar de natureza processual, a autoridade competente poderá, em primeiro lugar, ter de verificar se existem elementos de acusação suficientes contra o suspeito ou o arguido que justifiquem a decisão em causa e a decisão poderá conter uma referência a esses elementos.»

12.

O considerando 48 da Diretiva 2016/343 dispõe:

«Uma vez que a presente Diretiva estabelece normas mínimas, os Estados‑Membros deverão poder alargar os direitos nelas previstos a fim de proporcionar um nível de proteção mais elevado. O nível de proteção concedido pelos Estados‑Membros não deverá nunca ser inferior às normas previstas pela Carta e pela CEDH, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [a seguir “TEDH”].»

13.

O artigo 2.o da Diretiva 2016/343, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», estabelece:

«A presente diretiva aplica‑se às pessoas singulares que são suspeitas da prática de um ilícito penal ou que foram constituídas arguidas em processo penal e a todas as fases do processo penal, isto é, a partir do momento em que uma pessoa é suspeita da prática de um ilícito penal ou é constituída arguida ou é suspeita ou acusada de ter cometido um alegado ilícito penal, até ser proferida a decisão final sobre a prática do ilícito penal e essa decisão ter transitado em julgado.»

14.

O artigo 3.o da Diretiva 2016/343, com a epígrafe «Presunção de inocência», estabelece:

«Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido se presume inocente enquanto a sua culpa não for provada nos termos da lei.»

15.

O artigo 4.o da Diretiva 2016/343, com a epígrafe «Referências em público à culpa», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, enquanto a culpa do suspeito ou do arguido não for provada nos termos da lei, declarações públicas emitidas pelas autoridades públicas ou decisões judiciais que não estabeleçam a culpa não apresentem o suspeito ou o arguido como culpado. Esta disposição aplica‑se sem prejuízo de atos da acusação que visam provar a culpa do suspeito ou do arguido e de decisões preliminares de caráter processual proferidas pelas autoridades judiciárias ou por outras autoridades competentes e baseadas em suspeitas ou elementos de acusação.

2.   Os Estados‑Membros asseguram a disponibilidade das medidas necessárias em caso de violação da obrigação prevista no n.o 1 do presente artigo de não apresentar o suspeito ou o arguido como culpado nos termos da presente diretiva e, em particular, nos termos do artigo 10.o

[…]»

16.

O artigo 10.o da Diretiva 2016/343, com a epígrafe «Vias de recurso», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido dispõem de uma via de recurso efetiva em caso de violação dos direitos que lhe são conferidos pela presente diretiva.

2.   Sem prejuízo das normas e dos sistemas nacionais em matéria de admissibilidade das provas, os Estados‑Membros asseguram que, na apreciação das declarações feitas por um suspeito ou por um arguido ou das provas obtidas em violação do direito de guardar silêncio e do direito de não se autoincriminar, sejam respeitados os direitos de defesa e a equidade do processo.»

C.   Direito búlgaro

17.

De acordo com o artigo 56.o, n.o 1, do (Nakasatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal, a seguir «NPK»), «[u]ma medida de coação pode ser aplicada a um arguido […] quando as provas do processo permitem que haja uma suspeita razoável de que cometeu uma infração e de que se está em presença de um dos fundamentos previstos no artigo 57.o».

18.

De acordo com o artigo 57.o do NPK, «[a]s medida de coação são aplicadas para evitar que o arguido fuja, cometa uma infração ou impeça a execução de uma condenação penal definitiva».

19.

O artigo 58.o do NPK menciona a prisão preventiva entre as medidas de coação.

20.

Nos termos do artigo 63.o do NPK, «será aplicada uma medida de prisão preventiva quando existam razões plausíveis para supor que o arguido cometeu uma infração punível com uma pena privativa de liberdade ou outra pena mais pesada e resulte das provas no processo que existe um risco real de que o arguido fuja ou cometa uma infração».

21.

De acordo com o artigo 65.o, n.o 4, do NPK, a qualquer momento, durante o processo pré‑contencioso, o arguido pode requerer o reexame da medida de coação de prisão preventiva e «[o] tribunal verifica todas as circunstâncias relativas à legalidade da prisão preventiva […]».

III. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22.

E. Milev foi suspeito de um roubo à mão armada num estabelecimento da cadeia de supermercadaos «Billa» que ocorreu em de 30 de dezembro de 2008 em Sófia (Bulgária). No entanto, não tendo o inquérito permitido recolher elementos de prova contra si, não foi acusado. Em 31 de julho de 2009, este inquérito foi suspenso, sem que qualquer suspeito tenha sido identificado e qualquer pessoa tenha sido acusada.

23.

Entretanto, foram abertos dois outros processos penais ( 3 ) contra E. Milev. No âmbito do primeiro destes dois processos, um órgão jurisdicional búlgaro recusou colocar E. Milev em prisão preventiva, por considerar que os depoimentos da testemunha principal BP não eram credíveis. Não foi ainda proferida qualquer decisão jurisdicional sobre o mérito do referido processo.

24.

No âmbito do segundo processo, E. Milev ficou em prisão preventiva de 24 de novembro de 2013 a 9 de janeiro de 2018, data em que foi absolvido de todas as acusações contra si. O órgão jurisdicional em causa fundamentou, em especial, esta absolvição na constatação de que os depoimentos da testemunha BP não eram credíveis ( 4 ).

25.

Nos dois processos em causa, a testemunha BP fez vários depoimentos relativos às diferentes infrações penais em que E. Milev teria participado. Em nenhum desses depoimentos fez referência ao roubo à mão armada num estabelecimento em 30 de dezembro de 2008.

26.

Em 11 de janeiro de 2018, o processo relativo ao roubo à mão armada de 2008 foi reaberto.

27.

No mesmo dia, a testemunha BP foi interrogada. Referiu que tinha planeado o roubo em questão com E. Milev e terceiros, mas que E. Milev não apareceu na data combinada. Em seguida, BP teve conhecimento pela comunicação social de que o roubo à mão armada tinha sido cometido e que E. Milev lhe tinha dito que o cometera com outras pessoas. BP declarou ter testemunhado após um longo período de tempo porque tinha medo de E. Milev, mas quando soube que E. Milev ia ser posto em liberdade depois da decisão de absolvição num processo anterior, ficou preocupado e decidiu, então, fazer este depoimento. Foi mostrado um vídeo do roubo à mão armada à testemunha BP que afirmou categoricamente reconhecer E. Milev entre os agressores.

28.

