ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

6 de setembro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador — Diretiva 2008/94/CE — Artigo 8.o — Regimes complementares de previdência — Proteção dos direitos a prestações de velhice — Nível de proteção mínimo garantido»

No processo C‑17/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido], por decisão de 16 de dezembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de janeiro de 2017, no processo

Grenville Hampshire

contra

The Board of the Pension Protection Fund,

sendo intervenientes:

Secretary of State for Work and Pensions

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász (relator), K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 8 de março de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação de G. Hampshire, por I. Walker, solicitor, J. Bourke, barrister, e G. Facenna, QC,

em representação do The Board of the Pension Protection Fund, por A. Banister, solicitor, e J. Hilliard, QC,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, R. Fadoju e C. Crane, na qualidade de agentes, assistidos por J. Coppel, QC,

em representação do Governo irlandês, por M. Browne, J. Quaney, E. Creedon e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por Ú. Tighe, BL,

em representação da Comissão Europeia, por M. Kellerbauer e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 26 de abril de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 8.o da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 2008, L 283, p. 36).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G. Hampshire ao the Board of the Pension Protection Fund (Conselho do Fundo de Proteção de Pensões, a seguir «Conselho do PPF»), a respeito do cálculo dos seus direitos a prestações de velhice.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 3 da Diretiva 2008/94 tem a seguinte redação:

«São necessárias disposições para proteger os trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador e para lhes assegurar um mínimo de proteção, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade e um desenvolvimento económico e social equilibrado na [União Europeia]. Para esse efeito, os Estados‑Membros deverão criar uma instituição que garanta aos trabalhadores assalariados em causa o pagamento dos seus créditos em dívida.»

4

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, esta aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na aceção do n.o 1 do artigo 2.o da referida diretiva.

5

Nos termos do artigo 8.o desta diretiva:

«Os Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que serão tomadas as medidas necessárias para proteger os interesses dos trabalhadores assalariados e das pessoas que tenham deixado a empresa ou o estabelecimento da entidade patronal na data da superveniência da insolvência desta, no que respeita aos seus direitos adquiridos ou em vias de aquisição, a prestações de velhice, incluindo as prestações de sobrevivência, a título de regimes complementares de previdência, profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social.»

6

Nos termos do artigo 12.o, alínea a), da Diretiva 2008/94, esta não prejudicará a faculdade de os Estados‑Membros tomarem as medidas necessárias para evitar abusos.

Direito do Reino Unido

7

No que diz respeito à proteção dos direitos dos trabalhadores a prestações de velhice, a Diretiva 2008/94 foi essencialmente transposta para o direito do Reino Unido pelo Pensions Act 2004 (Lei das pensões de 2004, a seguir «Lei de 2004»).

8

Esta lei instituiu um fundo de garantia legal das pensões, denominado «Pension Protection Fund» (a seguir «PPF») e gerido pelo Conselho do PPF. Em caso de insolvência de um empregador, o PPF responde, sob determinadas condições, pelos créditos dos trabalhadores assalariados a título de um regime complementar de previdência profissional. Para financiar esta missão, o PPF recebe uma contribuição paga por todos os regimes complementares de previdência profissionais autorizados.

9

Quando um empregador participante num regime elegível de previdência de prestações definidas é declarado insolvente, o Conselho do PPF suporta este regime, por força da Lei de 2004, desde que estejam cumpridos determinados requisitos.

10

Um destes requisitos, previsto na section 127(2)(a) da Lei de 2004, é o de que «o valor dos ativos do regime de pensões à data relevante seja inferior ao montante das responsabilidades garantidas».

11

As responsabilidades garantidas, definidas na section 131 da Lei de 2004, não visam a totalidade dos direitos a pensão de todos os trabalhadores assalariados do regime complementar de previdência profissional, mas apenas os custos para garantir as prestações que correspondem à compensação que seria devida nos termos das disposições relativas ao subsídio de pensão se o Conselho do PPF assumisse o regime (a seguir «indemnização PPF»).

12

A Lei de 2004, em especial a sua section 162, não prevê a redução dos direitos dos trabalhadores assalariados que, à data da ocorrência da situação de insolvência do seu empregador, já tinham atingido a idade normal da reforma prevista pelo seu regime de previdência. Em contrapartida, os trabalhadores assalariados que ainda não tinham atingido a idade normal da reforma no momento da ocorrência da insolvência só têm direito a 90% do valor dos direitos adquiridos. Além disso, o seu direito está sujeito a um limite máximo, em conformidade com o ponto 26 do anexo 7 da Lei de 2004.

