ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de dezembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2002/22/CE — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Serviço universal e direitos dos utilizadores — Empresa que oferece uma rede de comunicações eletrónicas utilizada para a distribuição de emissões de rádio ou canais de televisão ao público — Empresa que oferece o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet — Obrigações de transporte (must carry)»

No processo C‑298/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado em formação jurisdicional, França), por decisão de 10 de maio de 2017, entrado no Tribunal de Justiça em 23 de maio de 2017, no processo

França Télévisions SA

contra

Playmédia,

Conseil supérieur de l’audiovisuel (CSA),

com intervenção de:

Ministre de la Culture et de la Communication,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente da Sétima Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Juhász e C. Vajda (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de maio de 2018,

considerando as observações apresentadas:

em representação da France Télévisions SA, por E. Piwnica, avocat,

em representação da Playmédia, por T. Haas, avocat,

em representação do Governo francês, por R. Coesme, D. Colas e D. Segoin, na qualidade de agentes,

em representação do Governo lituano, por R. Krasuckaitė, D. Kriaučiūnas e R. Dzikovič, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, L. Nicolae e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal) (JO 2002, L 108, p. 51), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 11) (a seguir «Diretiva Serviço Universal»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a France Télévisions SA ao Conseil supérieur de l’audiovisuel [Conselho Superior para o Audiovisual (a seguir «CSA»)] a respeito da decisão n.o 2015‑232, de 27 de maio de 2015, mediante a qual este último instou a France Télévisions a que cumpra, no futuro, o disposto no artigo 34‑2 da loi no 86‑1067, du 30 septembre 1986, relative à la liberté de la communication [Lei n.o 86‑1067, de 30 de setembro de 1986, relativa à liberdade da comunicação (a seguir «Lei relativa à liberdade da comunicação»)], ao não se opor a que a Playmédia retransmita, em contínuo e em direto, no seu sítio Internet, programas produzidos pela France Télévisions.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva‑Quadro

3

O considerando 5 da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37) (a seguir «Diretiva‑Quadro»), tem a seguinte redação:

«A convergência dos setores das telecomunicações, meios de comunicação social e tecnologias da informação implica que todas as redes e serviços de transmissão sejam abrangidos por um único quadro regulamentar. Esse quadro regulamentar é formado pela presente diretiva e por quatro diretivas específicas: a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) [(JO 2002, L 108, p. 21)], a Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva acesso) [(JO 2002, L 108, p. 7)], a [Diretiva Serviço Universal] e a Diretiva 97/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das telecomunicações [(JO 1998, L 24, p. 1)] (a seguir designadas “diretivas específicas”). É necessário separar a regulação da transmissão, da regulamentação dos conteúdos. Assim, este quadro não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas, como sejam conteúdos radiodifundidos, serviços financeiros, ou determinados serviços da sociedade da informação e, por conseguinte, não prejudica as medidas tomadas a nível comunitário ou nacional relativamente a esses serviços, em conformidade com o direito comunitário, a fim de promover a diversidade cultural e linguística e garantir a pluralidade dos meios de comunicação. Os conteúdos dos programas de televisão são abrangidos pela Diretiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva [JO 1989, L 298, p. 23)]. A separação entre a regulamentação da transmissão e a regulamentação dos conteúdos não impede que sejam tomadas em conta as ligações existentes entre elas, em especial para garantir o pluralismo dos meios de comunicação, a diversidade cultural e a proteção dos consumidores.»

4

O artigo 1.o da Diretiva‑Quadro, sob a epígrafe «Âmbito e objetivo», prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«2.   A presente diretiva e as diretivas específicas não afetam as obrigações impostas pelo direito nacional em aplicação do direito comunitário, ou pelo direito comunitário, no que respeita aos serviços oferecidos através de redes e serviços de comunicações eletrónicas.

3.   A presente diretiva e as diretivas específicas não afetam as medidas tomadas a nível comunitário ou nacional, no respeito do direito comunitário, com vista a prosseguir objetivos de interesse geral, em especial relacionados com a regulamentação de conteúdos e a política audiovisual.»

