ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

26 de setembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial – Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária – Diretiva 2013/32/UE – Artigo 46.o – Diretiva 2008/115/CE – Artigo 13.o – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Artigo 18.o, artigo 19.o, n.o 2, e artigo 47.o – Direito a um recurso efetivo – Princípio de não repulsão – Decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional e imposição de uma obrigação de regresso – Legislação nacional que prevê um segundo grau de jurisdição – Efeito suspensivo de pleno direito limitado ao recurso em primeira instância»

No processo C‑180/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por decisão de 29 de março de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de abril de 2017, no processo

X,

Y

contra

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz (relator), presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação de Y e X, por J. Pieters, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por J. Langer, M. K. Bulterman e M. H. S. Gijzen, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs, C. Pochet e C. Van Lul, na qualidade de agentes,

em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga, M. Condou‑Durande e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de janeiro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 46.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), e do artigo 13.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98), lidos à luz do artigo 18.o, do artigo 19.o, n.o 2, e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X e Y ao Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Secretário de Estado da Segurança e da Justiça, Países Baixos), a respeito do indeferimento dos seus pedidos de proteção internacional e das decisões de regresso tomadas a seu respeito.

Quadro jurídico

Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados

3

O artigo 33.o da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 137, n.o 2545 (1954)], conforme completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»), sob a epígrafe «Proibição de expulsar e de repelir», prevê, no seu n.o 1:

«Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras de territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.»

CEDH

4

A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevê, no seu artigo 3.o, sob a epígrafe «Proibição da tortura»:

«Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.»

5

O artigo 13.o desta Convenção tem a seguinte redação:

«Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados, tem direito a recurso efetivo perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que atuem no exercício das suas funções oficiais.»

Direito da União

Diretiva 2013/32

6

Os considerandos 12 e 60 da Diretiva 2013/32 enunciam:

«(12)

O principal objetivo da presente diretiva consiste em prosseguir o desenvolvimento das normas aplicáveis aos procedimentos de concessão e retirada de proteção internacional dos Estados‑Membros com vista à instituição de um procedimento de asilo comum na União.

[…]

(60)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta. […]»

7

O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os pedidos de proteção internacional apresentados no território dos Estados‑Membros, incluindo a fronteira, as águas territoriais e as zonas de trânsito, bem como à retirada da proteção internacional.»

8

O artigo 46.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito a um recurso efetivo», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)

Da decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão:

i)

que considera um pedido infundado relativamente ao estatuto de refugiado e/ou ao estatuto de proteção subsidiária;

[…]

3.   Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9)], pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.

[…]

5.   Sem prejuízo do disposto no n.o 6, os Estados‑Membros devem autorizar os requerentes a permanecer no território até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo ou, quando este direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso.

6.   No caso de uma decisão:

a)

Que considere um pedido manifestamente infundado nos termos do artigo 32.o, n.o 2, ou infundado após análise do pedido nos termos do artigo 31.o, n.o 8, exceto nos casos em que as decisões se basearam nas circunstâncias referidas no artigo 31.o, n.o 8, alínea h);

b)

Que considere um pedido não admissível nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alíneas a), b) ou d);

c)

Que recuse a reabertura do processo do requerente, a que foi posto termo em conformidade com o artigo 28.o; ou

d)

Que não aprecie ou não aprecie por completo o pedido, nos termos do artigo 39.o,

um órgão jurisdicional tem competência para decidir se o requerente pode ou não permanecer no território do Estado‑Membro, quer a pedido do próprio requerente, quer oficiosamente, se essa decisão tiver por efeito extinguir o direito de o requerente permanecer no Estado‑Membro e, em tais casos, o direito de permanecer no Estado‑Membro a aguardar o resultado do recurso não estiver previsto na legislação nacional.

[…]»

Diretiva 2008/115

9

Os considerandos 2, 4 e 24 da Diretiva 2008/115 enunciam:

«(2)

O Conselho Europeu de Bruxelas, de 4 e 5 de novembro de 2004, apelou à definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e a dignidade das pessoas.

[…]

(4)

Importa estabelecer normas claras, transparentes e justas para uma política de regresso eficaz, enquanto elemento necessário de uma política de migração bem gerida.

