CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 11 de setembro de 2019 ( 1 )

Processo C‑175/18 P

PTC Therapeutics International Ltd

contra

Agência Europeia de Medicamentos (EMA)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Acesso aos documentos das instituições — Documentos na posse da Agência Europeia de Medicamentos (“EMA”) que contêm informações apresentadas pela recorrente no âmbito de um pedido de autorização de introdução no mercado de um medicamento para uso humano — Decisão de conceder a um terceiro o acesso aos documentos — Presunção geral de confidencialidade — Artigo 4.o, n.o 2 — Exceção fundamentada na proteção dos interesses comerciais — Artigo 4.o, n.o 3 — Proteção do processo decisório»

I. Introdução

1.

O presente recurso tem por objeto um de, até agora, três processos ( 2 ), nos quais uma das partes pretende a anulação de uma decisão de uma instituição ou agência da União Europeia que concedeu acesso a documentos. No seu recurso, a PTC Therapeutics International Ltd (a seguir «recorrente») pede que o Tribunal de Justiça anule o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 5 de fevereiro de 2018, PTC Therapeutics International/EMA (T‑718/15, EU:T:2018:66; a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu pedido de anulação da Decisão EMA/722323/2015 (a seguir «decisão impugnada») da Agência Europeia de Medicamentos (a seguir «EMA»), que concede a um requerente acesso a um relatório de ensaio clínico (a seguir «REC») que a recorrente tinha apresentado a essa Agência, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão ( 3 ). Acontece que o requerente é uma sociedade farmacêutica que é, ou poderia ser, uma concorrente da recorrente.

2.

A decisão da EMA de conceder acesso ao REC apresentado pela recorrente foi confirmada pelo Acórdão do Tribunal Geral de 5 de fevereiro de 2018 ( 4 ), que concluiu, entre outras coisas, que os relatórios de ensaios clínicos não estavam abrangidos nas categorias de documentos aos quais tinha sido reconhecida uma presunção geral de confidencialidade.

3.

Pede‑se aqui ao Tribunal de Justiça que decida se os interesses comerciais da recorrente no âmbito do REC estão protegidos por uma presunção geral de confidencialidade. São suscitados outros problemas relativos à interpretação da expressão «interesses comerciais» na aceção do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, bem como ao exame da questão de saber se, com a concessão de uma autorização de introdução no mercado condicional, um processo decisório deve ser considerado concluído ou em curso, para efeitos do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001.

4.

No entanto, a questão nuclear do presente recurso é a de saber se este tipo de REC, elaborados como parte de um pedido de autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») relativo a produtos farmacêuticos novos, submetido à EMA, constitui informação comercial confidencial protegida pelo artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001. Este é, na realidade, o primeiro recurso de uma decisão do Tribunal Geral em que esta questão específica foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça, pelo que, em minha opinião, não há a possibilidade de a sua importância para o direito de acesso a documentos e para a sua aplicação à indústria farmacêutica poder ser sobrestimada.

5.

Antes de abordar qualquer dessas questões jurídicas em pormenor, é necessário indicar as disposições legais relevantes.

II. Contexto jurídico

Direito internacional

Acordo Sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (a seguir «Acordo ADPIC»)

6.

O artigo 39.o, n.os 2 e 3, do Acordo ADPIC, que faz parte do Acordo que Institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado pela Comunidade Europeia e em seguida aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994 ( 5 ), tem a seguinte redação:

«2.   As pessoas singulares e coletivas terão a possibilidade de impedir que informações legalmente sob o seu controlo sejam divulgadas, adquiridas ou utilizadas por terceiros sem o seu consentimento de uma forma contrária às práticas comerciais leais, desde que essas informações:

(a)

Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;

(b)

Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas; e

(c)

Tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.

3.   Sempre que subordinem a aprovação da comercialização de produtos farmacêuticos ou de produtos químicos para a agricultura que utilizem novas entidades químicas à apresentação de dados não divulgados referentes a ensaios ou outros, cuja obtenção envolva um esforço considerável, os membros protegerão esses dados contra qualquer utilização comercial desleal. Além disso, os membros protegerão esses dados contra a divulgação, exceto quando necessário para proteção do público, ou a menos que sejam tomadas medidas para garantir a proteção dos dados contra qualquer utilização comercial desleal.»

Direito da UE

A —   Regulamento n.o 1049/2001

7.

Os considerandos 2 e 11 enunciam:

«(2)

Esta abertura permite assegurar uma melhor participação dos cidadãos no processo de decisão e garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático. A abertura contribui para o reforço dos princípios da democracia e do respeito dos direitos fundamentais consagrados no artigo 6.o do Tratado UE e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

[…]

(11)

Em princípio, todos os documentos das instituições deverão ser acessíveis ao público. No entanto, determinados interesses públicos e privados devem ser protegidos através de exceções. É igualmente necessário que as instituições possam proteger as suas consultas e deliberações internas, se tal for necessário para salvaguardar a sua capacidade de desempenharem as suas funções. Ao avaliar as exceções, as instituições deverão ter em conta os princípios estabelecidos na legislação comunitária relativos à proteção de dados pessoais em todos os domínios de atividade da União.»

8.

O artigo 1.o do Regulamento n.o 1049/2001 estabelece o objetivo do regulamento. Tem a seguinte redação:

«O presente regulamento tem por objetivo:

(a)

Definir os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (adiante designados “instituições”), previsto no artigo 255.o do Tratado CE, de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível,

(b)

Estabelecer normas que garantam que o exercício deste direito seja o mais fácil possível; e

(c)

Promover boas práticas administrativas em matéria de acesso aos documentos.»

9.

O artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 prevê exceções ao direito de acesso aos documentos. Os n.os 2, 3 e 6 são relevantes para o presente processo. Têm a seguinte redação:

«2.   As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

‑ interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual,

‑ processos judiciais e consultas jurídicas,

‑ objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria,

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.   O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

6.   Quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das exceções, as restantes partes do documento serão divulgadas.

[…]»

10.

O artigo 6.o, n.o 1, que trata dos pedidos de acesso a documentos, tem a seguinte redação:

«1.   Os pedidos de acesso a documentos devem ser apresentados sob qualquer forma escrita, na qual se incluem os pedidos sob forma eletrónica, numa das línguas referidas no artigo 314.o do Tratado CE e de forma suficientemente precisa para que a instituição possa identificar os documentos. O requerente não é obrigado a declarar as razões do pedido.»

B —   Regulamento (CE) n.o 726/2004 ( 6 )

11.

O n.o 11 do artigo 14.o, que trata da «exclusividade sobre os dados» e da «exclusividade comercial» no âmbito das autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano emitidas pela EMA, tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo da legislação relativa à proteção da propriedade industrial e comercial, os medicamentos para uso humano autorizados em conformidade com as disposições do presente regulamento beneficiam de um período de 8 anos de proteção dos dados e de um período de 10 anos de proteção da comercialização; este último será prorrogado até um máximo de 11 anos se, durante os primeiros oito anos daqueles 10, o titular da autorização de introdução no mercado tiver obtido uma autorização para uma ou mais indicações terapêuticas novas que, durante a avaliação científica anterior à sua autorização, sejam consideradas portadoras de um benefício clínico importante relativamente às terapias existentes.»

12.

O artigo 73.o dispõe:

«O Regulamento [n.o 1049/2001] […] é aplicável aos documentos detidos pela Agência.

A Agência criará um registo em conformidade com o disposto no n.o 4 do artigo 2.o do Regulamento [n.o 1049/2001] visando a disponibilização de todos os documentos acessíveis ao público por força do presente regulamento.

O Conselho de Administração aprova as regras de execução do Regulamento [n.o 1049/2001] no prazo de seis meses a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento.

[…]»

C —   Regulamento (CE) n.o 141/2000 ( 7 )

13.

O conceito de medicamentos órfãos é, talvez, explicado da forma mais clara nos considerandos 1 e 2 do Regulamento n.o 141/2000:

«Considerando o seguinte:

(1)

Algumas patologias são tão infrequentes que o custo do desenvolvimento e introdução no mercado de medicamentos com vista ao seu diagnóstico, prevenção ou tratamento não seria amortizado pelos respetivos volumes de vendas previsíveis; a indústria farmacêutica não estaria interessada no desenvolvimento de tais medicamentos em condições normais de mercado, estes medicamentos são portanto denominados “medicamentos órfãos”;

(2)

Os doentes que sofrem de doenças raras devem ter direito a terapêuticas de qualidade idêntica à das oferecidas aos restantes doentes; importa, portanto, incentivar a indústria farmacêutica a investigar, desenvolver e introduzir no mercado medicamentos adequados. Os incentivos ao desenvolvimento de medicamentos órfãos existem nos Estados Unidos da América desde 1983 e no Japão desde 1993 […]»

14.

O considerando 8 do regulamento prossegue enunciando que, de acordo com a experiência, tanto dos Estados Unidos da América como do Japão, «o maior incentivo ao investimento por parte da indústria no desenvolvimento e introdução no mercado de medicamentos órfãos» está onde existe perspetiva de obtenção da exclusividade de mercado durante vários anos, «que pode permitir amortizar uma parte do investimento».

15.

O artigo 3.o, n.o 1, do regulamento prevê que um medicamento pode ser designado medicamento órfão se se destinar «ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de uma patologia […] que ponha a vida em perigo ou seja cronicamente debilitante e que afete até cinco pessoas em 10 mil» ou quando «é pouco provável que, sem incentivos, a comercialização desse medicamento na Comunidade possa gerar receitas que justifiquem o investimento necessário» e não existe «qualquer método satisfatório de diagnóstico, prevenção ou tratamento de tal patologia que tenha sido autorizado na Comunidade».

16.

O artigo 8.o, sob o título «Exclusividade de mercado», tem a seguinte redação:

«1.   Se a um medicamento órfão for concedida uma autorização de introdução no mercado ao abrigo do Regulamento (CEE) n.o 2309/93 [ ( 8 )] ou se todos os Estados‑Membros tiverem concedido autorizações de introdução no mercado nos termos dos procedimentos de reconhecimento mútuo […], sem prejuízo do disposto no direito de propriedade intelectual ou em qualquer outra disposição de direito comunitário, a Comunidade e os Estados‑Membros abster‑se‑ão de aceitar durante um período de 10 anos qualquer outro pedido de autorização de introdução no mercado, ou de conceder uma autorização de introdução no mercado, ou de dar seguimento a um pedido de extensão de uma autorização de introdução no mercado já existente, em relação a um medicamento similar com a mesma indicação terapêutica.

2.   Este período pode ser reduzido para seis anos se, no final do quinto ano, se comprovar que, em relação ao medicamento em questão, os critérios estabelecidos no artigo 3.o já não são preenchidos, nomeadamente quando se comprovar, a partir dos dados disponíveis, que a rentabilidade é suficiente para não justificar a manutenção de exclusividade de mercado.

[…]»

III. Matéria de facto

17.

A recorrente desenvolveu o medicamento «Translarna», para o tratamento da distrofia muscular de Duchenne (a seguir «DMD») em pacientes cuja doença é causada por uma mutação denominada «sem sentido». A DMD é uma doença genética hereditária, que se manifesta, normalmente, antes dos 6 anos de idade e se caracteriza por perda e enfraquecimento progressivos dos músculos, geralmente com consequências graves e letais. A recorrente expressou as suas expectativas de que o medicamento viesse a ser utilizado também no tratamento de outras doenças igualmente causadas por outras mutações sem sentido.

18.

Em outubro de 2012, a recorrente apresentou à EMA um pedido de AIM do Translarna, para o tratamento da DMD, nos termos do Regulamento n.o 726/2004. Na sequência de uma recusa inicial e de um pedido de reexame, em 31 de julho de 2014, foi concedida à recorrente uma AIM condicional, na aceção do Regulamento (CE) n.o 507/2006 da Comissão ( 9 ). Segundo o artigo 5.o do Regulamento n.o 507/2006, uma AIM condicional obriga os seus titulares a «completar os estudos em curso ou [a] efetuar novos estudos, para confirmar que a relação risco‑benefício é positiva […]» antes da concessão de uma AIM válida por cinco anos, em conformidade com os artigos 7.o do Regulamento n.o 507/2006 e 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 726/2004.

19.

Em 13 de outubro de 2015, a EMA informou a recorrente de que outra sociedade farmacêutica lhe tinha enviado um pedido ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001, para lhe ser dado acesso a um REC que constava do processo de pedido de AIM do Translarna apresentado pela recorrente (a seguir «relatório controvertido»). É pacífico entre as partes que o REC tem por objeto a eficácia e segurança do princípio ativo do Translarna ( 10 ).

20.

A recorrente requereu que o relatório controvertido fosse tratado como integralmente confidencial. Esse pedido foi definitivamente indeferido em 25 de novembro de 2015, através da decisão impugnada, pela qual a EMA concedeu o acesso ao texto integral do relatório em causa ( 11 ), sem prejuízo da ocultação de certos excertos que tinha efetuado por sua própria iniciativa, uma vez que a recorrente tinha declinado apresentar quaisquer sugestões em relação a esse ponto.

21.

A EMA justificou a sua decisão de conceder acesso em princípio — e, ao mesmo tempo, respondeu igualmente às observações formuladas pela recorrente durante o período da consulta prevista no artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1049/2001 — nos seguintes termos:

Segundo o artigo 4.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1049/2001 o acesso pedido a um documento na íntegra só pode ser recusado se for aplicável uma das exceções previstas no artigo 4.o, n.os 2 ou 3, do regulamento à totalidade do conteúdo do documento. A recorrente — segundo a EMA afirmou — não tinha apresentado qualquer prova a esse respeito. Além disso, uma parte do conteúdo do relatório controvertido já estava no domínio público.

A divulgação não viola o artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC. Os períodos de exclusividade sobre os dados, concedidos ao abrigo do artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004, e o facto de os direitos de autor não serem prejudicados, nos termos do artigo 16.o do Regulamento n.o 1049/2001, são adequados para satisfazer as exigências dessa disposição.

O risco de utilização abusiva do documento por um concorrente não constitui, por si só, um fundamento para considerar que determinada informação é uma informação comercial confidencial nos termos do Regulamento n.o 1049/2001.

A exceção ao acesso prevista no primeiro parágrafo do n.o 3 do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 não era aplicável porque o processo decisório da instituição tinha terminado com a concessão da AIM condicional.

22.

A recorrente, apoiada pela European Confederation of Pharmaceutical Entrepreneurs AISBL («Eucope»), interpôs recurso de anulação da decisão controvertida no Tribunal Geral. Ao mesmo tempo, também apresentou um pedido de medidas provisórias, que foi deferido por Despacho do presidente do Tribunal Geral de 20 de julho de 2016 ( 12 ). Por Despacho do Vice‑Presidente do Tribunal de Justiça de 1 de março de 2017 ( 13 ), foi negado provimento ao recurso interposto pela EMA desse despacho.

IV. Acórdão recorrido

23.

No recurso de anulação interposto no Tribunal Geral, a recorrente invocou cinco fundamentos, nomeadamente, que (1) de acordo com uma interpretação adequada do Regulamento n.o 726/2004, em conjugação com o Regulamento n.o 1049/2001, o relatório controvertido está integralmente abrangido por uma presunção geral de confidencialidade (2) em todo o caso, o relatório controvertido constitui na íntegra uma informação comercial confidencial protegida pelo artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 (3) a publicação integral do relatório controvertido podia prejudicar gravemente o processo decisório da EMA e, por conseguinte, goza da proteção contra a sua divulgação prevista no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001 (4) a EMA não fez uma ponderação como exige a lei e (5) uma ponderação adequada teria levado a uma decisão de não publicar nenhuma parte do relatório controvertido. O Tribunal Geral negou integralmente provimento ao recurso com base nos fundamentos seguintes.

