ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

8 de fevereiro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Artigos 49.o e 56.o TFUE — Diretiva 2004/18/CE — Motivos de exclusão da participação num concurso público — Serviços de seguros — Participação de vários sindicatos da Lloyd’s of London no mesmo concurso público — Assinatura das propostas pelo representante geral da Lloyd’s of London para o país em causa — Princípios da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação — Proporcionalidade»

No processo C‑144/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Tribunale amministrativo regionale per la Calabria (Tribunal Administrativo Regional da Calábria, Itália), por decisão de 22 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de março de 2017, no processo

Lloyd’s of London

contra

Agenzia Regionale per la Protezione dell’Ambiente della Calabria

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. G. Fernlund, presidente de secção, J.‑C. Bonichot e E. Regan (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Lloyd’s of London, por R. Villata, A. Degli Esposti e P. Biavati, avvocati,

em representação de Agenzia Regionale per la Protezione dell’Ambiente della Calabria, por V. Zicaro, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por E. De Bonis, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por N. Khan, G. Gattinara e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos princípios da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação decorrentes do artigo 49.o e 56.o TFUE e mencionados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Lloyd’s of London (a seguir «Lloyd’s») à Agenzia Regionale per la Protezione dell’Ambiente della Calabria (Agência Regional para a Proteção do Ambiente da Calábria, Itália) (a seguir «Arpacal»), a respeito da decisão desta última de excluir dois «syndicates» (a seguir «sindicatos») membros da Lloyd’s de um processo de adjudicação de um contrato público de serviços de seguro.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/18

3

Nos termos do considerando 46 da Diretiva 2004/18:

«A adjudicação de um contrato deve realizar‑se com base em critérios objetivos que assegurem o respeito dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento e que garantam a apreciação das propostas em condições de concorrência efetiva. […]»

4

O artigo 2.o desta diretiva dispunha:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»

5

O artigo 45.o da referida diretiva enunciava os motivos de exclusão de participação de um operador económico num concurso público.

6

A Diretiva 2004/18 foi revogada pela Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos (JO 2014, L 94, p. 65). Por força do artigo 90.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24, os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições necessárias para dar cumprimento a esta diretiva até 18 de abril de 2016. Nos termos do artigo 91.o da referida diretiva, a revogação da Diretiva 2004/18 produziu efeitos na mesma data.

Diretiva 2009/138/CE

7

A Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) (JO 2009, L 335, p. 1), prevê no n.o 2 do seu artigo 145.o, com a epígrafe «Condições para o estabelecimento de uma sucursal»:

«Os Estados‑Membros exigem que as empresas de seguros que pretendam estabelecer uma sucursal noutro Estado‑Membro façam acompanhar a notificação referida no n.o 1 das seguintes informações:

[…]

c)

O nome de uma pessoa que tenha poderes bastantes para obrigar perante terceiros a empresa de seguros ou, no caso da Lloyd’s, os subscritores interessados, e para os representar nas relações com as autoridades e tribunais do Estado‑Membro de acolhimento (“mandatário geral”);

[…]

No que diz respeito à Lloyd’s, em caso de litígio no Estado‑Membro de acolhimento decorrente dos compromissos assumidos, não devem resultar para os segurados maiores dificuldades do que as que resultariam se os litígios envolvessem empresas de tipo clássico.»

8

O anexo III desta diretiva, com a epígrafe «Formas jurídicas das empresas», contém, em cada uma das suas partes A a C, relativas às formas das empresas de seguro vida e de seguro não vida bem como de resseguro, um ponto 27, que menciona, relativamente ao Reino Unido, nomeadamente, a associação dos subscritores Lloyd’s.

Direito italiano

9

O decreto legislativo n.o 163 — Codice dei contratti pubblici relativi a lavori, servizi e forniture in attuazione delle direttive 2004/17/CE e 2004/18/CE (Decreto Legislativo n.o 163, que aprova o Código dos Contratos Públicos de Obras, de Serviços e de Fornecimentos, em aplicação das Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE), de 12 de abril de 2006 (suplemento ordinário ao GURI n.o 100, de 2 de maio de 2006), conforme alterado pelo Decreto‑Lei n.o 135, de 25 de setembro de 2009 (GURI n.o 223, de 25 de setembro de 2009), convertido na Lei n.o 166, de 20 de novembro de 2009 (GURI n.o 274, de 24 de novembro de 2009) (a seguir «Decreto Legislativo n.o 163/2006»), regulava em Itália todos os processos de adjudicação de contratos públicos no setor das empreitadas, dos serviços e dos fornecimentos.