13

O nível do limite máximo da indemnização, aplicável aos trabalhadores de uma determinada faixa etária, é fixado pelo PPF. O Conselho do PPF publica fatores atuariais que reduzem o limite máximo para os membros que recebem a sua indemnização em idade inferior a 65 anos. Nos termos do ponto 26, n.o 7, do anexo 7 da Lei de 2004, o montante máximo da indemnização não é o limite máximo em si, mas corresponde a 90% do montante do limite máximo.

14

O ponto 28 do anexo 7 da Lei de 2004 prevê, além disso, que as taxas máximas serão ajustadas em função da inflação, embora com o limite de 2,5% por ano. Um ajustamento da taxa máxima em aplicação desta disposição não está previsto, porém, para as indemnizações pagas em razão de um emprego anterior a 6 de abril de 1997.

15

Em caso de insolvência nos termos da Lei de 2004, inicia‑se um período de análise ao abrigo da section 132 desta mesma lei, durante o qual o nível de financiamento do regime é analisado para determinar se o PPF se deve responsabilizar, ou não, pelo regime em causa, em conformidade com a section 127(2) (a seguir «período de análise»). Durante este período de análise, a section 138 da Lei de 2004 impõe a redução das prestações a pagar aos membros para o nível da compensação que seria paga se o PPF fosse obrigado a assumir a responsabilidade por esse regime.

16

Nos termos das sections 143 e 144 da Lei de 2004, a avaliação das responsabilidades garantidas e dos ativos do regime, efetuada durante o período de análise, se for aprovada pelo Conselho do PPF e não sendo impugnada, torna‑se vinculativa, e esta avaliação é determinante para apreciar se, para efeitos da transferência da competência para o PPF, está cumprido o requisito previsto na section 127(2)(a) da referida lei.

17

Por força da section 154 da Lei de 2004, se os ativos do regime de pensões forem considerados suficientes para cobrir os custos das responsabilidades garantidas à data da insolvência, o regime permanecerá fora do PPF e os seus administradores procederão à sua dissolução. Neste caso, o regime de previdência complementar em causa é obrigada a pagar aos trabalhadores prestações de velhice de um valor equivalente à indemnização PPF a partir dos fundos remanescentes. Nos termos da section 154(7) da Lei de 2004, o regime complementar de previdência profissional é submetido, nesse âmbito, às instruções do PPF.

18

Se os ativos do regime de pensões forem considerados insuficientes para satisfazer as responsabilidades garantidas, o Conselho do PPF assume a responsabilidade pelo regime. A este respeito, a section 161(2) da Lei de 2004 dispõe:

«A assunção pelo Conselho [do PPF] da responsabilidade por um regime tem por efeitos:

(a)

a transferência para o Conselho [do PPF]dos bens, direitos e responsabilidades do regime, sem garantias adicionais, com efeitos a partir da receção da notificação de transferência pelos administradores ou gestores;

(b)

a exoneração dos administradores ou gestores do regime das suas obrigações em matéria de pensões, a partir desse momento; e

(c)

a assunção, pelo Conselho [do PPF], da responsabilidade por assegurar que a compensação é (e tem sido) paga em conformidade com as disposições relativas à compensação e a consequente e imediata dissolução do regime a partir desse momento.»

19

Nos termos do Pension Protection Fund (Pension Compensation Cap) Order 2006 [Decreto de 2006 do Fundo de Proteção de Pensões (Limite Máximo da Compensação)], a partir de 1 de abril de 2006, o limite máximo, para a idade de 65 anos, era de 28944,45 libras esterlinas (GBP).

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

20

G. Hampshire trabalhou para a Turner & Newall plc (a seguir «T&N») de 1971 a 1998. Durante todo esse período, estava inscrito no regime de prestação de pensões da T&N (a seguir «regime T&N»).

21

Após ter sido despedido em 1998, na sequência da aquisição da T&N pela Federal‑Mogul Corporation of America, G. Hampshire reformou‑se antecipadamente com 51 anos, enquanto a idade normal da reforma para os trabalhadores assalariados inscritos no regime T&N era de 62 anos. Os administradores do regime T&N informaram‑no de que a sua pensão seria de 48781,80 GBP por ano, antes da dedução de impostos, com um aumento anual de, pelo menos, 3%.