No mesmo dia, ou seja, em 11 de janeiro de 2018, E. Milev foi acusado do roubo à mão armada em questão ( 5 ) e detido para comparecer perante o órgão jurisdicional chamado a decidir sobre a sua colocação em prisão preventiva.

29.

Em primeira instância, o pedido do Procurador do Ministério Público para que E. Milev fosse colocado em prisão preventiva foi aceite, com fundamento em que, «à primeira vista», os depoimentos da testemunha BP eram credíveis. Em segunda instância, a prisão preventiva foi confirmada com base nos depoimentos circunstanciados da testemunha BP e pelo facto de que a sua responsabilidade criminal poderia ter sido desencadeada por falso testemunho.

30.

O órgão jurisdicional de reenvio realça no seu pedido de decisão prejudicial que as duas instâncias judiciais examinaram os depoimentos da testemunha BP separadamente, sem compará‑los com outros elementos de prova ilibatórios. Os argumentos aduzidos a esse respeito pelo advogado de E. Milev não tiveram resposta.

31.

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no âmbito da fiscalização posterior da prisão preventiva, o órgão jurisdicional de primeira instância considerou que não era necessária uma análise detalhada dos elementos de prova e examinou apenas os depoimentos de BP. O órgão jurisdicional de primeira instância também considerou que elementos de acusação com menor valor probatório eram suficientes para manter a prisão preventiva.

32.

O órgão jurisdicional de segunda instância confirmou esta conclusão, mais uma vez com base nos depoimentos da testemunha BP. Indicou, na sua decisão, ter «examinado, de forma muito genérica, os depoimentos dessas testemunhas» e que os elementos de prova «embora sumários, […] sustentam a tese de uma acusação […]; dado que não são desmentidos por outros meios de prova, o órgão jurisdicional de recurso não pode ignorá‑los».

33.

A decisão proferida no âmbito da segunda fiscalização da prisão preventiva vai no mesmo sentido. O órgão jurisdicional de segunda instância considerou que «[…] após 5 de novembro de 2017, data em que o NPK foi alterado, as razões plausíveis necessárias a este processo estão reunidas. O órgão jurisdicional pronuncia‑se sobre a existência de uma suspeita após um exame muito geral dos elementos de prova do processo. Em qualquer caso, após a referida alteração do NPK, os elementos de prova do processo não têm de ser analisados de forma aprofundada […]. No âmbito deste exame muito genérico dos depoimentos e dos elementos de prova […], conclui‑se por uma probabilidade geral e uma suspeita de uma eventual implicação […]».

34.

O órgão jurisdicional de reenvio realça que os argumentos avançados pelo advogado de E. Milev respeitantes à parcialidade e à falta de credibilidade dos depoimentos de BP não foram debatidos pelo órgão jurisdicional e que os argumentos que invocou expressamente não obtiveram resposta.

35.

E. Milev considera que o critério, previsto no direito búlgaro, de «razões plausíveis» enquanto requisito prévio para a sua prisão preventiva deve ser interpretado tal como foi definido no Acórdão do TEDH de 30 de agosto de 1990, Fox, Campbell e Hartley c. Reino Unido (CE:ECHR:1990:0830JUD001224486), ou seja, que este critério exige a existência de dados objetivos suscetíveis de convencer um observador objetivo de que a pessoa em questão provavelmente cometeu a infração em causa. E. Milev apresentou também argumentos concretos a respeito da falta de credibilidade da testemunha BP e o seu advogado apresentou diversos pedidos com vista à recolha de provas para verificar a credibilidade dos depoimentos da testemunha BP.

36.

Resulta do pedido de decisão prejudicial que, antes da reforma do NPK em 5 de novembro de 2017, o juiz só confirmava a prisão preventiva do arguido depois de ter alcançado uma forte convicção de que havia «razões plausíveis» para supor que a pessoa em causa tinha cometido a infração. O juiz pronunciava‑se sobre a existência de razões plausíveis depois de ter tomado «conhecimento de forma aprofundada de todos os documentos do processo e comentando livremente a credibilidade das provas da acusação e de defesa, e respondendo de forma concreta e clara aos argumentos expostos pelo advogado do arguido».

37.

Além disso, era formalmente proibido, de acordo com o artigo 29.o, n.o 1, ponto 1, alínea d), do NPK ( 6 ), a um órgão jurisdicional que se tivesse pronunciado sobre a adoção ou confirmação da medida de prisão preventiva pronunciar‑se sobre a acusação na fase contenciosa e proferir uma sentença penal sobre essa acusação. Esta proibição baseava‑se no facto de que, ao apurar a existência ou inexistência de «razões plausíveis» e ao debater a credibilidade dos elementos de prova, o órgão jurisdicional já tinha formado uma opinião sobre o processo.

38.

Na sequência de uma série de condenações do TEDH, o NPK foi alterado em 5 de novembro de 2017. Por ocasião desta reforma, a interdição formal prevista no artigo 29.o, n.o 1, ponto 1, alínea d), do NPK foi abolida. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que «[a]ssim, os órgãos jurisdicionais nacionais passaram a ter de analisar as razões plausíveis, incluindo na fase de inquérito, e ao mesmo tempo a conservar a sua imparcialidade».

39.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a abolição do artigo 29.o, n.o 1, ponto 1, alínea d), do NPK deu lugar a uma nova corrente jurisprudencial sobre a questão de saber se existem «razões plausíveis que permitam supor» que o arguido cometeu a infração. A este respeito, um órgão jurisdicional só deve tomar conhecimento de elementos de prova «à primeira vista» e de forma não detalhada. Por conseguinte, um órgão jurisdicional «só pode enumerar os elementos de prova mas não os pode confrontar nem comentar, indicando quais considera credíveis e porquê; só pode declarar, de um modo geral e indeterminado, que é possível que o arguido tenha cometido a infração em causa, descrevendo um “estado de suspeição”, mas não pode exprimir a convicção clara de que os elementos de prova permitem concluir que existe uma probabilidade suficientemente convincente de que o arguido tenha cometido essa infração; por último, o órgão jurisdicional não pode dar uma resposta clara e concreta aos argumentos avançados pelo advogado do arguido que o obrigaria a emitir um parecer categórico sobre a prática da infração em causa e a debater uma alegada contradição entre os elementos de prova ou a sua credibilidade».

40.

Por outras palavras, existe uma dupla limitação, que se traduz, do ponto de vista do direito material, no facto de ser proibido ao juiz indicar na sua decisão que tem uma convicção profunda de que a infração foi cometida pelo arguido e, do ponto de vista processual, no facto de lhe ser proibido debater os elementos de prova ou indicar quais são credíveis e porquê.