[…]

(24)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios consagrados, em especial, na [Carta].»

10

O artigo 2.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê que esta é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.

11

Nos termos do artigo 3.o da referida diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

4)

“Decisão de regresso”, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

[…]»

12

O artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 prevê:

«As decisões de regresso e, se tiverem sido emitidas, as decisões de proibição de entrada e as decisões de afastamento são emitidas por escrito e contêm as razões de facto e de direito que as fundamentam, bem como informações acerca das vias jurídicas de recurso disponíveis.

[…]»

13

O artigo 13.o desta diretiva, sob a epígrafe «Vias de recurso», tem a seguinte redação:

«1.   O nacional de país terceiro em causa deve dispor de vias de recurso efetivo contra as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o n.o 1 do artigo 12.o, ou da possibilidade de requerer a sua reapreciação, perante uma autoridade judicial ou administrativa competente ou um órgão competente composto por membros imparciais que ofereçam garantias de independência.

2.   A autoridade ou o órgão acima mencionados são competentes para reapreciar as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o n.o 1 do artigo 12.o, incluindo a possibilidade de suspender temporariamente a sua execução, a menos que a suspensão temporária já seja aplicável ao abrigo da legislação nacional.

[…]»

Direito neerlandês

14

No direito neerlandês, os recursos em primeira instância perante o rechtbank (Tribunal de Primeira Instância, Países Baixos) de uma decisão do secretário de Estado da Segurança e da Justiça em matéria de proteção internacional têm um efeito suspensivo de pleno direito. Apesar de ser possível interpor recurso de uma sentença proferida pelo rechtbank (Tribunal de Primeira Instância) que confirme uma decisão de indeferimento de pedido de proteção internacional e imponha uma obrigação de regresso, o recurso não se reveste de efeito suspensivo de pleno direito. No entanto, o recorrente pode pedir ao voorzieningenrechter (Juiz das Providências Cautelares, Países Baixos) do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) que adote medidas provisórias, a fim de evitar ser expulso enquanto aguarda o resultado do recurso quanto ao mérito. Este pedido de medidas provisórias não tem, ele próprio, efeito suspensivo de pleno direito.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

X e Y, nacionais russos, foram notificados das decisões de indeferimento dos seus pedidos de proteção internacional e que impunham uma obrigação de regresso. Uma vez que foi negado provimento aos seus recursos perante o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) contra essas decisões, os recorrentes interpuseram recurso das sentenças para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional). Na falta de efeito suspensivo de pleno direito do recurso, pediram ao órgão jurisdicional de reenvio, a título cautelar, que tomasse medidas provisórias enquanto aguardavam a decisão quanto ao mérito. Esse órgão jurisdicional deferiu o pedido de medidas provisórias e decidiu que X e Y não podiam ser expulsos antes do termo do processo de recurso quanto ao mérito. No entanto, indica na decisão de reenvio que a adoção das medidas provisórias foi justificada pela necessidade de evitar que X e Y fossem expulsos antes que o Tribunal de Justiça se pudesse pronunciar sobre as questões prejudiciais e que decidirá da manutenção de tais medidas provisórias em função das respostas do Tribunal de Justiça.

16

Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 13.o da Diretiva [2008/115], lido em conjugação com os artigos 4.o, 18.o, 19.o, n.o 2, e 47.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que, no caso de o direito nacional prever um recurso para um tribunal superior nos procedimentos de impugnação de uma decisão que contém uma decisão de regresso na aceção do artigo 3.o, n.o 4, [desta diretiva], o direito da União obriga a que tal recurso tenha efeito suspensivo automático quando o nacional de país terceiro alegar que a execução da decisão de regresso apresenta um risco grave de violação do princípio da não repulsão? Por outras palavras, deve o afastamento do referido nacional de país terceiro, nesse caso, ser excluído durante o prazo de interposição de recurso para um tribunal superior, ou, se tal recurso tiver sido interposto, enquanto o mesmo não for decidido, sem que o nacional em causa tenha de apresentar um pedido separado para o efeito?

