ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

13 de dezembro de 2018 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Ação de indemnização — Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE — Duração excessiva da tramitação no âmbito de um processo no Tribunal Geral da União Europeia — Reparação do prejuízo alegadamente sofrido pela recorrente — Prejuízo material — Despesas com a garantia bancária — Nexo de causalidade — Juros de mora — Prejuízo moral»

No processo C‑150/17 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 24 de março de 2017,

União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, representado por J. Inghelram e E. Beysen, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Kendrion NV, com sede em Zeist (Países Baixos), representada por Y. de Vries, T. Ottervanger e E. Besselink, advocaten,

demandante em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por C. Urraca Caviedes, S. Noë e F. Erlbacher, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, J.‑C. Bonichot, E. Regan, C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a União Europeia pede a anulação parcial do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 1 de fevereiro de 2017, Kendrion/União Europeia (T‑479/14, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2017:48), pelo qual este, por um lado, condenou a União Europeia a pagar à Kendrion NV uma indemnização no montante de 588769,18 euros e de 6000 euros a título, respetivamente, dos danos materiais e morais sofridos por esta sociedade devido à violação do prazo razoável de julgamento no processo que deu origem ao Acórdão de 16 de novembro de 2011, Kendrion/Comissão (T‑54/06, não publicado, EU:T:2011:667) (a seguir «processo T‑54/06»), e, por outro, negou provimento ao recurso quanto ao restante.

2

Com o seu recurso subordinado, a Kendrion pede, em substância, ao Tribunal de Justiça a anulação do acórdão recorrido e a concessão de uma indemnização num montante de 2308463,98 euros ou, a título subsidiário, num montante que o Tribunal considere razoável, a título de danos materiais, e uma indemnização num montante de 1700000 euros ou, a título subsidiário, num montante que o Tribunal de Justiça fixar com toda a equidade, a título de danos morais.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), dispõe:

«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela […]».

4

Nos termos do artigo 41.o da CEDH:

«Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário.»

Direito da União

Carta

5

O título VI da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), sob a epígrafe «Justiça», inclui o artigo 47.o, com o título «Direito à ação e a um tribunal imparcial», que dispõe:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

[…]»

6

As anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17) precisam que o artigo 47.o, primeiro parágrafo, desta última se baseia no artigo 13.o da CEDH. O artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH.

7

O artigo 52.o da Carta, intitulado «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», enuncia:

«[…]

3.   Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

[…]»

Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia

8

O artigo 56.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia dispõe:

«O recurso [para o Tribunal de Justiça] pode ser interposto por qualquer das partes que tenha sido total ou parcialmente vencida. […]»

Antecedentes do litígio

9

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de fevereiro de 2006, a Kendrion interpôs um recurso da Decisão C(2005) 4634 da Comissão, de 30 de novembro de 2005, relativa a um procedimento nos termos do artigo [101.o TFUE] (Processo COMP/F/38.354 — Sacos industriais) (a seguir «Decisão C(2005) 4634»). Na petição pedia, em substância, ao Tribunal Geral, a título principal, que anulasse, total ou parcialmente, essa decisão ou, a título subsidiário, que anulasse a coima que lhe tinha sido aplicada pela referida decisão ou reduzisse o seu montante.

10

Por Acórdão de 16 de novembro de 2011, Kendrion/Comissão (T‑54/06, não publicado, EU:T:2011:667), o Tribunal Geral negou provimento ao referido recurso.

11

Por petição entrada em 26 de janeiro de 2012, a Kendrion interpôs recurso do Acórdão de 16 de novembro de 2011, Kendrion/Comissão (T‑54/06, não publicado, EU:T:2011:667).

12

Por Acórdão de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão (C‑50/12 P, EU:C:2013:771), o Tribunal de Justiça negou provimento ao referido recurso.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

13

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de junho de 2014, a Kendrion intentou uma ação, com base no artigo 268.o TFUE, contra a União Europeia, destinada a obter a reparação dos danos que essa empresa considera ter sofrido por causa da duração excessiva da tramitação, no Tribunal Geral, no âmbito do processo T‑54/06.

14

Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu:

«1)

A União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, é condenada a pagar à [Kendrion] uma indemnização de 588769,18 euros pelos danos materiais sofridos por esta empresa em consequência da violação do prazo razoável de julgamento no [processo T‑54/06].

2)

[A União Europeia], representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, é condenada a pagar à Kendrion uma indemnização de 6000 euros pelos danos morais sofridos por esta empresa em consequência da violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06.

3)

Cada uma das indemnizações referidas nos [n.os 1 e 2], supra, será acrescida de juros de mora, a contar da prolação do presente acórdão e até integral pagamento, à taxa fixada pelo Banco Central Europeu (BCE) para as suas operações principais de refinanciamento, majorada de três pontos e meio de percentagem.

4)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

5)

[A União Europeia], representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas que foram efetuadas pela Kendrion e que são referentes à exceção de inadmissibilidade que deu origem ao Despacho de 6 de janeiro de 2015, Kendrion/União Europeia (T‑479/14, não publicado, EU:T:2015:2).

6)

A Kendrion, por um lado, e a [União Europeia], representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, por outro, suportarão as suas próprias despesas referentes à ação que deu origem ao presente acórdão.

7)

A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas.»

Pedidos das partes

15

Com o presente recurso, a União Europeia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o n.o 1 da parte decisória do acórdão recorrido;

julgar improcedente o pedido, formulado pela Kendrion em primeira instância, de indemnização dos danos materiais alegadamente sofridos ou, mais subsidiariamente, reduzir essa indemnização para a quantia de 175709,87 euros; e

condenar a Kendrion nas despesas.

16

A Kendrion pede que o Tribunal de Justiça se digne:

julgar o recurso inadmissível;

a título subsidiário, negar provimento ao recurso; e

condenar a recorrente nas despesas.

17

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça dê provimento ao recurso na sua totalidade.

18

Com o seu recurso subordinado, a Kendrion pede ao Tribunal de Justiça que anule os n.os 1 a 6 da parte decisória do acórdão recorrido e que, decidindo novamente:

conceda uma indemnização de 2308463,98 euros ou, subsidiariamente, de um montante que o Tribunal de Justiça considere adequado pelos danos materiais e de uma indemnização de 1700000 euros ou, subsidiariamente, de um montante que o Tribunal de Justiça considere adequado pelos danos morais;

ordene que seja acrescida a esses montantes uma taxa de juro que o [Tribunal de Justiça] considere adequada a partir de 26 de novembro de 2013;

a título subsidiário, remeta o processo, total ou parcialmente, ao Tribunal Geral, que decidirá em conformidade com o acórdão [do Tribunal de Justiça];

condene a União Europeia nas despesas.