41.

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, embora o objetivo da nova jurisprudência seja salvaguardar a imparcialidade do juiz quando se pronuncia sobre a existência de razões plausíveis, na prática, conduz a uma diminuição do nível de proteção dos direitos dos arguidos no que diz respeito à prisão preventiva.

42.

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que esta nova jurisprudência não é unânime. Uma parte significativa dos juízes nacionais considera que, para manter o arguido em prisão preventiva, a presunção de inocência exige que se demonstre que existe uma probabilidade mais forte e mais elevada de que esta pessoa tenha cometido a infração. Os juízes nacionais consideram que os direitos de defesa impõem que se debata, de forma mais detalhada, os elementos de prova e se dê uma resposta concreta às objeções suscitadas pelo advogado do arguido.

43.

Foi nestas circunstâncias que o órgão jurisdicional de reenvio decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É compatível com os artigos 3.o, 4.o, n.o 1, segundo período, e 10.o, e com os considerandos 16, quarto e quinto períodos, e 48 da Diretiva 2016/343, bem como com os artigos 47.o e 48.o da Carta, uma jurisprudência nacional que subordina a manutenção de uma medida de coação de“prisão preventiva” (quatro meses após a detenção do arguido) à existência de “razões plausíveis”, entendidas como a simples conclusão de que “à primeira vista” o arguido [pode ter cometido] a infração penal em causa?

Ou, se a resposta à questão anterior for negativa, é compatível com as disposições referidas supra uma jurisprudência nacional que entende por “razões plausíveis” uma forte probabilidade de o arguido ter cometido a infração penal em causa?

2)

É compatível com os artigos 4.o, n.o 1, segundo período, 10.o, e com os considerandos 16, quarto e quinto períodos, e 48 da Diretiva 2016/343, bem como com o artigo 47.o da Carta uma jurisprudência nacional que obriga o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de comutação de uma medida de coação de “prisão preventiva” já decretada a fundamentar a sua decisão sem poder comparar as provas favoráveis e desfavoráveis, mesmo que o advogado do arguido apresente argumentos nesse sentido — sendo que o único fundamento para essa restrição é o facto de o juiz dever manter a sua imparcialidade para o caso de esse processo lhe ser distribuído para efeitos da apreciação de mérito?

Ou, se a resposta à questão anterior for negativa, é compatível com as disposições referidas supra uma jurisprudência nacional segundo a qual o órgão jurisdicional deve proceder a uma apreciação mais circunstanciada e precisa dos elementos de prova e responder claramente aos argumentos do advogado do arguido, assumindo assim o risco de não poder apreciar o processo nem proferir uma decisão definitiva no que toca à culpa se o processo lhe for distribuído para efeitos do julgamento de mérito — o que obriga a que outro juiz examine o processo em sede de mérito?»

IV. Quanto à tramitação urgente e ao processo no Tribunal de Justiça

44.

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

45.

Para fundamentar o seu pedido, esse órgão jurisdicional sublinha que E. Milev se encontra em prisão preventiva. Considera que o presente pedido de decisão prejudicial que tem por objeto a interpretação da Diretiva 2016/343 é necessário para que se possa pronunciar sobre a legalidade da prisão preventiva de E. Milev. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, nomeadamente, que E. Milev permanecerá em prisão preventiva até que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o pedido de decisão prejudicial.

46.

A Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 5 de junho de 2018, sob proposta do juiz‑relator, e depois de me ter ouvido, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio com vista a submeter o presente reenvio prejudicial à tramitação prejudicial urgente.

47.

Foram apresentadas observações escritas por E. Milev e pela Comissão. O Governo búlgaro não apresentou observações escritas. O Governo neerlandês e a Comissão apresentaram observações orais na audiência que teve lugar em 11 de julho de 2018.

V. Análise

48.

Com as suas questões, que, a meu ver, devem ser apreciadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, o artigo 4.o, n.o 1, segundo período, e o artigo 10.o da Diretiva 2016/343, bem como os artigos 47.o e 48.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que é suficiente para manter um arguido em prisão preventiva a simples conclusão por um juiz que aprecie o recurso contra esta prisão preventiva que, «à primeira vista» ( 7 ), o arguido pode ter cometido a infração em causa ou se, pelo contrário, é necessário que o juiz conclua que existe «uma forte probabilidade» ( 8 ) de que tenha cometido esta infração.

49.

O órgão jurisdicional de reenvio também se interroga sobre a fundamentação de uma decisão de prisão preventiva e os elementos de prova que devem ser tidos em conta por um órgão jurisdicional para respeitar o direito a um tribunal imparcial consagrado no artigo 47.o da Carta, bem como a presunção de inocência consagrada no artigo 48.o da Carta e os artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2016/343.

A.   Quanto à aplicação dos artigos 6.o, 47.o e 48.o da Carta, bem como da Diretiva 2016/343 às decisões de prisão preventiva

50.

Resulta do pedido de decisão prejudicial, bem como das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que este último questiona o Tribunal de Justiça sobre a presunção de inocência ( 9 ), o direito à liberdade ( 10 ) e a imparcialidade do juiz ( 11 ).

51.

Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2016/343, o seu objeto é designadamente estabelecer normas mínimas comuns respeitantes a certos aspetos da presunção de inocência em processo penal tendo em vista reforçar a confiança dos Estados‑Membros no sistema de justiça penal dos outros Estados‑Membros e, desse modo, facilitar o reconhecimento mútuo das decisões em matéria penal ( 12 ).

52.

A prisão preventiva de E. Milev, pessoa singular acusada no âmbito de um processo penal ainda em curso, é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2016/343 tal como definido no seu artigo 2.o ( 13 ) que «[se aplica] a todas as fases do processo penal, isto é, a partir do momento em que uma pessoa é suspeita da prática de um ilícito penal ou é constituída arguida ou é suspeita ou acusada de ter cometido um alegado ilícito penal, até ser proferida uma decisão final sobre a prática do ilícito penal e essa decisão ter transitado em julgado» ( 14 ).

53.

A este respeito, resulta do considerando 16 da Diretiva 2016/343 que a presunção de inocência se aplica às decisões de prisão preventiva e que será violada, nomeadamente, se as decisões judiciais apresentarem um suspeito ou um arguido como culpado, enquanto não tiver sido provada a respetiva culpa nos termos da lei.

54.

