ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

11 de abril de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Convenção de Lugano II — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o) — Competência em matéria de contratos individuais de trabalho»

No processo C‑603/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido), por Decisão de 20 de outubro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de outubro de 2017, no processo

Peter Bosworth,

Colin Hurley

contra

Arcadia Petroleum Limited e o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, A. Arabadjiev, E. Regan, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 13 de setembro de 2018,

considerando as observações apresentadas:

em representação de P. Bosworth e C. Hurley, por A. Briggs e D. Foxton, QC, R. Eschwege, barrister, e T. Greeno e A. Forster, solicitors,

em representação da Arcadia Petroleum Limited e o., por M. Howard, QC, F. Pilbrow e N. Venkatesan, barristers, e S. Trevan, J. Kelly e T. Snelling, solicitors,

em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

em representação do Governo suíço, por M. Schöll, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de janeiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o) da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, cuja celebração foi aprovada, em nome da Comunidade, pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008 (JO 2009, L 147, p. 1; a seguir «Convenção de Lugano II»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Peter Bosworth e Colin Hurley à Arcadia Petroleum Limited e a outras sociedades a respeito de um pedido de indemnização do prejuízo alegadamente sofrido por essas sociedades em razão de pretensos atos fraudulentos de P. Bosworth e C. Hurley.

Quadro jurídico

3

O artigo 5.o da Convenção de Lugano II dispõe:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado vinculado pela presente convenção pode ser demandada noutro Estado vinculado pela presente convenção:

1.

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)

Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

no caso da venda de bens, o lugar num Estado vinculado pela presente convenção onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado vinculado pela presente convenção onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)

Se a alínea b) não se aplicar, será aplicável a alínea a).

[…]

3.

Em matéria de responsabilidade extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.

[…]»

4

Nos termos do artigo 18.o, n.o 1, desta convenção:

«Em matéria de contrato […] individual de trabalho, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o»

5

O artigo 20.o, n.o 1, da referida convenção enuncia:

«Um empregador só pode intentar uma ação perante os tribunais do Estado vinculado pela presente convenção em cujo território o trabalhador tiver domicílio.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6

A Arcadia London, a Arcadia Singapore e a Arcadia Switzerland são sociedades que exercem atividades de comércio de petróleo bruto e de produtos derivados do petróleo. Estas sociedades pertencem ao grupo Arcadia, detido a 100 % pela Farahead Holdings Ltd.

7

P. Bosworth e C. Hurley são nacionais britânicos domiciliados na Suíça, que, à data dos factos em causa no processo principal, eram, respetivamente, chief executive officer e chief financial officer do grupo Arcadia. Por outro lado, eram os administradores da Arcadia London, da Arcadia Singapore e da Arcadia Switzerland e estavam vinculados a uma dessas sociedades por um contrato de trabalho elaborado por eles próprios ou em conformidade com as suas próprias instruções.

8

Em 12 de fevereiro de 2015, a Arcadia London, a Arcadia Singapore, a Arcadia Switzerland e a Farahead Holdings (a seguir, conjuntamente, «Arcadia») intentaram na High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Commercial Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do Foro da Rainha (Secção Comercial), Reino Unido] ações contra várias pessoas, entre as quais P. Bosworth e C. Hurley. Estas ações destinavam‑se a obter a reparação do prejuízo que o grupo Arcadia alegadamente sofrera devido a operações fraudulentas em que estavam implicadas as sociedades desse grupo.

9

A petição da Arcadia baseava‑se em acusações de associação criminosa com recurso a meios ilegais (unlawful means conspiracy), de violação das obrigações de lealdade e de boa‑fé (breach of fiduciary duty) e de violação de obrigações contratuais expressas e/ou implícitas (breach of express and/or implied contractual duties) decorrentes dos contratos de trabalho dos recorrentes.

10

Por ato de 9 de março de 2015, P. Bosworth e C. Hurley contestaram a competência dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido para conhecer dos pedidos de indemnização da Arcadia que lhes eram dirigidos, uma vez que estes eram abrangidos pelas disposições do título II, secção 5, da Convenção de Lugano II, relativas às regras de competência em matéria de contratos individuais de trabalho, e que, em aplicação destas disposições, esses pedidos deviam ser apresentados nos órgãos jurisdicionais do Estado em cujo território têm o seu domicílio, a saber, os órgãos jurisdicionais suíços.

11

Na sequência dessa contestação, a Arcadia alterou a sua petição. Renunciou às suas alegações relativas à violação das obrigações contratuais e à violação dessas obrigações enquanto recurso ilícito utilizado no contexto da associação criminosa.