19

A União Europeia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso subordinado; e

condenar a Kendrion nas despesas.

Quanto ao recurso principal

Quanto à admissibilidade do recurso

Argumentos das partes

20

A Kendrion, recorrida no processo principal, alega que o recurso é inadmissível na sua totalidade por duas razões.

21

Em primeiro lugar, existe um conflito de interesses resultante do facto de o Tribunal de Justiça da União Europeia ter decidido avocar a si o processo através de um recurso. O recurso viola, pois, o artigo 47.o da Carta, que garante o direito a um processo num órgão jurisdicional imparcial e independente.

22

Assim, a Kendrion considera que a recorrente devia ter‑se abstido de interpor um recurso do acórdão recorrido.

23

Além disso, e, de qualquer modo, uma vez que, por um lado, para ser conforme às exigências de uma boa administração da justiça, a decisão de interpor o presente recurso e a escolha e o enunciado dos fundamentos deviam ter sido adotados por um órgão habilitado para esse efeito no Tribunal de Justiça da União Europeia, que não esteja encarregado de exercer a função jurisdicional deste e que não tenha qualquer influência sobre este último, e que, por outro, nenhuma indicação a este respeito consta do recurso interposto pela recorrente, a Kendrion considera que, enquanto esta questão não for clarificada, o recurso do Tribunal de Justiça da União Europeia é inadmissível.

24

Em segundo lugar, a Kendrion sublinha que, no Acórdão de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão (C‑50/12 P, EU:C:2013:771), o Tribunal de Justiça decidiu que a ação de indemnização intentada no Tribunal Geral é uma forma de solução eficaz, abandonando assim o método de redução das coimas que tinha aplicado até esse acórdão. Ora, o facto de o Tribunal de Justiça da União Europeia ter interposto este recurso, apesar das despesas e do atraso que tal implica para a Kendrion, põe em causa, na prática, esta jurisprudência.

25

Em último lugar, se o recurso for admissível, a Kendrion defende que a independência e a imparcialidade do Tribunal de Justiça exigem que, no presente processo, a sua fiscalização se limite exclusivamente à apreciação da questão de saber se o Tribunal Geral cometeu uma violação manifesta das regras aplicáveis ou se fez uma aplicação ou uma interpretação viciadas, sem qualquer dúvida razoável, de um erro de direito.

26

A União Europeia, recorrente no recurso principal, contesta os argumentos aí invocados pela recorrida para fundamentar a exceção de inadmissibilidade suscitada.

Apreciação do Tribunal de Justiça

27

Tratando‑se, em primeiro lugar, da argumentação da Kendrion relativa à circunstância de existir um conflito de interesses decorrente do facto de o Tribunal de Justiça da União Europeia ter decidido avocar para si o processo através de um recurso, constituindo esse conflito a violação do direito fundamental da Kendrion a um tribunal independente e imparcial, como enunciado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, há que recordar que, nos termos do artigo 13.o, n.o 1, TUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia é uma instituição da União Europeia, que, como resulta do artigo 19.o, n.o 1, TUE, inclui diversos órgãos jurisdicionais, isto é, «o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e tribunais especializados».

28

O artigo 13.o, n.o 2, TUE dispõe que cada instituição da União atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem.

29

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 268.o TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos nos segundo e terceiro parágrafos do artigo 340.o TFUE.

30

O artigo 256.o, n.o 1, TFUE precisa que o Tribunal Geral é competente para conhecer em primeira instância dos recursos referidos no artigo 268.o TFUE, e que as decisões proferidas pelo Tribunal Geral no quadro desses recursos podem ser objeto de recurso para o Tribunal de Justiça.

31

Quanto a este aspeto, há que recordar que, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso para o mesmo pode ser interposto por qualquer das partes que tenha sido total ou parcialmente vencida.

32

Além disso, no que respeita, nomeadamente, à violação do prazo razoável de julgamento, importa recordar que o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que uma violação, por um órgão jurisdicional da União, da sua obrigação resultante do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, de julgar os processos que lhe são submetidos num prazo razoável deve ser punida mediante uma ação de indemnização intentada no Tribunal Geral, uma vez que essa ação constitui uma solução eficaz. O Tribunal de Justiça precisou, assim, que um pedido destinado a obter a reparação do prejuízo causado pela inobservância, por parte do Tribunal Geral, de um prazo razoável de julgamento não podia ser submetido diretamente ao Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso, devendo ser submetido ao próprio Tribunal Geral (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 55 e jurisprudência referida).

33

Por último, as ações de indemnização, a título do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, devem ser dirigidas contra a União Europeia, que deve ser representada pela instituição da União cujo comportamento alegadamente causou o prejuízo invocado.

34

Resulta do que precede, em primeiro lugar, que, no âmbito das ações de indemnização destinadas a obter, nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, reparação pelos prejuízos resultantes da violação pelo Tribunal Geral do seu dever de decidir num prazo razoável, como o que está em causa, há que distinguir entre, por um lado, a instituição «Tribunal de Justiça da União Europeia», que, enquanto instituição da União se considera na origem do prejuízo alegado e possui, portanto, a qualidade de recorrida em primeira instância e, sendo caso disso, de recorrente posteriormente, e, por outro, o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça, que são os órgãos jurisdicionais que a compõem, competentes para conhecer, respetivamente, destes recursos.

35

Assim, a circunstância segundo a qual, no caso em apreço, a recorrente no recurso principal é a União Europeia representada pela instituição «Tribunal de Justiça da União Europeia» e, simultaneamente, o órgão jurisdicional que aprecia o recurso é o Tribunal de Justiça resulta, não de uma escolha da referida recorrente, mas da aplicação estrita das regras do direito da União na matéria.

36

Em segundo lugar, contrariamente ao que defende a Kendrion, tal circunstância não compromete o direito fundamental da pessoa alegadamente lesada pela inobservância pelo Tribunal Geral do prazo razoável de julgamento a um tribunal independente e imparcial, como enunciado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, sendo esse direito fundamental garantido quer em primeira instância quer no âmbito de um recurso.

