CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 16 de maio de 2019 ( 1 )

Processo C‑68/18

SC Petrotel‑Lukoil SA

contra

Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală de Administrare a Marilor Contribuabili,

Agenţia Naţională de Administrare Fiscală — Direcţia Generală de Soluţionare a Contestaţiilor

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Isenções — Consumo de produtos energéticos num estabelecimento onde esses produtos são produzidos — Obrigação de obter a classificação dos produtos energéticos para efeitos da fixação do imposto especial de consumo — Taxa de imposto aplicável a esses produtos»

Introdução

1.

Os Estados‑Membros têm o direito de impor aos sujeitos passivos uma série de obrigações destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscais. No entanto, essas medidas não podem resultar na tributação dos produtos sujeitos à legislação fiscal harmonizada de forma incompatível com as disposições do direito da União. O Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a tributação dos produtos energéticos e terá a oportunidade de confirmar essa jurisprudência no caso em apreço. Além disso, o presente processo diz respeito à questão da interação entre a tributação dos produtos energéticos e da eletricidade no contexto específico da produção destes produtos para suprir as necessidades do produtor.

Quadro jurídico

Direito da União

2.

O artigo 1.o da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade ( 2 ), dispõe:

«Os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com o disposto na presente diretiva.»

3.

Nos termos do artigo 2.o da diretiva:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “produtos energéticos” os produtos adiante especificados:

[…]

b)

Os produtos abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702 e 2704 a 2715;

[…]

2.   A presente diretiva é igualmente aplicável:

À eletricidade abrangida pelo código NC 2716.

3.   Quando destinados a serem utilizados, colocados à venda ou consumidos como carburante ou combustível de aquecimento, os produtos energéticos para os quais não é especificado um nível tributário na presente diretiva serão tributados de acordo com a sua utilização, à taxa prevista para o carburante ou o combustível de aquecimento equivalente.

[…]

4.   A presente diretiva não é aplicável:

[…]

b)

Às seguintes utilizações de produtos energéticos e eletricidade:

produtos energéticos utilizados para fins que não o de carburantes ou combustíveis de aquecimento.

[…]»

4.

O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da diretiva dispõe:

«Para além das disposições gerais previstas na Diretiva 92/12/CEE [ ( 3 )] relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis, e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas:

a)

Produtos energéticos e eletricidade utilizados para produzir eletricidade e eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade. […]»

5.

Por último, o artigo 21.o da Diretiva 2003/96 dispõe:

«1.   Para além das disposições gerais que definem o facto gerador e das disposições relativas ao pagamento estabelecidas na Diretiva 92/12/CEE, o montante da tributação que incide sobre os produtos energéticos tornar‑se‑á igualmente exigível aquando da ocorrência de um dos factos geradores referidos no n.o 3 do artigo 2.o da presente diretiva.

[…]

3.   O consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado como facto gerador de imposto se disser respeito a produtos energéticos produzidos nas instalações do estabelecimento. […] Se se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos e, em particular, à tração de veículos, o consumo será considerado como facto gerador de imposto.

[…]

5.   Para efeitos dos artigos 5.o e 6.o da Diretiva 92/12/CEE, a eletricidade e o gás natural são sujeitos a tributação, que será exigível no momento do fornecimento pelo distribuidor ou redistribuidor. […]

[…]

Uma entidade que produza eletricidade para consumo próprio é considerada como um distribuidor. […]

[…]»

Direito romeno

6.

A Diretiva 2003/96 foi transposta para a ordem jurídica romena através das disposições do Codul Fiscal — Legea nr. 571/2003 (Lei n.o 571/2003 relativa ao Código Tributário), de 22 de dezembro de 2003. Os produtos sujeitos a tributação eram especificados, até 31 de março de 2010, no artigo 175.o dessa lei, e a partir de 1 de abril de 2010, no seu artigo 20616 A disposição do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 foi transposta, respetivamente, para o artigo 175.o, n.o 7 e para o artigo 20616, n.o 7, dessa lei.

7.