2)

Deve o artigo 46.o da Diretiva [2013/32], lido em conjugação com os artigos 4.o, 18.o, 19.o, n.o 2, e 47.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que, no caso de o direito nacional prever um recurso para um tribunal superior nos procedimentos relativos ao indeferimento de um pedido de concessão de proteção internacional, o direito da União obriga a que tal recurso tenha efeito suspensivo automático? Por outras palavras, deve o afastamento do referido nacional de país terceiro, nesse caso, ser excluído durante o prazo de interposição de recurso para um tribunal superior, ou, se tal recurso tiver sido interposto, enquanto o mesmo não for decidido, sem que o nacional em causa tenha de apresentar um pedido separado para o efeito?

3)

Para a existência do referido efeito suspensivo automático é relevante a questão de saber se o pedido de proteção internacional, que deu origem aos procedimentos de recurso (em primeira instância) e posterior recurso para um tribunal superior, foi indeferido com base num dos fundamentos referidos no artigo 46.o, n.o 6, da Diretiva [2013/32]? Ou este requisito aplica‑se a todas as categorias de decisões em matéria de asilo mencionadas nessa diretiva?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

17

O Governo belga suscita a incompetência do Tribunal de Justiça para responder às questões submetidas, com o fundamento em que o seu objeto, a saber, a interposição de um recurso, e a decisão de lhe atribuir, se for caso disso, um efeito suspensivo de pleno direito, contra as decisões de primeira instância relativas a decisões como as que estão em causa no processo principal, é da competência exclusiva dos Estados‑Membros.

18

A este respeito, há que constatar que o artigo 46.o da Diretiva 2013/32 e o artigo 13.o da Diretiva 2008/115 contêm disposições aplicáveis ao direito a um recurso efetivo contra as decisões pelas quais as autoridades competentes dos Estados‑Membros indeferem os pedidos de proteção internacional e impõem aos requerentes uma obrigação de regresso, como as decisões objeto de recurso no processo principal.

19

A questão de saber se a interposição de um recurso contra as decisões de primeira instância relativas a tais decisões e a decisão de lhe atribuir, se for caso disso, efeito suspensivo de pleno direito são da exclusiva competência dos Estados‑Membros está indissociavelmente ligada às respostas a dar às questões submetidas, recaindo estas precisamente sobre o alcance do direito de recurso previsto no artigo 46.o da Diretiva 2013/32 e no artigo 13.o da Diretiva 2008/115, lidos à luz das garantias previstas no artigo 18.o, no artigo 19.o, n.o 2, e no artigo 47.o da Carta. Nestas condições, o Tribunal de Justiça é competente para responder a estas questões (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2017, X e X, C‑638/16 PPU, EU:C:2017:173, n.o 37 e jurisprudência referida).

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

20

Através da sua primeira e segunda questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 46.o da Diretiva 2013/32 e o artigo 13.o da Diretiva 2008/115, lidos à luz do artigo 18.o e do artigo 19.o, n.o 2, bem como do artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, embora preveja um recurso de uma decisão de primeira instância que confirme uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional e imponha uma obrigação de regresso, não atribui a esta via de recurso um efeito suspensivo de pleno direito, mesmo que o interessado invoque um risco sério de violação do princípio da não repulsão.

21

Nos termos do artigo 46.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional, nomeadamente, da decisão de indeferimento do seu pedido de proteção internacional. Segundo a redação do artigo 46.o, n.o 3, desta diretiva, para dar cumprimento a esse direito, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE, pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância. Em conformidade com o artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros devem, sem prejuízo dos casos previstos no n.o 6 deste artigo, autorizar os requerentes a permanecer no território até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo ou, quando este direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso.

22

Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 12.o, n.o 1, da mesma, o nacional de país terceiro em causa deve dispor de vias de recurso efetivo para impugnar uma decisão de regresso adotada contra si perante uma autoridade judicial ou administrativa competente ou um órgão competente composto por membros imparciais que ofereçam garantias de independência.

23

Assim, apesar de as disposições das Diretivas 2013/32 e 2008/115 imporem aos Estados‑Membros que prevejam um direito efetivo de recurso contra as decisões de indeferimento de um pedido de proteção internacional e contra as decisões de regresso, nenhuma dessas disposições prevê que os Estados‑Membros concedam aos requerentes de proteção internacional, a quem foi negado provimento em primeira instância ao recurso contra a decisão que indeferiu o pedido e a decisão de regresso, o direito de interpor recurso, nem, por maioria de razão, que o exercício deste direito tenha efeito suspensivo de pleno direito.