A Comissão considera que, na falta de medidas de harmonização no direito da União Europeia sobre a infração em causa, o processo em questão não pode ser considerado como uma aplicação do direito da União Europeia. Daqui resulta que a Carta não se aplica, enquanto tal, ao referido processo.

55.

A Comissão justificou igualmente a sua tese sobre a inaplicabilidade da Carta pela ausência, na Diretiva 2016/343, de normas materiais positivas sobre a prisão preventiva.

56.

Não partilho desta tese.

57.

Considero que a Diretiva 2016/343 não se refere à infração em causa mas ao processo penal em geral e que as normas que estabelece sobre a presunção de inocência são tão vinculativas como as exigências positivas. Além disso, uma vez que a referida diretiva se aplica ao processo penal em causa, a aplicação das suas normas, e nomeadamente os seus artigos 3.o e 4.o, constitui uma aplicação do direito da União Europeia, no sentido do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. O órgão jurisdicional de reenvio deve, portanto, assegurar‑se de que os direitos fundamentais garantidos pela Carta aos arguidos no processo principal são respeitados. Com efeito, a obrigação de respeitar a presunção de inocência implica a de respeitar estes direitos ( 15 ).

58.

Além disso, convém recordar que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta prevê que, na medida em que esta última contém direitos que correspondem a direitos garantidos pela CEDH, o seu sentido e o seu âmbito são iguais aos conferidos por essa convenção. Esta disposição da Carta visa assegurar a coerência necessária entre os direitos contidos na Carta e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que tal atente contra a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia ( 16 ).

59.

Saliento que o «direito à liberdade» consagrado no artigo 6.o da Carta corresponde ao mesmo conceito previsto no artigo 5.o, n.o 1, da CEDH ( 17 ), que o direito a um tribunal imparcial consagrado no artigo 47.o da Carta, corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, e que o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 48.o, n.o 1, da Carta, corresponde ao artigo 6.o, n.os 2 e 3, da CEDH ( 18 ). Além disso, resulta do considerando 48 da Diretiva 2016/343 que «[o] nível de proteção concedido pelos Estados‑Membros não deverá nunca ser inferior às normas previstas pela Carta e pela CEDH, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal [EDH]».

B.   Quanto ao artigo 5.o da CEDH e à prisão preventiva

60.

Resulta da jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 5.o da CEDH, que deve ser tomada em consideração para interpretar o artigo 6.o da Carta, que esta disposição protege a segurança física das pessoas e, como tal, reveste uma importância primordial ( 19 ). Tal inclui o objetivo de proteger o indivíduo contra uma privação de liberdade arbitrária e injustificada ( 20 ).

61.

De acordo com a jurisprudência constante do TEDH, uma presunção a favor da libertação decorre do artigo 5.o da CEDH. Até à sua condenação, o arguido deve ser considerado inocente e os n.os 3 e 4 do referido artigo da CEDH têm essencialmente por objeto impor a libertação se a prisão preventiva não for legal ou se a sentença não for proferida num prazo razoável ( 21 ). No n.o 84 do seu Acórdão de26 de julho de 2001, Ilijkov c. Bulgária, CE:ECHR:2001:0726JUD003397796, o TEDH declarou que a prisão preventiva só se pode justificar se houver indicações precisas de uma exigência real de interesse público que, não obstante a presunção de inocência, prevalece sobre o respeito pela liberdade individual.

62.

Considero que é necessário sublinhar que existe uma ligação estreita na jurisprudência do TEDH entre o direito à liberdade e a presunção de inocência. Com efeito um é indissociável do outro.

63.

A lista de exceções ao direito à liberdade prevista no artigo 5.o, n.o 1, da CEDH tem caráter exaustivo ( 22 ). Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da CEDH, uma pessoa só pode ser colocada em prisão preventiva no âmbito de um processo penal, a fim de comparecer perante a autoridade judiciária competente, designadamente por haver suspeita de ter cometido uma infração ( 23 ).

64.

O mesmo texto exige nomeadamente ( 24 ) a existência de suspeitas «razoáveis» ( 25 ) de que a pessoa detida e em prisão preventiva tenha cometido uma infração. Esta disposição pressupõe a existência de factos ou informações adequados a persuadir um observador objetivo de que o indivíduo em causa pode ter cometido a infração. Ora, o que pode ser considerado «razoável» depende da análise de todas as circunstâncias do processo ( 26 ).

65.

Importa sublinhar que «os factos que dão origem às suspeitas razoáveis não devem estar ao mesmo nível dos necessários para justificar uma condenação ou mesmo para deduzir uma acusação» ( 27 ).

66.

O n.o 61 do Acórdão do TEDH de 25 de março de 1999, Nikolova c. Bulgária, CE:ECHR:1999:0325JUD003119596, indica que, sendo «certo que [o artigo 5.o, n.o 4, da CEDH] não implica que o juiz que examina o recurso contra a prisão preventiva tenha a obrigação de estudar cada um dos argumentos invocados pelo recorrente, as garantias que prevê ficariam desprovidas de sentido se o juiz, com base no direito e práticas nacionais, pudesse considerar desprovidos de pertinência, ou deixar de ter em conta, factos concretos alegados pelo detido e suscetíveis de pôr em causa a existência das condições indispensáveis à “legalidade”, na aceção da [CEDH], da privação de liberdade». Daqui resulta que, quando um requerente apresenta tais factos concretos, que não parecem nem improváveis nem inúteis, a fiscalização jurisdicional de um tribunal não satisfaria as exigências do artigo 5.o, n.o 4, da CEDH se estes argumentos não fossem tidos em consideração.

67.

Além disso, quando está em causa a manutenção da prisão preventiva de uma pessoa ( 28 ), a persistência de suspeitas razoáveis de que esta cometeu uma infração é uma condição sine qua non da regularidade desta manutenção ( 29 ).

C.   Quanto ao artigo 6, n.o 1, da CEDH e à imparcialidade do tribunal

68.

Para efeitos do disposto no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, a imparcialidade do tribunal deve ser apreciada tanto com base numa abordagem subjetiva, com vista a determinar a convicção e o comportamento pessoais de determinado juiz em determinada ocasião ( 30 ) como uma abordagem objetiva, assegurando que oferece garantias suficientes para excluir, a este respeito, qualquer dúvida legítima ( 31 ).

69.