10

O artigo 38.o, n.o 1, alínea m‑quater), desse decreto legislativo previa que não podiam participar nos processos de adjudicação de concessões ou de contratos públicos de obras, de fornecimentos e de serviços, nem celebrar contratos de subempreitada respeitantes a essas adjudicações, os proponentes que «se encontrem, relativamente a outro participante no mesmo processo de adjudicação, numa situação de domínio nos termos do artigo 2359.o do Código Civil ou em qualquer relação, ainda que de facto, se a situação de domínio ou a relação implicar que as propostas são imputáveis a um único centro de decisão».

11

No que diz respeito, nomeadamente, às declarações que os candidatos ou os proponentes devem apresentar, o artigo 38.o, n.o 2, do referido decreto legislativo previa:

«Para efeitos do n.o 1, alínea m‑quater), o proponente apresenta, em alternativa:

a)

uma declaração de que não se encontra em nenhuma das situações de domínio previstas no artigo 2359.o do Código Civil relativamente ninguém, e de que formulou a proposta autonomamente;

b)

uma declaração de que não tem conhecimento da participação no mesmo processo de pessoas que se encontrem relativamente a ele numa das situações de domínio previstas no artigo 2359.o do Código Civil, e de que formulou a proposta autonomamente;

c)

uma declaração de que tem conhecimento da participação no mesmo processo de pessoas que se encontram relativamente a ele numa situação de domínio prevista no artigo 2359.o do Código Civil, e de que formulou a proposta autonomamente.

Nas hipóteses previstas nas alíneas a), b) e c), a entidade adjudicante exclui os proponentes relativamente aos quais apure, com base em elementos inequívocos, que as propostas são imputáveis a um único centro de decisão. A verificação e a eventual exclusão são decididas após a abertura dos envelopes que contêm as propostas económicas.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

Em 13 de agosto de 2015, a Arpacal lançou um concurso público para a adjudicação de um contrato de prestação de serviços de seguros, a fim de cobrir o risco associado à responsabilidade civil dessa agência para com terceiros e com os operários, relativamente ao período de 2016 até 2018. O contrato devia ser adjudicado segundo o critério da oferta economicamente mais vantajosa.

13

Dois sindicatos membros da Lloyd’s, o Arch e o Tokio Marine Kiln, participaram nesse processo. Ambas as propostas eram assinadas pelo mandatário especial do representante geral da Lloyd’s para Itália.

14

Por decisões de 29 de setembro de 2015 e 1 de outubro de 2016, a Arcapal excluiu esses dois sindicatos do processo por violação do artigo 38.o, n.o 1, alínea m‑quarter), do Decreto Legislativo n.o 163/2006.

15

A Lloyd’s recorreu, por intermédio do seu representante geral para Itália, para o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunale amministrativo regionale per la Calabria (Tribunal Administrativo Regional da Calábria, Itália), que anulou cada uma dessas duas decisões por sentenças, respetivamente, de 19 de janeiro e 21 de novembro de 2016, e ordenou a readmissão desses sindicatos no processo de adjudicação em causa.

16

Por duas decisões, adotadas em 14 de dezembro de 2016, a Arpacal excluiu de novo esses dois sindicatos do processo de adjudicação por violação do mesmo artigo 38.o, n.o 1, alínea m‑quarter), do Decreto Legislativo n.o 163/2006, com o fundamento de que as propostas eram objetivamente imputáveis a um único centro de decisão, uma vez que as propostas técnicas e económicas haviam sido submetidas, formuladas e assinadas pela mesma pessoa, a saber, o mandatário especial do representante geral da Lloyd’s para Itália (a seguir «decisões em causa»).