24

Tais exigências também não podem ser inferidas da economia e da finalidade destas diretivas. Com efeito, o objetivo das referidas diretivas é, respetivamente, como resulta do considerando 12 da Diretiva 2013/32, prosseguir, principalmente, o desenvolvimento das normas aplicáveis aos procedimentos de concessão e retirada de proteção internacional nos Estados‑Membros com vista à instituição de um procedimento de asilo comum na União, bem como, em conformidade com os considerandos 2 e 4 da Diretiva 2008/115, pôr em prática uma política eficaz de afastamento e repatriamento, no pleno respeito dos direitos fundamentais e da dignidade das pessoas em causa (v., quanto à Diretiva 2008/115, Acórdão de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 48 e jurisprudência referida). Em contrapartida, não resulta de forma alguma dos considerandos das referidas diretivas que estas visam obrigar os Estados‑Membros a instaurarem um segundo grau de jurisdição.

25

Além disso, no que respeita à Diretiva 2013/32, a obrigação de efetividade do recurso refere‑se expressamente, como decorre do artigo 46.o, n.o 3, desta diretiva, ao «recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância». Na medida em que requer uma análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, esta obrigação visa unicamente o desenrolar do processo judicial em primeira instância. Por conseguinte, a referida obrigação não pode, tendo em conta o objetivo da dita diretiva, ser interpretada no sentido de obrigar os Estados‑Membros a introduzirem um segundo grau de jurisdição, nem prever uma determinada modalidade para o desenrolar do mesmo.

26

Assim, se, como o confirmam os termos «pelo menos» que figuram no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 no que respeita às decisões de indeferimento de um pedido de proteção internacional, o direito da União não obsta a que um Estado‑Membro preveja um segundo grau de jurisdição para o exame dos recursos interpostos contra as decisões de indeferimento de um pedido de proteção internacional e as decisões de regresso, as Diretivas 2013/32 e 2008/115 não contêm nenhuma regra relativa à instauração e à organização de um tal grau de jurisdição. Em particular, como salienta o advogado‑geral no n.o 41 das suas conclusões, não resulta dos termos nem da economia ou da finalidade dessas diretivas que, quando um Estado‑Membro prevê um segundo grau de jurisdição contra essas decisões, o processo de recurso instituído deva necessariamente atribuir um efeito suspensivo de pleno direito ao recurso interposto pelo requerente.

27

Não obstante, é necessário sublinhar que a interpretação da Diretiva 2008/115, bem como da Diretiva 2013/32, deve ser feita, como decorre do considerando 24 da primeira e do considerando 60 da segunda, respeitando os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 51).

28

A esse respeito, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, quando um Estado‑Membro decide devolver um requerente de proteção internacional a um país onde existem motivos sérios para crer que ficará exposto a um risco real de tratamento contrário ao artigo 18.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 33.o da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, conforme completada pelo respetivo protocolo, ou ao artigo 19.o, n.o 2, da Carta, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, previsto no artigo 47.o desta, exige que tal requerente disponha de um recurso suspensivo de pleno direito contra a execução da medida que permite a sua devolução (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 54 e jurisprudência referida).

29

O Tribunal de Justiça também precisou que, tratando‑se de uma decisão de regresso e de uma eventual decisão de afastamento, deve ser assegurada a proteção inerente ao direito a um recurso efetivo, bem como ao princípio da não repulsão, reconhecendo‑se ao requerente de proteção internacional um direito a um recurso efetivo, com efeito suspensivo de pleno direito, pelo menos perante uma instância jurisdicional. Além disso, cabe aos Estados‑Membros assegurar a plena eficácia do recurso da decisão de indeferimento do pedido de proteção internacional, com a suspensão de todos os efeitos da decisão de regresso durante o prazo para a interposição do recurso e, se tal recurso for interposto, até à decisão do mesmo (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.os 56, 58 e 61 e jurisprudência referida, e Despacho de 5 de julho de 2018, C e o., C‑269/18 PPU, EU:C:2018:544, n.o 50).