Segundo o TEDH, a apreciação objetiva consiste em perguntar se, independentemente da conduta pessoal do juiz, determinados factos verificáveis suscitam dúvidas sobre a sua imparcialidade. Nesta matéria, até as aparências podem ser importantes. Está em causa a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar aos litigantes, a começar, em matéria penal, pelos arguidos ( 32 ). Por conseguinte, deve recusar‑se qualquer juiz de que se possa crer legitimamente ter falta de imparcialidade ( 33 ).

70.

Resulta da segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que este questiona o Tribunal de Justiça quanto à imparcialidade objetiva dos tribunais.

71.

No Acórdão do TEDH de 24 de maio de 1989, Hauschildt c. Dinamarca, CE:ECHR:1989:0524JUD001048683, § 49, o TEDH declarou que o facto de os magistrados que participam na revisão final da causa em recurso já terem tido conhecimento da mesma numa fase anterior e terem tomado antes do processo diversas decisões relativas ao requerente, nomeadamente decisões sobre a sua prisão preventiva, pode suscitar dúvidas ao arguido sobre a imparcialidade do juiz. Todavia, segundo o TEDH, não podemos considerar as dúvidas do requerente sobre a imparcialidade do juiz «como objetivamente justificadas em todos os casos: a resposta varia de acordo com as circunstâncias da causa».

72.

Segundo o TEDH, «não podemos equiparar suspeitas a uma constatação formal de culpa [e o facto de um] juiz de primeira instância ou de recurso […] já ter tomado decisões antes do processo, nomeadamente sobre a prisão preventiva, não pode assim justificar por si só os receios quanto à imparcialidade. […] Determinadas circunstâncias podem, não obstante, num determinado processo, conduzir a uma conclusão diferente» ( 34 ).

73.

A este respeito, o TEDH considerou que, quando um juiz que decide sobre a aplicação da prisão preventiva se deve assegurar da existência de «suspeitas particularmente reforçadas» de que um suspeito cometeu uma infração, há uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH se ele também tiver de decidir sobre a culpa do suspeito. Com efeito, o TEDH declarou que a diferença entre a existência de «suspeitas particularmente reforçadas» e o problema a resolver na conclusão do processo ( 35 ) era ínfima ( 36 ).

D.   Quanto ao artigo 6.o, n.o 2, da CEDH e a presunção de inocência

74.

A presunção de inocência, consagrada no artigo 6.o, n.o 2, da CEDH, exige nomeadamente que, no cumprimento das suas funções, os membros do tribunal não partam de uma ideia preconcebida de que o arguido cometeu o ato que lhe é imputado; o ónus da prova cabe à acusação e a dúvida beneficia o arguido ( 37 ). Com efeito, esta presunção de inocência figura entre os elementos do processo penal equitativo exigidos pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH ( 38 ). Há violação da presunção de inocência se uma decisão judicial a respeito de um arguido refletir o sentimento de que ele é culpado, enquanto a sua culpa não tiver sido legalmente provada. É suficiente, mesmo na ausência de uma declaração formal, uma fundamentação que sugira que o juiz considera o interessado culpado ( 39 ). De acordo com a jurisprudência do TEDH, «deve ser feita uma distinção entre as declarações que refletem o sentimento de que a pessoa em causa é culpada e aquelas que se limitam a descrever um estado de suspeição. As primeiras violam a presunção de inocência, enquanto se considera que as segundas estão em conformidade com o espírito do artigo 6.o da [CEDH] ( 40 )».

E.   Aplicação ao caso em apreço

75.

Recordo, em primeiro lugar, que os Estados‑Membros estão vinculados por todas as disposições da Carta quando aplicarem a Diretiva 2016/343 e que devem conciliar as exigências impostas por estas disposições, mesmo que a obrigação de respeitar todas as disposições da Carta possa, em determinadas circunstâncias, como no processo principal, impor uma abordagem delicada para encontrar um justo equilíbrio entre os direitos em questão ( 41 ).

76.

Tendo em conta que a prisão preventiva ( 42 ) de um arguido no âmbito de processos penais como o de E. Milev se situa no âmbito de aplicação desta diretiva ( 43 ), resulta claramente dos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2016/343, bem como do seu considerando 16 que, quando um órgão jurisdicional nacional tomar uma decisão sobre a sua prisão preventiva, a presunção de inocência tem de ser respeitada. Daqui resulta que este órgão jurisdicional não deve apresentar o arguido como culpado enquanto a sua culpa não tiver sido legalmente provada ( 44 ).

77.

Por outro lado, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 não se opõe às decisões preliminares de natureza processual, como as decisões sobre a prisão preventiva ( 45 ), que são tomadas por autoridades judiciárias e se fundamentam em suspeitas ou elementos de prova contra elas. Além disso, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 prevê que os Estados‑Membros devem prever medidas necessárias em caso de violação da obrigação prevista no n.o 1 do mesmo artigo ( 46 ).

78.

Ora, considero que a constatação por um juiz que aprecia um recurso contra uma medida de prisão preventiva de que há uma «forte probabilidade» ( 47 ) de que um arguido tenha cometido uma infração, dá claramente a impressão de que ele é culpado por esta infração, apesar de a sua culpa não ter sido legalmente provada. Com efeito, esta constatação não se limita a «descrever um estado de suspeição» ( 48 ).

79.

Apesar de semelhante abordagem poder assegurar uma proteção reforçada do direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta ( 49 ), tal compromete a presunção de inocência consagrada no artigo 48.o da Carta, bem como nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2016/343.

80.

Não obstante, embora a simples constatação por um juiz que aprecia um recurso contra uma medida de prisão preventiva de que o arguido terá «à primeira vista» ( 50 ) podido cometer o crime em causa, ou seja, sem avaliar os elementos de acusação e ilibatórios apresentados, não prejudique, pelo menos diretamente, ( 51 ) a presunção de inocência, prejudica o direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta, porque o juiz não verifica a existência de suspeitas plausíveis de que esta pessoa tenha cometido a infração ( 52 ).

81.

O artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da CEDH e a jurisprudência constante do TEDH sobre esta disposição exigem, com efeito, que uma pessoa não possa ser detida sem a exigência de suspeitas plausíveis de que tenha cometido uma infração ( 53 ).

82.

Resulta do Acórdão do TEDH de 25 de março de 1999, Nikolova c. Bulgária, CE:ECHR:1999:0325JUD003119596, § 61, que um juiz que aprecie um recurso contra a prisão preventiva deve ter em conta os factos concretos alegados pelo detido suscetíveis de levantar dúvidas sobre a legalidade da privação de liberdade. Daqui resulta que, quando um arguido apresenta tais factos concretos, que não parecem nem improváveis nem inúteis, um juiz ao examinar um recurso contra uma prisão preventiva deve tê‑los em conta.