Presunção geral de confidencialidade

24.

O Tribunal Geral declarou que não existia qualquer presunção geral de confidencialidade relativamente a REC, com base no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão ou no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001. Chegou a esta conclusão pelas seguintes razões:

25.

O Tribunal Geral identificou quatro critérios utilizados na jurisprudência para o reconhecimento de uma presunção geral de confidencialidade ( 14 ). Concluiu que os mesmos não se encontravam preenchidos no presente processo. Em especial, concluiu que o relatório controvertido não era relativo a um procedimento administrativo em curso, como nos casos em que era reconhecida uma presunção geral de confidencialidade, ditada pela imperativa necessidade de garantir o correto funcionamento dos processos em questão e de garantir que os seus objetivos não sejam comprometidos ( 15 ). Em segundo lugar, o Tribunal Geral concluiu que os regulamentos aplicáveis, os Regulamentos n.os 141/2000, 726/2004 e 507/2006, não continham quaisquer regras específicas relativas ao processo e restritivas do acesso a documentos ( 16 ).

26.

Em seguida, o Tribunal Geral julgou improcedente o argumento da recorrente de que é da própria essência do regime das AIM que todos os documentos apresentados como documentos de um processo de pedido de AIM sejam mantidos confidenciais, uma vez que considerou que esses documentos podiam nem sequer conter qualquer elemento de novidade ( 17 ). Em apoio desta posição, o Tribunal Geral também assinalou que, com base no artigo 73.o do Regulamento n.o 726/2004, a EMA tinha adotado uma decisão que dava execução ao Regulamento n.o 1049/2001 intitulada «Regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 no acesso aos documentos da EMA», bem como o documento EMA/110196/2006 intitulado «[P]olítica da Agência Europeia de Medicamentos no acesso aos documentos (relativamente a medicamentos para uso humano e veterinário)», que refletiam essa posição.

27.

O Tribunal Geral também considerou que a natureza extremamente condicionante no plano administrativo, para a EMA e para o autor do documento, da ocultação dos dados com vista a preparar os documentos para o acesso não pode ser considerada um argumento a favor da existência de uma presunção geral de confidencialidade, uma vez que vai contra a letra e o espírito do Regulamento n.o 1049/2001, que estabelece o acesso aos documentos como regra e a sua recusa como exceção à mesma ( 18 ).

28.

Em seguida, declarou que as disposições do artigo 39.o, n.os 2 e 3, do Acordo ADPIC não podiam ser invocadas a favor da existência de uma presunção geral de confidencialidade, uma vez que não dão primado absoluto à proteção dada aos direitos de propriedade intelectual sobre o princípio da divulgação. O Tribunal Geral observou ainda que a proteção de dados nos termos do artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004 e as exceções constantes do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, que preveem a proteção da informação comercial confidencial contida num pedido de AIM, cumpriam as exigências do artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC. A esse respeito, rejeitou, em especial, a alegação da recorrente de que os dados que possam ser explorados de forma desleal devem ser considerados confidenciais.

29.

O Tribunal Geral observou, em seguida, que, mesmo que existisse uma presunção geral, a instituição em causa não teria de basear nela a sua decisão. Pelo contrário, pode sempre proceder a um exame concreto dos documentos objeto do pedido ( 19 ).

Exame concreto da aplicação do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 efetuado pelo Tribunal Geral no presente processo

30.

O Tribunal Geral assinalou que o artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, deve ser interpretado de forma estrita, visto constituir uma exceção à regra segundo a qual o acesso deve ser concedido. Concluiu que a exceção da confidencialidade comercial, prevista no artigo 4.o, n.o 2, só seria aplicável se se demonstrasse que a divulgação do documento em concreto poderia prejudicar «gravemente» os interesses comerciais da recorrente e que esse risco era razoavelmente previsível e não meramente hipotético ( 20 ).

31.

O Tribunal Geral declarou ainda que o relatório controvertido não estava abrangido na íntegra pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, uma vez que isso exigia que os dados que constam desse relatório constituíssem na íntegra informações comerciais confidenciais. Não era o caso, uma vez que parte do mesmo tinha sido anteriormente publicada no Relatório Público Europeu de Avaliação (a seguir «EPAR») — embora depois de terem sido suprimidas as informações com caráter de confidencialidade comercial — nos termos do artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 726/2004.

V. Recurso da decisão do Tribunal Geral

32.

A recorrente invoca cinco fundamentos de recurso. Com o seu primeiro fundamento, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não reconhecer a existência de uma presunção geral de confidencialidade no que diz respeito ao relatório controvertido. O segundo fundamento é relativo a uma violação do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001. No terceiro fundamento de recurso alega que foi violado o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001. Com os seus quarto e quinto fundamentos, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não proceder a uma ponderação, dado que o primeiro, segundo e terceiro fundamentos de recurso tinham demonstrado que os n.os 2 e 3 do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 constituíam um compromisso entre o interesse em proteger a confidencialidade do relatório controvertido e um potencial interesse público superior que imponha a sua divulgação. A mesma afirma que, se o Tribunal Geral tivesse procedido a essa ponderação, teria concluído que não existia qualquer interesse público superior desse tipo.

33.

De acordo com o pedido formulado pelo Tribunal de Justiça, planeio limitar as minhas Conclusões aos primeiro, segundo e terceiro fundamentos de recurso.

VI. Análise

A. Observações preliminares

1. Regulamento (UE) n.o 536/2014 ( 21 )

34.

Antes de mais, talvez deva fazer notar que não abstraí do facto de o Regulamento (UE) n.o 536/2014 conter novas regras em matéria de autorização, realização e resultados de ensaios clínicos, apesar de não ser ainda aplicável. É verdade que se pode entender que o Regulamento n.o 536/2014 institui uma maior transparência no que respeita à divulgação de REC, sobretudo por prever a criação de uma base de dados à qual terá acesso, em princípio, o público em geral, sob reserva, uma vez mais, de determinadas exceções de confidencialidade.

35.

No entanto, em meu entender, é desnecessário expor qualquer opinião conclusiva quanto aos efeitos potenciais do Regulamento n.o 536/2014, seja no presente processo, ou em qualquer caso, no que diz respeito ao acesso, pelo público em geral, a informações relativas aos ensaios clínicos. Isto porque esse regulamento ainda não é aplicável, uma vez que a sua operacionalidade está dependente do desenvolvimento de um portal da UE e de uma base de dados plenamente funcionais, nos termos do Regulamento n.o 536/2014. Por conseguinte, o presente recurso deve ser decidido com referência à legislação que estava em vigor à data da decisão impugnada. Para além de assinalar a sua existência e a sua potencial relevância no que diz respeito a eventuais futuros processos deste tipo, não pretendo atribuir a esse regulamento qualquer base para a decisão do presente recurso em concreto.

2.   Princípios gerais relativos ao regime de acesso aos documentos

36.

Antes de abordar qualquer das questões, é conveniente recordar, primeiro, alguns princípios gerais relativos à aplicação do regime de acesso aos documentos instituído no Regulamento n.o 1049/2001. Neste contexto, os princípios jurídicos aplicáveis são claros e, de facto, foram corretamente expostos pelo Tribunal Geral. Poder‑se‑ia começar por perguntar quais são, realmente, esses princípios. Podem ser resumidos do seguinte modo.

37.

Em primeiro lugar, o Regulamento n.o 1049/2001 visa dar efeito legislativo aos princípios subjacentes ao artigo 15.o, n.o 3, TFUE, por força do qual todos os cidadãos da União (ou, no que a esta matéria diz respeito, todas as pessoas singulares ou coletivas) que residam ou tenham a sua sede estatutária num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições da União, sob reserva dos princípios gerais e dos limites «que, por razões de interesse público ou privado, hão de reger o exercício do direito de acesso aos documentos», que deverão ser definidos por meio de regulamentos adotados pelo Parlamento Europeu e o Conselho, «deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário».

38.

Em segundo lugar, o Regulamento n.o 1049/2001 parte do princípio de que o público deveria ter o acesso mais amplo possível a esses documentos ( 22 ), sob reserva das exceções necessárias para proteger os interesses públicos e privados a que se refere o seu considerando 11 e que as disposições do artigo 4.o, n.os 1 a 3, tornam eficazes. No entanto, na medida em que essas exceções derrogam o princípio geral do Regulamento n.o 1049/2001, por força do qual deve haver a divulgação mais ampla possível, as mesmas devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita ( 23 ). Daí decorre, portanto, que, em princípio, todos os documentos das instituições da União e das agências como a EMA são acessíveis ao público. Em todo o caso, o artigo 73.o do Regulamento n.o 726/2004 — precisamente a medida legislativa que regula, na sua totalidade, o próprio procedimento de AIM — prevê expressamente que o Regulamento n.o 1049/2001 é «aplicável aos documentos detidos pela Agência».

39.

Em terceiro lugar, é evidente que o simples facto de um determinado documento respeitar a um interesse protegido por uma exceção ao direito de acesso prevista no artigo 4.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1049/2001 não é, por si só, suficiente. Pelo contrário, é necessário que a instituição em causa dê explicações sobre a forma pela qual o acesso a esse documento poderá, nas palavras do Tribunal Geral, «prejudicar concreta e efetivamente o interesse protegido pela exceção» ( 24 ).

40.

Em quarto lugar, o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001 prevê que o requerente não é obrigado a declarar as razões do pedido de acesso aos documentos. Por conseguinte, daí decorre que, em princípio, os motivos do requerente a esse respeito são irrelevantes.

41.

Passarei agora a abordar o primeiro fundamento de recurso, nomeadamente, a questão da presunção geral de confidencialidade.

B. Primeiro fundamento de recurso: violação do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, decorrente do facto de não ter sido reconhecida a existência de uma presunção geral de confidencialidade relativamente aos REC

42.

Com o seu primeiro fundamento de recurso, a recorrente argumenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, na medida em que rejeitou a alegação de que os REC estavam protegidos por uma presunção geral de confidencialidade.

1.   Argumentos das partes

43.

A recorrente, apoiada pela Eucope, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não reconhecer que os documentos apresentados no âmbito de um procedimento de concessão de uma AIM e, em especial, REC, estavam protegidos por uma presunção geral de confidencialidade.

44.

Na sua opinião, o regime de exclusividade sobre os dados previsto para os titulares de AIM, por um lado, e as exigências estabelecidas nos Regulamentos n.os 726/2004, 507/2006 e 141/2000 que obrigam a EMA a colocar determinada informação à disposição do público por sua própria iniciativa, por outro lado, estabelecem um cuidadoso equilíbrio entre os direitos das empresas inovadoras, a necessidade de estimular a concorrência através de medicamentos genéricos e o direito do público a ser informado de forma adequada acerca de medicamentos presentes no mercado. Para salvaguardar este equilíbrio, aos documentos apresentados no âmbito de um pedido de AIM e, mais particularmente, aos REC deve ser concedida a proteção de uma presunção geral de confidencialidade.

45.

A recorrente, apoiada pela Eucope, alega ainda que a conclusão do Tribunal de Justiça de que todos os processos anteriores em que foi reconhecida uma presunção geral de confidencialidade se basearam no critério de existir um «procedimento administrativo ou jurisdicional em curso» é factualmente incorreta e que isso não constitui um critério necessário para uma presunção geral de confidencialidade. Segundo a recorrente, isso é especialmente relevante no que diz respeito à exceção relativa à informação comercial confidencial porque a informação deve ser protegida contra a divulgação mesmo para além do termo do procedimento em causa, facto este que, segundo a recorrente, erradamente, não foi tomado em consideração pelo Tribunal Geral. A recorrente alega também que a aplicação de uma presunção geral de confidencialidade não é opcional. Isso significa que a mesma se aplica como uma questão de direito e tem de ser tomada em conta pela EMA.

46.

A Eucope afirma, como únicos critérios relevantes para o reconhecimento de uma presunção geral de confidencialidade no presente processo (i) ser uma característica inerente e essencial do regime aplicável às AIM que os documentos apresentados como documentos do processo merecem ser protegidos por essa presunção ou (ii) ser inerente aos REC a probabilidade de conterem informação confidencial ( 25 ). Segundo a Eucope, o Tribunal Geral, ao identificar critérios complementares para o reconhecimento de uma presunção geral de confidencialidade, não teve em consideração que esses critérios são meramente exemplos em que pode ocorrer uma presunção, mas que nenhum deles é essencial ( 26 ).

47.

Tanto a recorrente como a Eucope alegam ainda que o Tribunal Geral fez uma análise defeituosa do Acordo ADPIC, dado que apenas considerou a primeira parte do artigo 39.o, n.o 3, desse acordo, relativa à utilização comercial desleal, em vez da sua segunda parte, a qual exige que os dados constantes dos processos relativos a AIM sejam protegidos contra a divulgação quando não exista interesse público superior ou a menos que sejam tomadas medidas que garantam a proteção contra a utilização desleal.

48.

A recorrente e a Eucope também censuram ao Tribunal Geral ter‑se apoiado nos documentos relativos à política da EMA e no Regulamento n.o 536/2014 como fontes de direito, tanto mais que este diploma ainda não está em vigor. Afirmam que o considerando 68 do regulamento constitui um argumento a favor da existência de uma presunção geral, uma vez que indica que havia a intenção de alterar a lei.

49.

A EMA argumenta que, para efeitos da aplicação de uma presunção geral de confidencialidade, são relevantes três critérios, nomeadamente (i) que os documentos pedidos façam parte de uma mesma categoria ou sejam da mesma natureza que documentos relativamente aos quais os tribunais tenham anteriormente admitido a existência de uma presunção geral de confidencialidade; (ii) que o acesso aos documentos pedidos seja suscetível de prejudicar o bom andamento do processo em causa; e (iii) que exista legislação que preveja especificamente as regras de acesso aos documentos pedidos ( 27 ).

50.

A EMA concluiu que nenhuma destas condições se encontra verificada no presente caso. Em primeiro lugar, os documentos não estão abrangidos pelas categorias relativamente às quais foi admitida, até ao presente, uma presunção geral, em segundo, o procedimento não está em curso e, em terceiro lugar, não está em vigor qualquer regime específico de divulgação, pelo contrário, o artigo 73.o do Regulamento n.o 726/2004 prevê, de forma específica, que a EMA é obrigada a aplicar o Regulamento n.o 1049/2001 a todos os documentos que se encontrem na sua posse. Indica, igualmente, que o Regulamento n.o 536/2014, embora atualmente não seja aplicável, reflete uma clara opção legislativa a favor da transparência. A EMA afirma também que os períodos de proteção dos dados são a via prevista para a proteção de dados contra a exploração desleal, conforme estabelecido no artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC, e que a ocultação de excertos dos REC por si realizada ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 constitui outro meio de proteção desses dados.

2.   Análise dos argumentos relativos a uma presunção geral de confidencialidade

(a)   Alegado apoio nos documentos de política interna da EMA e no Regulamento n.o 536/2014

51.