37

Com efeito, no que respeita ao processo em primeira instância, o Tribunal de Justiça já precisou que o Tribunal Geral, competente por força do artigo 256.o, n.o 1, TFUE e chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de indemnização destinado a reparar o alegado prejuízo resultante da ultrapassagem do prazo razoável de decisão, tem a obrigação de decidir este pedido com uma formação diferente da que decidiu o litígio que deu origem ao processo cuja duração é criticada (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 56 e jurisprudência referida).

38

Quanto ao recurso, a decisão da União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, de interpor, como no caso em apreço, um recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Geral no âmbito de uma ação de indemnização cabe exclusivamente ao presidente dessa instituição, que a representa. Além disso, uma vez que o presidente dessa instituição é também o presidente do Tribunal de Justiça enquanto órgão jurisdicional que aprecia esse recurso, não intervém no tratamento jurisdicional do processo, e é substituído nas suas funções pelo vice‑presidente.

39

Em terceiro lugar, contrariamente ao que alega a Kendrion, não se pode validamente defender que a União Europeia se devia ter abstido de interpor o presente recurso. Com efeito, tendo sido vencida, no âmbito do recurso em primeira instância, a União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, tem, ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto desse Tribunal, legitimidade para interpor um recurso do acórdão recorrido. Com efeito, nenhuma disposição do direito da União limita o direito das partes a interpor um recurso, desde que as condições dessa disposição estejam preenchidas, incluindo quando a parte em causa é a União Europeia e esta última é representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, enquanto instituição da União. Tal limitação é, além disso, contrária ao princípio da igualdade de armas, como salientou o advogado‑geral no n.o 26 das suas conclusões.

40

O primeiro argumento invocado pela Kendrion como fundamento da exceção de inadmissibilidade suscitada por esta deve, pois, ser rejeitado.

41

Quanto, em segundo lugar, ao argumento da Kendrion relativo ao facto de, ao interpor este recurso, a recorrente no recurso principal pôr em causa a afirmação segundo a qual a ação de indemnização é uma forma de solução eficaz, que o próprio Tribunal de Justiça fez no Acórdão de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão (C‑50/12 P, EU:C:2013:771), além do facto de esse argumento ignorar a distinção evocada nos n.os 27 e 34 do presente acórdão, entre, por um lado, o Tribunal de Justiça da União Europeia, enquanto instituição, recorrente no recurso principal, e, por outro, o Tribunal de Justiça, enquanto órgão jurisdicional que proferiu o referido Acórdão de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão (C‑50/12 P, EU:C:2013:771), basta salientar que o facto de, em vários acórdãos, o Tribunal de Justiça considerar que a ação de indemnização é uma forma de solução eficaz não impede de todo o Tribunal de Justiça da União Europeia, enquanto instituição que representa a União contra a qual é intentada uma ação de indemnização, de interpor um recurso da decisão do Tribunal Geral que põe fim a esse recurso, quando as condições enunciadas no artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia estiverem preenchidas nem torna, por conseguinte, tal recurso inadmissível.

42

Este argumento deve, pois, ser rejeitado.

43

Por último, o argumento da Kendrion relativo ao critério de fiscalização que o Tribunal de Justiça deveria aplicar no âmbito do presente recurso deve ser também rejeitado. Como salientou o advogado‑geral no n.o 37 das suas conclusões, nada no direito da União permite considerar que a fiscalização que deve ser exercida pelo Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso interposto pela União Europeia de um acórdão do Tribunal Geral proferido no âmbito de uma ação de indemnização com base no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE seja mais ou menos ampla em função da instituição que representa a União.

44

Nestas condições, o presente recurso é admissível. Assim sendo, esta afirmação em nada prejudica o exame da admissibilidade de certos argumentos tomados separadamente (Acórdão de 4 de maio de 2017, RFA International/Comissão, C‑239/15 P, não publicado, EU:C:2017:337, n.o 20 e jurisprudência referida).

Quanto ao mérito

45

A União Europeia invoca três fundamentos de recurso.

Argumentos das partes

46

Com o seu primeiro fundamento, a União Europeia defende que, ao considerar que existe um nexo de causalidade suficientemente direto entre a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06 e o prejuízo sofrido pela Kendrion devido ao pagamento de despesas com a garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem desse prazo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do conceito de «nexo de causalidade».

47

Em particular, a União Europeia considera que o Tribunal Geral se baseou na premissa errada segundo a qual a escolha de constituir uma garantia bancária se faz num só e único momento, ou seja, no momento da «escolha inicial» de constituir esta garantia. Ora, uma vez que a obrigação de pagar a coima existiu durante todo o processo nos órgãos jurisdicionais da União, e mesmo para além desse período, porque a coima não foi anulada, a recorrente em primeira instância tinha a possibilidade de pagar a coima e de executar assim a obrigação que lhe incumbia a este respeito. Tendo a possibilidade de pagar, em qualquer momento, a coima, a própria escolha feita por essa recorrente de substituir esse pagamento por uma garantia bancária é uma escolha continuada, que fez ao longo do processo. Deste modo, a causa determinante do pagamento das despesas com a garantia bancária reside na sua própria escolha de não pagar a coima e de substituir esse pagamento por uma garantia bancária, e não na violação do prazo razoável de julgamento.

48

A Comissão adere aos argumentos invocados pela recorrente no recurso principal.

49

A Kendrion alega que o que é essencial no presente processo, e que o distingue da jurisprudência resultante nomeadamente do Acórdão de 21 de abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão (T‑28/03, EU:T:2005:139, n.os 121 a 123), bem como do Despacho de 12 de dezembro de 2007, Atlantic Container Line e o./Comissão (T‑113/04, não publicado, EU:T:2007:377, n.os 39 e 40), é que, como o Tribunal Geral declarou, com razão, nos n.os 87 a 89 do acórdão recorrido, na data em que constituiu uma garantia bancária, a recorrida no recurso principal não podia nem devia razoavelmente prever que o Tribunal Geral agiria ilicitamente contra ela decidindo no termo de um período extraordinariamente longo.

50

Além disso, reconhecendo que tinha, com efeito, o direito de escolher com toda a autonomia, por razões próprias, constituir ou não uma garantia bancária, a Kendrion precisa que exercer esse direito não significa que deva suportar todos os efeitos nefastos de circunstâncias que são integralmente parte da esfera de risco da recorrente no recurso principal. Por último, a Kendrion sublinha que a escolha entre a constituição de uma garantia bancária e o pagamento de uma coima é uma escolha séria que não pode ser reexaminada continuamente, para não dizer quotidianamente, sobretudo porque há que ter em conta os acordos financeiros a longo prazo, os acordos celebrados com os fornecedores da garantia bancária, a situação financeira da empresa e a relação com os acionistas e os outros detentores de quotas.