22

Tendo em conta que, em 2001, a Federal‑Mogul Corporation of America requereu, nos Estados Unidos, uma proteção em caso de insolvência, o PPF iniciou, em 10 de julho de 2006, no Reino Unido, o procedimento de análise das responsabilidades garantidas e dos ativos do regime T&N. Nessa data, G. Hampshire tinha 58 anos de idade.

23

Após o termo do período de análise, o Conselho do PPF aprovou, em 19 de setembro de 2011, a avaliação segundo a qual, à data de 10 de julho de 2006, os ativos do regime T&N excediam as suas responsabilidades garantidas, de modo que havia fundos suficientes para assegurar o pagamento das prestações de velhice de um valor equivalente à indemnização PPF (a seguir «decisão de 19 de setembro de 2011»). Assim, o Conselho do PPF não suportaria esse regime.

24

O montante bruto da pensão de G. Hampshire foi fixado, após um ajustamento para o capital de 89965 GBP obtido após a sua reforma em 1998, na quantia de 19819 GBP por ano, tendo nomeadamente em conta o facto de que ainda não tinha ainda atingido, em 10 de julho de 2006, a idade normal de reforma do regime T&N e que, por conseguinte, lhe era aplicável a regra do limite máximo previsto no ponto 26 do anexo 7 da Lei de 2004.

25

Consequentemente, G. Hampshire sofreu uma redução de cerca de 67% em relação ao direito a um montante anual de 60240 GBP que teria adquirido se o seu empregador não se tivesse tornado insolvente.

26

Além disso, tendo em conta que o período de atividade de G. Hampshire decorreu essencialmente antes de 6 de abril de 1997, foi igualmente privado da maioria dos seus direitos a um aumento anual da sua pensão. Por conseguinte receberia, segundo os seus próprios cálculos, cerca de 25% dos seus direitos adquiridos a pensão decorrentes do seu emprego na T&N.

27

G. Hampshire, à semelhança de quinze outros antigos trabalhadores T&N afetados por reduções semelhantes, consultou o Pension Protection Fund Ombudsman (Provedor do Fundo de Proteção das Pensões, Reino Unido) para contestar a avaliação do regime T&N aprovada pelo Conselho do PPF na sua decisão de 19 de setembro de 2011.

28

Tendo sido negado provimento a esse pedido em 19 de fevereiro de 2014, G. Hampshire interpôs recurso para a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão da Chancery, Reino Unido].

29

Por acórdão de 23 de dezembro de 2014, este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso de G. Hampshire. Este interpôs recurso na Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido].

30

G. Hampshire alegou, em substância, que as disposições da Lei de 2004 em que a decisão de 19 de setembro de 2011 se baseou não estavam em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 2008/94, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, uma vez que estas disposições tinham por consequência que alguns trabalhadores assalariados beneficiam de menos de 50% do valor dos seus direitos adquiridos a prestações de velhice.

31

Por seu lado, o PPF alegou que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 8.o desta diretiva exigia apenas que os sistemas de proteção assegurem, em média, a todos os trabalhadores assalariados de um regime complementar de previdência profissional uma indemnização de montante igual a pelo menos 50% do valor dos seus direitos adquiridos. Em contrapartida, não é exigido que cada trabalhador individual receba uma indemnização pelo menos igual a 50% do valor dos seus próprios direitos adquiridos.

32

Nestas circunstâncias, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 8.o da Diretiva 80/987/CEE [do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 1980, L 283, p. 23),] (substituído pelo artigo 8.o da Diretiva [2008/94]) impõe aos Estados‑Membros que assegurem que cada trabalhador receba pelo menos 50% do montante dos seus direitos adquiridos a prestações de velhice em caso de insolvência do empregador [excetuando apenas os casos de práticas abusivas, previstos no artigo 10.o, alínea a), daquela diretiva]?

2)

A título subsidiário, sem prejuízo do apuramento dos factos pelos tribunais nacionais, é suficiente, nos termos do artigo 8.o da Diretiva [80/987], que exista num Estado‑Membro um sistema de proteção ao abrigo do qual os trabalhadores recebem habitualmente mais de 50% do montante dos seus direitos adquiridos a prestações de velhice, mas certos trabalhadores recebem menos de 50% desse montante, em virtude:

a)

da existência de um limite financeiro máximo sobre o montante das compensações pagas aos trabalhadores (especialmente aos trabalhadores que, à data da insolvência do empregador, não tenham atingido a idade normal de reforma ao abrigo do seu regime de pensões); e/ou

b)

da existência de regras que limitam os aumentos anuais das compensações pagas aos trabalhadores ou a reavaliação anual dos seus direitos antes da idade de reforma?