17

Sempre por intermédio do seu representante geral para Itália, a Lloyd’s interpôs novo recurso das decisões em causa para o órgão jurisdicional de reenvio. Como fundamento do seu recurso, a Lloyd’s explica que é uma «pessoa coletiva de estrutura plural», composta por uma associação reconhecida de pessoas singulares e coletivas — os membros —, que atuam autonomamente em agrupamentos — os sindicatos —, que operam autonomamente e em concorrência entre si, embora no âmbito da mesma organização. Cada estrutura interna é desprovida de personalidade jurídica e atua através do representante geral, que, em cada país, é único para todos os sindicatos que operam nesse território.

18

A Arpacal afirma, por seu lado, que vários elementos sustentam a hipótese de que as duas propostas são imputáveis a um único centro de decisão, a saber, a identidade dos formulários utilizados, a única assinatura da mesma pessoa na qualidade de mandatário especial do representante geral para Itália, a numeração consecutiva dos valores selados das respetivas propostas económicas bem como a identidade das menções e das declarações. Resulta daqui uma violação dos princípios da confidencialidade das propostas, da livre e leal concorrência e da igualdade de tratamento dos proponentes.

19

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, segundo a jurisprudência nacional, quando vários sindicatos subscritores da Lloyd’s participem num mesmo concurso público, a assinatura pelo representante da Lloyd’s para Itália do dossiê de candidatura e da proposta económica desses sindicatos não dá lugar a uma violação do artigo 38.o, n.o 1, alínea m‑quarter), e do n.o 2 do Decreto Legislativo n.o 163/2006, nem dos princípios da concorrência, da autonomia e da confidencialidade das propostas. A este respeito, essa jurisprudência tinha salientado a estrutura especial da Lloyd’s, que opera nos diferentes países por intermédio de um representante geral único, em conformidade com a regulamentação do Reino Unido. De igual modo, no seu Parecer n.o 110, de 9 de abril de 2008, a Autorità di Vigilanza sui Contratti Pubblici (Autoridade de Supervisão dos Contratos Públicos, Itália), atualmente Autorità Nazionale Anticorruzione (Autoridade Nacional Anticorrupção, Itália), havia declarado que a autonomia dos sindicatos e a concorrência entre eles permitem garantir a liberdade de concorrência e a igualdade de tratamento entre os candidatos.

20

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, porém, acerca da conformidade da regulamentação italiana em causa, tal como interpretada pela jurisprudência nacional, com o direito da União. É verdade que a Diretiva 2009/138 reconhece a Lloyd’s como uma empresa de seguros privada cujos subscritores estão habilitados a operar na União Europeia por intermédio de um representante geral único para o Estado‑Membro em causa. Todavia, embora os sindicatos membros da Lloyd’s operem de forma autónoma e em concorrência entre si, os processos de adjudicação de contratos públicos são regulados por regras imperativas destinadas a garantir o respeito da igualdade de tratamento. Ora, quando o representante geral da Lloyd’s assina as propostas dos sindicatos toma conhecimento do respetivo teor. Por conseguinte, a assinatura, por uma mesma pessoa, de várias propostas apresentadas por proponentes diferentes pode comprometer a autonomia e a confidencialidade das referidas propostas e, portanto, infringir o princípio da concorrência consagrado, nomeadamente, nos artigos 101.o e 102.o TFUE.

21

Nestas condições, o Tribunale amministrativo regionale per la Calabria (Tribunal Administrativo Regional da Calábria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os princípios estabelecidos pelas normas [da União] em matéria de concorrência, previstos no Tratado [FUE], bem como os princípios deles decorrentes, como a autonomia e a confidencialidade das propostas, opõem‑se a uma legislação nacional que, conforme interpretada pela jurisprudência, admite a participação simultânea num mesmo concurso lançado por uma [entidade] adjudicante de diferentes [sindicatos] membros da Lloyd’s of London, cujas propostas tenham sido assinadas por uma única pessoa, o [r]epresentante [g]eral para o país?»

Quanto à questão prejudicial

22

Importa recordar que, no âmbito do procedimento de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram submetidas (v., nomeadamente, Acórdão de 11 de março de 2008, Jager, C‑420/06, EU:C:2008:152, n.o 46).