5

O artigo 2.o da Diretiva‑Quadro, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Rede de comunicações eletrónicas”, os sistemas de transmissão e, se for o caso, os equipamentos de comutação ou encaminhamento e os demais recursos, nomeadamente elementos da rede que não se encontrem ativos, que permitem o envio de sinais por cabo, feixes hertzianos, meios óticos, ou por outros meios eletromagnéticos, incluindo as redes de satélites, as redes terrestres fixas (com comutação de circuitos ou de pacotes, incluindo a internet) e móveis, os sistemas de cabos de eletricidade, na medida em que são utilizados para a transmissão de sinais, as redes utilizadas para a radiodifusão sonora e televisiva e as redes de televisão por cabo, independentemente do tipo de informação transmitida;

[…]

m)

“Oferta de rede de comunicações eletrónicas”, o estabelecimento, operação, controlo ou disponibilização da referida rede;

[…]»

Diretiva Serviço Universal

6

Nos termos do considerando 45 da Diretiva Serviço Universal:

«Os serviços que oferecem conteúdos, como, por exemplo, a oferta para venda de um pacote de conteúdos de som ou de emissões de televisão não estão abrangidos pelo quadro regulamentar comum para os serviços e redes de comunicações eletrónicas. Os prestadores de tais serviços não devem ser sujeitos às obrigações de serviço universal no que se refere a essas atividades. A presente diretiva não prejudica as medidas tomadas a nível nacional, na observância do direito comunitário, em relação a tais serviços.»

7

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, são aplicáveis as definições constantes do artigo 2.o da [Diretiva‑Quadro].

[…]»

8

O artigo 31.o da Diretiva Serviço Universal, sob a epígrafe «Obrigações de transporte (“must carry”)», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros podem impor obrigações razoáveis de transporte (“must carry”) para a transmissão de canais de rádio e televisão específicos e de serviços complementares, em particular serviços de acessibilidade, a fim de permitir um acesso adequado aos utilizadores finais com deficiência, às empresas sob a sua jurisdição que oferecem redes de comunicações eletrónicas utilizadas para a distribuição de emissões de rádio e canais de televisão ao público, quando um número significativo de utilizadores finais dessas redes as utilize como meio principal de receção de emissões de rádio e canais de televisão. Tais obrigações apenas devem ser impostas quando necessário para a realização de objetivos de interesse geral claramente definidos por cada Estado‑Membro e serão proporcionadas e transparentes.

As obrigações a que se refere o primeiro parágrafo são revistas pelos Estados‑Membros no prazo de um ano após 25 de maio de 2011, salvo se os Estados‑Membros tiverem realizado essa revisão nos dois anos anteriores.

Os Estados‑Membros procedem à revisão regular das obrigações de transporte (“must carry”).»

Direito francês

9

O artigo 2‑1 de Lei relativa à liberdade da comunicação dispõe:

«Para efeitos da aplicação da presente lei, entende‑se por distribuidor de serviços: qualquer pessoa que estabeleça relações contratuais com editores de serviços com vista a constituir uma oferta de serviços de comunicação audiovisual disponibilizada ao público através de uma rede de comunicações eletrónicas na aceção do n.o 2 do artigo L. 32 do code des postes et des communications électroniques [Código dos correios e das comunicações eletrónicas]. Qualquer pessoa que disponibilize tal oferta estabelecendo relações contratuais com outros distribuidores é igualmente considerada distribuidor de serviços.»

10

Nos termos do ponto I do artigo 34‑2 desta lei:

«No território metropolitano, qualquer distribuidor de serviços numa rede que não utilize frequências terrestres atribuídas pelo [CSA] deve disponibilizar gratuitamente aos seus assinantes os serviços das sociedades referidas no [ponto I] do artigo 44.o e o canal Arte, difundidos por feixes hertzianos terrestres em modo analógico, assim como o canal TV 5, e o serviço de televisão difundido por feixes hertzianos terrestres em modo digital que tem por objeto contribuir para o conhecimento do território ultramarino, especificamente destinado ao público metropolitano, produzido pela sociedade referida no [ponto I] do artigo 44.o, exceto se estes produtores considerarem que a oferta de serviços é manifestamente incompatível com o respeito das suas missões de serviço público. Quando oferece serviços em modo digital, também deve disponibilizar gratuitamente aos assinantes desta oferta os serviços dessas sociedades que são difundidos por feixes hertzianos terrestres em modo digital.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

