CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 17 de outubro de 2018 ( 1 )

Processo C‑82/17 P

TestBioTech eV

European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility eV

Sambucus eV

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Ambiente — Produtos geneticamente modificados — Decisão da Comissão que autoriza a colocação no mercado de produtos que contêm soja geneticamente modificada MON 87701 x MON 89788 — Regulamento (CE) n.o 1367/2006 — Artigo 10.o — Pedido de reexame interno de um ato administrativo adotado ao abrigo da legislação ambiental — Ónus da prova»

Introdução

1.

Com o presente recurso, a TestBioTech eV, a European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility eV e a Sambucus eV (a seguir «recorrentes») pedem, em primeiro lugar, a anulação do Acórdão do Tribunal Geral de 15 de dezembro de 2016, TestBioTech e o./Comissão (T‑177/13, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2016:736), no qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso destinado a obter a anulação da Decisão da Comissão Europeia de 8 de janeiro de 2013 ( 2 ) (a seguir «decisão controvertida»), pela qual a Comissão informou a TestBioTech que não aceitava nenhuma das alegações invocadas para justificar o pedido de reexame interno da Decisão da Comissão 2012/347/UE, de 28 de junho de 2012, que autoriza a colocação no mercado de produtos que contenham, sejam constituídos por, ou produzidos a partir de soja geneticamente modificada MON 87701 × MON 89788 (MON‑877Ø1‑2 × MON‑89788‑1) nos termos do Regulamento (CE) n.o 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho [ ( 3 )] (JO 2012, L 171, p. 13; a seguir «decisão de autorização»). As recorrentes pedem, em segundo lugar, a anulação da decisão controvertida, bem como das decisões de conteúdo idêntico, da Comissão, de que eram destinatárias a European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility e a Sambucus ou, a título subsidiário, que remeta os autos ao Tribunal Geral para nova decisão.

2.

No que respeita às presentes conclusões, a questão de direito suscitada por este recurso levará o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a natureza, o alcance e o «ónus da prova» relativos ao procedimento de reexame interno previsto no artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 1367/2006 ( 4 ).

Quadro jurídico

Direito internacional

3.

O artigo 9.o, n.os 1 a 4, da Convenção de Aarhus ( 5 ) dispõe:

«1.   Cada Parte assegurará, de acordo com a legislação nacional aplicável, que qualquer pessoa que considere que, de acordo com o disposto no artigo 4.o, o seu pedido de informação foi ignorado, indevidamente recusado, em parte ou na totalidade, respondido de forma inadequada, ou de qualquer forma não tratado de acordo com o disposto naquele artigo, tenha acesso à revisão de processo através de um tribunal ou outro órgão independente imparcial estabelecido por lei.

Quando uma Parte promover esta revisão através de um tribunal, assegurará que esta pessoa tenha também acesso a um processo expedito estabelecido na lei, que este seja gratuito ou pouco dispendioso para reexame pela autoridade pública ou revisão por um órgão imparcial e independente de outro que não seja o tribunal.

As decisões finais ao abrigo deste parágrafo serão vinculativas para a autoridade pública que detém a informação. Quando o acesso à informação for recusado, de acordo com o disposto neste parágrafo, as razões deverão ser apresentadas por escrito.

2.   Cada Parte, de acordo com o disposto na legislação nacional aplicável, assegurará que os membros do público interessado:

a)

Que tenham um interesse legítimo; ou, alternativamente,

b)

Que mantenham a violação de um direito, quando a lei de procedimento administrativo de uma Parte o requeira como pré‑condição;

tenham acesso à revisão do processo através de um tribunal e ou de qualquer órgão imparcial e independente estabelecido por lei para questionar a legalidade processual e substantiva de qualquer decisão, ato ou omissão sujeito às disposições do artigo 6.o e, quando previsto na legislação nacional aplicável e, sem prejuízo do a seguir disposto no parágrafo 3, de outras disposições pertinentes desta Convenção.

O que constitui um interesse legítimo e uma violação de um direito será definido de acordo com o previsto na legislação nacional aplicável e de modo compatível com o objetivo de dar ao público interessado um amplo acesso à justiça de acordo com o âmbito desta Convenção. Com este fim, o interesse de qualquer organização não governamental que satisfaça as condições previstas no artigo 2.o, parágrafo 5, será considerado suficiente para o acima disposto no subparágrafo a).Também será considerado que estas organizações têm direitos capazes de serem violados para os fins do acima disposto no subparágrafo b).