3)

O artigo 8.o da Diretiva [80/987] tem efeito direto nas circunstâncias do presente processo?»

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

33

O Governo do Reino Unido sustenta que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível devido à natureza hipotética das questões colocadas. Com efeito, mesmo que as responsabilidades do regime T&N fossem avaliadas sem tomar em consideração o limite máximo previsto pela regulamentação nacional, os ativos deste regime excederiam as responsabilidades garantidas e, portanto, este regime não seria suportado pelo PPF e continuaria a ser gerido pelos seus administradores. Assim, na falta de aplicabilidade horizontal e direta do artigo 8.o da Diretiva 2008/94, G. Hampshire só podia fazer valer os seus direitos exigindo uma indemnização do Estado, o que não constitui o objeto do recurso no processo principal.

34

A este respeito, importa recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

35

Daqui resulta que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido formulado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

36

Ora, no caso em apreço, não resulta de forma manifesta que a interpretação do direito da União solicitada não tenha nenhuma relação com o objeto do litígio no processo principal. Com efeito, estas questões, relativas à interpretação do artigo 8.o da Diretiva 2008/94, inserem‑se no âmbito de um litígio que diz respeito à conformidade das regras previstas na Lei de 2004 relativas ao cálculo das responsabilidades garantidas com os requisitos desta disposição. Uma vez que a interpretação da referida disposição pelo Tribunal de Justiça é suscetível de ter como consequência uma nova avaliação das responsabilidades garantidas pelo PPF e, por conseguinte, dos direitos a pensão de G. Hampshire, existe uma relação suficiente entre o objeto do litígio no processo principal e as referidas questões prejudiciais.

37

Além disso, a questão de saber se o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 produz efeito direto num caso como o do processo principal também é relevante porque, para efeitos da solução do litígio que lhe foi submetido, o órgão jurisdicional de reenvio poderia ser levado a decidir se G. Hampshire pode ou não invocar o artigo 8.o contra o Conselho do PPF.

38

Nestas circunstâncias, as questões prejudiciais são admissíveis.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

39

Com a primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que cada trabalhador deve beneficiar de uma indemnização correspondente a, pelo menos, 50% do valor dos seus direitos adquiridos a título de um regime complementar de previdência profissional em caso de insolvência do seu empregador, ou se basta que esta indemnização seja garantida para a grande maioria dos trabalhadores assalariados, mas que, por força de alguns limites previstos no direito nacional, alguns desses trabalhadores assalariados recebem uma indemnização inferior a 50% do valor dos seus direitos adquiridos.

40

Nos termos do artigo 8.o da Diretiva 2008/94, os Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que serão tomadas as medidas necessárias para proteger os interesses dos trabalhadores assalariados e das pessoas que tenham deixado a empresa ou o estabelecimento da entidade patronal na data da superveniência da insolvência desta, no que respeita aos seus direitos adquiridos ou em vias de aquisição, a prestações de velhice a título de regimes complementares de previdência profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social.

41

A este respeito, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação para determinar tanto o mecanismo como o nível de proteção, que exclui uma obrigação de garantia integral (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Robins e o., C‑278/05, EU:C:2007:56, n.os 36 e 42 a 45; de 25 de abril de 2013, Hogan e o., C‑398/11, EU:C:2013:272, n.o 42; e de 24 de novembro de 2016, Webb‑Sämann, C‑454/15, EU:C:2016:891, n.o 34).

42

Por conseguinte, o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 não obsta a que os Estados‑Membros reduzam, prosseguindo objetivos económicos e sociais legítimos, nomeadamente no respeito do princípio da proporcionalidade, os direitos adquiridos dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do seu empregador.

43

No entanto, no que diz respeito ao artigo 8.o da Diretiva 80/987, atual artigo 8.o da Diretiva 2008/94, o Tribunal de Justiça declarou que disposições do direito interno suscetíveis de conduzir, em determinadas situações, a uma garantia das prestações limitada a menos de metade dos direitos adquiridos não podem ser entendidas como correspondendo à definição da expressão «proteger» usada nesta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o., C‑278/05, EU:C:2007:56, n.o 57).