Na medida em que a recorrente e a Eucope alegam que o Tribunal Geral se apoiou nos documentos relativos à política da EMA, nomeadamente, nas suas «Regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 no acesso aos documentos da EMA» e no seu documento intitulado «[P]olítica da [EMA] no acesso aos documentos (relativamente a medicamentos para uso humano e veterinário)», considero que isso é incorreto, pelo menos na medida em que é sugerido que o Tribunal Geral baseou o acórdão recorrido nessas fontes.

52.

Cabe recordar que, segundo jurisprudência assente, as alegações dirigidas contra fundamentos de uma decisão do Tribunal Geral apresentados por acréscimo não podem conduzir à anulação dessa decisão e são, portanto, inoperantes ( 28 ). Da utilização da expressão «por outro lado» no início ao n.o 54 do acórdão recorrido é manifesto que o Tribunal Geral não baseou o seu raciocínio nas regras de política da EMA. Após efetuar, nos n.os 45 a 52, um exame completo da questão à luz dos Regulamentos n.os 1049/2001, 114/2000, 726/2004 e 507/2006, esse Tribunal, no n.o 53, retira a conclusão de que, «em face do exposto», não existe qualquer presunção geral de confidencialidade dos REC. É, assim, evidente que os n.os 54 e 55 apenas são referidos por acréscimo e que não são centrais para a fundamentação da decisão do Tribunal Geral.

53.

O mesmo se aplica quanto ao alegado apoio do Tribunal Geral no Regulamento n.o 536/2014 ( 29 ). Como já fiz notar, esse regulamento não é aplicável atualmente, devido ao facto de o Portal da UE e a base de dados da UE, previstos no regulamento, não estarem ainda em pleno funcionamento. No n.o 56 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral refere expressamente que esse regulamento não é aplicável no caso presente. No entanto, como argumento subsidiário contra a existência de uma presunção geral de confidencialidade, assinala o facto de esse regulamento, no seu considerando 68, estabelecer o princípio de que os dados incluídos em REC não deverão ser considerados informações comerciais confidenciais logo que a AIM tiver sido concedida ou retirada. O Tribunal Geral considera ser este um indício de não existir uma vontade do legislador de proteger os REC mediante uma presunção geral de confidencialidade.

54.

Se as observações feitas pelo Tribunal Geral no que diz respeito ao efeito das regras da EMA ou ao impacto potencial do Regulamento n.o 536/2014 fossem centrais para a sua decisão, então estou de acordo em que isso constituiria, em ambos os casos, um erro de direito. Numa União fundada no respeito do Estado de Direito e das instituições democráticas, é axiomático que a lei só pode ser alterada mediante o recurso aos processos legislativos estabelecidos nos Tratados. As orientações publicadas pela EMA podem, sem dúvida, ajudar a compreender o modo como o Regulamento n.o 1049/2001 é aplicado na prática por essa agência, mas não podem, efetivamente, alterar a lei. Também não pode o Regulamento n.o 1049/2001 ser interpretado com referência a essas orientações, uma vez que isso colidiria com a hierarquia de normas estabelecida no direito da UE. É igualmente evidente que o presente processo tem de ser decidido com referência à lei que estava, efetivamente, em vigor à data da decisão da EMA e não com referência a um regulamento que não era então — e continua a não ser agora — aplicável.

55.

Em meu entender, também não é convincente o argumento da recorrente de que se deve entender que o considerando 68 do Regulamento n.o 536/2014 equivale a uma mudança deliberada da situação legal preexistente. Esse argumento sugere que isso constitui um reconhecimento legislativo tácito de que na situação legal anterior teria existido uma presunção geral de confidencialidade relativamente a REC.

56.

Contudo, pela minha parte, não posso estar de acordo com essa afirmação. Em primeiro lugar, a mera referência a uma matéria, feita num considerando de um regulamento, não significa necessariamente que tenha ocorrido uma alteração à lei nessa matéria. Em segundo lugar, mesmo que fosse esse o caso, isso não significa necessariamente que a situação legal anterior era a de uma presunção geral de confidencialidade. Em terceiro lugar — e o mais importante —, tal como a EMA não pode invocar o disposto no Regulamento n.o 536/2014 em apoio das suas pretensões, uma vez que essa disposição ainda não é aplicável, o mesmo é igualmente verdade quanto à recorrente.

(b)   Presunção geral de confidencialidade

57.

Neste momento, pode ser útil recordar quando uma presunção geral se torna relevante com referência aos princípios gerais acima expostos nos n.os 37 a 40.

58.

Nos casos em que uma instituição da UE à qual tenha sido dirigido um pedido de acesso a informação nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 pretenda recusar o acesso, tem de fornecer explicações quanto ao modo como o acesso a esse documento poderia prejudicar, específica e efetivamente, o interesse protegido por essa exceção constante do artigo 4.o desse regulamento.

59.

É aí que a presunção geral de confidencialidade se torna relevante, uma vez que o Tribunal de Justiça declarou que, a esse respeito, a instituição da União em causa pode basear‑se em presunções gerais aplicáveis a certas categorias de documentos, uma vez que as considerações de ordem geral semelhantes são suscetíveis de aplicação a pedidos de divulgação de documentos da mesma natureza ( 30 ). Nesses casos, todavia, incumbe à instituição verificar se as considerações de ordem geral normalmente aplicáveis a um determinado tipo de documento são efetivamente aplicáveis a um dado documento cuja divulgação é pedida ( 31 ).

60.

Nesta conjuntura, pode assinalar‑se que, de facto, a EMA não contesta a existência de uma presunção geral de confidencialidade em relação a documentos que se encontrem na sua posse, enquanto o procedimento de AIM ainda estiver em curso e não tiver sido tomada qualquer decisão no processo (artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001). A este respeito, as partes debatem a questão de saber se um processo ainda está em curso ou não, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001, nos casos em que foi concedida uma AIM condicional — enquanto distinta de uma AIM final. Se, porém, como entendo ( 32 ), o procedimento já não está em curso, então a EMA alega que o contexto legislativo do procedimento de AIM, na sua totalidade, milita contra a existência dessa presunção geral.

61.

Dado que, no entanto, as partes no litígio não estão de acordo quanto aos critérios corretos para o reconhecimento de uma presunção geral de confidencialidade nos casos em que não está em curso um procedimento de AIM, proponho‑me examinar, em primeiro lugar, aquilo que o Tribunal Geral declarou quanto a este ponto e, em seguida, se essa análise está correta.

62.

O Tribunal de Justiça reconheceu, até à data, várias categorias de documentos que gozam de presunção geral de confidencialidade ( 33 ). Nem os REC, em concreto, nem todos os documentos apresentados no âmbito do procedimento de concessão de uma AIM, pertencem a uma dessas categorias reconhecidas, embora evidentemente se deva observar que essa questão não foi suscitada anteriormente neste Tribunal.

Exame pelo Tribunal Geral da presunção geral de confidencialidade nos casos em que não está em curso um procedimento de AIM

63.

O Tribunal Geral forneceu, no essencial, três razões pelas quais rejeitou a existência de uma presunção geral relativamente a um procedimento de AIM que não esteja em curso. Em primeiro lugar, declarou que a existência de uma presunção desse tipo era essencialmente ditada «pela imperativa necessidade de garantir o correto funcionamento dos processos em questão e de garantir que os seus objetivos não sejam comprometidos» ( 34 ). Em segundo lugar, observou que toda a jurisprudência que, até à data, tinha dado lugar a decisões que aplicavam presunções gerais de confidencialidade tinha tido origem em circunstâncias nas quais «a recusa de acesso em causa era relativa a um conjunto de documentos claramente circunscritos pela sua pertença comum ao processo de um procedimento administrativo ou jurisdicional em curso» ( 35 ). Em terceiro lugar, assinalou que a jurisprudência existente até à data tinha reconhecido que «a aplicação de regras específicas previstas num ato jurídico relativo a um procedimento tramitado numa instituição da União» é um dos critérios capazes de justificar o reconhecimento de uma presunção geral ( 36 ).

64.

Não fico convencido por este raciocínio, na medida em que a ideia de uma presunção geral em relação a REC foi, desse modo, rejeitada.

65.

Em primeiro lugar, mesmo sendo certo que todos os processos existentes estavam relacionados com um procedimento administrativo ou jurisdicional em curso, isso não é decisivo no que diz respeito ao reconhecimento de uma presunção geral no presente (e totalmente diferente) tipo de processo. As categorias de presunção geral que podem ser reconhecidas para este efeito nunca são fechadas.

66.

Em segundo lugar, mesmo que não tenham sido estabelecidas quaisquer regras específicas, esse não é um fator determinante no que diz respeito ao reconhecimento de uma presunção geral de confidencialidade ( 37 ).

67.

Em terceiro lugar, embora seja certo que as presunções gerais visam assegurar o bom funcionamento dos procedimentos existentes, isso não significa que não possa existir uma presunção no presente tipo de processo ( 38 ).

68.

Com efeito, os princípios subjacentes ao reconhecimento de uma presunção geral foram resumidos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão ClientEarth ( 39 ), do seguinte modo:

Teste ClientEarth

69.

As considerações que regulam o reconhecimento de uma nova categoria de documentos ( 40 ), conforme identificada pelo Tribunal de Justiça a partir da jurisprudência anterior foram expostas por este no Acórdão ClientEarth, proferido num processo decidido depois do acórdão proferido pelo Tribunal Geral no presente processo, mas antes da audiência realizada no âmbito do presente recurso ( 41 ).

70.

No n.o 80 do Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660), o Tribunal de Justiça declarou:

«[…] o reconhecimento de uma presunção geral a favor de uma nova categoria de documentos pressupõe […] que seja previamente demonstrado que a divulgação do tipo de documentos abrangido por essa categoria poderia efetivamente prejudicar, de forma razoavelmente previsível, o interesse protegido pela exceção em causa. Além disso, uma vez que constituem uma exceção à obrigação de exame concreto e individual, por parte da instituição da União em causa, de cada documento visado pelo pedido de acesso e, de um modo mais lato, ao princípio do acesso o mais amplo possível do público aos documentos na posse das instituições da União, as presunções gerais devem ser objeto de uma interpretação e de uma aplicação estritas» ( 42 ).

71.

Como deveriam, então, ser aplicados estes princípios no presente processo?

Aplicação do teste ClientEarth no contexto de um procedimento de AIM que não está em curso

Objetivos da regulamentação no domínio dos medicamentos

72.

A regulamentação em matéria de medicamentos visa conciliar diversos objetivos. O primeiro deles é, muito obviamente, a salvaguarda da saúde pública, mas também é crucial a criação de incentivos que permitam às empresas farmacêuticas desenvolverem investigação absolutamente necessária de novos medicamentos. Outros interesses públicos também entram em jogo de forma muito óbvia. Evidentemente, os sistemas públicos de saúde deviam ser abastecidos com medicamentos que não tivessem um preço excessivamente elevado e a repetição desnecessária de ensaios no homem ou em animais também devia ser evitada ( 43 ). A regulamentação em matéria de ensaios clínicos garante que são respeitados os padrões éticos e que a pessoa e a integridade física dos participantes em ensaios clínicos são protegidas adequadamente.

73.

Para desenvolver esses objetivos gerais, o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 instituiu a denominada «via de aprovação de genéricos», sendo que essa disposição também é aplicável no âmbito do procedimento centralizado, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 726/2004. A mesma permite que os requerentes de AIM de medicamentos genéricos apresentem o respetivo pedido com um conjunto de documentos mais reduzido, sendo, deste modo, dispensados da obrigação de fornecer os resultados dos ensaios toxicológicos, farmacológicos e clínicos ( 44 ). Nessas circunstâncias, a avaliação da EMA basear‑se‑á nos resultados correspondentes que tenham sido fornecidos no âmbito do pedido anterior pelo requerente da primeira AIM («o primeiro operador»). A exclusividade sobre os dados é uma ferramenta legislativa que limita a via de aprovação de genéricos, na medida em que só permite que a avaliação se baseie nos resultados apresentados pelo primeiro operador depois de decorrido um determinado período fixado na lei ( 45 ).

74.

A previsão de exclusividade comercial vai mais além do que a de exclusividade sobre os dados e concede uma proteção de primeiro operador contra a concorrência durante esse período de exclusividade ( 46 ). A exclusividade comercial significa também que, durante esse período, não será concedida uma AIM a nenhum medicamento que seja essencialmente similar a um medicamento que tenha sido autorizado. Esta disposição visa proporcionar aos primeiros operadores a possibilidade de obterem um lucro maior como compensação pelo custo do desenvolvimento e da realização de ensaios de um novo medicamento ( 47 ).

Aplicação do teste ClientEarth à luz dos objetivos da regulamentação no domínio dos medicamentos

75.

Essas disposições legislativas que instituem a exclusividade sobre os dados e a exclusividade comercial visam, consequentemente, conceder ao primeiro operador — como a recorrente — um elevado nível de proteção. Além disso, em meu entender, aplicando o critério ClientEarth, considero que a divulgação de um REC «poderia efetivamente prejudicar, de forma razoavelmente previsível, o interesse protegido pela exceção constante do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001». O interesse em causa é, em última análise, o interesse comercial de um requerente de uma AIM. Na natureza das coisas, é provável que a preparação de um REC seja imensamente dispendiosa e implique uma série de ensaios clínicos complexos. Os REC são suscetíveis de divulgar metodologias e métodos de trabalho, tentativa e erro, análises estatísticas juntamente com uma síntese e análise pormenorizadas dos resultados dos ensaios clínicos e, sem dúvida, mais além disso.

76.

Nestas circunstâncias, é difícil vislumbrar de que modo a divulgação de um REC não seria consideravelmente vantajoso para qualquer concorrente potencial, apesar das disposições relativas à exclusividade sobre os dados e à exclusividade comercial. Se esse REC fosse divulgado, afigurar‑se‑ia perfeitamente possível, em última análise, que quaisquer concorrentes conformassem os seus próprios REC com o REC anterior (agora divulgado) na sequência da concessão de uma AIM, mesmo que condicional, ao primeiro operador. É provável que esse conhecimento dos métodos de trabalho, das metodologias, etc., do primeiro operador seja de um valor considerável para esse concorrente — talvez mesmo ao ponto de fornecer uma «guia de marcha» para futuros pedidos de AIM —, principalmente, num ambiente comercial que é extraordinariamente competitivo.

77.

A abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à propriedade intelectual é, ela mesma, uma prova evidente do facto de as grandes empresas farmacêuticas não hesitarem em aproveitar qualquer vantagem estratégica que lhes possa, legitima e legalmente, ser útil para ultrapassarem as suas concorrentes na sua busca por uma maior quota de mercado e maiores lucros. Isso inclui, obviamente, o aproveitamento das disposições em matéria de acesso aos documentos do Regulamento n.o 1049/2001 — se fosse legalmente possível fazê‑lo — com vista a averiguarem que conhecimentos poderiam extrair do exame de um REC de uma concorrente. Embora os altruístas e os idealistas possam ser desanimados por tal reviravolta nos acontecimentos, nunca ninguém sugeriu que as empresas farmacêuticas são guiadas exclusivamente pelos mandamentos do Sermão da Montanha.

78.

Consequentemente, embora esteja tão a favor do acesso aos documentos e da transparência dos documentos públicos como qualquer outra pessoa, sou forçado a admitir que, aplicando o critério ClientEarth, a divulgação de um REC pode efetivamente prejudicar, de forma previsível, os interesses comerciais do requerente de uma AIM protegidos pela exceção constante do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

79.

