(Processo T‑481/17)

Fundación Tatiana Pérez de Guzmán el Bueno e Stiftung für Forschung und Lehre (SFL)

contra

Conselho Único de Resolução (CUR)

Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção alargada) de 1 de junho de 2022

«União Económica e Monetária – União Bancária – Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) – Procedimento de resolução aplicável em caso de situação ou risco de insolvência de uma entidade – Adoção pelo CUR de um programa de resolução relativamente ao Banco Popular Español – Recurso de anulação – Ato recorrível – Admissibilidade – Direito de audiência – Direito de propriedade – Dever de fundamentação – Artigos 18.°, 20.° e 24.° do Regulamento (UE) n.o 806/2014»

  1. Recurso de anulação – Atos suscetíveis de recurso – Conceito – Programa de resolução adotado pelo Conselho Único de Resolução (CUR) e aprovado pela Comissão – Caráter definitivo – Inclusão

    (Artigo 263.o TFUE; Regulamento n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 86.o)

    (cf. n.os 143, 149, 150)

  2. Direitos fundamentais – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Direito a uma boa administração – Direito de audiência – Alcance – Inexistência de audição, no âmbito de um procedimento de resolução, dos acionistas e credores de uma instituição de crédito que é objeto de uma medida de resolução – Admissibilidade

    [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 41.°, n.o 2, alínea a), e 52.°, n.o 1; Regulamento n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 14.°, n.o 2, e 18.°]

    (cf. n.os 196, 201, 204, 221, 239, 241, 242)

  3. Direitos fundamentais – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Direito a uma boa administração – Direito de acesso de qualquer pessoa ao processo que lhe diz respeito – Alcance – Inexistência de comunicação pelo Conselho Único de Resolução (CUR) do relatório de avaliação 2 durante o procedimento administrativo que conduziu à adoção do programa de resolução – Admissibilidade

    [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 41.°, n.o 2, alínea b), e 52.°, n.o 1; Regulamento n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 90.o, n.o 4]

    (cf. n.o 333)

  4. Política económica e monetária – Política económica – Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento – Adoção de um programa de resolução – Pressupostos – Situação ou risco de insolvência de uma instituição de crédito – Insolvência da referida instituição – Falta de incidência

    [Regulamento n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 18.o, n.os 1, alínea a), e 4, alínea c)]

    (cf. n.os 374, 376)

  5. Direitos fundamentais – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Direito de propriedade – Alcance – Situação ou risco de insolvência de uma instituição de crédito – Programa de resolução que prevê uma redução e uma conversão dos instrumentos de capital dessa instituição – Admissibilidade

    (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 17.°, n.o 1, e 52.°, n.o 1; Regulamento n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho)

    (cf. n.os 480, 517, 530)

Resumo

É negado integralmente provimento aos recursos de anulação do programa de resolução do Banco Popular e/ou da decisão da Comissão que o aprova

O Banco Popular Español, SA (a seguir «Banco Popular») era uma instituição de crédito espanhola sujeita à supervisão prudencial direta do Banco Central Europeu (BCE). Em 7 de junho de 2017, o Conselho Único de Resolução (CUR) adotou uma decisão sobre um programa de resolução do Banco Popular ( 1 ) (a seguir «programa de resolução»). No mesmo dia, a Comissão Europeia adotou a Decisão 2017/1246 ( 2 ), que aprova o programa de resolução.

Antes da adoção do programa de resolução, foi realizada uma avaliação do Banco Popular, que incluía dois relatórios anexos ao programa de resolução, a saber, uma primeira avaliação (a seguir «avaliação 1») datada de 5 de junho de 2017 e redigida pelo CUR e uma segunda avaliação (a seguir «avaliação 2»), datada de 6 de junho de 2017, redigida por um perito independente. Essa avaliação 2 tinha nomeadamente por objetivo estimar o valor do ativo e do passivo do Banco Popular e fornecer os elementos que permitissem tomar a decisão sobre as ações e títulos de propriedade a transferir e os que permitissem ao CUR determinar o que constituía condições comerciais para efeitos do instrumento de alienação da atividade. Do mesmo modo, em 6 de junho de 2017, o BCE realizou, após consulta do CUR, uma avaliação sobre a situação ou risco de insolvência de Banco Popular ( 3 ), em que considerou que, tendo em conta os problemas de liquidez com que se defrontava o Banco Popular, este provavelmente não estaria em condições, num futuro próximo, de pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento ( 4 ). No mesmo dia, o Conselho de Administração do Banco Popular informou o BCE de que tinha chegado à conclusão de que o banco estava em risco de insolvência.

No programa de resolução, o CUR considerou que o Banco Popular preenchia os pressupostos da adoção de uma medida de resolução ( 5 ), a saber, encontrava‑se em situação ou risco de insolvência, não existiam outras medidas que pudessem impedir a sua insolvência dentro de um prazo razoável e era necessária no interesse público uma medida de resolução sob a forma de um instrumento de alienação da atividade ( 6 ). O CUR exerceu o seu poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital do Banco Popular ( 7 ) e ordenou que as novas ações daí resultantes fossem transferidas para o Banco Santander pelo preço de um euro.