12

Por Acórdão de 1 de abril de 2015, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Commercial Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do Foro da Rainha (Secção Comercial)], declarou‑se competente para conhecer das acusações de associação criminosa com recurso a meios ilegais (unlawful means conspiracy) e de violação das obrigações de lealdade e de boa‑fé (breach of fiduciary duty), invocadas em apoio do referido pedido de indemnização, com exceção, relativamente a esta última acusação, dos factos ocorridos à época em que P. Bosworth e C. Hurley estavam vinculados por um contrato de trabalho a uma das sociedades do grupo Arcadia, uma vez que, segundo esse órgão jurisdicional, tais factos dizem respeito à matéria dos contratos individuais de trabalho e estão abrangidos, em aplicação do artigo 20.o, n.o 1, da Convenção de Lugano II, pela competência dos órgãos jurisdicionais suíços.

13

P. Bosworth e C. Hurley interpuseram recurso desse acórdão para a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Civil), Reino Unido].

14

Por Acórdão de 19 de agosto de 2016, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso. P. Bosworth e C. Hurley interpuseram recurso desse acórdão no órgão jurisdicional de reenvio.

15

Nestas condições, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Qual é o critério correto para determinar se uma ação intentada por um empregador contra um trabalhador ou antigo trabalhador (a seguir “trabalhador”) constitui uma “matéria de” contrato individual de trabalho na aceção do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o), da [Convenção de Lugano II]?

a)

Para que uma ação intentada por um empregador contra um trabalhador esteja abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 18.o a 21.o [da Convenção de Lugano II], é suficiente que a conduta controvertida do trabalhador também pudesse ter sido invocada pelo empregador como violação das obrigações do contrato individual de trabalho — ainda que a ação efetivamente intentada pelo empregador não tenha como fundamento, não invoque, nem alegue qualquer violação desse contrato, mas se baseie (por exemplo) num ou mais dos fundamentos indicados [no processo principal]?

b)

Em alternativa, é correto o critério segundo o qual uma ação intentada por um empregador contra um trabalhador apenas está abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 18.o a 21.o [da Convenção de Lugano] caso a obrigação na qual a ação efetivamente se baseia decorra do contrato de trabalho? Em caso afirmativo, conclui‑se daí que uma ação exclusivamente baseada na violação de uma obrigação criada à margem do contrato de trabalho (e que, eventualmente, não é uma obrigação “livremente consentida” pelo trabalhador) não está abrangida pelo âmbito de aplicação dessa secção 5?

c)

No caso de nenhum destes critérios ser o correto, qual o critério correto?

2)

No caso de uma sociedade e uma pessoa singular celebrarem um “contrato” (na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da [Convenção de Lugano II]), em que medida é necessário existir uma relação de subordinação entre a sociedade e a pessoa singular para que o referido contrato constitua um “contrato individual de trabalho” para efeitos da secção 5 [da referida convenção]? Pode existir uma relação desta natureza quando a pessoa singular tem a capacidade de determinar (e determina efetivamente) as condições do seu contrato com a sociedade, dispõe de controlo e de autonomia sobre as operações de gestão correntes da atividade da sociedade, bem como sobre a execução das suas próprias obrigações, mas [o acionista ou] os acionistas da sociedade podem pôr termo a essa relação?

3)

Caso as disposições do título II, secção 5, da [Convenção de Lugano II] apenas se apliquem a ações que, de outro modo, estariam abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1, desta convenção, qual o critério correto para determinar se uma ação está abrangida pelo âmbito de aplicação do referido artigo 5.o, n.o 1?

a)

É correto o critério segundo o qual uma ação está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1, caso a conduta controvertida possa ser considerada uma violação de uma obrigação contratual, ainda que a ação efetivamente intentada pelo empregador não tenha como fundamento, não invoque, nem alegue uma violação desse contrato?

b)

Em alternativa, é correto o critério segundo o qual uma ação apenas está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1, [da Convenção de Lugano II] caso a obrigação em que efetivamente se baseia seja uma obrigação contratual? Em caso afirmativo, conclui‑se daí que uma ação exclusivamente baseada na violação de uma obrigação criada à margem do contrato (e que, eventualmente, não é uma obrigação “livremente consentida” pelo trabalhador) não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1?

c)

No caso de nenhum destes critérios ser o correto, qual o critério correto?