Nestas circunstâncias, considero que — à luz do teste estabelecido pelo Tribunal de Justiça no n.o 80 do Acórdão ClientEarth — devia ser reconhecida pelo Tribunal de Justiça uma presunção geral a favor da não divulgação dessa documentação.

80.

Considero que o teste ClientEarth é suficiente para efeitos da identificação de uma presunção geral de confidencialidade ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001. Não obstante, para o caso de o Tribunal de Justiça não estar de acordo com esta análise, proponho‑me considerar os argumentos apresentados pelas partes e tratados com algum pormenor pelo Tribunal Geral, segundo os quais têm de ser tidas em conta as regras específicas que regem o acesso aos documentos, a fim de avaliar se, com base nas mesmas, é aplicável uma presunção geral de confidencialidade ( 48 ).

Ponderação entre o Regulamento n.o 1049/2001 e a legislação específica que rege o acesso aos documentos

81.

O Tribunal de Justiça reconheceu uma presunção geral de confidencialidade em vários processos, nos quais os princípios estabelecidos no Regulamento n.o 1049/2001 e as regras específicas do processo em causa tiveram de ser conciliados e, portanto, interpretados de modo compatível. O Tribunal de Justiça reconheceu, portanto, uma presunção geral de confidencialidade com base numa interpretação do Regulamento n.o 1049/2001 à luz dos Regulamentos (CE) n.os 1/2003 ( 49 ) e 773/2004 ( 50 ), em processos relativos a auxílios de Estado ( 51 ) e em relação a informações recolhidas no âmbito de processos de controlo de operações de concentração ( 52 ).

82.

No entanto, deve assinalar‑se que, embora as partes no litígio estejam de acordo em que a existência de regras legislativas específicas relativas ao acesso aos documentos do processo é um critério relevante no que diz respeito ao reconhecimento de uma presunção geral, a mesma não é, de modo algum, um pré‑requisito essencial desse reconhecimento.

83.

Também houve processos nos quais o Tribunal de Justiça reconheceu uma presunção geral de confidencialidade em casos em que não existiam quaisquer regras especiais em vigor que regulassem o acesso a documentos ( 53 ).

Regulamentos n.os 141/2001 e 726/2004

84.

O Tribunal Geral, no n.o 42 do acórdão recorrido, declarou que as exceções que constam do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 não podem ser interpretadas sem ter em conta as regras específicas do acesso a esses documentos, previstas nos regulamentos em causa. No n.o 46 do acórdão recorrido, concluiu, que os Regulamentos n.os 141/2000 e 726/2004 não regiam de forma restritiva o uso dos documentos do processo relativo a um procedimento de AIM de um medicamento. Declarou ainda que esses regulamentos não limitam o acesso ao processo às «partes em causa» ou aos «denunciantes» — como foi o caso noutros processos, como antes se referiu —, nem, para este efeito, a quem quer que seja ( 54 ).

85.

Estou de acordo com o Tribunal Geral em que — como assinalou no n.o 47 do acórdão recorrido — o Regulamento n.o 141/2000 não contém qualquer disposição específica que restrinja o acesso aos documentos. Além disso, por outro lado, o primeiro parágrafo do artigo 73.o do Regulamento n.o 726/2004, prevê expressamente que o Regulamento n.o 1049/2001 é aplicável aos documentos detidos pela EMA ( 55 ). Contudo, não são convincentes os argumentos da recorrente, segundo os quais o efeito desta disposição é apenas o de tornar o Regulamento n.o 1049/2001 aplicável em geral — em última análise, a EMA não é, de facto, um dos detentores de documentos nomeados no artigo 1.o do Regulamento n.o 1049/2001 —, permitir a divulgação de informação comercial confidencial caso exista interesse público superior nisso e fornecer à EMA uma base para responder a pedidos de acesso nos casos em que um documento não foi divulgado ao abrigo do artigo 80.o do Regulamento n.o 726/2004 ( 56 ).

86.

O raciocínio da recorrente não é apoiado pela letra do próprio artigo 73.o do Regulamento n.o 726/2004. A redação do primeiro parágrafo do artigo 73.o do Regulamento 726/2004 é ampla e vaga. Faz referência ao Regulamento n.o 1049/2001 — cujo artigo 2.o, n.o 3, esclarece que o regulamento diz respeito não só aos documentos elaborados pela instituição. O artigo 73.o do Regulamento 726/2004 reforça esta ideia, ao prever que o Regulamento n.o 1049/2001 é aplicável a todos os documentos detidos pela EMA ( 57 ).

Artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC

87.

Em seguida, é necessário analisar o argumento de que o artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC exige o reconhecimento de uma presunção geral de confidencialidade. No n.o 62 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral expõe a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça relativa aos Acordos da OMC e aos seus anexos. O Tribunal Geral declarou, assim, que, embora o Acordo ADPIC faça parte integrante da ordem jurídica da União, não pode ser invocado diretamente. Em domínios abrangidos pelo Acordo ADPIC, a regulamentação da União tem de ser, todavia, interpretada, na medida do possível, de modo compatível com o Acordo ADPIC ( 58 ).

88.

O artigo 39.o, n.o 2, do Acordo ADPIC prevê que as informações que tenham valor comercial pelo facto de serem secretas devem ser protegidas contra a divulgação e a utilização por terceiros de uma forma contrária às práticas comerciais leais. O artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC tem por objeto, no essencial, as circunstâncias do presente processo: trata da informação cuja divulgação é exigida como condição da concessão de uma AIM. Essa disposição estabelece, quanto a dados não divulgados referentes a ensaios ou outros, cuja obtenção envolva um esforço considerável, que «os membros protegerão esses dados contra qualquer utilização comercial desleal». Prevê também que esses dados deverão ser protegidos contra a divulgação, exceto quando necessário para proteção do público, ou a menos que sejam tomadas medidas para garantir a proteção dos dados contra qualquer utilização comercial desleal.

89.

O Tribunal Geral, no n.o 64 do acórdão recorrido, concluiu que o critério defendido pela recorrente significava que o presente processo, em vez de interpretar o disposto nos Regulamentos n.os 1049/2001, 726/2004, 141/2000 e 507/2006 à luz do Acordo ADPIC, equivalia, em substância, a pôr diretamente em causa a legalidade dessas disposições mediante a invocação das disposições do artigo 39.o, n.os 2 e 3, do Acordo ADPIC para esse efeito. O Tribunal Geral considerou ainda que o período de proteção dos dados estabelecido no artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004 ( 59 ), bem como a aplicação das exceções previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 — mesmo sem a aplicação de uma presunção geral de confidencialidade — constituem mecanismos de proteção suficientes contra a utilização desleal, como exigido em conformidade com o artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC.

90.

Não posso estar de acordo com essa análise da legislação relevante. Como venho de observar, o artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC prevê que os dados têm de ser protegidos contra a divulgação, a menos que sejam tomadas medidas para garantir que esses dados são, por sua vez, protegidos contra qualquer utilização comercial desleal. No meu entender, o caso em apreço enquadra‑se perfeitamente no âmbito desta disposição, preenchendo todos os requisitos específicos previstos na mesma, pelas seguintes razões:

91.

Em primeiro lugar, os requerentes de AIM têm de apresentar os seus REC a um organismo de regulação, nomeadamente, à EMA. Em segundo lugar, o processo de aprovação diz respeito a produtos farmacêuticos. Em terceiro lugar, por definição, o produto farmacêutico contém uma nova entidade química, porque, se fosse de outro modo, seria possível a via de aprovação de genéricos, supondo que tivessem decorrido os prazos relevantes. Em quarto lugar, a realização de estudos clínicos envolve um esforço considerável, mesmo que, como o Tribunal Geral assinalou, se «limit[em] a responder a um esquema regulamentar imposto pela EMA». Em quinto lugar, excetuando a porção (relativamente reduzida) divulgada pelos EPAR ( 60 ), os dados permanecem, até agora, não divulgados junto do público em geral.

92.

A EMA nunca considerou o argumento segundo o qual a divulgação é necessária para proteção do público, em virtude da existência de interesses públicos superiores nesse sentido (ou seja, a exceção à exceção constante do artigo 4.o, n.o 2), uma vez que tinha decidido que os REC não constituem informação confidencial. Daí decorre que, por conseguinte, em sede do artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC, a questão é a de saber se foram tomadas medidas suficientes para proteger esses dados contra a divulgação (exceto quando necessário para proteção do público) e para garantir a proteção dos dados em causa contra qualquer utilização comercial desleal.

93.

A esse respeito, o Tribunal Geral, no n.o 91 do acórdão recorrido, declarou que «o risco de utilização abusiva do relatório controvertido por um concorrente não constitui só por si um fundamento para considerar que uma informação é confidencial no plano comercial nos termos do Regulamento n.o 1049/2001» ( 61 ).

94.

Embora essa afirmação esteja correta no que diz respeito à apreciação da exceção da «confidencialidade comercial» prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, há que lembrar, porém, que os critérios do artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC consistem em saber se os dados são «dados não divulgados referentes a ensaios ou outros, cuja obtenção envolva um esforço considerável» e se a proteção contra qualquer utilização comercial desleal é garantida. Abordarei o critério da confidencialidade quando proceder à discussão da aplicação do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 fora do âmbito de uma presunção geral. Por ora, basta dizer que, no presente ponto, o critério aplicável é o de saber se os dados são dados não divulgados.

95.

A proteção dos dados e a proteção da comercialização exclusiva conferidas pelo artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 141/2000 e pelo artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004, infelizmente não garantem essa proteção porque estas disposições são aplicáveis no território da União Europeia/Espaço Económico Europeu (EEE). É verdade que os outros membros do Acordo ADPIC têm a mesma obrigação de proteger esses dados, mas, para esse sistema ser abrangente, essas regras teriam, não só de proteger dados que são apresentados no âmbito dos seus próprios procedimentos de autorização, mas deveriam também aplicar‑se a dados apresentados para esse efeito noutro país ou a outra autoridade. É interessante observar que a redação do artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004 (respeitante a «medicamentos para uso humano autorizados em conformidade com as disposições do presente regulamento» ( 62 )) mostra que as disposições do direito da UE também não preveem essa proteção. Pode‑se acrescentar, igualmente, que a previsão da exclusividade comercial constante do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 141/2000 também opera com base no pressuposto de que a AIM foi concedida na União Europeia.

96.

Se, porém, os dados e a respetiva análise constantes de um REC entrarem no domínio público na sequência de um pedido de acesso a documentos, existe, pelo menos potencialmente, a possibilidade de esse mesmo facto destruir efetivamente a proteção em países terceiros onde se entenda que a informação que já se encontra no domínio público não pode ser considerada informação confidencial merecedora de proteção. Isso, por sua vez, conduz ao risco futuro de que um concorrente de fora da União Europeia possa apoiar‑se no REC para obter uma AIM do seu próprio produto, mesmo antes do termo do período de exclusividade sobre os dados.

97.

Receio, pois, que o Tribunal Geral tenha cometido um erro de direito ao não fazer uma interpretação do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 compatível com as exigências do artigo 39.o, n.o 3, do Acordo ADPIC, em circunstâncias nas quais era seguramente possível fazê‑lo e em que essa interpretação não teria sido contra legem.

3.   Conclusões quanto ao primeiro fundamento de recurso

98.

Daí decorre que, só com base nessas duas razões, considero que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que não existia qualquer presunção geral a favor da não divulgação de REC. Isto não significa, porém, que a decisão da EMA deva necessariamente ser anulada, uma vez que, como o Tribunal Geral observou no n.o 70 do acórdão recorrido, resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão ( 63 ), que a instituição em causa não tem de basear a sua decisão numa presunção geral, mesmo em caso de esta existir. Pode sempre proceder a um exame concreto dos documentos pedidos e chegar a uma conclusão com base nesse exame concreto.

99.

Por conseguinte, embora entenda ser procedente o argumento da recorrente de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não reconhecer a existência de uma presunção geral de confidencialidade, considero que isso não constitui fundamento bastante que permita que o acórdão recorrido seja anulado.

100.

É, por isso, necessário, em todo o caso, analisar os argumentos que, em concreto (não baseados numa presunção geral de confidencialidade), a recorrente apresentou contra a divulgação do REC do presente caso, ou seja, do relatório controvertido. Na verdade, esses argumentos sobrepõem‑se, pelo menos em certa medida, aos seus argumentos relativos à existência de uma presunção geral, uma vez que são todos dirigidos aos danos concretos para os seus interesses comerciais que a recorrente alega vir a sofrer se a divulgação do relatório controvertido for permitida. São estas questões que passarei agora a abordar.

C. Segundo fundamento de recurso: violação do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001

101.

A questão subjacente a este fundamento de recurso é a de saber se a divulgação do relatório controvertido «p[oderia] prejudicar a proteção» dos interesses comerciais da recorrente, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001. Isso suscita a questão de saber quais são, realmente, esses interesses comerciais e se os mesmos seriam prejudicados pela divulgação do relatório controvertido.

1.   Argumentos das partes

102.

A recorrente alega que o acórdão recorrido contém vários erros de direito fundamentais. Em primeiro lugar, aplica o artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 de forma incorreta ao ponderar os interesses privados da recorrente e o interesse público geral em que o relatório controvertido se torne acessível. Comete outro erro na aplicação dessa disposição quando afirma que a proteção dos interesses da recorrente tem de ser gravemente prejudicada, para que a recorrente possa invocar a exceção do interesse comercial ( 64 ). A recorrente alega que o Tribunal Geral comete outro erro de direito quando conclui que a recorrente tem de demonstrar mais do que ser razoavelmente previsível que a proteção dos seus interesses comerciais fosse prejudicada, para poder invocar o artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. A esse respeito, o Tribunal Geral não teve em consideração a possível utilização indiscriminada do REC fora da União Europeia. A recorrente afirma que estes erros de direito impediram o Tribunal Geral de apreciar adequadamente as suas provas, às quais o Tribunal Geral não fez sequer referência.

103.

A EMA alega que o relatório controvertido não pode ser protegido na íntegra pelo artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, porque o EPAR, que, segundo o artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 726/2004, tem de ser imediatamente publicado pela EMA, já divulga resultados e informação pormenorizada constante do mesmo. Segundo a EMA, a recorrente não revelou qualquer inovação em modelos, análises ou metodologias, pelo contrário, o relatório controvertido segue os princípios conhecidos mais recentes. A EMA prossegue invocando o artigo 4.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1049/2001, o qual significa que só pode recusar o acesso a um documento na íntegra quando uma ou mais das exceções constantes do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do regulamento for aplicável a todo o conteúdo do documento ao qual é pedido acesso ( 65 ). Também assinala que a Translarna beneficia do regime da exclusividade comercial e que a alegação da recorrente de que isso não a protege suficientemente é vaga e hipotética ( 66 ).

2.   Análise dos argumentos relativos à questão de saber se o acesso ao relatório controvertido viola o artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001

(a)   A divulgação tem de prejudicar «gravemente» a proteção dos interesses comerciais da recorrente, para o efeito de fazer atuar a exceção constante do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão?

104.