83.

Mais concretamente, quando um arguido apresenta num recurso contra a sua prisão preventiva elementos de prova ilibatórios que não parecem nem improváveis nem inúteis, o juiz que aprecia este recurso deve tê‑los em conta juntamente com os elementos de acusação, para avaliar se existem suspeitas plausíveis de que cometeu uma infração ( 54 ). Ao fazê‑lo, o juiz em questão não infringe o direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta nem a presunção de inocência consagrada no artigo 48.o da Carta e nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2016/343.

84.

Além disso, resulta da jurisprudência do TEDH que o simples facto de um juiz ter decidido sobre uma prisão preventiva de um arguido não implica necessariamente que a sua imparcialidade seja posta em causa e que pode mesmo, em determinadas circunstâncias muito precisas, decidir posteriormente sobre a culpa dessa pessoa. Com efeito, o essencial é saber a partir da fundamentação da decisão sobre a prisão preventiva, se o juiz tem ou não uma ideia preconcebida da culpa do arguido ( 55 ).

85.

Se resultar da fundamentação de uma decisão de prisão preventiva de um arguido que o juiz formou uma ideia sobre a culpa deste último, o juiz em questão não pode decidir sobre o mérito do processo sob pena de violar o artigo 47.o, n.o 2, da Carta relativo ao direito a um tribunal imparcial.

86.

Além disso, uma fundamentação que apresente o arguido como culpado, apesar de a sua culpa não estar legalmente provada, viola o artigo 48.o da Carta, bem como os artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2016/343, independentemente da questão de saber se o juiz em causa irá decidir posteriormente sobre a culpa da pessoa em causa.

87.

Em contrapartida, se o juiz que decide sobre a prisão preventiva de um arguido se limita a verificar se existem suspeitas plausíveis de que este último cometeu a infração em causa, o juiz pode participar no julgamento sobre o mérito e, por conseguinte, no julgamento sobre a culpa desta pessoa. Como resulta do n.o 83 das presentes conclusões, quando um arguido apresenta elementos de prova em sua defesa que não parecem nem improváveis nem inúteis, incumbe ao juiz que aprecia um recurso contra a prisão preventiva tê‑los em conta juntamente com os elementos de acusação, para avaliar se existem suspeitas plausíveis de que cometeu uma infração.

VI. Conclusão

88.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) da seguinte forma:

1)

Os artigos 6.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como os artigos 3.o e 4.o da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, devem ser interpretados no sentido de que, quando um arguido apresenta elementos de prova ilibatórios que não parecem nem improváveis nem inúteis, incumbe ao juiz que aprecia este recurso contra a sua prisão preventiva tê‑los em conta juntamente com os elementos de acusação, para avaliar se existem suspeitas plausíveis de que cometeu a infração em causa.

2)

Se resultar da fundamentação de uma decisão sobre a prisão preventiva de um arguido que o juiz formou uma ideia sobre a culpa deste último, o juiz em questão não pode decidir sobre o mérito do processo sob pena de violar o artigo 47.o, n.o 2 da Carta dos Direitos Fundamentais. Uma fundamentação que apresente o arguido como culpado, apesar de a sua culpa não estar legalmente provada, viola o artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais, bem como os artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2016/343, independentemente da questão de saber se o juiz em causa irá decidir posteriormente sobre a culpa do arguido.

3)

Se o juiz que decide sobre a prisão preventiva de um arguido se limita a verificar se existem suspeitas plausíveis de que este último cometeu a infração em causa, o juiz pode participar no julgamento sobre o mérito e, por conseguinte, no julgamento sobre a culpa do arguido.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2016, L 65, p. 1.

( 3 ) Um processo «relativo à participação no roubo de um banco» e outro processo «relativo à direção de uma associação criminosa, constituída com a finalidade de cometer roubos e que diz respeito a uma série de roubos».

( 4 ) No âmbito deste processo penal, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) decidiu, por despacho de 28 de julho de 2016, recebido no Tribunal de Justiça em 5 de agosto de 2016, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial. O pedido de decisão prejudicial foi registado como processo C‑439/16 PPU, Milev. Através desta questão prejudicial, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial), perguntou, em substância, se os artigos 3.o e 6.o da Diretiva 2016/343 deveriam ser interpretados no sentido de que se opõem ao parecer emitido em 7 de abril de 2016 pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária), no início do período de transposição da referida diretiva, que conferiu aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes para decidir um recurso interposto contra uma decisão de prisão preventiva, a faculdade de decidir se, durante a fase contenciosa do processo penal, a decisão de manter um arguido em prisão preventiva devia ser submetida a uma fiscalização jurisdicional relativamente a saber se subsistem razões plausíveis que permitam supor que cometeu a infração que lhe é imputada. (v. Acórdão de 27 de outubro de 2016, Milev, C‑439/16 PPU, EU:C:2016:818, n.o 28). O Tribunal de Justiça considerou que o parecer emitido em 7 de abril de 2016 pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação), não era suscetível de comprometer seriamente, após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2016/343, os objetivos prescritos pela mesma (v. Acórdão de 27 de outubro de 2016, Milev, C‑439/16 PPU, EU:C:2016:818, n.o 36).

( 5 ) Este roubo constitui uma infração penal ao abrigo do artigo 199.o, n.o 2, ponto 3, do Nakazatelen kodeks (Código Penal, a seguir «NK»), punido com uma pena privativa de liberdade de 15 a 20 anos, de prisão perpétua ou de prisão perpétua sem possibilidade de comutação.

( 6 ) Assim, antes da reforma de 2017, o artigo 29.o, n.o 1, ponto 1, alínea d), do NPK dispunha:

«Nenhum juiz […] pode participar na formação de um julgamento […] se tiver feito parte da formação de julgamento que proferiu […] um despacho que aplica, confirma, modifica ou anula uma medida de coação de prisão preventiva na fase pré‑contenciosa».

( 7 ) V., designadamente, n.o 39 das presentes conclusões.

( 8 ) V., designadamente, n.o 43 das presentes conclusões.

( 9 ) V., designadamente, artigo 48.o da Carta e Diretiva 2016/343.

( 10 ) V. artigo 6.o da Carta.

( 11 ) V., designadamente, artigo 47.o da Carta.