44

Importa salientar que, no processo que deu origem a esse acórdão, estavam em causa, designadamente, os direitos a prestações de dois antigos assalariados que só tinham recebido, respetivamente, 20% e 49% das prestações de velhice a que teriam direito (Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o., C‑278/05, EU:C:2007:56, n.o 54).

45

O Tribunal de Justiça confirmou esta interpretação no Acórdão de 25 de abril de 2013, Hogan e o. (C‑398/11, EU:C:2013:272), proferido num processo no qual estavam em causa os direitos às prestações de velhice acumuladas a título individual por dez antigos trabalhadores assalariados, designados pelos respetivos nomes no acórdão, que tinham aderido a um dos regimes complementares de previdência de prestações definidas, fundados pelo seu empregador. Referindo‑se ao n.o 57 do Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2007:56), declarou que a transposição correta do artigo 8.o da Diretiva 2008/94 requer que um trabalhador receba, em caso de insolvência do seu empregador, pelo menos metade das prestações de velhice resultantes dos direitos a pensão acumulados, para os quais pagou cotizações no quadro de um regime complementar de previdência profissional (v., neste sentido, Acórdão de 25 de abril de 2013, Hogan e o., C‑398/11, EU:C:2013:272, n.os 43 e 51).

46

Resulta desta jurisprudência, confirmada em último lugar pelo Acórdão de 24 de novembro de 2016, Webb‑Sämann (C‑454/15, EU:C:2016:891, n.o 35), que o nível de proteção previsto no artigo 8.o da Diretiva 2008/94 constitui uma garantia mínima individual para cada trabalhador assalariado.

47

Com efeito, o objetivo desta diretiva, que visa assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo comunitário de proteção em caso de insolvência do empregador, ficaria gravemente comprometido se, na ausência de abuso de direito por parte do trabalhador, na aceção do artigo 12.o da referida diretiva, os Estados‑Membros pudessem cumprir as obrigações que lhes incumbem por força do artigo 8.o da mesma diretiva sem conceder a cada trabalhador em particular essa proteção mínima.

48

Daqui resulta que, contrariamente ao que alegou o Governo do Reino Unido no presente processo, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça quanto ao nível e à natureza da proteção prevista no artigo 8.o da Diretiva 2008/94 e quanto aos beneficiários individuais desta proteção não se restringe aos casos que deram origem aos Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2007:56), de 25 de abril de 2013, Hogan e o. (C‑398/11, EU:C:2013:272), e de 24 de novembro de 2016, Webb‑Sämann (C‑454/15, EU:C:2016:891), mas reveste caráter geral.

49

Por conseguinte, não se pode sustentar que o alcance desta interpretação está limitado a determinados empregadores insolventes pertencentes a setores específicos ou a determinados trabalhadores assalariados num contexto económico e social particular.

50

Por conseguinte, o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 impõe aos Estados‑Membros que garantam, sem exceção, a cada trabalhador assalariado em particular uma indemnização correspondente a, pelo menos, 50% do valor dos seus direitos adquiridos a título de um regime complementar de previdência profissional em caso de insolvência do seu empregador, sem, porém, excluir que, noutras circunstâncias, os prejuízos sofridos possam igualmente, mesmo se a sua percentagem for menor, ser considerados manifestamente desproporcionados à luz da obrigação da proteção dos interesses dos trabalhadores assalariados, consagrada na referida disposição (v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2016, Webb‑Sämann, C‑454/15, EU:C:2016:891, n.o 35).

51

Além disso, como salientou, em substância, a advogada‑geral nos n.os 48 a 53 das suas conclusões, para assegurar a plena eficácia da proteção mínima dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do seu empregador instituída pelo artigo 8.o da Diretiva 2008/94, que exige que essa proteção se estende ao longo de toda a duração da reforma, é conveniente que a indemnização correspondente a pelo menos 50% do valor dos seus direitos adquiridos seja calculada tendo em conta a evolução prevista das pensões de reforma ao longo de toda a duração desta última para evitar que, com o passar do tempo, o valor garantido não fique abaixo dos 50% do valor originalmente adquirido para um ano de reforma.

52

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que cada trabalhador deve beneficiar de prestações de velhice correspondentes a, pelo menos, 50% do valor dos seus direitos adquiridos a título de um regime complementar de previdência profissional em caso de insolvência do seu empregador.