23

No caso vertente, o litígio no processo principal diz respeito a um concurso público de serviços de seguros relativamente ao qual não está dito se o respetivo valor atinge o limite fixado pela Diretiva 2004/18. Todavia, cabe recordar que a adjudicação de contratos que, dado o seu valor, não se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva está, no entanto, sujeita às regras fundamentais e aos princípios gerais do Tratado FUE, em particular os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, e à obrigação de transparência deles decorrentes, desde que esses contratos revistam um interesse transfronteiriço certo, tendo em conta certos critérios objetivos (Acórdão de 16 de abril de 2015, Enterprise Focused Solutions, C‑278/14, EU:C:2015:228, n.o 16).

24

Consequentemente, deve considerar‑se que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os princípios da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação decorrentes dos artigos 49.o e 56.o TFUE e mencionados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a exclusão de dois sindicatos membros da Lloyd’s da participação no mesmo concurso público de serviços de seguros pelo simples motivo de as respetivas propostas terem sido assinadas pelo representante geral da Lloyd’s para esse Estado‑Membro.

25

A este respeito, cabe precisar a título liminar que, embora a Diretiva 2004/18 tenha sido revogada pela Diretiva 2014/24 com efeitos a partir de 18 de abril de 2016, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a diretiva aplicável é, em princípio, a que está em vigor no momento em que a entidade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai adotar e decide definitivamente a questão de saber se existe ou não a obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação de um contrato público. Em contrapartida, não são aplicáveis as disposições de uma diretiva cujo prazo de transposição tenha expirado após esse momento (v., nomeadamente, Acórdão de 14 de setembro de 2017, Casertana Costruzioni, C‑223/16, EU:C:2017:685, n.o 21).

26

Uma vez que o processo de concurso em causa no processo principal foi lançado em 13 de agosto de 2015, ao passo que a Diretiva 2014/24 foi adotada em 26 de fevereiro de 2014 e que, em todo o caso, o seu prazo de transposição expirou em 18 de abril de 2016, a Diretiva 2004/18 é aplicável ratione temporis ao processo principal.

27

É dado assente entre todos os interessados que apresentaram observações escritas que a Lloyd’s constitui uma associação reconhecida de membros com a qualidade de pessoas coletivas e de pessoas singulares, os quais, atuando através de agrupamentos — os sindicatos — operam com autonomia e em concorrência entre si. Todavia, uma vez que cada estrutura interna é desprovida de personalidade jurídica autónoma, os sindicatos só podem operar por intermédio do representante geral, que é único para cada país. A Lloyd’s precisa ainda que esses sindicatos não representam uma estrutura fixa nem uma associação estável de membros, mas sim um agrupamento de membros cuja composição pode variar, e operam cada um por intermédio de um órgão de gestão próprio que adota decisões que os une, embora não tenham personalidade jurídica própria.

28

Decorre da decisão de reenvio que, embora, de acordo com o próprio enunciado da questão prejudicial, a regulamentação nacional em causa no processo principal permita que dois sindicatos membros da Lloyd’s participem num mesmo concurso público em matéria de seguros, mesmo quando as respetivas propostas tenham sido assinadas pelo representante geral da Lloyd’s para Itália, o litígio no processo principal surgiu na sequência de várias decisões, entre as quais as decisões em causa, pelas quais a Arpacal excluiu esses dois sindicatos do processo com o fundamento de que, visto, precisamente, as suas propostas terem sido assinadas pelo mandatário especial do referido representante, este último havia tido necessariamente conhecimento do teor dessas propostas.

29

A este respeito, importa recordar que o artigo 45.o da Diretiva 2004/18, que enuncia as causas de exclusão de um operador económico da participação num concurso público, não prevê uma causa de exclusão como a que é objeto do processo principal, que visa evitar qualquer risco de concertação entre entidades membros de uma mesma organização. Com efeito, as causas de exclusão previstas nessa disposição dizem unicamente respeito às qualidades profissionais dos interessados (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Michaniki, C‑213/07, EU:C:2008:731, n.os 42 e 43).