( 12 ) V. considerando 10 da Diretiva 2016/343. Segundo a Comissão, «a Diretiva [2016/343] estabelece normas mínimas respeitantes a determinadas garantias processuais dos suspeitos ou arguidos no âmbito do processo penal. A diretiva aborda determinados aspetos da presunção da inocência […]. Daqui resulta que a diretiva não constitui um instrumento nem completo nem exaustivo em matéria de proteção dos direitos fundamentais de um suspeito que se encontra em prisão preventiva» (n.o 11 das suas observações da Comissão). No n.o 26 das suas observações, a Comissão alega que o artigo 4.o da Diretiva 2016/343 contém apenas um requisito negativo sobre a legalidade da decisão de prisão preventiva, ou seja, ao decidir sobre a prisão preventiva, o suspeito não deve ser apresentado como culpado.

( 13 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Milev (C‑439/16 PPU, EU:C:2016:760, n.os 59 a 63).

( 14 ) V., igualmente, considerando 12 da Diretiva 2016/343.

( 15 ) V., por analogia, Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o. (C‑612/15, EU:C:2018:392, n.o 68 e jurisprudência referida). V., também, por analogia, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Milev (C‑439/16 PPU, EU:C:2016:760, n.os 69 a 76), que baseia a sua análise na aplicação simultânea de diversas disposições da CEDH a um processo penal.

( 16 ) V. Acórdão de 28 de julho de 2016, JZ (C‑294/16 PPU, EU:C:2016:610, n.os 48 a 50).

( 17 ) V. Acórdão de 15 de março de 2017, Al Chodor (C‑528/15, EU:C:2017:213, n.o 37).

( 18 ) V. Acórdão de 10 de julho de 2014, Nikolaou/Tribunal de Contas (C‑220/13 P, EU:C:2014:2057, n.o 35). A meu ver, apenas o artigo 6.o, n.o 2, da CEDH diz especificamente respeito à presunção de inocência.

( 19 ) V. Acórdão do TEDH de 5 de julho de 2016, Buzadji c. República da Moldávia, CE:ECHR:2016:0705JUD002375507, § 84. Segundo o TEDH, «[c]om os artigos 2.o, 3.o e 4.o, o artigo 5.o da [CEDH] figura entre as principais disposições que garantem os direitos fundamentais que protegem a segurança física das pessoas […], e[,] enquanto tal, reveste‑se de uma importância primordial».

( 20 ) V., designadamente, as vias de recurso previstas no artigo 5.o, n.os 3 e 4, da CEDH.

( 21 ) V., neste sentido, TEDH, 10 de março de 2009, Bykov c. Rússia, CE:ECHR:2009:0310JUD000437802, § 61. O artigo 5.o, n.o 3, da CEDH oferece às pessoas detidas ou em prisão preventiva sob suspeita de terem cometido uma infração penal garantias contra a privação arbitrária ou injustificada de liberdade (v. Acórdão do TEDH de 29 de abril de 1999, Aquilina c. Malta, CE:ECHR:1999:0429JUD002564294, § 47). O artigo 5.o, n.o 4, da CEDH garante um recurso efetivo às pessoas detidas ou em prisão preventiva e consagra também o seu direito de obter, num curto prazo de tempo a contar da interposição do recurso, uma decisão judiciária sobre a legalidade da sua prisão preventiva e terminando a sua privação de liberdade se se revelar ilegal (v. Acórdão do TEDH de 9 de julho de 2009, Mooren c. Alemanha, CE:ECHR:2009:0719JUD00136403, § 106).

( 22 ) Segundo a jurisprudência do TEDH, apenas uma interpretação estrita é consistente com o fim desta disposição: assegurar que ninguém seja arbitrariamente privado de liberdade (v. Acórdão do TEDH de 6 de abril de 2000, Labita c. Itália, CE:ECHR:2000:0406JUD002677295, § 170). Além disso, as autoridades devem demonstrar de forma convincente que cada período de prisão preventiva, por mais curto que seja, é justificado (v. Acórdão do TEDH de 22 de maio de 2012, Idalov c. Rússia, CE:ECHR:2012:0522JUD000582603, §140).

( 23 ) V. Acórdãos do TEDH, 1 de julho de 1961, Lawless c. Irlanda, CE:ECHR:1961:0701JUD000033257, pp. 51 a 53, § 14, e 22 de fevereiro de 1989, Ciulla c. Itália, CE:ECHR:1989:0222JUD001115284, pp. 16 a 18, §§ 38 a 41.

( 24 ) Apesar de o artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da CEDH exigir suspeitas razoáveis de que a pessoa em causa «comet[eu] uma infração»ou (sublinhado meu) «[que há] motivos razoáveis para crer que é necessário impedi‑lo de cometer uma infração ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido», penso que esta formulação alternativa se transformou em exigências cumulativas através da jurisprudência recente do TEDH. Com efeito, no seu Acórdão de 5 de julho de 2016, Buzadji c. República da Moldávia, CE:ECHR:2016:0705JUD002375507, o TEDH (formação em Grande Secção) considerou que era necessário desenvolver a sua jurisprudência em função do artigo 5.o da CEDH. Nos n.os 92 a 102 do seu acórdão, o TEDH considerou que a existência de uma suspeita razoável que o detido cometeu uma infração não pode por si só legitimar a prisão preventiva, que deve então ser fundamentada por razões suplementares. Estes outros fundamentos incluem o risco de fuga, o risco de intimidação das testemunhas ou de falsificação das provas, o risco de conluio, o risco de reincidência, o risco de perturbação da ordem pública, ou ainda a necessidade daí decorrente de proteger a pessoa sujeita à medida privativa de liberdade. Convém sublinhar que, no n.o 102 desse mesmo acórdão, o TEDH declarou que «a obrigação de o magistrado apresentar fundamentos pertinentes e suficientes para apoiar a privação da liberdade — para além da persistência de suspeitas razoáveis de que a pessoa detida cometeu a infração — aplica‑se a partir da primeira decisão que ordena a prisão preventiva, ou seja, “imediatamente” após a detenção». Além disso, a existência destes riscos deve ser devidamente provada e o raciocínio das autoridades a este respeito não pode ser abstrato, geral ou estereotipado (v. Acórdão do TEDH 28 de novembro de 2017, Merabishvili c. Geórgia, CE:ECHR:2017:1128JUD007250813, § 222). Saliento que o risco de fuga, o risco de intimidação das testemunhas ou de falsificação de provas, o risco de conluio, o risco de reincidência, o risco de perturbação da ordem pública, ou ainda a necessidade daí decorrente de proteger a pessoa sujeita à medida privativa de liberdade não parecem estar em causa no processo principal. Há que salientar que esta jurisprudência do TEDH constitui um reforço considerável do direito à liberdade e, consequentemente, da presunção de inocência.

