Processo T‑380/17
HeidelbergCement AG
e
Schwenk Zement KG
contra
Comissão Europeia
Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção) de 5 de outubro de 2020
«Concorrência — Concentrações — Mercado do cimento cinzento na Croácia — Decisão que declara a concentração incompatível com o mercado interno e o Acordo EEE — Empresas em causa — Mercado em questão — Parte substancial do mercado interno — Apreciação dos efeitos da operação na concorrência — Compromissos — Direitos de defesa — Remissão parcial às autoridades nacionais»
Concentração de empresas — Concentração de dimensão comunitária — Critérios de apreciação — Volume de negócios das empresas em causa — Empresa em causa — Conceito — Aquisição do controlo de uma sociedade por uma empresa comum — Tomada em consideração das sociedades‑mãe como empresas em causa — Requisitos — Sociedades‑mãe que são os verdadeiros intervenientes na operação de concentração — Violação do princípio da segurança jurídica — Inexistência
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho, artigo 1.o, n.o 2; Comunicação 2008/C 95/01 da Comissão, n.os 145 a 147)
(cf. n.os 98, 99, 105‑126, 130‑136, 149‑151)
Direito da União Europeia — Princípios — Segurança jurídica — Regulamentação da União — Exigência de clareza e de previsibilidade — Recurso a conceitos jurídicos indeterminados que devem ser interpretados e aplicados pela Administração — Admissibilidade
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho, artigo 1.o, n.o 2; Comunicação 2008/C 95/01 da Comissão, n.os 145 a 147)
(cf. n.os 130‑136)
Concentração de empresas — Concentração de dimensão comunitária — Critérios de apreciação — Volume de negócios das empresas em causa — Empresa em causa — Conceito — Aquisição do controlo de uma sociedade por uma empresa comum — Tomada em consideração das sociedades‑mãe como empresas em causa — Requisitos — Sociedades‑mãe que são os intervenientes na operação de concentração — Elementos de prova — Poder de apreciação da Comissão — Limites — Tomada em consideração da Comunicação consolidada em matéria de competência
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho, artigo 1.o, n.o 2; Comunicação 2008/C 95/01 da Comissão, n.os 145 a 147)
(cf. n.os 153‑160, 167‑174, 180, 198, 202‑206, 234, 253, 255‑258, 260‑270, 279‑281)
Concentração de empresas — Exame pela Comissão — Definição do mercado em causa — Delimitação geográfica
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho; Comunicação 97/C 372/03 da Comissão)
(cf. n.os 293‑343)
Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Criação ou reforço de uma posição dominante que entrava de forma significativa a concorrência efetiva no mercado interno — Entrave à concorrência de uma parte significativa do mercado interno — Critérios
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho, artigo 2.o, n.o 3)
(cf. n.os 347‑358)
Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Criação ou reforço de uma posição dominante que entrava de forma significativa a concorrência efetiva no mercado interno — Apreciação dos efeitos concorrenciais da operação — Critérios
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho, artigo 2.o, n.o 3)
(cf. n.os 366, 405, 431, 450, 499, 524, 528, 568, 569)
Concentração de empresas — Exame pela Comissão — Compromissos das empresas interessadas suscetíveis de tornar a operação notificada compatível com o mercado interno — Compromissos que permitem o acesso às infraestruturas e às redes
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho; Comunicação da Comissão 2008/C 267/01, n.o 63)
(cf. n.os 580‑586)
Concentração de empresas — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Direito das empresas de serem ouvidas — Alcance
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho)
(cf. n.os 633‑635; 665‑668, 693)
Concentração de empresas — Procedimento administrativo — Comunicação de acusações — Documentos disponíveis no momento da adoção da comunicação das acusações mas não incluídos nesta — Admissibilidade como meio de prova — Requisitos
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho, artigo 18.o, n.o 1)
(cf. n.o 636)
Concentração de empresas — Procedimento administrativo — Respeito dos direitos de defesa — Acesso ao processo — Regime linguístico — Atas de chamadas telefónicas da Comissão com clientes e concorrentes das empresas em causa — Acesso às atas na sua língua de origem — Admissibilidade
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho)
(cf. n.os 650‑664)
Concentração de empresas — Exame pela Comissão — Decisão de remissão do exame de uma operação de concentração às autoridades competentes de um Estado‑Membro — Remissão parcial limitada à apreciação dos efeitos da operação de concentração nos mercados em causa num Estado‑Membro — Consequências
(Regulamento n.o 139/2004 do Conselho, artigo 4.o, n.o 4)
(cf. n.os 684‑689)
Resumo
Em 5 de setembro de 2016, a HeidelbergCement AG e a Schwenk Zement KG (a seguir conjuntamente, «recorrentes») notificaram à Comissão Europeia um projeto de concentração que consistia na aquisição, através da sua empresa comum Duna‑Dráva Cement Kft. (a seguir «DDC»), do controlo das sociedades Cemex Hungária Építöanyagok Kft. e Cemex Hrvatska d.d. (a seguir, conjuntamente, «empresas‑alvo»). Todas estas sociedades exercem a sua atividade no domínio dos materiais de construção.