Antes de abordar qualquer destes argumentos em concreto, entendo que devo observar, em primeiro lugar, com o devido respeito, que o exame que o Tribunal Geral fez destas questões de direito e de facto imbricadas está viciado pelo seguinte erro de direito: o mesmo concluiu que qualquer divulgação tem de prejudicar «gravemente» a proteção dos interesses comerciais da recorrente, para o efeito de fazer atuar a exceção constante do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão. Como agora me proponho demonstrar, este é um parâmetro demasiado elevado e que não é exigido pela letra do Regulamento n.o 1049/2001. De facto, o advérbio «gravemente» não consta do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 e, por conseguinte, essa disposição não deverá ser entendida como se dela constasse.

105.

A autoridade invocada pelo Tribunal Geral para esse efeito foi o seu próprio Acórdão MasterCard e o./Comissão (T‑516/11) ( 67 ). Tratava‑se de um processo em que a recorrente — a conhecida empresa de cartões de crédito — pedia o acesso a determinados documentos elaborados por outra empresa, a EIM, que tinha realizado, para a Comissão, alguns estudos sobre métodos de pagamento alternativos. A Comissão tinha recusado o acesso aos documentos pedidos, invocando os interesses comerciais da EIM para os efeitos do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, como fundamento dessa recusa. Contudo, essa decisão foi anulada pelo Tribunal Geral, que declarou:

«81.   Há que salientar que, embora a jurisprudência não tenha definido o conceito de “interesses comerciais”, também é certo que o Tribunal Geral esclareceu que não se pode considerar que toda e qualquer informação relativa a uma sociedade e às suas relações de negócios está coberta pela proteção que deve ser garantida aos interesses comerciais em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, sem se pôr em causa a aplicação do princípio geral que consiste em conferir ao público o acesso mais amplo possível aos documentos na posse das instituições (v. Acórdão CDC Hydrogene Peroxide/Comissão, T‑437/08[, EU:T:2011:752], n.o 44 e jurisprudência aí referida).

82.   Consequentemente, para que possa aplicar a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, a instituição tem de demonstrar que os documentos pedidos contêm elementos que, como resultado da divulgação, podem prejudicar gravemente [ ( 68 )] os interesses comerciais de uma pessoa coletiva.

83.   É esse o caso, em especial, quando os documentos pedidos contêm informações comerciais sensíveis, relativas às estratégias comerciais das empresas implicadas, aos valores das suas vendas, às suas quotas de mercado ou às suas relações comerciais (v., por analogia, Acórdão Comissão/Agrofert Holding, C‑477/10 P[, EU:C:2012:394], n.o 56).

84.   Do mesmo modo, os métodos de trabalho e as relações de negócios de uma empresa podem ser revelados como resultado da divulgação dos documentos pedidos, prejudicando, desse modo, os seus interesses comerciais, em especial quando os documentos contêm informação própria dessa empresa que revele as suas competências.»

106.

Por último, no Acórdão MasterCard (T‑516/11), o Tribunal Geral concluiu que, dada a natureza dos documentos em causa, a Comissão tinha cometido um erro ao concluir que qualquer divulgação dessa documentação em concreto era proibida pelo artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

107.

Todavia, em meu entender, a decisão do Tribunal Geral no processo MasterCard (T‑516/11) vem, na realidade, confirmar a tese de que a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão apenas serve para impedir qualquer projeto de divulgação de documentos nos casos em que é claro que essa divulgação apresenta um manifesto risco de prejudicar os interesses comerciais da empresa em causa que vai além do que se poderia razoavelmente considerar admissível ou de minimis. Como a própria decisão proferida no processo MasterCard (T‑516/11) ilustra, esse risco verifica‑se, em geral, nos casos em que a divulgação iria revelar informações comerciais sensíveis ou os métodos de trabalho ou o modus operandi da empresa em causa. E, no que dizia respeito à matéria de facto desse recurso em concreto, no Acórdão MasterCard (T‑516/11), o Tribunal Geral concluiu que, com base nos factos do processo, esse risco não tinha sido demonstrado.

108.

No entanto, no presente processo, tenho dificuldade em ver de que forma a divulgação do relatório controvertido não iria revelar pormenores sobre os métodos de trabalho da recorrente, juntamente com informações comerciais sensíveis.

109.

Além disso, torno a sublinhar que o texto do artigo 4.o, n.o 2, não inclui o termo «gravemente». Como acabo de assinalar, este parâmetro não está a um nível tão elevado: pelo contrário, basta demonstrar que a proteção dos interesses comerciais da empresa em causa seria comprometida. Para esse efeito, é suficiente que a pessoa coletiva em causa possa demonstrar a probabilidade de danos efetivos: um dano, atual ou potencial, que seja de minimis ou puramente especulativo ou imaginado não bastará para este efeito. Contudo, no caso, entendo que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que era necessário ir mais além e demonstrar que a divulgação iria «prejudicar gravemente» os interesses comerciais da recorrente. Consequentemente, esse erro de direito afetou a sua perspetiva sobre o conjunto de provas apresentadas pela recorrente relativamente ao modo como os seus interesses comerciais poderiam ser prejudicados para os efeitos de qualquer análise do artigo 4.o, n.o 2.

110.

Por conseguinte, se o Tribunal Geral tivesse sido aplicado este parâmetro menos elevado, não estou seguro de tivesse chegado às mesmas conclusões a que chegou a respeito dos fundamentos concretos de impugnação invocados pela recorrente, pelas razões que em seguida exporei.

(b)   O interesse específico protegido pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, tem de ser ponderado com o interesse público geral na divulgação de documentos?

111.

Adoto uma posição semelhante relativamente ao próximo ponto, no qual considero, com o devido respeito, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na sua análise de um aspeto do artigo 4.o, n.o 2.

112.

O Tribunal Geral declarou o seguinte (no n.o 83 do acórdão recorrido):

«[…] quando uma instituição aplica uma das exceções previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, compete‑lhe ponderar o interesse específico que deve ser protegido pela não divulgação do documento em causa [e], nomeadamente, o interesse geral em que esse documento se torne acessível, tendo em conta as vantagens que decorrem, como assinala o considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001, de uma transparência mais ampla, concretamente uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático (Acórdãos de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 45; de 17 de outubro de 2013, Conselho/Access Info Europe,C‑280/11 P, EU:C:2013:671, n.o 32; e de 3 de julho de 2014, Conselho/in’t Veld, C‑350/12 P, EU:C:2014:2039, n.o 53)» ( 69 ).

113.

Veremos que, a esse respeito, o Tribunal Geral seguia (adequadamente) três decisões anteriores do Tribunal de Justiça, nomeadamente, os Acórdãos Suécia e Turco (C‑39/05 P e C‑52/05 P) ( 70 ), Access Info Europe (C‑280/11 P) ( 71 ) e in’t Veld (C‑350/12 P) ( 72 ). Entendo que será necessário examinar, em seguida, o que foi realmente declarado quanto a este ponto nessas decisões.

114.

Contudo, não posso deixar de pensar que esse parâmetro — pelo menos, conforme formulado pelo Tribunal Geral — está juridicamente incorreto e que seja, talvez mesmo, suscetível de induzir em erro. Na minha opinião, decorre, de forma perfeitamente clara, da redação do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 que a instituição em causa tem de avaliar, primeiro, se é, realmente, aplicável algumas das exceções especificadas no artigo 4.o, n.o 2 ( 73 ).

115.

Ao mesmo tempo, se alguma das exceções for aplicável, tem de lhe ser dado efeito, ressalvando apenas o parâmetro completamente autónomo especificado no próprio artigo 4.o, n.o 2 («[…] exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação»). Neste contexto, o termo «superior» assume importância, porque, da redação do próprio artigo 4.o, n.o 2, resulta claramente que esta é uma exceção à exceção relativamente à lista de exceções constante do artigo 4.o, n.o 2. Não só esta exceção à exceção tem de ser, ela mesma, interpretada de forma estrita, como a utilização do termo «superior» indica claramente que o interesse público aqui em causa tem de ser, ele próprio, tão excecional e premente que possa justificar a sua prevalência sobre qualquer exceção, do artigo 4.o, n.o 2, que, de outro modo, seria aplicável, como as relativas a consultas jurídicas ou à confidencialidade comercial.

116.

Não obstante, o parâmetro, conforme formulado pelo Tribunal Geral, sugere a existência de uma competência geral da instituição em causa para ponderar o interesse específico que deve ser protegido pela não divulgação do documento em virtude da exceção do artigo 4.o, n.o 2, em causa «nomeadamente, o interesse geral em que esse documento se torne acessível, tendo em conta as vantagens que decorrem, como assinala o considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001, de uma transparência mais ampla».

117.

Pela minha parte, entendo que esta abordagem está juridicamente errada e parece ter, pelo menos, influenciado o exame que o Tribunal Geral efetuou quanto à questão de saber se a recorrente estava, realmente, abrangida pela exceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

118.

Adoto esta perspetiva porque considero que a tarefa da instituição em causa é, em primeiro lugar, examinar a questão de saber se a exceção do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento é aplicável. Embora a instituição em causa tenha, evidentemente, de ter presente que o artigo 4.o, n.o 2, deverá ser interpretado de forma estrita, nessa fase, no entanto, não deverá colocar‑se qualquer questão de ponderar ( 74 ), por exemplo, as alegações apresentadas pela recorrente a respeito da confidencialidade comercial e o interesse público geral.

119.

Contudo, caso seja possível à recorrente invocar utilmente a exceção da confidencialidade comercial prevista no artigo 4.o, n.o 2, então, nesse momento — e nesse momento — a instituição pode prosseguir para o exame da questão de saber se existe um interesse público «superior» ao ponto de justificar a sua prevalência sobre a exceção do artigo 4.o, n.o 2. Mas, mesmo nestes casos, não bastaria indicar o interesse público geral na divulgação de documentos, referido, por exemplo, no considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001. Pelo contrário, seria necessário identificar um interesse público superior ao ponto de, excecionalmente, poder justificar a sua prevalência sobre a exceção do artigo 4.o, n.o 2, que, de outro modo, seria aplicável ( 75 ).

120.

Em seguida, é necessário examinar, com algum pormenor, o que foi declarado, exatamente, pelo Tribunal de Justiça quanto a este ponto, nessa trilogia de decisões anteriores. Podemos começar pela decisão proferida no processo Suécia e Turco (C‑39/05 P e C‑52/05 P) ( 76 ), na qual o Tribunal de Justiça declarou (nos n.os 35 a 45 do acórdão):

«35. Quando a divulgação de um documento é pedida ao Conselho, este deve apreciar, em cada caso concreto, se esse documento é abrangido pelas exceções ao direito de acesso do público aos documentos das instituições enumeradas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001.

36. Tendo em conta os objetivos prosseguidos por esse regulamento, essas exceções devem ser interpretadas e aplicadas estritamente (v. acórdão de 18 de dezembro de 2007, Suécia/Comissão e o., C‑64/05 P[, EU:C:2007:802], n.o 66).

37. No que respeita à exceção relativa aos pareceres jurídicos prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, o exame a efetuar pelo Conselho quando lhe é pedida a divulgação de um documento deve desenrolar‑se necessariamente em três tempos, que correspondem aos três critérios previstos nessa disposição.

38. Num primeiro momento, o Conselho deve assegurar que o documento cuja divulgação é pedida diz realmente respeito a um parecer jurídico e, se for este o caso, determinar quais as partes deste último efetivamente em causa e, portanto, suscetíveis de serem abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida exceção.

39. Com efeito, não é por um documento ter sido intitulado “parecer jurídico” que deve automaticamente beneficiar da proteção dos pareceres jurídicos garantida pelo artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Para além da sua denominação, incumbe à instituição certificar‑se de que esse documento diz efetivamente respeito a tal parecer.

40. Num segundo momento, o Conselho deve examinar se a divulgação das partes do documento em questão identificadas como sendo relativas a pareceres jurídicos “p[ode] prejudicar a proteção” destes últimos.

41. A este respeito, importa assinalar que nem o Regulamento n.o 1049/2001 nem os trabalhos preparatórios do mesmo fornecem esclarecimentos quanto ao alcance do conceito de “proteção” dos pareceres jurídicos. Por conseguinte, cumpre interpretá‑lo em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento.

42. Há, pois, que interpretar a exceção relativa aos pareceres jurídicos prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 no sentido de que visa proteger o interesse de uma instituição em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos.

43. O risco de que esse interesse seja prejudicado deve, para poder ser invocado, ser razoavelmente previsível, e não puramente hipotético.

44. Por último, num terceiro momento, se o Conselho considerar que a divulgação de um documento prejudica a proteção de pareceres jurídicos tal como acaba de ser definida, incumbe‑lhe verificar se não existe um interesse público superior que justifique essa divulgação, pese embora o prejuízo que daí poderia resultar para a sua aptidão em pedir pareceres jurídicos e em receber pareceres francos, objetivos e completos.

45. Neste contexto, incumbe ao Conselho ponderar o interesse específico que deve ser protegido pela não divulgação do documento em causa [e], designadamente[,] o interesse geral em que esse documento se torne acessível, tendo em conta as vantagens que decorrem, como assinala o segundo considerando do Regulamento n.o 1049/2001, de uma transparência mais ampla, a saber, uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático.»

121.

Destes números — e, em particular, do n.o 44 —, pode observar‑se que o Tribunal de Justiça teve o cuidado de assegurar que a exceção à exceção relativa ao interesse público superior era examinada autonomamente e só depois de já ter sido identificada a existência de alguma exceção aplicável do artigo 4.o, n.o 2.

122.

Embora esteja totalmente de acordo com os n.os 35 a 44 da análise feita pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Suécia e Turco ( 77 ) (C‑39/05 P e C‑52/05 P), sinto‑me, porém obrigado a observar que o n.o 45, o último desse extrato, pode criar uma impressão errada, na medida em que — pelo menos, numa determinada leitura desse número — sugere que uma exceção constante do artigo 4.o, n.o 2, que, de outro modo, seria aplicável, pode ser afastada por aquilo que eu poderia qualificar como considerações de interesse público «comum» ( 78 ).

123.

Repito, por isso, que decorre claramente da redação da exceção à exceção, prevista no artigo 4.o, n.o 2, que o interesse público em causa tem de ser tão excecional e premente que justifique a sua prevalência relativamente a uma exceção do artigo 4.o, n.o 2, que, de outro modo, seria aplicável, como as relativas a consultas jurídicas ou à confidencialidade comercial.

124.

Se, em seguida, considerarmos a decisão proferida no processo Access Info Europe (C‑280/11) ( 79 ), verificamos que o Tribunal de Justiça declarou (no n.o 32 do acórdão):

«Acresce que, quando uma instituição aplica uma das exceções previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, incumbe‑lhe ponderar o interesse específico que deve ser protegido pela não divulgação do documento em causa e, nomeadamente, o interesse geral em que esse documento se torne acessível tendo em conta as vantagens que decorrem, como assinala o considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001, de uma transparência mais ampla, a saber, uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático (acórdão Suécia e Turco/Conselho, já referido, n.o 45).»

125.

Esta passagem foi repetida, quase literalmente, pelo Tribunal de Justiça no Acórdão in’t Veld (C‑350/12 P) ( 80 ) (no n.o 53 do acórdão):

«Por outro lado, quando uma instituição aplica uma das exceções previstas no artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1049/2001, incumbe‑lhe ponderar o interesse específico que deve ser protegido pela não divulgação do documento em causa e, nomeadamente, o interesse geral em que esse documento se torne acessível, tendo em conta as vantagens que decorrem, como assinala o considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001, de uma transparência mais ampla, concretamente, uma melhor participação dos cidadãos no processo decisório e uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático (acórdão Conselho/Access Info Europe, EU:C:2013:671, n.o 32 e jurisprudência referida).»