51

A Kendrion conclui, assim, pela improcedência deste fundamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

52

Importa recordar que, como o Tribunal de Justiça já sublinhou, o requisito relativo ao nexo de causalidade exigido no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE incide sobre a existência de um nexo suficientemente direto de causa e efeito entre o comportamento das instituições da União e o dano, nexo que cabe ao recorrente provar, devendo esse comportamento censurado ser a causa determinante do dano (Despacho de 31 de março de 2011, Mauerhofer/Comissão, C‑433/10 P, não publicado, EU:C:2011:204, n.o 127 e jurisprudência referida).

53

Há portanto que verificar se a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06 é a causa determinante do prejuízo resultante do pagamento de despesas com a garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem do referido prazo, para demonstrar a existência de um nexo direto de causa e efeito entre o comportamento censurado ao Tribunal de Justiça da União Europeia e o dano alegado.

54

A este respeito, há que observar que, no âmbito de uma ação de indemnização intentada contra a Comissão, para efeitos, nomeadamente, de reembolso das despesas com a garantia suportadas pelos recorrentes, a fim de obter a suspensão de decisões de recuperação das restituições em causa, decisões que foram posteriormente objeto de uma retirada, o Tribunal de Justiça decidiu que, quando uma decisão que impõe o pagamento de uma coima é acompanhada da faculdade de prestar uma caução destinada a garantir o referido pagamento e os juros de mora, enquanto se aguarda o desfecho de um recurso interposto dessa decisão, o dano que consiste nas despesas com a garantia resulta, não da referida decisão, mas da própria escolha do interessado de prestar uma garantia em vez de cumprir imediatamente a obrigação de reembolso. Nestas condições, o Tribunal de Justiça demonstrou que não existia qualquer nexo causal direto entre o comportamento censurado à Comissão e o prejuízo alegado (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Inalca e Cremonini/Comissão, C‑460/09 P, EU:C:2013:111, n.os 118 e 120).

55

Ora, o Tribunal Geral considerou, no n.o 89 do acórdão recorrido, que o nexo entre o facto de ter sido excedido o prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06 e o pagamento das despesas com a garantia bancária durante o período em que o prazo foi ultrapassado não podia ter sido quebrado pela escolha inicial da Kendrion de não pagar imediatamente a coima aplicada pela Decisão C(2005) 4634 e de constituir uma garantia bancária.

56

Em especial, como resulta dos n.os 87 e 88 do acórdão recorrido, as duas circunstâncias em que o Tribunal Geral se baseou para chegar à conclusão enunciada no n.o 89 desse acórdão são, por um lado, que na data em que a Kendrion interpôs o seu recurso no processo T‑54/06, e na data em que constituiu uma garantia bancária, a violação do prazo razoável de julgamento era imprevisível, e essa empresa podia legitimamente esperar que o seu recurso fosse tratado num prazo razoável e, por outro, que o prazo razoável de julgamento foi excedido posteriormente à escolha inicial da Kendrion de constituir uma garantia bancária.

57

Ora, as duas circunstâncias evocadas pelo Tribunal Geral nos n.os 87 e 88 do acórdão recorrido não podem ser relevantes para considerar que o nexo de causalidade entre a violação do prazo razoável de julgamento, no âmbito do processo T‑54/06, e o prejuízo sofrido pela Kendrion, devido ao pagamento de despesas com a garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem do referido prazo, não pode ter sido quebrado pela escolha desta empresa de constituir a referida garantia.

58

Com efeito, só não seria assim se a manutenção da garantia bancária revestisse um caráter obrigatório, de modo a que a empresa que interpôs um recurso da decisão da Comissão que lhe aplicava uma coima, e que escolheu constituir uma garantia bancária a fim de não executar imediatamente essa decisão, não tivesse o direito, antes da data da prolação do acórdão no âmbito desse recurso, de pagar a referida coima e de pôr termo à garantia bancária que tinha constituído (Acórdão hoje proferido, C‑138/17 P e C‑146/17 P, União Europeia/Gascogne Sack Deutschland e Gascogne, n.o 28).

59

Ora, como salientou o advogado‑geral nos n.os 57, 69 e 70 das suas conclusões, e como o Tribunal de Justiça já declarou, da mesma forma que a constituição da garantia bancária, a sua manutenção depende da livre apreciação da empresa em causa à luz dos seus interesses financeiros. Com efeito, nada no direito da União impede essa empresa de pôr termo, a qualquer momento, à garantia bancária que constituiu e de pagar a coima aplicada, quando, tendo em conta a avaliação das circunstâncias relativamente às existentes na data da constituição dessa garantia, a referida empresa considerar que esta opção é para ela mais vantajosa. Tal poderia acontecer, nomeadamente, quando o decurso do processo no Tribunal Geral conduz a empresa em questão a considerar que o acórdão será proferido numa data posterior à que tinha inicialmente considerado e que, consequentemente, o custo da garantia bancária será superior ao que tinha inicialmente previsto, quando da constituição da mesma (Acórdão hoje proferido, C‑138/17 P e C‑146/17 P, União Europeia/Gascogne Sack Deutschland e Gascogne, n.o 29).

60

No caso em apreço, tendo em conta o facto de, por um lado, em setembro de 2008, ou seja, 2 anos e 6 meses após a apresentação da petição no âmbito do processo T‑54/06, a abertura da fase oral neste processo ainda não ter tido lugar, como resulta das constatações do Tribunal Geral no n.o 48 do acórdão recorrido, e de, por outro, o prazo que a própria Kendrion considerou, tanto na sua petição em primeira instância como no recurso subordinado, como o prazo normal para o tratamento dos recursos de anulação em matéria de concorrência ser precisamente de 2 anos e 6 meses, não se pode deixar de observar que, o mais tardar, no referido mês de setembro de 2008, a Kendrion não podia ignorar que a duração da tramitação do referido processo ia exceder largamente a que tinha inicialmente previsto, e podia reconsiderar a conveniência de manter a garantia bancária, atendendo aos custos suplementares que a manutenção dessa garantia poderia envolver.

61

Nestas condições, a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06 não pode ser a causa determinante do prejuízo sofrido pela Kendrion devido ao pagamento de despesas com a garantia bancária no decurso do período correspondente à ultrapassagem desse prazo. Como salientou o advogado‑geral no n.o 80 das suas conclusões, tal prejuízo resulta da própria escolha da Kendrion de manter a garantia bancária durante a tramitação desse processo, apesar das consequências financeiras que isso implicava.