Segundo as disposições da Hotărârea Guvernului României nr. 44/2004 pentru aprobarea Normelor metodologice de aplicare a Legii nr. 571/2003 privind Codul fiscal (Decreto n.o 44/2004 do Governo romeno, que aprova as normas de execução da Lei n.o 571/2003 relativa ao Código Tributário), de 22 de janeiro de 2004:

«Artigo 175.o

5. (1)   Os produtos energéticos não abrangidos pelo n.o 3 do artigo 175.o [da Lei relativa ao Código Tributário] estão sujeitos ao imposto especial de consumo quando:

a)

sejam fabricados para ser utilizados como carburante ou combustível para aquecimento;

b)

sejam colocados à venda como carburante ou combustível para aquecimento;

c)

sejam consumidos como carburante ou combustível para aquecimento.

(2)   Os operadores económicos que se encontrem numa das situações referidas no n.o 1 são obrigados, antes do fabrico, colocação à venda ou consumo dos produtos energéticos, a apresentar um requerimento ao Ministerul Finantelor Pubblice — Comisia con atribuţii in autorizarea antrepozilor fiscale [Ministério das Finanças — serviço competente para a emissão das licenças de entreposto fiscal, Roménia], com vista à classificação desses produtos para efeitos do imposto especial de consumo. Ao requerimento tem de ser obrigatoriamente junto o relatório de análise do produto, elaborado por um laboratório reconhecido, a classificação pautal do produto efetuada pela Autoritatea Naţionala a Vămilor [Autoridade Aduaneira nacional, Roménia] e um parecer do Ministerul Economiei si Comerţului [Ministério da Economia e do Comércio, Roménia] sobre a equiparação desse produto a um produto equivalente sobre o qual incida imposto especial de consumo.

[…]

(4)   Relativamente aos produtos […] em relação aos quais o operador económico não respeita as obrigações referidas nos n.os 2 e 3, no caso de carburantes o imposto especial de consumo devido corresponde ao imposto previsto para a gasolina com chumbo e, no caso de combustível para aquecimento o imposto especial de consumo devido é o previsto para o gasóleo.»

8.

Aplicam‑se disposições de execução semelhantes ao artigo 20616 da lei acima referida.

Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

9.

A SC Petrotel‑Lukoil SA, sociedade do direito romeno (a seguir «sociedade Petrotel‑Lukoil»), produz produtos energéticos, em especial diferentes tipos de carburantes. No âmbito da sua produção, a sociedade produz, igualmente, entre outros, os produtos designados por «fuelóleo 40/42S» e «fuelóleo semitransformado», abrangidos pelo código NC 27079999.

10.

O tribunal de reenvio apresenta no seu pedido uma descrição muito ampla dos factos do litígio entre a sociedade Petrotel‑Lukoil e as autoridades fiscais romenas. Afigura‑se que, para responder às questões referentes à interpretação do direito da União, apenas são pertinentes os elementos de facto que se seguem.

11.

No âmbito de uma fiscalização, as autoridades fiscais romenas verificaram que, no período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2011, a sociedade Petrotel‑Lukoil utilizou «fuelóleo 40/42S» e «fuelóleo semitransformado» como combustível de aquecimento tanto nas suas instalações tecnológicas de produção de produtos energéticos, como na sua central termoelétrica, para produzir o vapor necessário à produção de calor e eletricidade. Além disso, as autoridades fiscais verificaram que a sociedade Petrotel‑Lukoil não apresentou um pedido de classificação do produto designado por «fuelóleo semitransformado» para efeitos da fixação do imposto especial de consumo.

12.

Em resultado destas constatações, as autoridades fiscais romenas emitiram, em 18 de dezembro de 2014, uma decisão relativa a um aviso de liquidação fiscal, referente à utilização dos referidos produtos energéticos na central termoelétrica da sociedade Petrotel‑Lukoil. Nessa decisão, também ficou estipulada a tributação do produto designado por «fuelóleo semitransformado» à taxa aplicável ao gasóleo.

13.

O recurso interposto pela Petrotel‑Lukoil contra essa decisão foi indeferido em 11 de novembro de 2015. Além disso, em 27 de abril de 2015, a sociedade obteve a classificação do produto designado por «fuelóleo semitransformado» como fuelóleo.