126.

Acontece que o Conselho, na sua decisão que foi objeto do processo in’t Veld, não tinha fornecido nenhum elemento que demonstrasse de que maneira, com base nos factos desse processo, o acesso pedido ao parecer jurídico específico poderia ter acionado a exceção do artigo 4.o, n.o 2, relativa a consultas jurídicas, de modo que a questão da ponderação do interesse público no contexto de uma possível exceção do artigo 4.o, n.o 2, simplesmente não foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça.

127.

No presente processo, o Tribunal Geral seguiu fielmente essas duas passagens dos Acórdãos do Tribunal de Justiça Access Info Europe e in’t Veld. Contudo, em minha opinião, nem a passagem do Acórdão Access Info Europe, nem a do Acórdão in’t Veld refletem corretamente o exame dos três crivos exposto pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Suécia e Turco. Em particular, esses dois acórdãos indicam que a instituição em causa pode ponderar o interesse público geral na transparência e os interesses privados da parte que pede a não divulgação ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, ao examinar a questão de saber se os documentos pedidos estão abrangidos por uma das exceções do artigo 4.o, n.o 2, e que a mesma pode fazê‑lo mesmo antes de examinar a exceção à exceção relativa ao interesse público «superior», prevista no artigo 4.o, n.o 2.

128.

Pelas razões que já apresentei, considero que, com o devido respeito, este raciocínio está juridicamente errado. Além disso, é omisso quanto ao problema da exceção à exceção relativa ao interesse público «superior». Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça, no acórdão relativo ao presente processo, esclareça que, ao contrário do que pode ter sido afirmado ou estar implícito no n.o 45 do Acórdão proferido no processo Suécia e Turco e (em especial) no n.o 32 do Acórdão Access Info Europe e no n.o 53 do Acórdão in’t Veld:

i.

O interesse público geral não é um fator que possa ser adequadamente ponderado com os interesses da parte que pede a não divulgação invocando uma das exceções previstas no artigo 4.o, n.o 2. Pelo contrário, a questão de saber se é aplicável uma das exceções constantes do artigo 4.o, n.o 2, tem de ser abordada antes e de forma separada do problema relativo ao interesse público. Só quando uma dessas exceções é, de facto, aplicável é que entra em jogo o problema do interesse público superior, como elemento da exceção à exceção constante do artigo 4.o, n.o 2.

ii.

O texto do artigo 4.o, n.o 2, deixa claro («interesse público superior imponha a divulgação») que o interesse público em causa deve ser tão excecional e premente que possa justificar a sua prevalência sobre qualquer exceção, do artigo 4.o, n.o 2, que, de outro modo, seria aplicável, como as relativas a consultas jurídicas ou à confidencialidade comercial. Para este efeito, não bastaria referir simplesmente o interesse público geral na abertura e divulgação, como referido, por exemplo, no considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001.

129.

Em seguida, proponho‑me demonstrar de que modo estes erros de direito podem ter viciado o tratamento que o Tribunal Geral efetuou de três argumentos específicos que, em certa medida, constituem uma mistura de questões de facto e de direito, nomeadamente, o argumento relativo ao risco de utilização abusiva, o problema da confidencialidade comercial e a questão da guia de marcha. Poderemos, agora, analisar estes argumentos de forma sucessiva.

(c)   Argumento relativo ao risco de utilização abusiva

130.

No presente processo, a recorrente apresentou outros argumentos contra a divulgação. No âmbito de um deles, a recorrente alegou também que existia o risco de o relatório controvertido poder ser utilizado de forma abusiva por um concorrente. Todavia, este argumento não foi acolhido pelo Tribunal Geral, que declarou:

«Em terceiro lugar, não se pode deixar de observar que o risco de utilização abusiva do relatório controvertido por um concorrente não constitui só por si um fundamento para considerar que uma informação é confidencial no plano comercial nos termos do Regulamento n.o 1049/2001. A esse respeito, há que lembrar que, segundo a sua política, a própria EMA não divulga informações comerciais confidenciais como as informações detalhadas sobre a qualidade e o fabrico dos medicamentos. No caso, como acima se indica no n.o 90, a EMA não divulgou essas informações. Ora, não se pode deixar de observar que a recorrente não apresentou qualquer elemento que permita compreender a razão pela qual as ocultações efetuadas pela EMA não eram suficientes. Por outro lado, mesmo se outra empresa utilizasse a maioria das informações contidas no relatório controvertido da forma alegada pela recorrente, sempre teria que levar a cabo os seus próprios estudos e ensaios correspondentes e desenvolver com sucesso o seu próprio medicamento. Por outro lado, o medicamento Translarna beneficia, por força do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 141/2000, de um período de exclusividade comercial que impede um medicamento semelhante de ser introduzido no mercado durante um período de dez anos depois da emissão da AIM. Assim, improcede a alegação de que o relatório controvertido deve ser considerado confidencial na íntegra pelo facto de a sua divulgação poder permitir que concorrentes peçam uma AIM» ( 81 ).

131.

Evidentemente, estou de acordo em que o facto de um determinado documento poder ser utilizado de forma abusiva por um concorrente não é, em si mesmo e por si só, uma razão para considerar que o documento em causa não deva ser divulgado por força da aplicação do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001. Mas, se o documento em causa contiver informações comerciais sensíveis, o facto de um concorrente poder explorar a eventual publicação desse documento, para as suas próprias finalidades comerciais, é relevante para avaliar a questão de saber se a sua divulgação irá prejudicar os interesses comerciais da pessoa coletiva em causa.

132.

No presente processo, não há dúvidas sérias quanto aos enormes custos não recuperáveis — que, segundo é alegado, ascendem a quase 500 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) — associados ao desenvolvimento do Translarna e à elaboração, pela recorrente, do relatório controvertido. Arriscando repetir‑me, parece‑me que existe um risco real de que a informação contida nesse relatório seja utilizada em benefício próprio por potenciais concorrentes, essencialmente por todas as razões que já apontei noutras partes das presentes conclusões. Se for possível a um desses concorrentes aceder a essa informação sem ter de pagar pela mesma, então isso confere claramente a essa entidade uma vantagem injusta e prejudica a proteção dos interesses comerciais da recorrente, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

133.

É evidente que, como o próprio Tribunal Geral reconheceu, mesmo que um concorrente obtivesse acesso ao relatório controvertido, sempre teria que levar a cabo os seus próprios estudos e ensaios clínicos antes de desenvolver o seu próprio medicamento. Também é verdade que, como observei anteriormente, por força do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 141/2000, o Translarna beneficia de um período de exclusividade de mercado que impede que um medicamento similar seja introduzido no mercado durante um período de 10 anos após a concessão da AIM. Contudo, isso não significa que esse acesso ao relatório controvertido não representasse um benefício considerável para um potencial concorrente.

134.

Outro aspeto importante neste contexto é o facto de a proteção da exclusividade sobre os dados conferida pelo artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004 ser aplicável no território da União Europeia/EEE. Se, porém, os dados e a análise constantes do relatório controvertido entrarem no domínio público na sequência desse pedido no âmbito da liberdade de informação, existe um risco potencial de que esse mesmo facto destrua a proteção da exclusividade sobre os dados em países terceiros, como a Austrália, o Brasil e a China ( 82 ). Esta é outra das razões pelas quais a divulgação do relatório controvertido — mesmo na sua atual forma expurgada — iria «prejudicar a proteção dos interesses comerciais» da recorrente.

(d)   Questão de saber se a informação é confidencial no plano comercial

135.

Outro argumento apresentado pela recorrente é o de que o Tribunal Geral cometeu um erro ao concluir que esta informação não era confidencial no plano comercial e que a divulgação não prejudicaria os seus interesses. A este respeito, o Tribunal Geral concluiu do seguinte modo:

«[…] para poder considerar que o relatório controvertido apresenta globalmente um caráter de confidencialidade comercial na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, é necessário que os dados que constam desse relatório constituam na íntegra informações comerciais confidenciais» ( 83 ).

O Tribunal Geral prosseguiu então:

«Por outro lado, está assente que o relatório controvertido contém um certo número de informações que foram divulgadas no EPAR, que está acessível ao público e contém dados diretamente provenientes desse relatório. Consequentemente, para poder reivindicar o tratamento confidencial de todo o relatório controvertido, cabe à recorrente demonstrar que a ligação completa dos dados acessíveis ao público com os que não o estão constitui um dado comercial sensível cuja divulgação prejudicaria os seus interesses comerciais. Ora, a afirmação de que “o todo é mais do que a soma das partes” é demasiado vaga para demonstrar que essa ligação das informações poderia produzir as consequências alegadas. Revelam‑se tanto mais necessárias explicações precisas e concretas quanto, como acima recordado no n.o 80, as exceções previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 derrogam o princípio do acesso mais amplo possível do público aos documentos e devem, portanto, ser interpretadas e aplicadas de forma estrita» ( 84 ).

136.

Esta análise suscita alguns comentários. Em primeiro lugar, pode observar‑se que o relatório controvertido, elaborado a respeito do Translarna, é um documento extremamente pormenorizado, com cerca de 250 páginas. Expõe os objetivos do relatório em causa, a seleção dos grupos de estudo, a metodologia utilizada, uma análise estatística, uma avaliação da eficácia, uma avaliação da segurança, uma avaliação de laboratório clínica e muitos outros dados. A primeira página do relatório controvertido também inclui um considerando que indica que o documento «contém informação confidencial pertencente à PTC Therapeutics Inc.» e em todas as suas páginas figura a seguinte inscrição «PTC Therapeutics, Inc. — Confidencial».

137.

Embora seja verdade que uma inscrição descritiva deste tipo não torna, por si só, estes documentos confidenciais ( 85 ), não estou de acordo com esta parte do raciocínio do Tribunal Geral. Embora a questão de saber se o relatório controvertido é um documento cuja divulgação poderia prejudicar a proteção dos interesses comerciais da recorrente, para efeitos do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, seja, talvez, em certa medida, uma questão nova para a qual não há precedentes, fiquei impressionado com os depoimentos prestados pela recorrente, em especial, com o depoimento do seu Vice‑Presidente Senior, Assuntos Regulamentares, depoimentos esses aos quais o Tribunal Geral não fez qualquer referência individualizada no acórdão recorrido. No que diz respeito ao potencial dano para os interesses comerciais da recorrente, aquele declarou que:

«50. A divulgação do REC iria, sem dúvida, prejudicar a PTC. Segundo sei, o REC não pode ser encontrado no domínio público, por exemplo, através de buscas na internet. Este pedido visa a divulgação de know‑how que é o resultado de anos de investigação desenvolvida pela PTC […] e que representa um investimento económico de várias centenas de milhões de USD, feito pela PTC com vista a obter uma vantagem competitiva num domínio que tem sido objeto de intensa investigação por parte de muitas empresas […]

51. O acesso aos dados poderia ajudar terceiros a (i) compreenderem como melhorar a conceção dos seus estudos clínicos para os dirigir a perfis ou subgrupos de pacientes específicos, como a PTC fez quando concebeu o seu estudo ACT‑DMD depois de analisar os dados e os conhecimentos obtidos através do seu programa Fase 2b (ii) saberem em que se concentram as autoridades reguladoras no que diz respeito ao seu entendimento dos diversos parâmetros de avaliação final primários, secundários e exploratórios, de modo a adaptarem os estudos em conformidade (iii) conceberem estudos comparativos dirigidos a atributos isolados do produto escolhidos unicamente para obter medidas que poderiam ser abusivamente utilizadas para desacreditar o perfil de segurança ou de eficácia do Translarna (iv) “explorarem” os dados da PTC para reestruturarem os seus próprios programas clínicos sem os custos dos testes de tentativa e erro que a PTC teve de suportar; e (v) obterem uma perspetiva acerca da orientação da investigação futura da PTC, a partir de parâmetros de avaliação final secundários ou exploratórios».

138.

Embora o Tribunal Geral tenha concluído — talvez influenciado pelo elevado parâmetro «gravemente» prejudicado — que as afirmações da recorrente a esse respeito eram «demasiado vagas» e que eram «necessárias explicações precisas e concretas» ( 86 ), pela minha parte receio, não poder estar de acordo. Pelo contrário, considero que, por exemplo, o depoimento do Vice‑Presidente Senior, Assuntos Regulamentares, forneceu explicações muito claras e completas quanto à forma como os interesses comerciais da recorrente seriam prejudicados se o relatório controvertido fosse divulgado. É francamente difícil descortinar como poderia ter sido mais específico do que foi. Por conseguinte, é difícil não concluir que qualquer divulgação do relatório controvertido teria implicado a divulgação tanto de informações comerciais sensíveis pertencentes à recorrente, como dos seus métodos de trabalho relativos a esses ensaios clínicos. Como observei nos números anteriores, este é precisamente o tipo de divulgação que anteriormente o Tribunal Geral, no Acórdão MasterCard, tinha declarado excluído pelo artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

139.

Evidentemente, é verdade que a recorrente optou por não cooperar com a EMA no que diz respeito à proposta de ocultação de excertos do relatório controvertido. Talvez se pudesse considerar, se se estivesse inclinado a fazê‑lo, adequado criticar a recorrente por aquilo que é percebido como a sua obstinação a esse respeito, embora seja evidente que ela, por seu turno, considerou o pedido da EMA irrealista e inexequível dentro do prazo relativamente apertado fixado no artigo 7.o do Regulamento n.o 1049/2001. No entanto, tudo isto é, por si só, no essencial, irrelevante quanto à questão de saber se o relatório controvertido era um documento confidencial que beneficiava da proteção do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento.

140.

Acontece também que, apesar de tudo, a EMA se sentiu obrigada a tomar medidas, por sua própria iniciativa, para ocultar alguns elementos do documento, incluindo as referências às discussões sobre a elaboração de protocolos com a U.S. Food and Drug Administration, os números de lote, os materiais e o equipamento, as análises explicativas, a descrição quantitativa e qualitativa do método de medida da concentração do medicamento, bem como informações que pudessem levar à identificação de pacientes. Embora a importância dessas ocultações não possa ser negada, o relatório controvertido não aparenta, contudo, ter sido severamente expurgado — com exceção, talvez, de uma única página ( 87 ).

141.

É verdade que, como o Tribunal Geral fez notar, algumas das informações contidas no relatório controvertido já estão no domínio público, uma vez que fazem parte do EPAR. Como a EMA observou nos seus articulados ( 88 ), o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/83 dispõe que qualquer pedido de AIM deve ser acompanhado das informações e documentos apresentados em conformidade com o anexo I […]

«Resultados dos ensaios:

farmacêuticos (físico‑químicos, biológicos ou microbiológicos),

pré‑clínicos (toxicológicos e farmacológicos),

clínicos […]»

142.

Contudo, não posso deixar de pensar que a importância dessa divulgação de algumas informações através do EPAR foi, com o devido respeito, de algum modo exagerada. Destacam‑se, em especial, dois exemplos.

143.

O primeiro exemplo está relacionado com a questão da aleatorização do ensaio clínico. O relatório controvertido inclui pormenores importantes — constantes de três páginas e de um apêndice ( 89 ) — relativos à aleatorização dos ensaios. Esta informação é importante para qualquer entidade reguladora, uma vez que o modo de aleatorização adotado é relevante para a verificação da fiabilidade dos resultados. No entanto, por outro lado, o EPAR dedica apenas duas frases à questão da aleatorização ( 90 ).