30

Todavia, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 45.o da Diretiva 2004/18 não exclui a faculdade de os Estados‑Membros manterem ou estabelecerem, além destas causas de exclusão, regras materiais destinadas, designadamente, a garantir, em matéria de contratos públicos, o respeito do princípio da igualdade de tratamento de todos os proponentes e do princípio da transparência, que constituem a base das diretivas da União relativas aos processos de adjudicação dos contratos públicos, na condição de o princípio da proporcionalidade ser observado (Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 21).

31

Ora, é manifesto que uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, destinada a afastar qualquer potencial concertação entre os participantes num mesmo processo de adjudicação de um contrato público, visa salvaguardar a igualdade de tratamento dos candidatos e a transparência do processo (v., por analogia, Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 22).

32

Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, que constitui um princípio geral do direito da União, essa regulamentação não deve exceder o necessário para alcançar o objetivo pretendido (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.os 23 e 24; de 23 de dezembro de 2009, Serrantoni e Consorzio stabile edili, C‑376/08, EU:C:2009:808, n.o 33; e de 22 de outubro de 2015, Impresa Edilux e SICEF, C‑425/14, EU:C:2015:721, n.o 29).

33

A este respeito, há que recordar que as regras da União em matéria de adjudicação de contratos públicos foram adotadas no âmbito da realização de um mercado único destinado a assegurar a livre circulação e a eliminar as restrições da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 25).

34

Neste contexto, é do interesse do direito da União que seja assegurada a participação mais ampla possível de proponentes num concurso público (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 26; de 23 de dezembro de 2009, Serrantoni e Consorzio stabile edili, C‑376/08, EU:C:2009:808, n.o 40; e de 22 de outubro de 2015, Impresa Edilux e SICEF, C‑425/14, EU:C:2015:721, n.o 36).

35

Conclui‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a exclusão automática de candidatos e de proponentes que se encontrem numa situação de controlo ou de associação com outros concorrentes vai além do que é necessário para prevenir comportamentos de concertação e, portanto, para assegurar a aplicação do princípio da igualdade de tratamento e o respeito da obrigação de transparência (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 28; de 23 de dezembro de 2009, Serrantoni e Consorzio stabile edili, C‑376/08, EU:C:2009:808, n.os 38 e 40; e de 22 de outubro de 2015, Impresa Edilux e SICEF, C‑425/14, EU:C:2015:721, n.os 36 e 38).

36

Com efeito, essa exclusão automática constitui uma presunção inilidível de interferência recíproca nas propostas respetivas, para um mesmo concurso, de empresas ligadas por uma relação de controlo ou de associação. Afasta assim a possibilidade de esses candidatos ou proponentes demonstrarem a independência das suas propostas e é, por conseguinte, contrária ao interesse União de que seja assegurada a participação mais ampla possível de proponentes num concurso público (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.os 29 e 30; de 23 de dezembro de 2009, Serrantoni e Consorzio stabile edili, C‑376/08, EU:C:2009:808, n.os 39 e 40; e de 22 de outubro de 2015, Impresa Edilux e SICEF, C‑425/14, EU:C:2015:721, n.o 36).

37

A este respeito, cabe recordar que o Tribunal de Justiça já salientou que os agrupamentos de empresas podem revestir formas e objetivos variáveis, e não excluem forçosamente que as empresas dominadas gozem de uma certa autonomia na condução da sua política comercial e das suas atividades económicas, designadamente no domínio da participação em adjudicações públicas. Com efeito, as relações entre empresas de um mesmo agrupamento podem ser regidas por disposições especiais suscetíveis de garantir tanto a independência como a confidencialidade quando da elaboração de propostas que são simultaneamente apresentadas pelas empresas em causa no âmbito de um mesmo concurso (Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 31).

38

Por conseguinte, o respeito do princípio da proporcionalidade exige que a entidade adjudicante seja obrigada a examinar e a apreciar os factos, a fim de determinar se a relação existente entre duas entidades exerceu uma influência concreta no conteúdo das respetivas propostas apresentadas no âmbito de um mesmo processo de adjudicação pública, sendo a constatação de uma influência dessa natureza, independentemente da sua forma, suficiente para excluir as referidas empresas do processo (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 32).

39

Conclui‑se, no caso vertente, que o simples facto de propostas como as que são objeto do processo principal terem sido assinadas pela mesma pessoa, a saber, o mandatário especial do representante geral da Lloyd’s para Itália, não pode justificar a sua exclusão automática do concurso público em causa.