4)

Em circunstâncias em que:

As sociedades A e B são ambas parte de um grupo de sociedades;

O demandado X exerce, de facto, o cargo de administrador‑geral desse grupo de sociedades (como P. Bosworth no Grupo Arcadia: exposição dos factos e questões controvertidas, n.o 14); X está empregado por uma sociedade do grupo, a sociedade A (e, portanto, é um trabalhador da sociedade A) (como era P. Bosworth durante certos períodos de tempo nas circunstâncias descritas no n.o 15 da secção factos e questões controvertidas); e, segundo o direito interno, não é um empregado da sociedade B;

A sociedade A intenta uma ação contra X, a qual está abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 18.o a 21.o [da Convenção de Lugano II]; e

A outra sociedade do grupo, sociedade B, também intenta uma ação contra X em virtude de uma conduta semelhante à que fundamenta a ação intentada pela sociedade A contra X;

qual é o critério correto para determinar se a ação intentada pela sociedade B está abrangida pelo âmbito de aplicação da secção 5 [da Convenção de Lugano II]? Em especial:

a)

A resposta à questão depende da existência de um “contrato individual de trabalho”, na aceção da secção 5 [do título II da Convenção de Lugano II], entre X e a sociedade B, e, em caso afirmativo, qual o critério correto para determinar se existia um contrato dessa natureza?

b)

A sociedade B deve ser considerada o “empregador” de X para efeitos da secção 5 do título II da [Convenção de Lugano II], e/ou está a ação intentada contra X [v. quarta questão, quarto travessão, supra] abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 18.o a 21.o [da Convenção de Lugano II], tal como a ação intentada pela sociedade A contra X está abrangida pelo âmbito de aplicação destas disposições? Em particular:

i)

A ação intentada pela sociedade B apenas está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 18.o [da Convenção de Lugano II] no caso de a obrigação em que se baseia ser uma obrigação decorrente do contrato de trabalho entre a sociedade B e X?

ii)

Em alternativa, está essa ação abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 18.o [da Convenção de Lugano II] no caso de a conduta controvertida objeto da ação constituir violação de uma obrigação decorrente do contrato de trabalho entre a sociedade A e X?

c)

No caso de nenhum destes critérios ser o correto, qual o critério correto?»

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

16

Na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça, P. Bosworth e C. Hurley requereram que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido, alegam, em substância, que, no n.o 45 das suas conclusões, o advogado‑geral baseou a sua apreciação em elementos de facto errados, que não correspondem aos estabelecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio.

17

Segundo o referido artigo 83.o, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a abertura ou a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

18

Não foi o que aconteceu no caso em apreço. Com efeito, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar e que o processo não deve ser examinado à luz de um facto novo que possa ter influência determinante na sua decisão ou de um argumento que não foi debatido perante si.

19

O Tribunal de Justiça entende, por conseguinte, que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

20

Uma vez que a primeira, terceira e quarta questões assentam na hipótese de os contratos que vinculavam P. Bosworth e C. Hurley a certas sociedades do grupo Arcadia constituírem «contratos individuais de trabalho», na aceção das disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o) da Convenção de Lugano II, o Tribunal de Justiça considera que importa examinar em primeiro lugar a segunda questão.

Quanto à segunda questão

21

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o) da Convenção de Lugano II devem ser interpretadas no sentido de que um contrato que vincula uma sociedade a uma pessoa singular pode ser qualificado de «contrato individual de trabalho», na aceção dessas disposições, quando essa pessoa está em condições de decidir ou decide efetivamente dos termos desse contrato e dispõe de um poder de controlo autónomo sobre a gestão quotidiana dos negócios dessa sociedade, bem como sobre o exercício das suas próprias funções, mas o acionista ou os acionistas da referida sociedade têm o poder de pôr termo ao referido contrato.

22

Atendendo à redação idêntica destas disposições e das disposições do capítulo II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o), do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), a interpretação que o Tribunal de Justiça faz destas últimas disposições é transponível para as disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o) da Convenção de Lugano II (v., neste sentido, Acórdão de 4 de dezembro de 2014, H, C‑295/13, EU:C:2014:2410, n.os 31 e 32).

23

Para poder determinar se as disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o) da Convenção de Lugano II são aplicáveis numa situação como a que está em causa no processo principal, importa analisar a questão de saber se é possível entender que P. Bosworth e C. Hurley estavam vinculados por um «contrato individual de trabalho», na aceção do artigo 18.o, n.o 1, desta convenção, a uma das sociedades do grupo Arcadia e se, por conseguinte, podem ser qualificados como «trabalhadores», na aceção do artigo 18.o, n.o 2, da referida convenção (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.o 34).

24

A este respeito, importa recordar que essa qualificação não pode ser feita com base no direito nacional (Acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.o 36) e que, para garantir a plena eficácia da Convenção de Lugano II, nomeadamente do seu artigo 18.o, os conceitos jurídicos que nele figuram devem ser interpretados de uma maneira autónoma que seja comum a todas as partes contratantes (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Mahamdia, C‑154/11, EU:C:2012:491, n.o 42, e de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.o 37).