144.

O segundo exemplo está relacionado com a informação contida no relatório controvertido no que diz respeito aos resultados relativos à eficácia, incluindo, em especial, a curva de distribuição normal de resposta à dose apresentada pelo Translarna, uma vez que, no decurso dos ensaios clínicos tinham sido utilizadas duas doses diferentes. Embora o EPAR inclua algumas referências, essencialmente de passagem, aos resultados da curva de distribuição normal, a pormenorização destes dados — juntamente com uma análise dos mesmos — é exposta de modo muito mais exaustivo no relatório controvertido ( 91 ). O EPAR, em suma, não é mais do que uma versão muito condensada do REC.

145.

Tudo isto reforça a conclusão de que o Tribunal Geral não examinou adequadamente, como uma questão de direito, o problema de saber se era provável que a divulgação do relatório controvertido lesasse os interesses comerciais da recorrente, sobretudo porque o relatório controvertido contém dados e análises significativos que ainda não foram divulgados no âmbito do processo do EPAR e que não estão, de outro modo, no domínio público.

(e)   Argumento relativo à «guia de marcha»

146.

A recorrente alega que a publicação do relatório controvertido teria fornecido a potenciais concorrentes uma guia de marcha de como adaptarem os seus próprios pedidos de AIM de forma a terem êxito. O Tribunal Geral julgou improcedente este argumento, tendo declarado:

«Em segundo lugar, há que rejeitar igualmente o argumento de que a divulgação do relatório controvertido daria a um concorrente uma “guia de marcha” sobre a forma de preencher um pedido de AIM para um produto concorrente. Com efeito, a recorrente não demonstrou a novidade dos seus modelos, análises ou métodos. Como alega a EMA, os modelos e métodos utilizados no estudo clínico em causa baseiam‑se num know‑how em matéria de recrutamento, de parâmetros e de análise estatística largamente disponível na comunidade científica e esse estudo segue as orientações aplicáveis e, portanto, baseia‑se nos princípios mais recentes. Por outro lado, o documento não contém qualquer informação sobre a composição ou o fabrico do medicamento Translarna, dado que a EMA expurgou de forma proativa as referências às discussões sobre a elaboração de protocolos com a U.S. Food and Drug Administration, os números de lote, os materiais e o equipamento, as análises explicativas, a descrição quantitativa e qualitativa do método de medida da concentração do medicamento e as datas de início e fim de tratamento e outras datas que pudessem levar à identificação dos pacientes. Portanto, a divulgação do relatório controvertido não dá aos concorrentes da recorrente qualquer informação útil sobre a estratégia de desenvolvimento clínico a longo prazo e sobre a conceção dos estudos em complemento das informações já publicamente disponíveis sobre o medicamento Translarna» ( 92 ).

147.

No entanto, pela minha parte, não posso estar de acordo em que a «novidade» ( 93 ) seja, em si mesma, pré‑requisito indispensável para que um documento possa ser considerado comercialmente sensível para efeitos do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001. Evidentemente, o facto de um determinado documento conter meras informações correntes, facilmente disponíveis e, mesmo, banais, poderia muito bem indiciar que a sua divulgação não iria «prejudicar a proteção de […] interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual», na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001. Porém, e, uma vez mais, por todas as razões que acabo de assinalar, não posso estar de acordo em que, pelo menos, este REC em concreto se inclua nesta categoria de documentos, de algum modo correntes e triviais, cuja divulgação não pudesse prejudicar os interesses comerciais da recorrente.

148.

O artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 141/2000 estabelece uma exceção à disposição relativa à exclusividade de mercado. Permite que um segundo requerente de uma AIM de um medicamento órfão apresente esse pedido decorridos cinco anos, nos casos em que possa ser demonstrado que o segundo medicamento, embora análogo ao primeiro medicamento órfão já autorizado, «é mais seguro, mais eficaz ou clinicamente superior noutros aspetos». Caso o relatório controvertido, por exemplo, devesse ser publicado ao abrigo do disposto no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001, então dificilmente vejo como um potencial concorrente não poderia utilmente beneficiar do mesmo para preparar esse pedido nos termos artigo 8.o, n.o 3, alínea c) — dado que, com efeito, decorreram cinco anos desde a concessão da AIM à recorrente, em maio de 2014 — com vista a demonstrar que o seu produto era, realmente, mais eficaz ou clinicamente superior noutros aspetos ao Translarna.

149.

A esse respeito, o Tribunal Geral, no n.o 93 do acórdão recorrido, declarou que:

«[…] a publicação do relatório controvertido não bastaria para um concorrente poder fazer um relatório completo sobre os seus próprios testes e os seus próprios resultados limitando‑se a basear‑se nos dados divulgados. Nesta ótica, a publicação do relatório controvertido, aliás sem os dados comerciais, não dá qualquer vantagem aos concorrentes».

150.

Contudo, pela minha parte e com o devido respeito, não posso estar de acordo com esta análise. É‑me inevitável pensar que está viciada pelos erros de direito acima descritos. Evidentemente, ninguém sugere que, neste exemplo, o segundo concorrente estivesse dispensado da necessidade de elaborar um novo REC. No entanto, isso não invalida o facto de ser provável que o acesso ao relatório controvertido seja útil a qualquer sério concorrente que pretenda demonstrar que desenvolveu uma versão nova do medicamento órfão mais eficaz do que o Translarna, para efeito de qualquer pedido de AIM nos termos do artigo 8.o, n.o 3, alínea c), do Regulamento n.o 141/2000. Além disso, ao contrário da impressão que esta passagem do acórdão do Tribunal Geral talvez possa dar, mesmo uma leitura superficial da versão expurgada do relatório controvertido é suficiente para verificar que um grande número de dados estatísticos e de outra natureza é aí apresentado de forma não oculta.

151.

Em síntese, quanto a esse aspeto, considero, pois, com o devido respeito, que o exame que o Tribunal Geral fez do argumento relativo à «guia de marcha» se baseia em alguns pressupostos juridicamente incorretos. Não é necessário que os interesses comerciais da recorrente sejam «gravemente» afetados e também não tem de ser «nova» a informação cujo tratamento confidencial se pretende.

152.

Poder‑se‑ia acrescentar, ainda, que, se se procedesse à divulgação e os dados aí contidos entrassem no domínio público, parece perfeitamente possível que qualquer desses concorrentes, mesmo dentro do período de exclusividade sobre os dados fixado no artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004, conformasse o seu próprio REC com o relatório controvertido relativo ao Translarna, uma vez que este já foi aprovado pela EMA. Também não haveria nenhuma razão que impedisse qualquer desses concorrentes de acrescentar o relatório controvertido ao seu próprio REC para demonstrar que os dois pedidos eram essencialmente o mesmo, acelerando, assim, o processo de aprovação, talvez de forma apreciável.

153.

Inevitavelmente, tudo isto prejudicaria ou, pelo menos, afetaria indiretamente o sistema da exclusividade sobre os dados, que era claramente um dos elementos centrais do sistema de incentivos para primeiros operadores que pretendiam obter uma AIM nos termos do Regulamento n.o 726/2004. Este é, em si mesmo, outro indício claro de que a publicação do relatório controvertido poderia lesar os interesses comerciais da ora recorrente, na aceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

154.

Daí decorre, por sua vez, que não posso estar de acordo com a apreciação feita pelo Tribunal Geral de que a divulgação do relatório controvertido não dá aos concorrentes da recorrente qualquer informação útil sobre o Translarna. Também a esse respeito me vejo obrigado a concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito por não ter avaliado até que ponto as regras relativas à exclusividade sobre os dados seriam, em si mesmas, comprometidas pela divulgação do relatório controvertido.

(f)   Eventual relevância do critério do interesse público previsto no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001

155.

Em todo o caso, deve assinalar‑se que, evidentemente, o facto de o relatório controvertido estar, desse modo, protegido contra a divulgação tem apenas a natureza de presunção. É evidente que a EMA poderia sempre, legitimamente, afastar a aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, caso concluísse que existiam razões de interesse público superiores para o fazer. Talvez seja desnecessário, para efeitos do presente processo, chegar a qualquer conclusão definitiva a esse respeito, dado que, devido à opinião que a EMA tinha formado a respeito deste pedido em matéria de liberdade de informação, a questão da utilização desta exceção à exceção baseada no interesse público superior simplesmente nunca se colocou.

156.

Em contrapartida, pode ser suficiente observar que, em princípio, seria legítimo que a EMA invocasse essa exceção à exceção baseada no interesse público superior, caso considerasse que a divulgação de um determinado REC era efetivamente necessária por razões de interesse público especiais e prementes.

157.

Em resumo, a este respeito, considero, por isso, que a apreciação feita pelo Tribunal Geral se baseou em alguns pressupostos juridicamente incorretos. Por conseguinte, considero procedente o segundo fundamento de recurso.

D. Terceiro fundamento de recurso: violação do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, na medida em que a EMA pretende conceder o acesso apesar de o processo decisório dessa instituição estar em curso

1. Argumentos das partes

158.

Com o seu terceiro fundamento de recurso, a recorrente alega que, em todo o caso, o relatório controvertido não deveria ser divulgado porque deveria estar protegido ao abrigo do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001. À recorrente foi concedida apenas uma AIM condicional nos termos do Regulamento n.o 507/2006 e terá, portanto, de apresentar anualmente pedidos de renovação até lhe ser concedida uma AIM incondicional, que não inclua condições. Segundo a recorrente, a publicação de informação sensível sobre o produto nesta fase seria suscetível de prejudicar o processo decisório da EMA em relação a essas renovações suscitando o envolvimento de terceiros. Alega também que o relatório controvertido continua a ser relevante para o processo decisório da EMA, porque o processo decisório da EMA, ou, antes, do Comité dos Medicamentos para Uso Humano (a seguir «Comité»), o qual dirige à EMA um parecer a esse respeito, em conformidade com o artigo 7.o do Regulamento n.o 507/2006, terá em conta todos os elementos, incluindo o relatório controvertido. Além disso, a recorrente alega que, se os requerentes tiverem de recear que os seus dados serão publicados, «tomarão medidas para os proteger na maior medida possível». Teme ainda que a divulgação possa prejudicar os planos que tem para o Translarna relativamente ao tratamento de outras doenças genéticas raras causadas por uma mutação sem sentido.

159.

A EMA alega que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 não é aplicável neste caso, dado que o procedimento relativo à concessão da AIM do Translarna estaria concluído uma vez concedida uma AIM condicional e a posterior divulgação do relatório controvertido não poderia prejudicar esse procedimento. Assinala que, em futuros procedimentos relativos à renovação da AIM condicional ou à concessão de uma AIM incondicional, a EMA avaliaria apenas os dados novos apresentados pela recorrente. Também assinala que os riscos para o seu produto, decorrentes de informações prestadas por terceiros, que a recorrente invoca, estão igualmente presentes depois da concessão de uma AIM, em virtude dos deveres e poderes da EMA relacionados com o domínio da farmacovigilância.

2.   Análise dos argumentos relativos à questão de saber se o acesso ao relatório controvertido viola o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001

160.

Com efeito, o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 dispõe que a divulgação de um documento será recusada, caso (i) esse documento esteja relacionado com uma matéria sobre a qual a EMA não tenha decidido (ii) a divulgação do documento possa prejudicar gravemente o processo decisório da EMA e (iii) desde que não exista um interesse público superior que imponha a divulgação.

161.

No presente caso, não está, desde logo, preenchido o primeiro dos três requisitos cumulativos anteriores.

162.

Em primeiro lugar, os procedimentos de concessão de AIM condicionais e de AIM incondicionais são procedimentos separados, no sentido em que o pedido de concessão de uma AIM condicional pode ser apresentado, em conformidade com o artigo 3.o do Regulamento n.o 507/2006, conjuntamente com o pedido de concessão de uma AIM incondicional ou, realmente, o Comité pode propor uma AIM condicional no caso de um pedido apresentado ao abrigo do artigo 6.o do Regulamento n.o 726/2004, mas ambos os procedimentos são concluídos com uma decisão separada. É evidente que, segundo o artigo 7.o do Regulamento n.o 507/2006, o Comité pode, a qualquer momento, emitir um parecer a favor da concessão de uma AIM incondicional, desde que tenham sido cumpridas as restantes condições ( 94 ). Segundo esta disposição, não existe qualquer avaliação do processo na íntegra, mas apenas uma avaliação relativa à questão de saber se as condições especiais foram cumpridas.

163.

Foi concedida à recorrente a AIM condicional que requereu, nomeadamente, uma AIM condicional do Translarna nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.o 507/2006. Com base nisso, tinha o direito, e fê‑lo, de introduzir o Translarna no mercado, que é o objetivo e a finalidade de qualquer pedido de AIM. O facto de a recorrente ter de renovar anualmente a sua AIM condicional em nada altera essa apreciação. Isto vale também no caso de uma concessão inicial de uma AIM incondicional, sendo a diferença que, nesse caso, a reavaliação só tem lugar ao fim de cinco anos, segundo o artigo 14.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 726/2004.

164.

Nem o facto de a recorrente recear que a divulgação do relatório controvertido pudesse ter influência no caso de pretender apresentar futuros pedidos de AIM relativamente a outras doenças genéticas nem a sua alegação de que existe um risco de os requerentes de AIM «tomarem medidas» para proteger os seus dados são suscetíveis de alterar o facto de o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, proteger apenas procedimentos no âmbito dos quais não tenha sido adotada qualquer decisão. Claramente, não é esse o caso no presente processo.

165.

Assim, a recorrente não pode invocar a seu favor o artigo 4.o, n.o 3. Daqui decorre que o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

VII. Conclusões gerais

166.

Por todas as razões acima expostas, entendo, com o devido respeito, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que não existia qualquer presunção geral de que os REC não deviam ser divulgados, com base no artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Em qualquer caso, considero também que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, na medida em que concluiu que a divulgação do relatório controvertido não prejudicaria os interesses comerciais da recorrente, para efeitos do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

167.

Nos termos do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral e pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

168.

Na minha opinião, este não é um processo no qual o Tribunal de Justiça possa decidir definitivamente o litígio, uma vez que exige um exame jurídico de questões de facto complexas. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça anule o acórdão recorrido e remeta o processo ao Tribunal Geral, para julgamento após um reexame do relatório controvertido à luz do raciocínio acima exposto.

VIII. Conclusão

169.

Pelos motivos expostos, e sem prejuízo do exame dos restantes fundamentos de recurso pelo Tribunal de Justiça, proponho que o Tribunal de Justiça:

1)

Anule o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 5 de fevereiro de 2018, PTC Therapeutics International/EMA (T‑718/15, EU:T:2018:66).

2)

Remeta o processo ao Tribunal Geral.

3)

Reserve para final a decisão quanto às despesas.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Os outros dois são os Acórdãos de 5 de fevereiro de 2018, MSD Animal Health Innovation e Intervet international/EMA (T‑729/15, EU:T:2018:67), que foi objeto de recurso [processo MSD Animal Health Innovation e Intervet international/EMA (C‑178/18)], e de 5 de fevereiro de 2018, Pari Pharma/EMA (T‑235/15, EU:T:2018:65), que não foi objeto de recurso.

( 3 ) JO 2001, L 145, p. 43.