14.

Em 5 de janeiro de 2016, a sociedade Petrotel‑Lukoil interpôs um recurso, no órgão jurisdicional de reenvio, com vista à anulação parcial das decisões administrativas acima referidas e ao reembolso do imposto especial de consumo pago em excesso.

15.

Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 21.o, n.o 3, da [Diretiva 2003/96], ser interpretado no sentido de que obsta às disposições constantes do artigo 175.o, que vigorou até 31 de março de 2010, [Código Tributário Lei n.o 571/2003], e do artigo 20616, em vigor a partir de 1 de abril de 2010, [dessa lei], bem como às disposições subsequentes [adotadas nos termos das mesmas]?

2)

Deve o artigo 2.o, n.o 3, da [Diretiva 2003/96/CE], ser interpretado no sentido de que obsta às disposições constantes do artigo 175.o, que vigorou até 31 de março de 2010 [Código Tributário Lei n.o 571/2003], e do artigo 20616, em vigor a partir de 1 de abril de 2010, [dessa lei], bem como às disposições subsequentes [adotadas nos termos das mesmas]?

3)

O princípio da proporcionalidade obsta a que o Estado não ignore a circunstância de a sociedade ter obtido, após a inspeção tributária, a decisão que permite a equiparação do produto “fuelóleos semitransformados” ao produto “fuelóleos […]” e, por ocasião da análise da reclamação do contribuinte[…], a que se mantenha o imposto especial de consumo inicialmente calculado para o produto “gasóleo”?»

16.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de fevereiro de 2018. A sociedade Petrotel‑Lukoil, o Governo romeno e a Comissão apresentaram observações escritas. Estas mesmas partes estiveram representadas na audiência de 10 de janeiro de 2019.

Análise

17.

O órgão jurisdicional de reenvio não precisa que disposições nacionais específicas suscitam dúvidas no que toca à sua compatibilidade com o direito da União. No entanto, com base nas observações formuladas pelas várias partes no processo, pode afirmar‑se que se trata das disposições, ou de uma interpretação das mesmas, que permitem a tributação dos produtos energéticos utilizados no processo de produção de outros produtos energéticos e de eletricidade no mesmo estabelecimento que produziu esses primeiros produtos energéticos. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pode também ter dúvidas quanto à tributação do produto designado por «fuelóleo semitransformado» a uma taxa específica para o gasóleo, apesar da classificação post factum desse produto como «fuelóleo».

Quanto à primeira questão prejudicial

18.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber se o artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições do direito nacional, ou a uma interpretação das mesmas, que permitam a tributação de produtos energéticos utilizados no processo de produção de outros produtos energéticos e de eletricidade no mesmo estabelecimento que produziu esses primeiros produtos energéticos.

19.

O estabelecimento (refinaria) pertencente à sociedade Petrotel‑Lukoil produz, entre outros, dois produtos energéticos, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/96, designados por «fuelóleo 40/42S» e «fuelóleo semitransformado». Esses produtos são utilizados como combustíveis para alimentar a caldeira a vapor da central eletrotérmica que faz parte do estabelecimento. O vapor daí resultante é, seguidamente, utilizado para a produção simultânea (cogeração) de calor e eletricidade.

20.

As partes no processo principal estão em litígio quanto à questão de saber se, e em que medida, o calor e a eletricidade produzidos desta forma são, posteriormente, utilizados no processo tecnológico de produção dos produtos energéticos que são os produtos finais do referido estabelecimento. Trata‑se de uma questão de facto que deve ser resolvida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Afigura‑se, contudo, que tanto o calor como a eletricidade são, ou podem de qualquer das formas ser, utilizados tanto no processo tecnológico de produção dos produtos energéticos, como para outros fins no estabelecimento, como o aquecimento e fornecimento de eletricidade nos escritórios ou outros locais. Além disso, podem ser transferidos para o exterior do estabelecimento, para a rede geral de eletricidade e aquecimento. A fim de dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil à sua questão prejudicial é necessário analisar a forma como os produtos energéticos primários são tributados, à luz das disposições da Diretiva 2003/96, em função das diferentes utilizações dadas ao calor e à eletricidade.