O disposto neste parágrafo 2 não excluirá a possibilidade de um processo de revisão preliminar feito por uma autoridade administrativa e não afetará o requisito de exaustão dos processos de revisão administrativos antes do recurso a processos de revisão judiciais, sempre que este requisito exista na legislação nacional aplicável.

3.   Para além de que, e sem prejuízo dos processos de revisão acima mencionados nos parágrafos 1 e 2, cada Parte assegurará que quando definirem os critérios, quaisquer que sejam, previstos na sua legislação nacional, os membros do público terão acesso aos processos administrativos ou judiciais para questionar atos ou omissões de privados ou de autoridades públicas que infrinjam o disposto na legislação nacional aplicável em matéria de ambiente.

4.   Para além de que, e sem prejuízo do acima disposto no parágrafo 1, os procedimentos acima referidos nos parágrafos 1, 2 e 3, providenciarão soluções adequadas e efetivas, incluindo a reparação imperativa apropriada, e que sejam justas, equitativas, atempadas e não proibitivamente dispendiosas. As decisões tomadas ao abrigo deste artigo serão dadas ou registadas por escrito. As decisões dos tribunais e, sempre que possível, de outros órgãos estarão acessíveis ao público.»

Direito da União

4.

Os considerandos 11, 18, 19 e 21 do Regulamento n.o 1367/2006 têm a seguinte redação:

«(11)

Os atos administrativos de caráter individual deverão poder ser objeto de reexame interno nos casos em que tenham efeitos externos juridicamente vinculativos. […]

[…]

(18)

O n.o 3 do artigo 9.o da Convenção de Aarhus determina a criação de vias de recurso judicial ou outro que permitam impugnar atos ou omissões de privados ou de autoridades públicas que infrinjam o disposto na legislação ambiental. Deverão ser estabelecidas disposições sobre acesso à justiça que sejam coerentes com o Tratado. Neste contexto, justifica‑se que o presente regulamento incida unicamente em atos e omissões de autoridades públicas.

(19)

Para garantir vias de recurso adequadas e eficazes, incluindo a interposição de recursos para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias ao abrigo das disposições aplicáveis do Tratado, convém que seja dada à instituição ou órgão comunitário responsável pelo ato a impugnar, ou pela alegada omissão administrativa, a possibilidade de reconsiderar a sua decisão inicial ou, em caso de omissão, de agir.

[…]

(21)

Caso tenham sido indeferidos pedidos anteriores de reexame interno, a organização não governamental interessada deverá poder interpor recurso para o Tribunal de Justiça em conformidade com as disposições pertinentes do Tratado.»

5.

O artigo 10.o, sob a epígrafe «Pedidos de reexame interno de atos administrativos», estabelece que:

«1.   Qualquer organização não governamental que satisfaça os critérios enunciados no artigo 11.o tem o direito de requerer um reexame interno às instituições ou órgãos comunitários que tenham aprovado atos administrativos ao abrigo da legislação ambiental ou que, em caso de alegada omissão administrativa, deveriam ter aprovado tais atos.

Os pedidos têm de ser apresentados por escrito, num prazo não superior a seis semanas a contar da data de aprovação, notificação ou publicação do ato administrativo, consoante a que ocorrer em último lugar, ou, em caso de alegada omissão, num prazo de seis semanas a contar da data em que o ato administrativo era devido. O pedido deve apresentar os fundamentos do reexame.

2.   As instituições ou órgãos comunitários a que se refere o n.o 1 devem examinar o pedido de reexame interno, a menos que este careça manifestamente de fundamento. As instituições ou órgãos devem apresentar os seus motivos numa resposta escrita, o mais rapidamente possível e num prazo não superior a doze semanas a contar da data de receção do pedido.

3.   Se, apesar de ter usado da devida diligência, a instituição ou órgão comunitário em questão não puder atuar em conformidade com o n.o 2, deve informar a organização não governamental que apresentou o pedido o mais rapidamente possível e no prazo mencionado nesse número, das razões por que não pôde atuar e de quando tenciona fazê‑lo.