30

Não obstante, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, nem o artigo 46.o da Diretiva 2013/32, nem o artigo 13.o da Diretiva 2008/115, nem mesmo o artigo 47.o da Carta, lido à luz das garantias previstas no artigo 18.o e no artigo 19.o, n.o 2, da mesma, impõe a existência de um duplo grau de jurisdição. Importa apenas, com efeito, a existência de um recurso para uma instância jurisdicional (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de julho de 2011, Samba Diouf, C‑69/10, EU:C:2011:524, n.o 69, e de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.os 57).

31

A esse respeito, recorde‑se ainda que, na medida em que a Carta contém direitos correspondentes a direitos garantidos pela CEDH, o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa garantir a coerência necessária entre os direitos nela contidos e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que tal atente contra a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 47, e de 14 de setembro de 2017, K., C‑18/16, EU:C:2017:680, n.o 50 e jurisprudência referida). Segundo as anotações ao artigo 47.o da Carta, o primeiro parágrafo deste artigo baseia‑se no artigo 13.o da CEDH. O Tribunal de Justiça deve, por conseguinte, assegurar que a sua interpretação do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta garanta um nível de proteção que não viola o garantido pelo artigo 13.o da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v., por analogia, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 77, e de 20 de março de 2018, Menci, C‑524/15, EU:C:2018:197, n.o 62).

32

Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mesmo estando em causa uma acusação segundo a qual a expulsão do interessado o exporá ao risco real de tratamento contrário ao artigo 3.o da CEDH, o artigo 13.o da mesma não impõe às Altas Partes Contratantes que instituam um duplo grau de jurisdição, ou proporcionem, se for caso disso, um recurso com efeito suspensivo de pleno direito (v., neste sentido, TEDH, 5 de julho de 2016, A.M. c. Países Baixos, CE:ECHR:2016:0705JUD002909409, § 70).

33

Daqui resulta que a proteção conferida pelo artigo 46.o da Diretiva 2013/32 e pelo artigo 13.o da Diretiva 2008/115, lidos à luz do artigo 18.o e do artigo 19.o, n.o 2, bem como do artigo 47.o da Carta, a um requerente de proteção internacional contra uma decisão de indeferimento do seu pedido e que lhe impõe uma obrigação de regresso se limita à existência de uma via de recurso jurisdicional.

34

A este respeito, importa precisar que a instauração de um segundo grau de jurisdição contra as decisões de indeferimento de um pedido de proteção internacional e contra as decisões de regresso, bem como a decisão de lhe atribuir, se for caso disso, efeito suspensivo de pleno direito, constituem, contrariamente ao argumento do Governo belga, exposto no n.o 17 do presente acórdão, modalidades processuais que aplicam o direito a um recurso efetivo contra essas decisões previsto no artigo 46.o da Diretiva 2013/32 e no artigo 13.o da Diretiva 2008/115. Embora essas modalidades processuais façam parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes últimos, o Tribunal de Justiça salientou que devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade (v., por analogia, Acórdão de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e Abril García, C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.os 31, 36 e 50 e jurisprudência referida, e Despacho de 16 de julho de 2015, Sánchez Morcillo e Abril García, C‑539/14, EU:C:2015:508, n.o 33).

35

Assim, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações semelhantes de direito interno (princípio da equivalência), nem estruturadas de modo a tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido Acórdãos de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 25, e de 6 de outubro de 2015, Târşia, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 27 e jurisprudência referida).

36

O respeito das exigências que decorrem dos princípios da equivalência e da efetividade deve ser analisado tendo em conta o lugar que as regras em causa ocupam no processo, a tramitação deste e as particularidades dessas regras perante as várias instâncias nacionais (Acórdãos de 1 de dezembro de 1998, Levez, C‑326/96, EU:C:1998:577, n.o 44, e de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 38 e jurisprudência referida).

37

No que respeita ao princípio da equivalência, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a sua observância exige um tratamento igual dos recursos fundados numa violação do direito nacional e dos recursos, semelhantes, fundados numa violação do direito da União, e não a equivalência das regras processuais nacionais aplicáveis a contenciosos de natureza diferente (Acórdão de 6 de outubro de 2015, Târşia, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 34 e jurisprudência referida).