62

Resulta das considerações expostas que, ao considerar que existe um nexo de causalidade suficientemente direto entre a violação do prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06 e as perdas sofridas pela Kendrion devido ao pagamento de despesas com a garantia bancária durante o período correspondente à ultrapassagem desse prazo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do conceito de «nexo de causalidade».

63

Por conseguinte, devendo este fundamento ser acolhido, há que anular o n.o 1 da parte decisória do acórdão recorrido, sem que seja necessário decidir quanto ao segundo e terceiro fundamentos invocados pela União Europeia em apoio do seu recurso.

Quanto ao recurso subordinado

64

A Kendrion invoca quatro fundamentos de recurso.

Quanto ao terceiro fundamento

65

Com o seu terceiro fundamento, a Kendrion censura o Tribunal Geral por ter cometido uma falta de fundamentação e um erro de direito na interpretação do conceito de «nexo de causalidade», na definição do período correspondente à ultrapassagem do prazo razoável de julgamento, e na avaliação do prejuízo material decorrente do pagamento das despesas com uma garantia bancária.

66

Uma vez que, como resulta do n.o 63 do presente acórdão, o n.o 1 da parte decisória do acórdão recorrido foi anulado, já não há que examinar este terceiro fundamento.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

67

Com o seu primeiro fundamento, a Kendrion defende que, ao considerar que um período de 26 meses (15 meses mais 11 meses) entre o fim da fase escrita do processo e o início da fase oral do mesmo era adequado para tratar o processo T‑54/06, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e uma falta de fundamentação na determinação do prazo razoável de julgamento e, consequentemente, da duração da ultrapassagem do referido prazo.

68

Em primeiro lugar, a Kendrion alega que, para efeitos da determinação do prazo razoável de julgamento, antes de mais, o Tribunal Geral devia ter tido em conta a duração total do processo. Em seguida, com base quer na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quer no Relatório detalhado de 2012 «Sistemas Judiciais Europeus» da Comissão para a Eficácia da Justiça na Europa (CEPEJ) (a seguir «Relatório de 2012 da CEPEJ»), e tendo em conta a complexidade resultante do caráter internacional do Tribunal Geral, este devia ter fixado em 2 anos e 6 meses o prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06. Assim, o Tribunal Geral devia ter considerado, por último, que a duração da ultrapassagem do prazo razoável de julgamento era de 3 anos e 3 meses.

69

A Kendrion precisa que uma duração superior a dois anos e meio pode também ser razoável para tratar um processo como o que está em causa desde que exista uma justificação especial. Ora, segundo a Kendrion, no caso em apreço, nenhuma das circunstâncias próprias do processo pode justificar uma duração do mesmo, no Tribunal Geral, superior a dois anos e meio, e ainda menos uma duração de 26 meses entre o fim da fase escrita e o início da fase oral desse processo.

70

Em segundo lugar, o Tribunal Geral não fundamentou a apreciação que consta do n.o 58 do acórdão recorrido nem no que respeita à duração de 15 meses nem no que respeita à duração suplementar de um mês por processo. Além disso, há uma contradição quanto ao facto de esta abordagem se basear na ideia de que a complexidade aumenta com o número de processos quando essa complexidade já tinha sido tida em conta na determinação da duração da inatividade de 15 meses considerada admissível em qualquer processo relativo a acordos, decisões e práticas concertadas e de, no Acórdão de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão (C‑50/12 P, EU:C:2013:771, n.o 104), o Tribunal de Justiça ter determinado que os fundamentos invocados pela Kendrion «não apresentavam um grau de dificuldade especialmente elevado».

71

A União Europeia considera que os argumentos da Kendrion são inadmissíveis e, de qualquer modo, improcedentes.

Apreciação do Tribunal de Justiça

72

Quanto, em primeiro lugar, à argumentação relativa a um erro de direito na determinação do prazo razoável de julgamento, antes de mais, importa sublinhar que, contrariamente ao que a Kendrion procura dar a entender, resulta do acórdão recorrido que, para efeitos da determinação do prazo razoável de julgamento e, consequentemente, da duração da ultrapassagem desse prazo, o Tribunal Geral teve em conta a totalidade da duração da tramitação do processo T‑54/06.

73

Com efeito, no n.o 62 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral precisou que o exame dos autos daquele processo não revelou nenhuma circunstância que permita concluir pela existência de um período de inatividade injustificada, por um lado, entre a data de entrega da petição e a data de entrega da tréplica e, por outro, entre a abertura da fase oral do processo e a prolação do acórdão que lhe põe fim. Daí resulta que o Tribunal Geral verificou que a duração da primeira e última fases da tramitação do processo T‑54/06 foi adequada para o tratar, tendo apenas a duração da fase intermédia do processo, isto é, a compreendida entre o fim da fase escrita e o início da fase oral, sido considerada desrazoável pelo Tribunal Geral. Esta circunstância teve por efeito, consequentemente, aumentar indevidamente a duração total do processo, na aceção do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

74

Em segundo lugar, contrariamente ao que a Kendrion alega, nada no direito da União determina que, quanto ao tratamento dos processos em matéria de concorrência submetidos ao Tribunal Geral, como o que está aqui em causa, uma duração de 2 anos e 6 meses deve ser considerada razoável, para efeitos do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

75

A este respeito, a Kendrion faz referência à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e ao Relatório de 2012 da CEPEJ para fundamentar a sua argumentação.

76

Ora, no que diz respeito à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se, à luz do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, os princípios decorrentes desta jurisprudência à luz do direito de qualquer pessoa a que a sua causa seja julgada num prazo razoável, previsto no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, poderiam ser tidos em conta para clarificar o âmbito e o sentido do direito correspondente previsto no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, não é menos certo que, como salientou o advogado‑geral no n.o 146 das suas conclusões, a Kendrion não referiu nenhum acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de onde resulte que, nos processos de acordos, decisões e práticas concertadas no Tribunal Geral, como o que está em causa, uma duração de 2 anos e 6 meses deve ser considerada razoável.

77

Quanto ao Relatório de 2012 da CEPEJ, além de não conter regras de direito, importa salientar que resulta desse relatório uma análise não dos prazos de tratamento dos processos nos órgãos jurisdicionais da União, mas dos prazos judiciais nos Estados‑Membros do Conselho da Europa. Não pode, logo, afirmar‑se validamente, como salientou o advogado‑geral no n.o 147 das suas conclusões, que esse relatório sugere que a duração de um processo em matéria de concorrência no Tribunal Geral, como o que está aqui em causa, não deve exceder dois anos e meio.