Em qualquer caso, a instituição ou órgão comunitário deve atuar no prazo de 18 semanas a contar da data de receção do pedido.»

6.

Nos termos do artigo 12.o do mesmo regulamento («Processos no Tribunal de Justiça»):

«1.   A organização não governamental que tiver requerido o reexame interno ao abrigo do artigo 10.o pode interpor recurso para o Tribunal de Justiça ao abrigo das disposições aplicáveis do Tratado.

2.   Quando a instituição ou órgão comunitário não agir em conformidade com o n.o 2 ou o n.o 3 do artigo 10.o, a organização não governamental pode interpor recurso para o Tribunal de Justiça ao abrigo das disposições aplicáveis do Tratado.»

Antecedentes do litígio

7.

As recorrentes são associações alemãs sem fins lucrativos. A TestBioTech eV promove a investigação independente e o debate público sobre o impacto da biotecnologia. A European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility eV tem como objetivo o avanço da ciência e da investigação para a proteção do ambiente, a diversidade biológica e a saúde humana contra os impactos negativos das novas tecnologias e dos respetivos produtos. A Sambucus eV dedica‑se a atividades culturais.

8.

Em 14 de agosto de 2009, a sociedade Monsanto Europe S.A. apresentou à autoridade competente dos Países Baixos, nos termos dos artigos 5.o e 17.o do Regulamento n.o 1829/2003, um pedido de autorização de colocação no mercado de géneros alimentícios, de ingredientes alimentares e de alimentos para animais que contenham, sejam constituídos por, ou sejam produzidos a partir da soja MON 87701 × MON 89788 (a seguir «soja»). O pedido de autorização também abrangia a colocação no mercado de soja presente em produtos diferentes de géneros alimentícios e de alimentos para animais que contenham ou sejam constituídos por essa soja, destinada às mesmas utilizações que qualquer outra soja, com exceção do cultivo.

9.

Em 15 de fevereiro de 2012, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) emitiu um parecer global em conformidade com os artigos 6.o e 18.o do Regulamento n.o 1829/2003. No n.o 3 desse parecer, a EFSA explicou que o seu Painel Científico dos Organismos Geneticamente Modificados tinha adotado um parecer científico, em 25 de janeiro de 2012, sobre o pedido (EFSA‑GMO‑NL‑2009‑73) apresentado pela Monsanto para a colocação no mercado de soja resistente aos insetos e tolerante aos herbicidas, para utilização como género alimentício e alimento para animais, assim como para importação e transformação ao abrigo do Regulamento n.o 1829/2003 (Jornal EFSA 2012; 10, n.o 2: 2560, 1‑34), tendo concluído que a soja era, no contexto das utilizações pretendidas, tão segura como o seu comparador não geneticamente modificado no que diz respeito aos efeitos potenciais para a saúde humana, a saúde animal ou o ambiente. Além disso, o Painel Científico tinha concluído que o cruzamento da soja modificada, no contexto das utilizações pretendidas, não resultou em interações entre os eventos suscetíveis de afetar a segurança da soja no que diz respeito aos efeitos potenciais para a saúde humana, a saúde animal ou o ambiente. No seu parecer global, a EFSA concluiu que a soja «preench[ia] os requisitos dos artigos 6.o e 18.o [do Regulamento n.o 1829/2003] para a colocação no mercado».

10.

Pela decisão de autorização, a Comissão autorizou, sob certas condições, para efeitos do artigo 4.o, n.o 2, e do artigo 16.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1829/2003:

géneros alimentícios e ingredientes alimentares que contenham, sejam constituídos por, ou produzidos a partir da soja;

alimentos para animais que contenham, sejam constituídos por, ou produzidos a partir da soja;

a soja presente em produtos que não sejam géneros alimentícios nem alimentos para animais que «contenham» ou sejam constituídos por essa soja, destinados às utilizações habituais da soja, com exceção do cultivo.

11.