A Playmédia oferece o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet e é remunerada principalmente através da difusão de mensagens publicitárias antes e durante esse visionamento. Invocando a qualidade de distribuidor de serviços, na aceção do artigo 2‑1 da Lei relativa à liberdade da comunicação, a Playmédia considera deduzir do disposto no artigo 34‑2 desta lei o direito a difundir os programas produzidos pela France Télévisions. Resulta da decisão de reenvio que a própria France Télévisions difunde os referidos programas em contínuo e em direto num sítio Internet que põe à disposição do público.

12

Por decisão de 27 de maio de 2015, o CSA intimou a France Télévisions a cumprir o disposto no artigo 34‑2 da Lei relativa à liberdade da comunicação não se opondo à retransmissão dos seus programas pela Playmédia, em contínuo, no sítio Internet desta última.

13

Por ação sumária, registada em 6 de julho de 2015 na Secretaria do Contencioso do Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), a France Télévisions pediu a anulação da referida notificação, alegando que a Playmédia não pode beneficiar da obrigação prevista no artigo 34‑2 da referida lei. A este respeito, a France Télévisions alegou que os requisitos previstos no artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal não estão preenchidos, pelo que, em especial, não é possível afirmar que um número significativo de utilizadores da rede Internet a utilize como meio principal de receção de canais de televisão.

14

Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve uma empresa, apenas por oferecer o visionamento de programas de televisão em contínuo [e em direto na Internet], ser considerada uma empresa que explora uma rede de comunicações eletrónicas utilizada para a distribuição de emissões de rádio e [canais de] televisão ao público na aceção do n.o 1 do artigo 31.o da [Diretiva Serviço Universal]?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, pode um Estado‑Membro, sem violar a diretiva ou outras normas do direito da União Europeia, impor uma obrigação de transporte de serviços de rádio ou de televisão tanto às empresas que exploram redes de comunicações eletrónicas como às empresas que, sem explorarem tais redes, oferecem o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, podem os Estados‑Membros não sujeitar a obrigação de transporte, no que respeita aos distribuidores de serviços que não exploram redes de comunicações eletrónicas, a todos os requisitos previstos no n.o 1 do artigo 31.o da [Diretiva Serviço Universal], quando a diretiva impõe estes requisitos aos operadores de redes?

4)

Pode um Estado‑Membro que instituiu uma obrigação de transporte de certos serviços de rádio ou de televisão em certas redes, sem violar a diretiva, impor a estes serviços a obrigação de aceitarem a respetiva difusão em tais redes, incluindo num sítio Internet, quando o próprio serviço em causa difunde os seus próprios programas na Internet?

5)

No que respeita à difusão pela Internet, deve o requisito segundo o qual um número significativo de utilizadores finais das redes sujeitas à obrigação de transporte deve utilizá‑las como meio principal de receção de emissões de rádio [e canais] de televisão previsto no n.o 1 do artigo 31.o da [Diretiva Serviço Universal] ser apreciado tendo em consideração todos os utilizadores que visionam programas de televisão em contínuo e em direto na rede Internet ou apenas os utilizadores do sítio sujeito à obrigação de transporte?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

15

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que oferece o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet deve, por esse simples facto, ser considerada uma empresa que oferece uma rede de comunicações eletrónicas utilizada para a distribuição de emissões de rádio e canais de televisão ao público.

16

A este respeito, importa salientar que, por força do artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal, os Estados‑Membros podem, sob determinadas condições, impor obrigações de transporte (must carry) às empresas sob a sua jurisdição que oferecem redes de comunicações eletrónicas utilizadas para a distribuição de emissões de rádio e canais de televisão ao público.

17

A «oferta de rede de comunicações eletrónicas» é definida no artigo 2.o, alínea m), da Diretiva‑Quadro como «o estabelecimento, operação, controlo ou disponibilização da referida rede». Esta definição é aplicável no âmbito da Diretiva Serviço Universal, nos termos do artigo 2.o desta última.