Os recursos foram designados de «processos‑piloto» representativos de uma centena de recursos interpostos por pessoas singulares e coletivas que eram titulares de instrumentos de capital do Banco Popular antes da resolução. Os recursos eram dirigidos à anulação do programa de resolução e/ou da Decisão 2017/1246 e incluíam pedidos de indemnização.

Nos seus cinco acórdãos proferidos na Terceira Secção Alargada, o Tribunal Geral negou integralmente provimento aos recursos dos recorrentes. Os presentes processos fornecem, pela primeira vez, ao Tribunal Geral a oportunidade de se pronunciar sobre a legalidade de uma decisão relativa a um programa de resolução adotado pelo CUR.

Apreciação do Tribunal Geral

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral sublinha que um programa de resolução adotado pelo CUR é suscetível de recurso, sem que seja necessário interpor igualmente recurso da decisão da Comissão que aprova esse programa, pelo que, uma vez aprovado pela Comissão, esse programa produz efeitos jurídicos e constitui um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação autónomo.

Em segundo lugar, quanto ao alcance da sua fiscalização, o Tribunal Geral considera que, uma vez que as decisões que o CUR é levado a adotar no âmbito de um procedimento de resolução se baseiam em apreciações económicas e técnicas altamente complexas, exerce uma fiscalização restrita. Contudo, o Tribunal Geral considera que, mesmo nos casos de apreciações complexas como as feitas pelo CUR no caso presente, o juiz da União deve não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões deles retiradas.

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral examina os argumentos dos recorrentes à luz da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Em primeiro lugar, considera que, embora não se possa excluir a possibilidade de os acionistas e credores de uma entidade objeto de uma medida de resolução invocarem o direito de audiência no âmbito do processo de resolução, o exercício desse direito pode estar sujeito a limitações. A este respeito, o Tribunal Geral precisa que o procedimento de resolução do Banco Popular prosseguia um objetivo de interesse geral, a saber, o objetivo de garantir a estabilidade dos mercados financeiros, suscetível de justificar uma limitação ao direito de audiência. Assim, no âmbito do procedimento de resolução do Banco Popular, a inexistência de uma disposição que preveja uma audição dos acionistas e dos credores da entidade em causa e a falta de audição dos recorrentes constituem uma limitação ao direito de audiência que é justificada e necessária para responder a um objetivo de interesse geral e que respeita o princípio da proporcionalidade. Com efeito, tais audições teriam comprometido os objetivos de proteção da estabilidade dos mercados financeiros e de continuidade das funções críticas da entidade, bem como as exigências de rapidez e de eficácia do procedimento de resolução.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral recorda, no que respeita ao direito de propriedade, nomeadamente que o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência e que não existiam medidas alternativas suscetíveis de o impedir. Por conseguinte, a decisão de reduzir e converter os instrumentos de capital do Banco Popular no programa de resolução não constitui uma intervenção desmedida e intolerável que violasse a própria substância do direito de propriedade dos recorrentes, antes devendo ser considerada uma restrição justificada e proporcionada ao seu direito de propriedade.

Em terceiro lugar, no que respeita ao direito de acesso ao processo, o Tribunal Geral sublinha que, no procedimento administrativo que levou à adoção do programa de resolução, por um lado, a falta de comunicação pelo CUR da avaliação 2 e, por outro, a falta de comunicação pelo CUR e pela Comissão dos documentos em que se basearam não constitui uma violação desse direito. Com efeito, certas informações detidas pelo CUR, contidas no programa de resolução, na avaliação 2 e nos documentos em que este se baseou, estão abrangidas pelo segredo profissional e são confidenciais. Por conseguinte, o Tribunal considera que, após a adoção do programa de resolução, os recorrentes não dispõem de um direito à comunicação de todo o processo em que o CUR se baseou.

Em quarto lugar, o Tribunal Geral julga improcedente o fundamento relativo a uma exceção de ilegalidade com base em que as disposições pertinentes do Regulamento MUR ( 8 ) violam os princípios relativos à delegação de poderes, sublinhando que é necessário que uma instituição da União, a saber, a Comissão ou o Conselho, aprove o programa de resolução sobre os seus aspetos discricionários para que este produza efeitos jurídicos. O legislador da União confiou assim a uma instituição a responsabilidade jurídica e política de determinar a política da União em matéria de resolução, evitando assim uma «verdadeira transferência de responsabilidade» ( 9 ), sem ter delegado um poder autónomo no CUR.