Nos considerandos 4, 6 e 7 da decisão de autorização, a Comissão explicou que, em 15 de fevereiro de 2012, a EFSA tinha emitido um parecer favorável, nos termos dos artigos 6.o e 18.o do Regulamento n.o 1829/2003, tendo concluído que a soja, tal como descrita no pedido, era tão segura como a sua homóloga não geneticamente modificada no que respeita aos efeitos potenciais para a saúde humana, a saúde animal ou o ambiente. Além disso, a Comissão declarou que a EFSA concluíra igualmente que o plano de monitorização ambiental apresentado pelo requerente, consistindo num plano geral de vigilância, estava de acordo com a utilização prevista dos produtos. Com este fundamento, a Comissão considerou adequado autorizar a soja e todos os produtos que a contenham ou sejam constituídos por essa soja, bem como os géneros alimentícios e alimentos para animais produzidos a partir dessa soja, tal como descritos no pedido de autorização.

12.

Por cartas de 6 de agosto de 2012, cada uma das recorrentes solicitou à Comissão o reexame interno de decisão de autorização, nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006. As recorrentes consideraram, nomeadamente, que a avaliação de que a soja era substancialmente equivalente à sua homóloga era insuficiente, que os efeitos sinérgicos e combinatórios não tinham sido tomados em consideração, que os riscos imunológicos não tinham sido adequadamente avaliados e que não tinha sido exigido nenhum controlo das consequências para a saúde.

13.

Pela decisão controvertida de 8 de janeiro de 2013, o membro da Comissão encarregado da saúde informou a TestBioTech que a Comissão não aceitava nenhuma das alegações jurídicas e científicas invocadas para justificar o pedido de reexame interno da decisão de autorização. Por conseguinte, a Comissão considerava que a decisão de autorização respeitava o Regulamento n.o 1829/2003. Mais especificamente, a Comissão rejeitou os argumentos apresentados no pedido de reexame interno da Testbiotech no sentido de que a decisão de autorização era ilegal, uma vez que a conclusão da EFSA de que a soja era «substancialmente equivalente» era insuficiente, que os efeitos sinérgicos e combinados não tinham sido tomados em consideração, que os riscos imunológicos não tinham sido adequadamente avaliados e que não tinha sido exigido nenhum controlo das consequências para a saúde.

14.

Na mesma data, o membro da Comissão encarregado da saúde enviou à European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility e à Sambucus, respetivamente, a segunda e a terceira decisões, que eram substancialmente idênticas à decisão controvertida, enviada à TestBioTech.

15.

Nessas três decisões, a Comissão reconheceu que as recorrentes cumpriam os critérios definidos no artigo 11.o do Regulamento n.o 1367/2006 e que, por conseguinte, enquanto organizações não governamentais na aceção desse artigo, tinham o direito de requerer o reexame interno.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

16.

Por petição de 18 de março de 2013, as recorrentes interpuseram recurso no Tribunal Geral contra a decisão controvertida.

17.

Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocaram, no essencial, quatro fundamentos, em que alegaram, em primeiro lugar, a falta de equivalência substancial entre a soja e sua homóloga convencional; em segundo lugar, a incapacidade de avaliar efeitos sinérgicos/combinados e toxicidade; em terceiro lugar, a não avaliação imunológica exaustiva; e, em quarto lugar, o não controlo do consumo, depois da autorização de comercialização de produtos que contêm soja.

18.

A Comissão, a EFSA, bem como a Monsanto Europe e a Monsanto Company (a seguir «Monsanto») pediram ao Tribunal Geral que julgasse o recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

19.

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou o recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente e condenou as recorrentes nas despesas (com exceção das efetuadas pelos intervenientes).

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

20.

Através do presente recurso, as recorrentes pedem ao Tribunal de Justiça que se digne anular o acórdão recorrido e anular a decisão controvertida ou, a título subsidiário, que remeta os autos ao Tribunal Geral para nova decisão e condene a Comissão nas despesas.

21.

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao presente recurso e condenar as recorrentes nas despesas.

Apreciação do recurso

22.

Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam cinco fundamentos. Alegam, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro na sua conclusão de que alguns dos argumentos, elementos de prova e/ou materiais das recorrentes eram inadmissíveis. Alegam, em segundo lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando aplicou um ónus de prova incorreto e impossível para as associações sem fins lucrativos que exercem o direito de recurso nos termos dos artigos 10.o e 12.o do Regulamento n.o 1367/2006. Em terceiro lugar, alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não reconhecer que o documento de orientação emitido pela EFSA em conformidade com as suas obrigações legais permite legitimamente supor que será respeitado. Em quarto lugar, alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao determinar que a avaliação de segurança em duas fases, exigida pelo Regulamento n.o 1829/2003, não tinha de ser respeitada. Em quinto e último lugar, alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao rejeitar certos elementos das alegações das recorrentes respeitantes à falta de uma avaliação adequada da possível toxicidade da soja e de um controlo do impacto da soja posterior à autorização.