Quanto à terceira questão

53

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 tem efeito direto.

54

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os sujeitos de direito podem invocar disposições incondicionais e suficientemente precisas de uma diretiva contra um Estado‑Membro e todos os órgãos da sua Administração, bem como contra organismos ou entidades que estejam sujeitos à autoridade ou ao controlo do Estado ou que disponham de poderes exorbitantes face aos que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares (v., neste sentido, Acórdão de 10 de outubro de 2017, Farrell, C‑413/15, EU:C:2017:745, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

55

Podem igualmente ser equiparados ao Estado os organismos ou entidades que foram encarregados por uma autoridade de exercer uma missão de interesse público e que, para esse efeito, foram dotados de poderes exorbitantes (Acórdão de 10 de outubro de 2017, Farrell, C‑413/15, EU:C:2017:745, n.o 34).

56

No caso em apreço, há, portanto, que analisar se o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 é incondicional e suficientemente preciso. Esta análise deve abranger três aspectos, a saber, a determinação dos beneficiários da proteção prevista por esta disposição, o conteúdo desta proteção e a identidade do devedor da referida proteção (v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.o 12).

57

Em relação aos beneficiários da proteção consagrada no artigo 8.o da Diretiva 2008/94, decorre claramente do teor deste artigo que esta diretiva visa proteger os trabalhadores assalariados afetados pela insolvência do seu empregador. Por conseguinte, o referido artigo responde, quanto à determinação dos beneficiários da garantia, às condições de precisão e incondicionalidade necessárias para uma aplicabilidade direta de uma disposição de uma diretiva.

58

No que diz respeito ao conteúdo da proteção prevista no artigo 8.o da Diretiva 2008/94, basta recordar que, no Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, EU:C:2007:56), o Tribunal de Justiça declarou este artigo 8.o requer que um trabalhador receba, em caso de insolvência do seu empregador, pelo menos metade das prestações de velhice resultantes dos direitos a pensão acumulados para os quais pagou cotizações no quadro de um regime complementar de previdência profissional (Acórdão de 25 de abril de 2013, Hogan e o., C‑398/11, EU:C:2013:272, n.o 51).

59

Esta interpretação da referida disposição clarifica e precisa o significado e o alcance da mesma, tal como deve ser ou deveria ter sido entendida e aplicada desde a data da sua entrada em vigor. (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.o 40, e de 22 de novembro de 2017, Cussens e o., C‑251/16, EU:C:2017:881, n.o 41).

60

Assim, o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 contém uma obrigação clara e precisa que incumbe aos Estados‑Membros, cujo objeto é conferir direitos aos particulares. Importa acrescentar que esta obrigação não está sujeita a nenhuma condição especial.

61

Quanto à identidade do devedor da proteção prevista no artigo 8.o da Diretiva 2008/94, cumpre recordar que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação quanto ao mecanismo a adotar, pelo que podem prever, nomeadamente, um financiamento pelos poderes públicos, uma obrigação de garantia a cargo dos empregadores ou a criação de uma instituição de garantia (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2007, Robins e o., C‑278/05, EU:C:2007:56, n.os 36 e 37).

62

Todavia, como a advogada‑geral salientou no n.o 79 das suas conclusões, uma vez que esta margem de apreciação foi plenamente utilizada, não pode continuar a impedir que um particular possa invocar a proteção mínima de que beneficia por força do artigo 8.o da Diretiva 2008/94.

63

A este respeito, resulta dos autos à disposição do Tribunal de Justiça que o legislador nacional decidiu, com a adoção da Lei de 2004, que, quando um empregador participante num regime elegível de previdência de prestações definidas entra em situação de insolvência, há que analisar o nível de financiamento do regime em causa, em especial, avaliar as responsabilidades garantidas e os ativos desse regime. Nos termos da referida lei, caso a referida avaliação, após a aprovação pelo Conselho do PPF, ponha em evidência que os ativos do regime são suficientes para pagar os custos das responsabilidades garantidas, este regime, ainda que sujeito às instruções do Conselho do PPF, continua a ser gerido pelos seus administradores. Em contrapartida, no caso de os ativos do regime se revelarem insuficientes, a Lei de 2004 prevê que o Conselho do PPF suporta este regime, o que implica que os gestores do regime são dispensados das suas obrigações em matéria de pensões e que o Conselho do PPF é obrigado a garantir o pagamento das indemnizações.