18

A atividade que consiste em oferecer o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto num sítio Internet não é abrangida por esta definição. Com efeito, o simples facto de que uma empresa, para propor esses serviços, seja um utilizador de uma rede de comunicações eletrónicas, tal como definido no artigo 2.o alínea a), da Diretiva‑Quadro, isto é, a Internet, não permite considerar que ela própria é um fornecedor dessa rede.

19

No caso vertente, uma empresa como a Playmédia, que se limita a propor o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet não oferece uma rede de comunicações eletrónicas, mas, em contrapartida, oferece o acesso aos conteúdos de serviços audiovisuais oferecidos nas redes de comunicações eletrónicas, como salientou o advogado‑geral no n.o 23 das suas conclusões.

20

Ora, resulta claramente do considerando 5 da Diretiva‑Quadro que é necessário separar a regulação da transmissão da regulamentação dos seus conteúdos e que o quadro comum regulamentar, de que faz parte a Diretiva Serviço Universal, não se aplica aos conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, UPC Nederland, C‑518/11, EU:C:2013:709, n.o 38).

21

Além disso, nos termos do considerando 45 da Diretiva Serviço Universal, os serviços que oferecem conteúdos não estão abrangidos pelo quadro regulamentar comum para os serviços e redes de comunicações eletrónicas e esses serviços não devem ser sujeitos às obrigações de serviço universal no que se refere a essas atividades. Daqui decorre que uma empresa que se limite a proporcionar, através de um sítio Internet, acesso a conteúdos oferecidos na Internet não é abrangida pelo artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal.

22

Nestas circunstâncias, há que responder à primeira questão que o artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que oferece o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet não deve, por esse simples facto, ser considerada uma empresa que oferece uma rede de comunicações eletrónicas utilizada para a distribuição de emissões de rádio e canais de televisão ao público.

Quanto às questões segunda a quarta

23

Com as suas questões segunda a quarta, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva Serviço Universal ou outras normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro imponha, numa situação como a que está em causa no processo principal, uma obrigação de transporte (must carry) a empresas que, sem oferecerem redes de comunicações eletrónicas, oferecem o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet.

24

A pertinência destas questões explica‑se pelo facto de que, no processo principal, verifica‑se que as obrigações de transporte (must carry) foram impostas, nos termos do direito nacional, a empresas não abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal. Com efeito, como resulta da decisão de reenvio, o âmbito de aplicação da obrigação de transporte (must carry) prevista nos artigos 2‑1 e 34‑2 da Lei relativa à liberdade da comunicação é diferente da prevista no artigo 31.o, n.o 1. No âmbito do litígio no processo principal, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se foram efetivamente impostas obrigações de transporte (must carry) a empresas como a Playmédia.

25

A este respeito, há que salientar que, nos termos do artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva‑Quadro, as diretivas do quadro regulamentar comum não afetam as medidas tomadas a nível nacional, no respeito do direito da União, com vista a prosseguir objetivos de interesse geral, em especial relacionados com a regulamentação de conteúdos e a política audiovisual.

26

Além disso, resulta do considerando 5 da Diretiva‑Quadro que o quadro regulamentar, de que faz parte a Diretiva Serviço Universal, não abrange os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações eletrónicas recorrendo a serviços de comunicações eletrónicas e, por conseguinte, não prejudica as medidas tomadas a nível da União ou nacional relativamente a esses serviços, a fim de promover a diversidade cultural e linguística e garantir o pluralismo dos meios de comunicação.

27

Por conseguinte, a Diretiva Serviço Universal confere aos Estados‑Membros liberdade para impor obrigações de transporte (must carry), além das previstas no artigo 31.o, n.o 1, da referida diretiva, nomeadamente às empresas que, sem oferecerem redes de comunicações eletrónicas, oferecem o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet.

28

Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio se refere a «outras normas do direito da União», há que salientar que o pedido de decisão prejudicial não permite identificar com mais precisão as disposições do direito da União cuja interpretação solicita o referido órgão jurisdicional.