21.

A Diretiva 2003/96 introduz o princípio da tributação dos produtos energéticos utilizados como carburante ou combustível de aquecimento e harmoniza o nível da mesma. O facto gerador de imposto é a produção ou importação de produtos energéticos, bem como os factos referidos no artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96. No entanto, o imposto torna‑se exigível apenas no momento em que estes produtos são introduzidos no mercado para consumo. O caso da eletricidade é diferente, uma vez que aí o imposto se torna exigível no momento do seu fornecimento pelo distribuidor ou redistribuidor.

22.

A Diretiva 2003/96 prevê uma série de exceções às regras acima referidas. Em particular, nos termos do artigo 21.o, n.o 3, primeira frase, a utilização produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado como facto gerador de imposto se disser respeito a produtos produzidos nesse mesmo estabelecimento. Nos termos, porém, da terceira frase dessa disposição, se se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos o consumo será considerado como facto gerador de imposto.

23.

O artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 não especifica a forma como os produtos energéticos em questão devem ser utilizados para a produção de produtos energéticos. É apenas claro que se trata de produtos utilizados como combustível para aquecimento, visto que uma utilização que não essa, por exemplo como matérias‑primas, não está abrangida pelas disposições da diretiva. Não tem, porém, significado o facto de esses produtos serem utilizados diretamente nas instalações de produção de produtos energéticos ou, por exemplo, para produzir energia utilizada para produção posterior. Também é irrelevante se, no processo de produção dessa energia é formado um produto intermédio, como o vapor.

24.

A mesma conclusão deve ser retirada quanto aos produtos energéticos utilizados na produção de eletricidade que, por sua vez, é utilizada para produzir outros produtos energéticos. Efetivamente, nada na redação do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 permite um tratamento fiscal diferente dos produtos energéticos utilizados na produção de calor face aos utilizados para a produção de eletricidade, se, seguidamente, ambos esses tipos de energia forem utilizados para a produção de produtos energéticos.

25.

Além disso, os produtos energéticos utilizados para a produção de eletricidade estão sujeitos à isenção geral prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeira frase, da Diretiva 2003/96. Na minha opinião, contudo, aos produtos energéticos produzidos nas instalações de um estabelecimento que os produza e utilizados na produção de eletricidade usada, subsequentemente, na produção de outros produtos energéticos, deve ser aplicada como lex specialis a disposição do artigo 21.o, n.o 3, da diretiva ( 4 ).

26.

Assim, não partilho da opinião da Comissão, segundo a qual a eletricidade produzida na central termoelétrica nas instalações da refinaria da sociedade Petrotel‑Lukoil e utilizada no processo de produção de produtos energéticos não está sujeita a tributação. Esta questão não parece ser o objeto do litígio no processo principal nem das questões prejudiciais, mas vale a pena esclarecê‑la.

27.

A eletricidade é tributada no momento do seu fornecimento pelo distribuidor ou redistribuidor. Nos termos do artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, primeira frase, da Diretiva 2003/96, uma entidade que produza eletricidade para consumo próprio é considerada como um distribuidor, pelo que a eletricidade produzida para uso próprio é tributada. Este efeito não é excluído, a meu ver, da disposição do artigo 21.o, n.o 3, primeira frase, da referida diretiva.

28.

Em primeiro lugar, embora a eletricidade esteja sujeita a imposto, nos termos da Diretiva 2003/96, ainda assim não constitui um produto energético na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da diretiva, estando regulada separadamente no seu artigo 2.o, n.o 2. A expressão contida no artigo 21.o, n.o 3, primeira frase, da Diretiva 2003/96, «produtos energéticos» não abrange, portanto, a eletricidade. Quando o legislador introduz regras análogas para os produtos energéticos e para a eletricidade, menciona explicitamente ambos os tipos de produto, como por exemplo no artigo 21.o, n.o 3, segunda frase, da referida diretiva.

29.