64

A Lei de 2004 determina, assim, claramente a entidade competente para a avaliação do balanço das responsabilidades garantidas e dos ativos dos regimes complementares de previdência profissionais, bem como o ónus da responsabilidade de assegurar a proteção mínima prevista no artigo 8.o da Diretiva 2008/94.

65

É, pois, ao PPF que incumbe aplicar, no Reino Unido, a obrigação que impende sobre os Estados‑Membros de proteger os interesses dos trabalhadores assalariados no que respeita aos seus direitos adquiridos a prestações de velhice a título de um regime complementar de previdência profissional.

66

No que diz respeito à questão de saber se o PPF constitui uma entidade estatal ou equiparável, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 54 e 55 do presente acórdão, há que salientar que o PPF está encarregado de uma missão de interesse público e dispõe de poderes exorbitantes para desempenhar esta missão, uma vez que cobra as contribuições dos regimes complementares de previdência profissionais autorizados e que está autorizado a dar as instruções necessárias a esses regimes no âmbito das suas liquidações. Além disso, ao aprovar a avaliação das responsabilidades garantidas de um regime complementar de previdência profissional, o Conselho do PPF determina o nível de proteção de cada trabalhador assalariado quanto aos seus direitos adquiridos a prestações de velhice, tanto em caso de tomada a cargo do regime pelo PPF como na hipótese de uma eventual liquidação fora do PPF.

67

Assim, estão cumpridos os requisitos para que um trabalhador assalariado possa, numa situação como a de G. Hampshire, invocar o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 contra o Conselho do PPF.

68

No que respeita ao argumento do Governo do Reino Unido segundo o qual o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 não pode ser invocado contra os administradores do regime T&N, em virtude de estes últimos serem entidades privadas, ao passo que os ativos do regime cobrem as responsabilidades garantidas do regime e, portanto, o referido regime é que pagará a G. Hampshire a sua prestação de velhice, há que observar, por um lado, que as partes no processo principal são G. Hampshire, o Conselho do PPF e o Secretary of State for Work and Pensions (Ministro do Trabalho e das Pensões, Reino Unido). Nem o regime T&N nem os seus administradores são partes no processo principal.

69

Por outro lado, segundo o pedido de decisão prejudicial, o litígio no processo principal incide não sobre a questão de saber se G. Hampshire pode exigir do regime T&N ou dos seus administradores o pagamento de uma indemnização de um montante correspondente a, pelo menos, 50% dos seus direitos adquiridos a pensão no regime, mas sobre a legalidade da decisão pela qual o Conselho do PPF aprovou as responsabilidades garantidas do referido regime. Como salientou a advogada‑geral nos n.os 89, 91 e 92 das suas conclusões, este litígio destina‑se a determinar se o Conselho do PPF pode ser obrigado a realizar uma nova avaliação das responsabilidades garantidas, invocando para o efeito o artigo 8.o da Diretiva 2008/94. Neste contexto, a incidência que o novo cálculo da indemnização PPF poderá ter sobre o regime T&N constitui apenas uma simples repercussão negativa nos direitos de terceiros e não justifica que se negue reconhecer efeito direto a esta disposição contra uma entidade que deve ser considerada uma emanação de um Estado (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, T‑Mobile Czech Republic e Vodafone Czech Republic, C‑508/14, EU:C:2015:657, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

70

Tendo em conta o que precede, há que responder à terceira questão que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94, em circunstâncias como as do processo principal, tem efeito direto, de modo que pode ser invocada num órgão jurisdicional nacional por um trabalhador assalariado para impugnar uma decisão de um organismo como o Conselho do PPF.

Quanto às despesas

71

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 8.o da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, deve ser interpretado no sentido de que cada trabalhador deve beneficiar de prestações de velhice correspondentes a, pelo menos, 50% do valor dos seus direitos adquiridos a título de um regime complementar de previdência profissional em caso de insolvência do seu empregador.

 

2)

O artigo 8.o da Diretiva 2008/94, em circunstâncias como as do processo principal, tem efeito direto, de modo que pode ser invocado num órgão jurisdicional nacional por um trabalhador assalariado para impugnar uma decisão de um organismo como o the Board of the Pension Protection Fund (Conselho do Fundo de Proteção de Pensões, Reino Unido).

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.