29

É certo que, ao impor obrigações de transporte (must carry) a empresas não abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União, nomeadamente as normas relativas à livre prestação de serviços consagrada no artigo 56.o TFUE.

30

Supondo que a referência a «outras normas do direito da União» que figura na decisão de reenvio deva ser entendida no sentido de que visa esta última disposição, há que recordar que as disposições do Tratado FUE em matéria de livre prestação de serviços não são aplicáveis a uma situação em que todos os elementos estejam confinados a um único Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47 e jurisprudência referida).

31

No presente caso, todos os elementos do litígio no processo principal parecem estar circunscritos ao interior do território francês. Com efeito, este litígio opõe uma empresa francesa ao CSA a respeito da oposição por parte da referida empresa à retransmissão, por outra empresa francesa, de programas que ela produziu.

32

Nos n.os 50 a 53 do Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874), o Tribunal de Justiça recordou as quatro hipóteses em que podia, contudo, mostrar‑se necessário, para a solução dos litígios no processo principal, proceder à interpretação das disposições dos Tratados relativas às liberdades fundamentais, apesar de todos os elementos dos referidos litígios se situarem no interior de um único Estado‑Membro (Acórdão de 20 de setembro de 2018, Fremoluc, C‑343/17, EU:C:2018:754, n.o 20).

33

Todavia, o Tribunal de Justiça precisou que, no contexto de uma situação como a do processo principal, em que todos os elementos se confinam a um só Estado‑Membro, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar ao Tribunal de Justiça, conforme exigido no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, em que medida, apesar do seu caráter puramente interno, o litígio nele pendente revela um elemento de conexão com as disposições do direito da União relativas às liberdades fundamentais que torna a interpretação prejudicial solicitada necessária para a solução desse litígio (Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 55).

34

Ora, no caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio não indicou em que medida o litígio que lhe foi submetido, apesar do seu caráter puramente interno, revela um elemento de conexão com as disposições do direito da União relativas à livre prestação de serviços, que torna a interpretação do artigo 56.o TFUE necessária para a solução do litígio.

35

Nestas condições, há que declarar que as questões segunda a quarta são inadmissíveis na medida em que têm por objeto «outras normas do direito da União».

36

Nestas circunstâncias, há que responder às questões segunda a quarta que as disposições da Diretiva Serviço Universal devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro imponha, numa situação como a que está em causa no processo principal, uma obrigação de transporte (must carry) a empresas que, sem oferecerem redes de comunicações eletrónicas, oferecem o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet.

Quanto à quinta questão

37

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, num processo como o principal, o requisito segundo o qual um número significativo de utilizadores finais das redes sujeitas à obrigação de transporte (must carry) devem utilizar essas redes como meio principal de receção de canais de televisão, prevista no artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal, deve ser apreciado tendo em consideração todos os utilizadores que visionam programas de televisão na Internet ou apenas os utilizadores do sítio Internet pertencente à empresa sujeita a essa obrigação.

38

No caso em apreço, como resulta dos n.os 19 e 21 do presente acórdão, uma empresa como a Playmédia não é abrangida pelo artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva Serviço Universal. Ora, no que diz respeito a empresas que não são abrangidas pela referida disposição, o direito da União não impõe o cumprimento do requisito segundo o qual um número significativo de utilizadores finais das redes sujeitos à obrigação de transporte (must carry) devem utilizar essas redes como meio principal de receção de emissões de canais de televisão.

39

Nestas condições, não há que responder à quinta questão.

Quanto às despesas

40

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 31.o, n.o 1, da Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que uma empresa que oferece o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet não deve, por esse simples facto, ser considerada uma empresa que oferece uma rede de comunicações eletrónicas utilizada para a distribuição de emissões de rádio e canais de televisão ao público.

 

2)

As disposições da Diretiva 2002/22, conforme alterada pela Diretiva 2009/136, devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro imponha, numa situação como a que está em causa no processo principal, uma obrigação de transporte (must carry) a empresas que, sem oferecerem redes de comunicações eletrónicas, oferecem o visionamento de programas de televisão em contínuo e em direto na Internet.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.