38

Assim, importa, por um lado, identificar os processos ou as ações comparáveis e, por outro, determinar se as ações intentadas com base no direito nacional são tratadas de um modo mais favorável do que as ações relativas à salvaguarda dos direitos que o direito da União confere aos particulares (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Baczó e Vizsnyiczai, C‑567/13, EU:C:2015:88, n.o 45, e de 9 de novembro de 2017, Dimos Zagoriou, C‑217/16, EU:C:2017:841, n.o 19).

39

Tratando‑se da comparação das ações, cabe ao órgão jurisdicional nacional, que tem um conhecimento direto das modalidades processuais aplicáveis, verificar a semelhança das ações em causa, na perspetiva do seu objeto, da sua causa e dos seus elementos essenciais (Acórdãos de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 39, e de 9 de novembro de 2017, Dimos Zagoriou, C‑217/16, EU:C:2017:841, n.o 20).

40

No que respeita ao tratamento semelhante das ações, importa recordar que os casos em que se suscite a questão de saber se uma disposição processual nacional referente a ações baseadas no direito da União é menos favorável que as relativas às ações semelhantes de natureza interna devem ser analisados pelo órgão jurisdicional nacional tendo em conta o lugar que as regras em causa ocupam no processo, a tramitação deste e as particularidades dessas regras perante as várias instâncias nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, Dimos Zagoriou, C‑217/16, EU:C:2017:841, n.o 21).

41

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio refere no seu despacho de reenvio que, em certos domínios do direito administrativo que não o domínio da proteção internacional, o direito neerlandês atribui aos recursos um efeito suspensivo de pleno direito. Dito isto, há que salientar que nenhuma das partes que apresentou observações ao Tribunal de Justiça manifestou dúvidas quanto ao respeito do princípio da equivalência pela legislação nacional em causa no processo principal. Em qualquer caso, os autos de que o Tribunal de Justiça dispõe não contêm nenhum elemento que permita apreciar se os recursos nesses domínios são comparáveis, sob o ângulo do seu objeto, da sua causa e dos seus elementos essenciais, ao que está em causa no processo principal, ou examinar se os primeiros recursos devem ser considerados mais favoráveis do que o segundo, tendo em conta os elementos referidos no n.o 40 do presente acórdão.

42

Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar o respeito do princípio de equivalência, tendo em conta os elementos referidos nos n.os 36 a 41 do presente acórdão (v., por analogia, Acórdão de 9 de novembro de 2017, Dimos Zagoriou, C‑217/16, EU:C:2017:841, n.o 24).

43

Quanto ao princípio da efetividade, há que considerar que este não contém, no caso em apreço, exigências que vão além das que decorrem dos direitos fundamentais, nomeadamente do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, garantidos pela Carta. Ora, uma vez que, como resulta do n.o 30 do presente acórdão, o artigo 47.o da Carta, lido à luz das garantias previstas no artigo 18.o e no artigo 19.o, n.o 2, desta, exige apenas que um requerente de proteção internacional a quem foi indeferido um pedido e em relação ao qual foi adotada uma decisão de regresso possa fazer valer os seus direitos de modo efetivo perante uma instância jurisdicional, o simples facto de um grau de jurisdição adicional, previsto pelo direito nacional, não ser acompanhado de efeito suspensivo de pleno direito não permite considerar que o princípio da efetividade foi infringido.

44

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões submetidas que o artigo 46.o da Diretiva 2013/32 e o artigo 13.o da Diretiva 2008/115, lidos à luz do artigo 18.o e do artigo 19.o, n.o 2, bem como do artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, embora preveja um recurso de uma decisão de primeira instância que confirme uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional e imponha uma obrigação de regresso, não atribui a esta via de recurso um efeito suspensivo de pleno direito, mesmo que o interessado invoque um risco sério de violação do princípio da não repulsão.

Quanto à terceira questão

45

Tendo em conta a resposta dada à primeira e segunda questões, não há que responder à terceira questão.

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 46.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, e o artigo 13.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, lidos à luz do artigo 18.o e do artigo 19.o, n.o 2, bem como do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que, embora preveja um recurso de uma decisão de primeira instância que confirme uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional e imponha uma obrigação de regresso, não atribui a esta via de recurso um efeito suspensivo de pleno direito, mesmo que o interessado invoque um risco sério de violação do princípio da não repulsão.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.