40

A distinção, feita pela Arcapal nas suas observações escritas, consoante a assinatura foi aposta no dossiê de candidatura aos processos de concurso ou nas próprias propostas financeiras é irrelevante. Com efeito, em qualquer dos casos, mesmo admitindo que implique que o mandatário especial e/ou o representante geral da Lloyd’s tenham tomado conhecimento do teor das propostas, essa assinatura não demonstra, em si mesma, que os sindicatos se tenham concertado quanto ao conteúdo das respetivas propostas e que, portanto, as relações entre eles assim como a intervenção do mandatário especial do representante geral da Lloyd’s tenham exercido uma influência concreta nessas propostas. O mesmo se diga dos outros elementos mencionados pela Arcapal, que figuram no n.o 18 do presente acórdão.

41

Ao basearem‑se na mera assinatura das propostas pelo mandatário especial do representante geral da Lloyd’s para Itália para excluir os sindicatos, as decisões em causa presumiram a existência de uma concertação, sem que os sindicatos tenham tido a possibilidade de demonstrar que as respetivas propostas foram elaboradas de forma plenamente independente uma da outra.

42

Ora, a este respeito, importa recordar que decorre da Diretiva 2009/138, em particular do seu artigo 145.o, n.o 2, alínea c), que o direito da União aplicável às atividades de seguros permite expressamente à Lloyd’s ser representada perante terceiros por um representante geral único para cada Estado‑Membro, pelo que a Lloyd’s só pode exercer as suas atividades de seguros nos Estados‑Membros por intermédio do representante geral competente, inclusive para efeitos de participação em concursos públicos respeitantes à adjudicação de contratos públicos de serviços de seguros, no âmbito dos quais as propostas dos sindicatos têm de ser assinadas e entregues por ele.

43

Nas suas observações escritas, a Lloyd’s precisou a este respeito, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que, em conformidade com os seus procedimentos internos, o representante geral para o Estado‑Membro em causa se limita a transmitir em papel timbrado, sem participar na formação da vontade de cada sindicato, o conteúdo da resposta‑tipo a um aviso de concurso e os formulários standard completados e aprovados por cada sindicato, o que garante que cada um deles opera com total autonomia relativamente aos outros através dos seus próprios órgãos de gestão.

44

Nestas condições, o direito da União opõe‑se a que os sindicatos da Lloyd’s sejam excluídos de forma automática do concurso público em causa no processo principal pelo simples motivo de as respetivas propostas terem sido assinadas pelo mandatário especial do representante geral da Lloyd’s para Itália. Cabe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar‑se de que as propostas em causa foram apresentadas de forma independente por cada um desses sindicatos.

45

Nesta medida, importa observar, à semelhança da Comissão Europeia nas suas observações escritas, que a regulamentação nacional em causa no processo principal não parece permitir essa exclusão automática, mas permite que a entidade adjudicante exclua os proponentes relativamente aos quais constate, com base em elementos incontestáveis, que as propostas não estão formuladas de forma independente, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

46

Por conseguinte, há que responder à questão submetida que os princípios da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação decorrentes dos artigos 49.o e 56.o TFUE e mencionados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a exclusão de dois sindicatos da Lloyd’s da participação num mesmo concurso público de serviços de seguros pelo simples motivo de as respetivas propostas terem sido assinadas pelo representante geral da Lloyd’s para esse Estado‑Membro, mas permite, em contrapartida, excluí‑los se se verificar, com base em elementos incontestáveis, que as suas propostas não foram formuladas de forma independente.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

Os princípios da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação decorrentes dos artigos 49.o e 56.o TFUE e mencionados no artigo 2.o da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a do processo principal, que não permite a exclusão de dois «syndicates» da Lloyd’s of London da participação num mesmo concurso público de serviços de seguros pelo simples motivo de as respetivas propostas terem sido assinadas pelo representante geral da Lloyd’s os London para esse Estado‑Membro, mas permite, em contrapartida, excluí‑los se se verificar, com base em elementos incontestáveis, que as suas propostas não foram formuladas de forma independente.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.