Em segundo lugar, embora a Diretiva 2003/96 proíba, por isenção geral no seu artigo 14.o, n.o 1, alínea a), a dupla tributação da eletricidade e dos produtos energéticos e eletricidade utilizados para produzir eletricidade, não se aplica uma obrigação semelhante no sentido inverso. A eletricidade utilizada para produzir produtos energéticos é, por conseguinte, tributada ao abrigo das regras gerais. De um modo mais geral, a Diretiva 2003/96 não contém nenhuma «cláusula para evitar a dupla tributação» relativa aos produtos energéticos e à eletricidade utilizados para a produção de produtos energéticos. A única exceção é a isenção parcial dos produtos produzidos nas instalações do estabelecimento, prevista no artigo 21.o, n.o 3, primeira frase, da diretiva.

30.

Em terceiro lugar, não partilho da opinião da Comissão, expressa durante a audiência, sobre a necessidade de encarar o processo de produção dos produtos energéticos como um todo, o que resultaria na isenção de imposto da eletricidade utilizada nesse processo. O processo de produção deve, efetivamente, ser tratado como um todo, no que toca à tributação dos produtos energéticos produzidos pelo mesmo estabelecimento e utilizados para efeitos dessa produção. Estes produtos não estão sujeitos a imposto, independentemente de a sua utilização na produção de produtos energéticos adicionais ser de natureza direta ou de tal suceder através da utilização de um produto intermédio como, por exemplo, o vapor de água. No entanto, tal não é o caso numa situação em que há produção de um produto sujeito a imposto nos termos da Diretiva 2003/96, como, por exemplo, a eletricidade. Neste caso, aplicam‑se as disposições dessa diretiva, e dessas disposições não resulta a obrigação de isentar a eletricidade utilizada para a produção de produtos energéticos nem outra proibição geral de dupla tributação, da qual pudesse decorrer tal obrigação.

31.

Quando o calor ou a eletricidade produzidos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não são utilizados nessa produção, mas antes para outros fins, como, por exemplo, o de aprovisionamento de escritórios ou de outras instalações, o disposto no artigo 21.o, n.o 3, primeira frase, da Diretiva 2003/96 não se aplica. A terceira frase deste número pressupõe isto mesmo. Por conseguinte, os produtos energéticos utilizados para a produção de calor estão sujeitos a imposto nos termos das regras gerais, enquanto os produtos utilizados para a produção de eletricidade estão isentos nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva. Em contrapartida, a eletricidade assim produzida, enquanto eletricidade produzida para suprir as necessidades do seu produtor, é tributada na fase de consumo.

32.

Por último, no que diz respeito à produção de calor e eletricidade, que são transferidos para fora do estabelecimento, para uma rede geral de aquecimento ou de eletricidade, o artigo 21.o, n.o 3, primeira frase, da Diretiva 2003/96 não é aplicável. Tal significa que a utilização para efeitos desta produção de produtos energéticos, mesmo sendo produzidos nas instalações desse mesmo estabelecimento, está sujeita às regras gerais. Os produtos energéticos utilizados para a produção de calor estão, por conseguinte, sujeitos a imposto, ao passo que os produtos energéticos utilizados para a produção de eletricidade estão isentos, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96.

33.

Tendo em conta as circunstâncias de facto específicas do processo principal, as conclusões acima expostas podem ser resumidas no sentido de que os produtos energéticos produzidos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos:

não estão sujeitos a imposto (inexistência de um facto gerador de imposto), na medida em que são utilizados para produzir calor (também na forma de vapor de água) utilizado na produção de produtos energéticos;

não estão sujeitos a imposto (inexistência de um facto gerador de imposto), na medida em que são utilizados para produzir eletricidade utilizada na produção de produtos energéticos;

estão sujeitos a imposto, na medida em que são utilizados para produzir calor utilizado para outros fins nas instalações do mesmo estabelecimento;

não estão sujeitos a impostos (isenção), na medida em que são utilizados para produzir eletricidade utilizada para outros fins nas instalações do mesmo estabelecimento;

estão sujeitos a imposto, na medida em que são utilizados para produzir calor transferido para fora do estabelecimento;

não estão sujeitos a imposto (isenção), na medida em que são utilizados para produzir eletricidade transferida para fora do estabelecimento.

34.