78

Assim, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quando decidiu, no n.o 58 do acórdão recorrido, que um prazo de 26 meses, ou seja, 15 meses mais 11 meses, entre o fim da fase escrita do processo e a abertura da sua fase oral era adequado para tratar o processo T‑54/06.

79

Por último, relativamente ao argumento da Kendrion referido do n.o 69 do presente acórdão, que consiste, na realidade, em contestar as apreciações do Tribunal Geral à luz das circunstâncias próprias do processo T‑54/06, há que salientar que a recorrente no recurso subordinado não pode obter do Tribunal de Justiça a substituição da apreciação do Tribunal Geral pela sua própria. Com efeito, segundo jurisprudência constante, o recurso limita‑se às questões de direito. O Tribunal Geral é, assim, o único competente para apurar e apreciar os factos relevantes, bem como para apreciar os elementos de prova fornecidos. A apreciação destes factos e elementos de prova não constitui, portanto, sob pena de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça num recurso de decisão do Tribunal Geral (Despacho de 3 de setembro de 2013, Idromacchine e o./Comissão, C‑34/12 P, não publicado, EU:C:2013:552, n.o 64 e jurisprudência referida). Ora, no caso em apreço, a Kendrion não invocou, e menos ainda demonstrou, essa desvirtuação, pelo que este argumento é inadmissível.

80

No que respeita, em segundo lugar, à argumentação relativa a uma falta de fundamentação, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação de um acórdão deve evidenciar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal Geral, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (Acórdão de 2 de abril de 2009, France Télécom/Comissão,C‑202/07 P, EU:C:2009:214, n.o 29 e jurisprudência referida).

81

Ora, contrariamente ao que afirma a Kendrion, o Tribunal Geral expôs suficientemente, nos n.os 50 a 57 do acórdão recorrido, as razões pelas quais considerou que uma duração de 26 meses, isto é, 15 meses mais 11 meses, entre o fim da fase escrita do processo e o início da fase oral, era adequada para tratar o processo T‑54/06.

82

Por conseguinte, deve ser negado provimento ao primeiro fundamento, por ser em parte inadmissível e em parte improcedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

83

Com o seu segundo fundamento, a Kendrion censura o Tribunal Geral por ter cometido um erro manifesto de apreciação e uma falta de fundamentação, quando julgou improcedente o seu pedido de indemnização a título dos danos materiais sofridos devido ao pagamento de juros de mora, por a recorrente no recurso subordinado não ter apresentado qualquer elemento que permitisse demonstrar que, durante o período correspondente à ultrapassagem do prazo razoável de julgamento, o montante dos juros de mora tinha sido superior à vantagem de que pôde beneficiar com a fruição, durante esse período, do montante da coima acrescida dos juros de mora. Além disso, a Kendrion afirma que, ao ter ignorado o seu pedido subsidiário de condenação da União Europeia no montante que o Tribunal Geral considerasse razoável, dispondo este de informações suficientes para decidir a esse respeito, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

84

Em apoio da sua argumentação relativa ao alegado erro manifesto de apreciação, a Kendrion remete, por um lado, para os n.os 42 e 43 da sua petição em primeira instância, nos termos dos quais demonstrou ter pagado à Comissão juros à taxa de 3,56 % e ter beneficiado ela própria de uma vantagem igual aos juros fixados na abertura de crédito de que beneficiou durante o mesmo período, e, por outro, para o anexo V.3 dessa petição em que o montante dos referidos juros foi detalhado. Do mesmo modo, a recorrente no recurso subordinado remete para os n.os 6 e 45 da referida petição nos termos dos quais se ofereceu expressamente para apresentar provas e documentos justificativos. Na audiência no Tribunal Geral, o prejuízo foi igualmente referido.

85

A União Europeia considera que os argumentos dirigidos contra as apreciações do Tribunal Geral relativas ao prejuízo material alegado a título do pagamento de juros de mora sobre o montante da coima devem ser rejeitados por inadmissíveis ou, a título subsidiário, como improcedentes. Quanto à argumentação relativa ao pedido subsidiário, a União Europeia defende, a título principal, que esse pedido é inadmissível e, subsidiariamente, que, de qualquer modo, ao julgar improcedente o pedido de indemnização do prejuízo material ligado ao pagamento de juros de mora sobre o montante da coima por a recorrente no recurso subordinado não ter demonstrado o prejuízo invocado sendo a tal obrigada, o Tribunal Geral também julgou improcedente, de forma acertada e suficientemente fundamentada, esse pedido subsidiário.

Apreciação do Tribunal de Justiça

86

A título liminar, importa lembrar que, como salientou o Tribunal Geral, no n.o 64 do acórdão recorrido, qualquer dano cuja reparação seja pedida no âmbito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual da União ao abrigo do disposto no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE deve ser real e efetivo (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho,C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 61 e jurisprudência referida).

87

Neste contexto, há que salientar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 87 das suas conclusões, que, uma vez que um ato ou omissão de uma instituição da União pode implicar determinados custos para uma empresa, mas, simultaneamente, pode trazer determinados ganhos para a mesma, só se pode considerar que existe dano, na aceção do artigo 340.o TFUE, quando a diferença líquida entre custos e ganhos decorrente do comportamento censurado a essa instituição é negativa.

88

Assim, quanto ao alegado dano resultante do pagamento de juros de mora sobre o montante da coima durante o período correspondente à ultrapassagem do prazo razoável de julgamento, só, efetivamente, se os juros vencidos durante esse período forem superiores à vantagem que a recorrente no recurso subordinado pôde retirar da fruição, durante o referido período, do montante igual ao montante da coima acrescida dos juros de mora se pode considerar que existe um prejuízo real e efetivo.

89

Por outro lado, o Tribunal de Justiça precisou que compete à parte que põe em causa a responsabilidade extracontratual da União apresentar provas concludentes quanto à existência ou à extensão do prejuízo que invoca (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho,C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 62 e jurisprudência referida).