( 4 ) PTC Therapeutics International/EMA (T‑718/15, EU:T:2018:66).

( 5 ) Decisão do Conselho relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1).

( 6 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos da União de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1).

( 7 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1999, relativo aos medicamentos órfãos (JO 2000, L 18, p. 1).

( 8 ) JO 1993, L 214, p. 1.

( 9 ) Regulamento da Comissão, de 29 de março de 2006, relativo à autorização condicional de introdução no mercado de medicamentos para uso humano abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2006, L 92, p. 6).

( 10 ) Segundo consta dos autos, o REC cujo acesso foi pedido é um estudo de eficácia e de segurança de fase 2 B com placebo relativo ao ataluren (Translarna) em sujeitos com uma mutação sem sentido de Duchenne e uma distrofia muscular de Becker, de 250 páginas. Constitui o principal ensaio clínico realizado antes da concessão da AIM condicional para o Translarna.

( 11 ) No n.o 7 da sua tréplica, a EMA esclareceu que o pedido de acesso era relativo apenas ao texto do REC, e não aos seus apêndices.

( 12 ) PTC Therapeutics International/EMA (T‑718/15 R, não publicado, EU:T:2016:425).

( 13 ) EMA/PTC Therapeutics International [C‑513/16 P(R), não publicado, EU:C:2017:148].

( 14 ) Quanto ao critério segundo o qual é necessário que os documentos pedidos façam parte de uma mesma categoria de documentos ou sejam da mesma natureza, apoia‑se nos Acórdãos de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 50), e de 17 de outubro de 2013, Conselho/Access Info Europe (C‑280/11 P, EU:C:2013:671, n.o 72). Quanto ao critério segundo o qual pode ser reconhecida uma presunção geral para preservar a integridade da tramitação do processo através da limitação da ingerência de terceiros, apoia‑se nas Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet nos processos apensos LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:528, n.os 66, 68, 74 e 76). Quanto ao critério segundo o qual é necessário que os documentos façam parte de um conjunto de documentos claramente circunscritos pela sua pertença comum ao processo de um procedimento administrativo ou jurisdicional em curso, apoia‑se nos Acórdãos de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau (C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.os 12 a 22); de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão (C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.o 75); e de 27 de fevereiro de 2014, Comissão/EnBW (C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.os 69 e 70). Quanto ao critério segundo o qual têm de existir regras especiais relativas à divulgação, apoia‑se no Acórdão de 11 de junho de 2015, McCullough/Cedefop (T‑496/13, não publicado, EU:T:2015:374, n.o 91), e nas Conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Conselho/Access Info Europe (C‑280/11 P, EU:C:2013:325, n.o 75).

( 15 ) Acórdão de 5 de fevereiro de 2018, PTC Therapeutics International/EMA (T‑718/15, EU:T:2018:66, n.os 39 e 45).

( 16 ) Ibidem, n.os 46 a 51.

( 17 ) Ibidem, n.o 59.

( 18 ) Ibidem, n.o 66.

( 19 ) Ibidem, n.o 70.

( 20 ) Ibidem, n.os 80 a 85. Estou ciente de que o termo «gravemente» que consta do n.o 85 da versão inglesa não consta de todas as versões linguísticas (o que é nomeadamente o caso das versões francesa e alemã) No entanto, a língua de processo é o inglês e, portanto, a versão inglesa é a única autêntica bem como a versão em que a recorrente se baseou nas suas alegações. Por conseguinte, basearei o meu raciocínio nessa versão do acórdão recorrido.

( 21 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo aos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano e que revoga a Diretiva 2001/20/CE (JO 2014, L 158, p. 1).

( 22 ) V. considerando 4 do Regulamento n.o 1049/2001.

( 23 ) V., também, Acórdãos de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão (C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.o 73 e jurisprudência referida), e de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 78 e jurisprudência aí referida).

( 24 ) Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Comissão/EnBW (C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.o 64 e jurisprudência referida), e de 16 de julho de 2015, ClientEarth/Comissão (C‑612/13 P, EU:C:2015:486, n.o 68).

( 25 ) N.o 16 das observações apresentadas pela Eucope em resposta ao recurso da PTC.

( 26 ) N.o 24 das observações apresentadas pela Eucope.

( 27 ) N.o 61 da resposta da EMA.

( 28 ) Acórdãos de 9 de junho de 2011, ComitatoVenezia vuole vivere e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 34 e jurisprudência referida), e de 21 de dezembro de 2011, A2A/Comissão (C‑318/09 P, não publicado, EU:C:2011:856, n.o 109).

( 29 ) No que diz respeito a esse regulamento, v., também, os n.os 34 e 35 das presentes conclusões.

( 30 ) Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Comissão/EnBW (C‑365/12 P, EU:C:2014:112 n.o 65 e jurisprudência aí referida), e de 16 de julho de 2015, ClientEarth/Comissão (C‑612/13 P, EU:C:2015:486, n.o 69).

( 31 ) Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 50).

( 32 ) V. n.os 157 a 165 das presentes conclusões.

( 33 ) No Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 81), são enumeradas cinco categorias. São: (i) documentos de um processo administrativo da Comissão relativo a auxílios de Estado [v. Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau (C‑139/07 P, EU:C:2010:376)] (ii) documentos apresentados nos órgãos jurisdicionais da União num processo jurisdicional, enquanto este está pendente [Acórdão de 18 de julho de 2017, Comissão/Breyer (C‑213/15 P, EU:C:2017:563, bem como a jurisprudência referida no n.o 41 desse acórdão)] (iii) documentos trocados entre a Comissão e as partes notificantes ou terceiros no âmbito de um processo de controlo de operações de concentração entre empresas [Acórdão de 28 de junho de 2012, Comissão/Éditions Odile Jacob (C‑404/10 P, EU:C:2012:393)] (iv) documentos de um procedimento pré‑contencioso por incumprimento [Acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738)], e (v) documentos de processos de aplicação do artigo 101.o TFUE [Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Comissão/EnBW (C‑365/12 P, EU:C:2014:112)].

( 34 ) N.o 39 do acórdão recorrido.

( 35 ) Ibidem, n.o 40.

( 36 ) Ibidem, n.o 41.

( 37 ) V. Acórdão de 11 de maio de 2017, Suécia/Comissão (C‑562/14 P, EU:C:2017:356), no qual foi reconhecida uma presunção geral de confidencialidade sem que existissem regras específicas.

( 38 ) V. Acórdãos de 28 de junho de 2012, Comissão/Agrofert Holding (C‑477/10 P, EU:C:2012:394), e de 28 de junho de 2012, Comissão/Éditions Odile Jacob (C‑404/10 P, EU:C:2012:393), nos quais foram reconhecidas presunções gerais de confidencialidade embora os processos já não estivessem pendentes.

( 39 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660).

( 40 ) Ibid., no n.o 81, o Tribunal de Justiça expôs as cinco categorias que reconheceu até à data. Foram expostas na nota 33. Importa sublinhar que essas cinco categorias constituem um grupo fechado e que, com efeito, isso não foi contestado perante o Tribunal de Justiça no presente recurso.

( 41 ) Faço notar que, na audiência, foi feita referência a esse acórdão e que foi dada às partes a oportunidade de comentar o seu conteúdo.

( 42 ) O sublinhado é meu.

( 43 ) V. considerandos 2, 9 e 10 da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), no que respeita a três desses quatro objetivos no âmbito do regime paralelo da autorização de introdução no mercado descentralizada.

( 44 ) Artigo 10.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/83.

( 45 ) Em conformidade com o artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004, o período de exclusividade sobre os dados é de 8 anos.

( 46 ) O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 141/2000 prevê uma exclusividade de mercado de 10 anos para os medicamentos órfãos. Este período pode, porém, ser reduzido se estiverem preenchidas as condições especificadas no artigo 8.o, n.os 2 ou 3, do regulamento. O artigo 14.o, n.o 11, do Regulamento n.o 726/2004 prevê um período de 10 anos de exclusividade comercial, o qual pode ser prorrogado até 11 anos em caso de indicações terapêuticas novas.

( 47 ) Não só em relação ao medicamento em causa, mas também pelos esforços que possam não ter tido êxito e não ter conduzido a um produto comercializável.

( 48 ) N.os 41 e 42 do acórdão recorrido.

( 49 ) V. artigos 27.o, n.o 2, e 28.o do Regulamento do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o do Tratado [atuais artigos 101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1).

( 50 ) V. artigos 6.o, 8.o, 15.o e 16.o do Regulamento da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.o e 82.o do Tratado CE (JO 2004, L 123, p. 18). Os últimos regulamentos contêm regras restritivas para a utilização de documentos relacionados com processos em matéria de concorrência nos termos do artigo 81.o CE (atual artigo 101.o TFUE). Conferem acesso ao processo aos «interessados diretos» e aos «autores da denúncia» cujas denúncias a Comissão tem intenção de rejeitar nos termos de outras disposições específicas. Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Comissão/EnBW (C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.os 86 a 92).

( 51 ) Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau (C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.o 61), em que o Tribunal de Justiça, levando em conta os artigos 6.o, n.o 2, e 20.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho de 22 de março de 1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1), entretanto substituído pelo Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (codificação) (JO 2015, L 248, p. 9), considerou que, no âmbito do procedimento de controlo, determinada informação deve ser transmitida aos Estados‑Membros, sendo que essa disposição não é aplicável no que diz respeito às partes interessadas.

( 52 ) Acórdão de 28 de junho de 2012, Comissão/Agrofert Holding (C‑477/10 P, EU:C:2012:394, n.o 64), com base nos artigos 17.o e 18.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2009, L 24, p. 1) e no artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 133, p. 1), sendo que as duas últimas disposições salvaguardam os direitos de defesa.

( 53 ) V. Acórdão de 11 de maio de 2017, Suécia/Comissão (C‑562/14 P, EU:C:2017:356). Todavia, faço notar que esse processo dizia respeito à exceção constante do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

( 54 ) O argumento da recorrente, segundo o qual o Tribunal Geral, no n.o 46 do acórdão recorrido, tomou em conta um fator irrelevante, ao sugerir que a jurisprudência existente, na qual foram reconhecidas presunções gerais de confidencialidade, é caracterizada por situações em que o acesso ao processo administrativo é limitado às «partes em causa» ou aos «denunciantes», é devido a uma leitura incorreta do acórdão. O Tribunal Geral declara apenas que os Regulamentos n.os 141/2000 e 726/2004 não previam uma limitação de acesso ao processo às «partes em causa» ou aos «denunciantes». Em todo o caso, o acórdão recorrido não se baseia nessa conclusão. V., por analogia, os argumentos e a jurisprudência referidos no n.o 52.

( 55 ) Deve, talvez, assinalar‑se que o Regulamento n.o 726/2004 também é aplicável às autorizações de introdução no mercado de medicamentos órfãos, cujos pedidos também estão sujeitos ao procedimento previsto no Regulamento n.o 726/2004. O Regulamento n.o 141/2000 contém apenas algumas regras que se destinam a criar incentivos adicionais para as empresas desenvolverem investigação nessa área, que corre o risco de ser menos lucrativa do que outras devido ao reduzido número de pessoas que sofrem de doenças extremamente raras.

( 56 ) N.o 35 do recurso.

( 57 ) V., também, Acórdão de 18 de julho de 2017, Comissão/Breyer (C‑213/15 P, EU:C:2017:563, n.os 35 a 37).

( 58 ) V. Acórdãos de 14 de dezembro de 2000, Dior e o. (C‑300/98 e C‑392/98, EU:C:2000:688, n.os 44 e 47), e de 11 de setembro de 2007, Merck Genéricos — Produtos Farmacêuticos (C‑431/05, EU:C:2007:496, n.o 35).

( 59 ) Este conceito é acima descrito no n.o 73 das presentes conclusões.

( 60 ) Podem existir casos específicos em que isso é diferente.

( 61 ) Esta afirmação foi reconhecidamente feita no decurso do exame da questão de saber se aquele REC, em concreto, está protegido pelo artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, mas, apesar disso, é certamente uma afirmação geral.

( 62 ) O sublinhado é meu.

( 63 ) C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.os 66 e 67.

( 64 ) N.o 63 do recurso.

( 65 ) N.o 116 da resposta da EMA.

( 66 ) Ibidem, n.o 39.

( 67 ) Acórdão de 9 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão (T‑516/11, não publicado, EU:T:2014:759).

( 68 ) O sublinhado é meu. Como expliquei na nota 20, o advérbio «gravemente» não surge em todas as versões linguísticas. Contudo, surge na única versão autêntica, nomeadamente a língua de processo (o inglês, no caso presente).

( 69 ) O sublinhado é meu.

( 70 ) Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (EU:C:2008:374).

( 71 ) Acórdão de 17 de outubro de 2013, Conselho/Access Info Europe (EU:C:2013:671).

( 72 ) Acórdão de 3 de julho de 2014, Conselho/in’t Veld (EU:C:2014:2039).

( 73 ) É verdade que — como qualquer exceção legal — estas exceções têm de ser interpretadas de forma estrita.

( 74 ) Aquando do exame da própria aplicabilidade da exceção.

( 75 ) V., por analogia, Acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.os 92 e 93).

( 76 ) Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (EU:C:2008:374).

( 77 ) Idem.

( 78 ) Por oposição a «considerações de interesse público superior».

( 79 ) Acórdão de 17 de outubro de 2013, Conselho/Access Info Europe (EU:C:2013:671).

( 80 ) Acórdão de 3 de julho de 2014, Conselho/in’t Veld (EU:C:2014:2039).

( 81 ) N.o 91 do acórdão recorrido.

( 82 ) V. n.os 50 a 67 do depoimento de um Solicitor‑Advocate of the Supreme Court of England and Wales, Anexo A.5.3 da petição inicial apresentada pela recorrente no processoT‑718/15 (EU:T:2018:66).

( 83 ) N.o 87 do acórdão recorrido.

( 84 ) Ibidem, n.o 89.

( 85 ) V., por analogia, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 39).

( 86 ) N.o 89 do acórdão recorrido.

( 87 ) P. 58 do relatório controvertido.

( 88 ) N.os 64 e segs. da contestação da EMA no processoT‑718/15 (EU:T:2018:66).

( 89 ) Páginas 31 a 33 do relatório em causa, páginas 38 a 40 do Anexo A.2.1 da petição inicial apresentada pela recorrente no processoT‑718/15 (EU:T:2018:66). No entanto, deve assinalar‑se que, segundo resulta dos autos, não foi pedido acesso aos apêndices pelo terceiro em causa, e que não lhe foi fornecido pela EMA acesso aos mesmos.

( 90 ) Página 32 do EPAR do Translarna.

( 91 ) Páginas 80 a 130 do relatório em causa. Páginas 87 a 137 do Anexo A.2.1 da petição inicial apresentada pela recorrente no Processo T‑718/15 (EU:T:2018:66).

( 92 ) N.o 90 do acórdão recorrido.

( 93 ) Em todo o caso, a recorrente contesta a alegação segundo a qual o REC não contém nada que seja novo, dado que afirma ter investido grandemente na preparação de um processo de aleatorização à medida destes ensaios clínicos: v. réplica de 19 de setembro de 2018, n.o 5, alínea a).

( 94 ) Como a apresentação de dados em falta relativamente a estudos que estavam incompletos no momento em que a AIM condicional foi concedida ou que, nesse momento, ainda não tinham sido iniciados, v. artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 507/2006.