( 25 ) O TEDH declarou que «se não existirem suspeitas razoáveis de que a pessoa detida cometeu uma infração, ou seja, se a prisão preventiva não estiver abrangida pelas exceções autorizadas, enumeradas no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da CEDH, a prisão preventiva é ilegal e o magistrado deve ter o faculdade de ordenar a libertação» (V. TEDH, 3 de outubro de 2006, McKay c. Reino Unido, CE:ECHR:2006:1003JUD000054403, § 40).

( 26 ) V. TEDH, 30 agosto de 1990, Fox, Campbell e Hartley c. Reino Unido, CE:ECHR:1990:0830JUD001224486, § 32.

( 27 ) V. TEDH, 28 de novembro de 2017, Merabishvili c. Geórgia, CE:ECHR:2017:1128JUD007250813, § 184.

( 28 ) À data da audiência de 11 de julho de 2018, a prisão preventiva de E. Milev já tinha uma duração de seis meses.

( 29 ) V. TEDH, 28 de novembro de 2017, Merabishvili c. Geórgia, CE:ECHR:2017:1128JUD007250813, § 222.

( 30 ) A imparcialidade pessoal de um magistrado presume‑se até prova em contrário. No Acórdão do TEDH de 15 de dezembro de 2005, Kyprianou c. Chipre, CE:ECHR:2005:1215JUD0007379701, § 119, o TEDH reconheceu a dificuldade de provar a existência de uma violação do artigo 6.o da CEDH por parcialidade subjetiva.

( 31 ) V. TEDH, 24 de maio de 1989, Hauschildt c. Dinamarca, CE:ECHR:1989:0524JUD001048683, § 46.

( 32 ) O termo «arguido» utilizado pelo TEDH é o mesmo que se utiliza na versão em língua portuguesa da Diretiva 2016/343.

( 33 ) V. TEDH, 24 de maio de 1989, Hauschildt c. Dinamarca, CE:ECHR:1989:0524JUD001048683, § 48.

( 34 ) Sublinhado meu. V. TEDH, 24 de maio de 1989, Hauschildt c. Dinamarca, CE:ECHR:1989:0524JUD001048683, §§ 50 e 51. V., também, Acórdãos do TEDH de 27 de fevereiro de 2007, Nestak c. Eslováquia, CE:ECHR:2007:0227JUD006555901, § 100 e de 22 de abril de 2010, Chesne c França, CE:ECHR:2010:0422JUD002980806, §§ 36 a 39. Neste último acórdão, o TEDH considerou que a fundamentação seguida por um tribunal para confirmar a aplicação e manutenção do requerente em prisão preventiva constituía mais uma ideia preconcebida da sua culpa do que a simples descrição de um estado de suspeição. Daqui decorre que o facto de os mesmos magistrados terem feito parte da secção à qual o processo sobre o mérito tenha sido atribuído poder, assim, parecer motivo de inquietação e constituir, por conseguinte, uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. O TEDH observou que os magistrados não se limitaram a uma apreciação sumária dos factos alegados para justificar a pertinência da manutenção da prisão preventiva, mas, pelo contrário, pronunciaram‑se sobre a existência de elementos de culpa atribuídos ao requerente.

( 35 ) A saber, a decisão sobre a culpa quando estiver em causa decidir sobre o mérito de um processo.

( 36 ) V. TEDH, 24 de maio de 1989, Hauschildt c. Dinamarca, CE:ECHR:1989:0524JUD001048683, § 52.

( 37 ) V., também, artigo 6.o da Diretiva 2016/343.

( 38 ) V. TEDH, 28 de novembro de 2012, Lavents c. Letónia, CE:ECHR:2012:112JUD005844200, § 125.

( 39 ) V. TEDH, 10 de fevereiro de 1995, Allenet de Ribemont c. França, CE:ECHR:1995:0210JUD00151789, § 35.

( 40 ) TEDH, 31 de março de 2016, Petrov e Ivanova c. Bulgária, CE:ECHR:2016:0331JUD004577310, § 44.

( 41 ) O processo principal ilustra o facto de que, em determinadas circunstâncias, existe uma «tensão» entre alguns direitos consagrados pela Carta e mesmo no cerne da presunção de inocência. Na falta de uma hierarquia entre estes direitos, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais e da União encontrar um justo equilíbrio entre estes direitos por vezes concorrentes.

( 42 ) Não há dúvida de que uma decisão sobre a prisão preventiva de um arguido não constitui uma decisão judiciária que decida sobre a sua culpa.

( 43 ) V. n.o 52 das presentes conclusões.

( 44 ) Resulta claramente do pedido de decisão prejudicial que a culpa de E. Milev por roubo à mão armada n um estabelecimento, em 30 de dezembro de 2008, não foi legalmente provada e que o processo penal contra ele a este respeito ainda decorre.

( 45 ) V. considerando 16 da Diretiva 2016/343.

( 46 ) O artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 dispõe que os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido dispõem de uma via de recurso efetiva em caso de violação, designadamente, da presunção de inocência garantida por essa diretiva.

( 47 ) V., designadamente, n.o 43 das presentes conclusões.

( 48 ) V. n.o 74 das presentes conclusões.

( 49 ) Na medida em que a exigência de uma «forte probabilidade» torna a justificação do recurso à prisão preventiva mais difícil.

( 50 ) V. n.os 29 e 39 das presentes conclusões.

( 51 ) V. n.o 62 das presentes conclusões.

( 52 ) V. n.os 63 e 64 das presentes conclusões. Com efeito, apesar de semelhante abordagem poder assegurar o respeito da presunção de inocência consagrada no artigo 48.o da Carta, bem como dos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2016/343, é contrária ao 6.o da Carta.

( 53 ) V. n.os 63 e 64 das presentes conclusões.

( 54 ) No entanto, parece, sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que na sequência das alterações ao NPK, uma parte da jurisprudência búlgara proíbe o juiz que aprecia a legalidade da prisão preventiva de confrontar os elementos de prova e indicar quais são credíveis e porquê. V. n.o 39 das presentes conclusões. No entanto, como foi salientado pela Comissão «existe nesta matéria uma jurisprudência dividida».

( 55 ) V., neste sentido, Acórdão TEDH de 24 de maio de 1989, Hauschildt c. Dinamarca, CE:ECHR:1989:0524JUD001048683, §§ 50 e 51.