Em quinto lugar, quanto às avaliações 1 e 2, o Tribunal Geral indica que, tendo em conta a urgência da situação, o CUR se podia basear na avaliação 2 para adotar o programa de resolução. Com efeito, dados os condicionalismos de tempo e as informações disponíveis, algumas incertezas e aproximações são inerentes a qualquer avaliação provisória e as reservas formuladas por um perito que tenha efetuado essa avaliação não podem significar que esta não foi «justa, prudente e realista» ( 10 ). Por outro lado, observa que a avaliação 1, que visava determinar se o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência, para determinar se estavam preenchidos os pressupostos de abertura de um procedimento de resolução ou da redução ou conversão de instrumentos de capital, se tinha tornado obsoleta na sequência da avaliação relativa à situação ou risco de insolvência do Banco Popular efetuada pelo BCE em 6 de junho de 2017.

Em sexto lugar, o Tribunal Geral considera que o CUR e a Comissão não cometeram qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar que estavam preenchidas os pressupostos previstos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento MUR para a adoção de uma medida de resolução.

Primeiro, o Tribunal Geral observa que a insolvência da entidade não é uma condição para a verificação da situação ou do risco de insolvência e, portanto, não é um pressuposto da adoção de um programa de resolução. Com efeito, o facto de uma entidade ser solvente à luz do seu balanço não implica que disponha de tesouraria suficiente, isto é, dos fundos disponíveis para pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento. Por conseguinte, o Tribunal Geral considera que o CUR e a Comissão não cometeram qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar que o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência. Por outro lado, observa que o programa de resolução foi validamente adotado independentemente dos motivos que tenham levado o Banco Popular a uma situação ou risco de insolvência.

Segundo, o Tribunal Geral considera que os recorrentes não demonstraram a existência de medidas alternativas à resolução e que o CUR e a Comissão não cometeram qualquer erro manifesto de apreciação ao considerarem que não existia outra perspetiva razoável de que outras medidas de natureza privada ou medidas prudenciais impedissem a insolvência do Banco Popular num prazo razoável.

Terceiro, o Tribunal Geral refere que o CUR e a Comissão não cometeram qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar que a medida de resolução era necessária e proporcionada à luz dos objetivos de interesse público prosseguidos.

Em sétimo lugar, o Tribunal Geral julgou improcedente o fundamento de que a Comissão não examinou o programa de resolução antes de o aprovar, sublinhando que a Comissão designa um representante habilitado a participar nas reuniões do CUR, em sessão executiva e em sessão plenária, na qualidade de observador permanente e que o seu representante tem o direito de participar nos debates e tem acesso a todos os documentos. Assim, a Comissão, ao participar em várias reuniões com o CUR, tinha sido associada às diferentes fases que precediam a adoção do programa de resolução e tomou conhecimento dos anteprojetos desse programa e tinha participado na sua redação.

Em oitavo lugar, o Tribunal Geral rejeita o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação da Comissão. Refere que, quando esta aprova o programa de resolução na Decisão 2017/1246, pode limitar‑se, para justificar a sua adoção, a uma fundamentação que assinale o seu acordo quanto ao conteúdo desse programa de resolução e quanto aos fundamentos apresentados pelo CUR.

Em nono lugar, o Tribunal Geral rejeita os argumentos relativos à irregularidade do processo de venda. Confirma, nomeadamente, a legalidade da decisão do CUR de pedir à autoridade nacional de resolução que só contactasse as instituições que tinham participado no processo de venda privada do Banco Popular. Essa autoridade tem o direito de convidar determinados potenciais adquirentes em particular ( 11 ).

Em décimo e último lugar, no caso presente, o Tribunal Geral exclui a responsabilidade extracontratual do CUR e da Comissão. A esse respeito, observa que os recorrentes não demonstraram a existência de um comportamento ilícito do CUR ou da Comissão. Com efeito, não foi demonstrada qualquer divulgação pelo CUR ou pela Comissão de informações confidenciais relativas à implementação de um procedimento de resolução do Banco Popular e, por conseguinte, não se apurou qualquer violação do princípio da confidencialidade ou da obrigação de sigilo profissional da sua parte.

Além disso, os recorrentes não demonstraram um nexo de causalidade entre os ilícitos do CUR e da Comissão, admitindo que tivessem sido provados, e a crise de liquidez do Banco Popular e, portanto, entre estes e o dano alegado.


( 1 ) Decisão SRB/EES/2017/08 da sessão executiva do CUR, de 7 de junho de 2017, que aprova o programa de resolução do Banco Popular Español, SA.

( 2 ) Decisão (UE) 2017/1246 da Comissão, de 7 de junho de 2017, que aprova o programa de resolução para o Banco Popular Español S.A. (JO 2017, L 178, p. 15).

( 3 ) De acordo com o artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1, a seguir «Regulamento MUR»). O artigo 18.o desse regulamento visa o procedimento de resolução.

( 4 ) De acordo com o artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento MUR.

( 5 ) Em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento MUR.

( 6 ) Em conformidade com o artigo 24.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento MUR.

( 7 ) Em conformidade com o artigo 21.o do Regulamento MUR.

( 8 ) Artigos 18.°, 21.°, 22.° e 24.° do Regulamento MUR.

( 9 ) Na aceção do Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (C‑9/56, EU:C:1958:7).

( 10 ) Nos termos do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento MUR.

( 11 ) De acordo com o artigo 39.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190).