Simultaneamente, a eletricidade produzida nas instalações desse estabelecimento está sujeita a imposto, que se torna exigível no momento da sua utilização, na medida em que essa energia seja utilizada nas instalações do mesmo estabelecimento, tanto para a produção de produtos energéticos, como para outros fins, e, aquando do fornecimento pelo distribuidor ou redistribuidor, na medida em que seja transferida para fora das instalações dessa empresa.

35.

Como tal, proponho que se responda à primeira questão prejudicial que o artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições do direito nacional de um Estado‑Membro, ou à sua interpretação, que permitam a tributação de produtos energéticos produzidos nas instalações de um estabelecimento de produção de produtos energéticos e utilizados para efeitos dessa produção, independentemente de essa utilização ser feita diretamente ou através de outro produto, como o vapor de água ou a eletricidade.

Quanto à segunda e terceira questões prejudiciais

36.

Recorde‑se que a sociedade Petrotel‑Lukoil utilizou um produto produzido por si, designado por «fuelóleo semitransformado» como combustível de aquecimento para alimentar a caldeira a vapor da sua central termoelétrica, sem ter obtido a classificação desse produto para efeitos fiscais. À luz do que precede, as autoridades fiscais romenas cobraram um imposto sobre esse produto à taxa estabelecida para o gasóleo, nos termos das disposições do direito romeno. A sociedade Petrotel‑Lukoil obteve, posteriormente, a classificação do produto em causa como fuelóleo, mas tal não resultou numa redução da taxa de tributação nem no reembolso do imposto pago em excesso.

37.

Com as suas segunda e terceira questões prejudiciais, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber se o artigo 2.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/96, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições do direito nacional ou a práticas nacionais de um Estado‑Membro que permitam a tributação de um produto energético, relativamente ao qual a diretiva não estabelece o nível de tributação, utilizado como combustível de aquecimento, à taxa estabelecida para o carburante, quando o sujeito passivo não tenha pedido a classificação desse produto para efeitos de tributação, e à manutenção desse nível de tributação, mesmo depois de o produto em causa ser classificado de combustível de aquecimento.

38.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/96, quando utilizados como carburante ou combustível de aquecimento, os produtos energéticos para os quais não é especificado um nível tributário na diretiva serão tributados «de acordo com a sua utilização», à taxa prevista para o carburante ou o combustível de aquecimento equivalente.

39.

As disposições do direito romeno exigem, nesse caso, que um operador que tencione utilizar como carburante ou combustível de aquecimento um produto energético para o qual não esteja estabelecido um nível de tributação obtenha, junto da autoridade competente, a classificação desse produto para efeitos do imposto especial de consumo. O não cumprimento desta obrigação tem por efeito a tributação automática do produto em causa à taxa prevista para a gasolina, quando utilizado como carburante, ou à taxa prevista para o gasóleo quando utilizado como combustível de aquecimento. Estas disposições têm por objetivo prevenir a fraude fiscal, em especial a utilização de produtos sujeitos a impostos à taxa prevista para combustíveis de aquecimento como carburantes, para os quais as taxas de imposto são muito mais altas.

40.

O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que tais disposições são contrárias às disposições da Diretiva 2003/96, interpretadas à luz do princípio da proporcionalidade. Embora os Estados‑Membros possam impor certas obrigações aos sujeitos passivos a fim de evitar a evasão fiscal, o incumprimento destas obrigações não deve resultar na tributação dos produtos utilizados como combustíveis de aquecimento, com a taxa prevista para os carburantes ( 5 ).

41.

Na minha opinião, o mesmo princípio deve ser aplicado no caso em apreço. Nada altera o facto de no processo ROZ‑ŚWIT estar em causa a obrigação de informar, que o vendedor de produtos energéticos estava obrigado a cumprir após a venda desses produtos, ao passo que, no caso em apreço, a obrigação deve ser cumprida, por norma, antes da utilização dos produtos. Ambos os tipos de obrigação têm o mesmo objetivo, nomeadamente, o de assegurar o controlo pela administração fiscal da utilização de produtos energéticos e prevenir assim a evasão fiscal.

42.