90

Ora, no caso vertente, após ter verificado, no n.o 76 do acórdão recorrido, que, ao longo da tramitação do processo T‑54/06, a Kendrion não tinha pagado o montante da coima nem os juros de mora, de forma que, no decurso desse processo, a Kendrion tinha usufruído da quantia correspondente ao montante dessa coima acrescido dos juros de mora, o Tribunal Geral, no n.o 77 do acórdão recorrido, considerou que a recorrente no recurso subordinado não apresentou elementos que permitam demonstrar que, no período correspondente à ultrapassagem do prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06, o montante dos juros de mora, posteriormente pagos à Comissão, foi superior à vantagem de que ela tinha podido beneficiar devido à fruição da quantia, equivalente ao montante da coima acrescido dos juros de mora.

91

O Tribunal Geral salientou, por outro lado, no n.o 78 do acórdão recorrido, que essa apreciação não era posta em causa pelo método de cálculo proposto pela recorrente no recurso subordinado, que consistiu em deduzir do montante do dano alegado as despesas que a mesma teria tido de suportar, no âmbito do financiamento por parte de um banco, se tivesse sido obrigada a pagar a coima em 26 de agosto de 2010. A este propósito, o Tribunal Geral declarou, no n.o 79 desse acórdão, que a Kendrion não tinha alegado, em nenhum momento, nem, a fortiori, demonstrado, que teria sido obrigada a recorrer a um financiamento por terceiros, a fim de pagar o montante da coima aplicada pela Comissão.

92

Nestas condições, como resulta dos n.os 86 a 89 do presente acórdão, foi corretamente que o Tribunal Geral decidiu, por um lado, no n.o 80 do acórdão recorrido, que não tinha sido demonstrado que, durante o período que excedeu o prazo razoável de julgamento no processo T‑54/06, a recorrente no recurso subordinado sofreu danos reais e efetivos, associados ao pagamento de juros de mora sobre o montante da coima não paga, e, por outro, concluiu, pois, pela improcedência do pedido de indemnização de um alegado prejuízo sofrido por esse motivo.

93

Assim sendo, a Kendrion afirma, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto de apreciação nos n.os 77 e 79 do acórdão recorrido, que resulta dos n.os 42 e 43 da sua petição em primeira instância, assim como, nomeadamente, do anexo V.3 que acompanha essa petição.

94

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão, C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.o 32 e jurisprudência referida).

95

Ora, contrariamente ao que a Kendrion defende, nem, por um lado, o quadro constante do anexo V.3 da sua petição em primeira instância, mostrando as despesas que alegadamente teria de suportar, a título do financiamento por um banco da coima e dos juros se tivesse sido obrigada a pagar a coima em 26 de agosto de 2010, nem, por outro, a disponibilização, constante do n.o 45 da sua petição em primeira instância, para apresentar os documentos relativos ao referido anexo V.3 demonstram que os n.os 77 e 79 do acórdão recorrido estejam viciados de um erro manifesto de apreciação. Na verdade, resulta desses elementos que a Kendrion calculou efetivamente o seu prejuízo tendo em conta a vantagem que pôde retirar do não pagamento da coima, o que o Tribunal Geral de modo nenhum negou. No entanto, este último pôde constatar, sem cometer qualquer desvirtuação, no n.o 79 desse acórdão, que a Kendrion não tinha demonstrado ter sido obrigada a recorrer a um financiamento por um terceiro para pagar a coima que lhe tinha sido aplicada.

96

Em segundo lugar, a Kendrion alega que o Tribunal Geral cometeu uma falta de fundamentação quando concluiu, no n.o 80 do acórdão recorrido, pela improcedência do seu pedido de indemnização associado ao pagamento de juros de mora durante o período correspondente à ultrapassagem do prazo razoável de julgamento.

97

Ora, a fundamentação exposta pelo Tribunal Geral, nos n.os 76 a 79 do acórdão recorrido, é suficiente para permitir à Kendrion conhecer as razões nas quais o Tribunal Geral se baseou para julgar improcedente o seu pedido de indemnização a título dos juros de mora e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização no âmbito de um recurso.

98

Resulta assim, conforme jurisprudência referida no n.o 80 do presente acórdão, que o acórdão recorrido não está viciado de falta de fundamentação a este respeito.

99

Em terceiro lugar, a Kendrion censura o Tribunal Geral por ter cometido um erro de direito, ao ter ignorado o seu pedido subsidiário de condenar a União Europeia no montante que entendesse razoável, dispondo ele de informações suficientes para decidir a esse propósito.

100

Ora, à luz, por um lado, do n.o 80 do acórdão recorrido e, nomeadamente, da constatação do Tribunal Geral relativa à inexistência de um prejuízo real e efetivo a título do pagamento de juros de mora, e, por outro, da jurisprudência referida nos n.os 35 e 36 do acórdão recorrido, segundo a qual, quando uma das condições da responsabilidade extracontratual da União não está preenchida, o recurso deve ser julgado improcedente na sua totalidade, sem ser necessário apreciar os outros pressupostos (v., designadamente, Acórdão de 14 de outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, EU:C:1999:498, n.o 65), resulta do acórdão recorrido que o Tribunal Geral julgou improcedente todos os pedidos de reparação associados ao pagamento dos referidos juros.

101

Nestas condições, a argumentação apresentada pela Kendrion, no âmbito deste fundamento, é desprovida de fundamento.

102

Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

103

Com o seu quarto fundamento, a Kendrion afirma que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na determinação da indemnização a título do prejuízo moral resultante da ultrapassagem do prazo razoável de julgamento. Em especial, ao conceder‑lhe uma indemnização simbólica de 6000 euros a esse título, em vez de uma indemnização equivalente a 5 % do montante da coima, o Tribunal Geral violou o direito da Kendrion a uma reparação razoável, na aceção do artigo 41.o da CEDH, e, assim, o seu direito à ação, na aceção do artigo 47.o da Carta. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao 41.o da CEDH, conjugada com a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608), apoiam esta argumentação.

104

A título subsidiário, a Kendrion pede ao Tribunal de Justiça que fixe, ele próprio, com toda a equidade, o montante que considere poder conceder a título de indemnização equitativa pela violação por uma instituição da União do princípio fundamental do prazo razoável, ou remeta o processo ao Tribunal Geral.

105

A União Europeia considera, a título principal, que esse fundamento é inadmissível e, de qualquer modo, improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

106

Em primeiro lugar, há que observar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 127 das suas conclusões, que a jurisprudência resultante do Acórdão de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608), em que a Kendrion se apoia para alegar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando da determinação do prejuízo moral e fundamentar o seu pedido de indemnização de uma soma correspondente a 5 % do montante da coima, foi alterada pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão,C‑50/12 P, EU:C:2013:771, n.os 77 a 108 e jurisprudência referida), e não é já relevante para efeitos da determinação de uma indemnização destinada a reparar, nos termos do artigo 340.o TFUE, o prejuízo moral causado pela violação do prazo razoável de julgamento.