Após ter dado início a uma investigação aprofundada, a Comissão declarou a operação de concentração incompatível com o mercado interno ( 1 ). Na sua decisão, a Comissão fez considerações relativas, designadamente à dimensão comunitária da operação, ao mercado em causa, aos efeitos da concentração em matéria de concorrência e aos compromissos das partes na concentração. Para afirmar, mais especificamente, a dimensão comunitária da operação de concentração, a Comissão teve em conta os volumes de negócios das recorrentes, que ascendem a mais de 250 milhões de euros na União Europeia, pelo facto de estas constituírem os verdadeiros intervenientes da operação de concentração.
Em apoio do seu recurso de anulação interposto dessa decisão, as recorrentes contestaram, nomeadamente, a apreciação da dimensão comunitária da concentração notificada. A este respeito, o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento das concentrações comunitárias ( 2 ) exige que o volume de negócios total realizado individualmente na Comunidade por pelo menos duas das empresas em causa seja superior a 250 milhões de euros. Ora, ao referir‑se aos volumes de negócios das recorrentes para afirmar a dimensão comunitária da operação de concentração realizada pela sua empresa comum DDC, a Comissão não teve em conta o alcance desta disposição.
É negado provimento a este recurso pelo Tribunal Geral que, neste âmbito, fornece precisões ao conceito de «empresa em causa» cujo volume de negócios pode ser tido em conta para determinar a dimensão comunitária de uma operação de concentração.
Apreciação do Tribunal Geral
O Tribunal Geral recorda que, embora o Regulamento das concentrações comunitárias não defina o conceito de «empresas em causa» na aceção do seu artigo 1.o, n.o 2, a interpretação desse conceito foi objeto dos n.os 145 a 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência da Comissão ( 3 ). Contrariamente ao que pretendem as recorrentes, nem esses números, nem o princípio da segurança jurídica, nem o Regulamento das concentrações comunitárias se opõem, contudo, a que, para avaliar a dimensão comunitária de uma concentração levada a cabo por uma empresa comum, a Comissão qualifique as sociedades‑mãe de empresas em causa quando estas são os verdadeiros intervenientes na operação.
A este respeito, o Tribunal Geral salienta, em primeiro lugar, que, para garantir a eficácia do controlo das concentrações, afigura‑se necessário ter em conta a realidade económica dos verdadeiros intervenientes na concentração em função das situações de direito e de facto específicas de cada caso. Assim, a determinação das empresas em causa está necessariamente ligada ao modo como o processo de aquisição foi iniciado, organizado e financiado em cada caso individual.
No que respeita à interpretação do n.o 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência, o Tribunal Geral precisa, além disso, que este prevê duas hipóteses em que as sociedades‑mãe podem ser qualificadas de empresas em causa para efeitos da avaliação da dimensão comunitária de uma concentração realizada pela sua empresa comum. Na primeira hipótese, a empresa comum é utilizada como um mero instrumento. Na segunda, as sociedades‑mãe são os verdadeiros intervenientes na operação. No caso em apreço, a Comissão tinha considerado que a operação se incluía na segunda hipótese.
Em segundo lugar, o Tribunal Geral considera que nem a própria Comunicação consolidada em matéria de competência, nem a sua aplicação pela Comissão no caso em apreço geraram uma ambiguidade contrária ao princípio da segurança jurídica. Segundo o Tribunal Geral, os n.os 145 a 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência não são contraditórios com o método utilizado pela Comissão para determinar as empresas afetadas por uma operação de concentração. Além disso, as partes numa concentração, enquanto operadores económicos diligentes, podem igualmente, se necessário, recorrer a aconselhamento especializado ou contactar os serviços da Comissão a fim de obter orientações informais sobre as empresas envolvidas numa operação.
Em terceiro lugar, o Tribunal Geral precisa que, para efeitos da avaliação da dimensão comunitária de uma operação de concentração, não é necessário que as empresas em causa cujo volume de negócios ultrapasse os limiares previstos se situem de ambos os lados da operação. Com efeito, o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento das concentrações exige que pelo menos duas empresas em causa atinjam individualmente um volume de negócios na União de pelo menos 250 milhões de euros, e não que se deva tratar do adquirente e da empresa‑alvo.
( 1 ) Decisão C(2017) 1650 final, de 5 de abril de 2017 (Processo M.7878 ‑ HeidelbergCement/Schwenk/Cemex Hungary/Cemex Croatia).
( 2 ) Regulamento (CE) no 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 24, p. 1) (a seguir «Regulamento das concentrações comunitárias»).
( 3 ) Comunicação consolidada da Comissão em matéria de competência nos termos do Regulamento (CE) n.o 139/2004 relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2008, C 95, p. 1, e retificação no JO 2009, C 43, p. 10) (a seguir «Comunicação consolidada em matéria de competência»).