Não estou, pois, convencido com o argumento do Governo romeno de que, ao contrário da obrigação apreciada pelo Tribunal de Justiça no processo acima referido ( 6 ), a obrigação estabelecida no direito romeno não tem um caráter exclusivamente formal. Independentemente de a obrigação ser ex ante ou ex post, o efeito do seu incumprimento é o mesmo, nomeadamente a tributação do produto energético utilizado como combustível de aquecimento à taxa prevista para os carburantes. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, todavia, tal é contrário ao artigo 2.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/96.

43.

No que diz respeito ao argumento desse Governo, segundo o qual esse nível de tributação deve ter a natureza de uma sanção e constituir um elemento dissuasor, é de referir que os Estados‑Membros têm, naturalmente, o direito de impor sanções aos sujeitos passivos pelo incumprimento das suas obrigações administrativas. No entanto, estas sanções não podem consistir na tributação destes produtos de uma forma que seja incompatível com as disposições da Diretiva 2003/96.

44.

Do que precede decorre que os Estados‑Membros não têm o direito a tributar os produtos energéticos utilizados como combustíveis de aquecimento à taxa prevista para os carburantes, numa situação em que o sujeito passivo não tenha cumprido as suas obrigações administrativas. Por maioria de razão, portanto, não podem manter esse nível de tributação se o sujeito passivo tiver cumprido essas obrigações, ainda que com algum atraso. Foi este o caso no processo principal, uma vez que a sociedade Petrotel‑Lukoil obteve, em última instância, a classificação do produto designado por «fuelóleo semitransformado» como fuelóleo. Nesta situação, o imposto pago em excesso deve ser reembolsado. O não reembolso deste imposto é incompatível com as disposições da Diretiva 2003/96 relativas ao princípio da proporcionalidade.

45.

Como tal, proponho que se responda às segunda e terceira questões prejudiciais que o artigo 2.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/96, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições do direito nacional ou a práticas nacionais de um Estado‑Membro que permitam a tributação de um produto energético relativamente ao qual a diretiva não estabelece o nível de tributação, utilizado como combustível de aquecimento, à taxa estabelecida para o carburante, quando o sujeito passivo não tenha pedido a classificação desse produto para efeitos de tributação, e à manutenção desse nível de tributação, mesmo depois de o produto em causa ser classificado de combustível de aquecimento.

Conclusão

46.

Tendo em conta tudo o que precede, proponho a seguinte resposta às questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça pelo Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia):

1)

O artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições do direito nacional de um Estado‑Membro, ou à sua interpretação, que permitam a tributação de produtos energéticos produzidos nas instalações de um estabelecimento de produção de produtos energéticos e utilizados para efeitos dessa produção, independentemente de essa utilização ser feita diretamente ou através de outro produto, como o vapor de água ou a eletricidade.

2)

O artigo 2.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/96/CE, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições do direito nacional ou a práticas nacionais de um Estado‑Membro que permitam a tributação de um produto energético, relativamente ao qual a diretiva não estabelece o nível de tributação, utilizado como combustível de aquecimento, à taxa estabelecida para o carburante, quando o sujeito passivo não tenha pedido a classificação desse produto para efeitos de tributação, e à manutenção desse nível de tributação, mesmo depois de o produto em causa ser classificado de combustível de aquecimento.


( 1 ) Língua original: polaco.

( 2 ) JO 2003, L 283, p. 51.

( 3 ) Diretiva do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1).

( 4 ) Não é pertinente que a produção de eletricidade e calor seja simultânea (cogeração) no caso da central termoelétrica situada nas instalações da Petrotel‑Lukoil. As isenções para os produtos energéticos utilizados na produção de eletricidade são igualmente aplicáveis à cogeração (v., por analogia, Acórdão de 7 de março de 2018, Cristal Union, C‑31/17, EU:C:2018:168, dispositivo).

( 5 ) Acórdão de 2 de junho de 2016, ROZ‑ŚWIT (C‑418/14, EU:C:2016:400, dispositivo).

( 6 ) Acórdão de 2 de junho de 2016, ROZ‑ŚWIT (C‑418/14, EU:C:2016:400).