107

Nestas condições, a argumentação da Kendrion, na medida em que se destina a contestar a recusa do Tribunal Geral em lhe conceder uma soma de um montante correspondente a 5 % da coima aplicada e a obter do Tribunal de Justiça a concessão desse montante, deve ser rejeitada.

108

Em segundo lugar, importa salientar que, contrariamente ao que a recorrente no recurso subordinado defende, tendo em conta a natureza dos prejuízos extrapatrimoniais ou morais, uma indemnização, como a que está aqui em causa, pode constituir uma reparação adequada, na aceção do artigo 340.o TFUE, para reparar tais prejuízos (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 1979, V./Comissão, 18/78, EU:C:1979:154, n.o 19), pelo que a referida recorrente não pode invocar o seu direito à ação, na aceção do artigo 47.o da Carta.

109

Uma vez que, como resulta do n.o 6 do presente acórdão, o artigo 41.o da CEDH não corresponde ao artigo 47.o da Carta, a apreciação que consta do n.o 135 do acórdão recorrido não pode, de qualquer forma, ser posta em causa pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 41.o da CEDH.

110

Por último, importa recordar que, no contexto particular das ações de indemnização, o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que, quando o Tribunal de Geral tenha concluído pela existência de um dano, só a ele compete apreciar, nos limites do pedido, o modo e a medida da reparação do dano. Todavia, para que o Tribunal de Justiça possa exercer a sua fiscalização jurisdicional sobre os acórdãos do Tribunal Geral, estes devem ser suficientemente fundamentados e, estando em causa a avaliação de um prejuízo, indicar os critérios tomados em conta para a determinação do montante fixado (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.os 50, 51 e jurisprudência referida).

111

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 124 das suas conclusões, o Tribunal Geral, antes de mais, expôs suficientemente, nos n.os 117 a 128 do acórdão recorrido, as razões que o levaram a concluir que alguns tipos dos danos morais alegados pela recorrente no recurso subordinado foram por esta adequadamente provados enquanto outros não. Em seguida, no n.o 129 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, atendendo às circunstâncias do caso em apreço, o dano moral constatado, isto é, o prejuízo sofrido devido ao estado de incerteza prolongado em que a referida recorrente se viu durante a tramitação do processo T‑54/06, não se encontrava inteiramente reparado pela declaração da violação do prazo razoável de julgamento. Por último, nos n.os 130 a 134 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral indicou os critérios tidos em conta para efeitos da determinação do montante da indemnização.

112

Por conseguinte, não se pode censurar o Tribunal Geral por ter cometido um erro de direito ao considerar, no n.o 135 do acórdão recorrido, que uma indemnização de 6000 euros, concedida à recorrente no recurso subordinado, constitui uma reparação adequada do prejuízo que sofreu devido ao estado de incerteza prolongada em que se encontrou durante a tramitação do processo T‑54/06.

113

Por conseguinte, há que considerar improcedente o quarto fundamento.

114

Decorre das considerações precedentes que há que negar provimento ao recurso subordinado na íntegra.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

115

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

116

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera que há que decidir definitivamente a ação de indemnização intentada pela Kendrion na medida em que visa obter a reparação do prejuízo resultante do pagamento de despesas com a garantia bancária para além do prazo razoável de julgamento no âmbito do processo T‑54/06.

117

A este respeito, cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, está sujeita à verificação de um conjunto de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado à instituição da União, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento dessa instituição e o dano invocado (Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 64 e jurisprudência referida).

118

Como recordou o Tribunal Geral no n.o 36 do acórdão recorrido, quando uma destas condições não está preenchida, o recurso deve ser julgado improcedente na sua totalidade, sem ser necessário apreciar os outros pressupostos da responsabilidade extracontratual da União (Acórdão de14 de outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, EU:C:1999:498, n.o 65 e jurisprudência referida). Por outro lado, o juiz da União não é obrigado a examinar estes requisitos segundo uma ordem determinada (Acórdão de 18 de março de 2010, Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão, C‑419/08 P, EU:C:2010:147, n.o 42 e jurisprudência referida).

119

Pelos fundamentos expostos nos n.os 52 a 62 do presente acórdão, a ação de indemnização intentada pela Kendrion no Tribunal Geral, na medida em que visa obter a reparação do prejuízo material que consiste no pagamento de despesas com a garantia bancária para além do prazo razoável de julgamento no âmbito do processo T‑54/06, deve ser julgada improcedente.

Quanto às despesas

120

Em conformidade com o disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

121

De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

122

Tendo a União Europeia pedido a condenação da Kendrion nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la no pagamento das suas próprias despesas e das efetuadas pela União Europeia no âmbito do presente recurso.

123

Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a União Europeia e a Kendrion suportarão as suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância.

124

O artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, prevê que os Estados‑Membros e as instituições intervenientes no litígio suportam as suas próprias despesas. Além disso, nos termos do artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, quando um interveniente em primeira instância não tenha ele próprio interposto o recurso da decisão do Tribunal Geral, mas tenha participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça, este pode decidir que essa parte suporte as suas próprias despesas.

125

A Comissão, que tinha a qualidade de interveniente em primeira instância e que participou na fase escrita do processo do recurso principal, suportará as suas próprias despesas quer em primeira instância quer no âmbito do presente recurso.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

O n.o 1 da parte decisória do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 1 de fevereiro de 2017, Kendrion/União Europeia (T‑479/14, EU:T:2017:48), é anulado.

 

2)

É negado provimento ao recurso subordinado interposto pela Kendrion NV.

 

3)

A ação de indemnização intentada pela Kendrion NV, na medida em que visa obter a reparação do prejuízo material que consiste no pagamento de despesas com a garantia bancária para além do prazo razoável de julgamento no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de 16 de novembro de 2011, Kendrion/Comissão (T‑54/06, não publicado, EU:T:2011:667), é julgada improcedente.

 

4)

A Kendrion NV suporta, além das suas próprias despesas, a totalidade das despesas efetuadas pela União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do presente recurso, e as suas próprias despesas em primeira instância.

 

5)

A União Europeia, representada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, suporta as suas próprias despesas em primeira instância.

 

6)

A Comissão Europeia suporta as suas próprias despesas quer no processo em primeira instância quer no âmbito do presente recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.