25

No que respeita ao conceito de «trabalhador», importa igualmente recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este conceito deve ser definido segundo critérios objetivos que caracterizem a relação de trabalho tendo em consideração os direitos e os deveres das pessoas em causa. Ora, a característica essencial da relação de trabalho é a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em benefício de outra e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v., nomeadamente, Acórdão de 20 de setembro de 2007, Kiiski, C‑116/06, EU:C:2007:536, n.o 25 e jurisprudência referida).

26

Daqui resulta que uma relação de trabalho pressupõe a existência de um vínculo de subordinação entre o trabalhador e o seu empregador e que a existência desse vínculo deve ser apreciada em cada caso específico, em função de todos os elementos e de todas as circunstâncias que caracterizam as relações entre as partes (Acórdãos de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.o 46, e de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanța e o., C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 42).

27

Por outro lado, há que salientar que, segundo a letra das disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o), da Convenção de Lugano II, a celebração de um contrato não é um requisito de aplicação das regras de competência especial previstas nessas disposições, pelo que, como indicou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 34 a 36 das suas conclusões, a ausência de um contrato formal não obsta à existência de uma relação de trabalho abrangida pelo conceito de «contrato individual de trabalho», na aceção das referidas disposições.

28

Todavia, essa relação só pode ser qualificada de «contrato individual de trabalho», na aceção das disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o), da Convenção de Lugano II, se existir um vínculo de subordinação entre a sociedade e o administrador da sociedade em causa.

29

No caso em apreço, há que recordar que, segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, P. Bosworth e C. Hurley eram, respetivamente, chief executive officer e chief financial officer do grupo Arcadia, eram os administradores das sociedades Arcadia London, Arcadia Singapore e Arcadia Switzerland, estavam vinculados a uma dessas sociedades por um contrato de trabalho elaborado por eles próprios ou em conformidade com as suas instruções e sempre agiram em nome e por conta de todas as sociedades do grupo Arcadia.

30

Resulta igualmente da decisão de reenvio que P. Bosworth e C. Hurley exerciam controlo sobre a pessoa que os empregava, bem como sobre o local onde estavam empregados e sobre as condições em que o eram.

31

Nestas circunstâncias, P. Bosworth e C. Hurley dispunham de uma capacidade de influência não negligenciável sobre a Arcadia, importando, por conseguinte, concluir pela ausência de um vínculo de subordinação (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Holterman Ferho Exploitatie e o., C‑47/14, EU:C:2015:574, n.o 47), independentemente do facto de deterem ou não uma parte do capital social da Arcadia.

32

A este respeito, é irrelevante que P. Bosworth e C. Hurley fossem responsáveis perante os acionistas do grupo Arcadia, que, por intermédio da Farahead Holdings, tinham o poder de os contratar e de os despedir.

33

Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, assim como as orientações gerais que um administrador recebe dos acionistas da sociedade que administra no que respeita à orientação dos negócios dessa sociedade, os mecanismos de controlo previstos na lei e de que os acionistas dispõem não caracterizam, por si sós, a existência de um vínculo de subordinação, de modo que a simples circunstância de os acionistas terem o poder de destituir um administrador não basta para concluir pela existência desse vínculo.

34

Daqui resulta que um contrato celebrado entre uma sociedade e o seu administrador não constitui, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, um «contrato individual de trabalho», na aceção das disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o), da Convenção de Lugano II.

35

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que as disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o) da Convenção de Lugano II devem ser interpretadas no sentido de que um contrato que vincula uma sociedade a uma pessoa singular que exerce as funções de administrador dessa sociedade não cria um vínculo de subordinação entre estes e não pode, portanto, ser qualificado de «contrato individual de trabalho», na aceção daquelas disposições, quando, mesmo que o acionista ou os acionistas dessa sociedade tenham o poder de pôr termo a esse contrato, a referida pessoa possa decidir ou decida efetivamente dos termos do dito contrato e disponha de um poder de controlo autónomo sobre a gestão quotidiana dos negócios da referida sociedade, bem como sobre o exercício das suas próprias funções.

Quanto à primeira, terceira e quarta questões

36

Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não há que responder à primeira, terceira e quarta questões.

Quanto às despesas

37

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

As disposições do título II, secção 5 (artigos 18.o a 21.o), da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, cuja celebração foi aprovada, em nome da Comunidade, pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008, devem ser interpretadas no sentido de que um contrato que vincula uma sociedade a uma pessoa singular que exerce as funções de administrador dessa sociedade não cria um vínculo de subordinação entre estes e não pode, portanto, ser qualificado de «contrato individual de trabalho», na aceção daquelas disposições, quando, mesmo que o acionista ou os acionistas dessa sociedade tenham o poder de pôr termo a esse contrato, a referida pessoa possa decidir ou decida efetivamente dos termos do dito contrato e disponha de um poder de controlo autónomo sobre a gestão quotidiana dos negócios da referida sociedade, bem como sobre o exercício das suas próprias funções.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.