23.

Seguindo a vontade do Tribunal de Justiça, limitarei a minha análise ao segundo fundamento do presente recurso. Dado que este fundamento incide sobre a natureza, o alcance e as condições do procedimento de reexame interno e o controlo jurisdicional da decisão de reexame nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006, devo começar por analisar estes aspetos no plano abstrato, antes de os aplicar especificamente ao segundo fundamento do presente recurso.

Natureza, alcance e condições do procedimento de reexame interno, nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006

24.

Por conseguinte, devo interpretar o artigo 10.o (quanto ao teor literal, estrutura, génese legislativa e objetivo) do Regulamento n.o 1367/2006 e propor critérios concretos que devem ser respeitados no âmbito de um procedimento de reexame interno.

Teor literal e estrutura do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006

25.

Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006 qualquer organização não governamental que satisfaça os critérios enunciados no artigo 11.o deste regulamento tem o direito de requerer um reexame interno às instituições ou órgãos da União que tenham aprovado um ato administrativo ao abrigo da legislação ambiental. Os pedidos têm de ser apresentados por escrito, num prazo não superior a seis semanas a contar da data de aprovação, notificação ou publicação do ato administrativo, consoante a que ocorrer em último lugar. O pedido deve apresentar os fundamentos do reexame ( 6 ). Segundo o artigo 10.o, n.o 2, as instituições ou órgãos da União a que se refere o n.o 1 devem examinar o pedido de reexame interno, a menos que este careça manifestamente de fundamento. As instituições ou órgãos da União devem apresentar os seus motivos numa resposta escrita, o mais rapidamente possível e num prazo não superior a doze semanas a contar da data de receção do pedido.

26.

Por conseguinte, resulta do teor literal que para ser tomado em consideração pelo órgão da União competente, o pedido deve, em primeiro lugar, ser fundamentado e em segundo lugar ser suficientemente apoiado. Em contrapartida, o que não se pode deduzir diretamente do teor desta disposição são os critérios mais precisos sobre a fundamentação.

O procedimento de reexame interno na estrutura e contexto do Regulamento n.o 1367/2006

27.

O artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, que é a última disposição do título IV do regulamento, sobre o reexame interno e o acesso à justiça, estabelece no n.o 1 que a organização não governamental que tiver requerido o reexame interno nos termos do artigo 10.o pode interpor recurso para o Tribunal de Justiça ao abrigo das disposições aplicáveis do Tratado.

28.

Seria, em meu entender, contrário ao princípio da boa administração da justiça se um requerente estivesse autorizado a acrescentar ou especificar fundamentos de reexame interno perante o Tribunal de Justiça da União Europeia. Assim, um requerente deve, desde logo, indicar expressamente no próprio pedido todos os fundamentos para o reexame interno.

29.

No âmbito do recurso para o Tribunal Geral, foi invocado por analogia outro procedimento de exame existente na legislação da União. No n.o 51 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral parece estabelecer um paralelo ( 7 ) entre o artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006 e os artigos 4.o, n.o 5, e 8.o, n.o 3, da Diretiva 91/414/CEE ( 8 ).

30.

Não creio que a analogia com a Diretiva 91/414 seja justificada. Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou na passagem do Acórdão Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie que o Tribunal Geral invocou, por analogia, «resulta da leitura conjugada dos artigos 4.o, n.o 5, e 8.o, n.o 3, da Diretiva 91/414 que o objeto dessa reanálise não é uma reavaliação de uma substância ativa isolada, mas sim do produto fitofarmacêutico final, e que é por iniciativa das autoridades nacionais e não dos particulares interessados que se procede a essa reanálise» ( 9 ). O artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva 91/414 prevê, assim, a revisão das autorizações dos produtos fitofarmacêuticos «se houver indícios de que qualquer das exigências referidas no n.o 1 ( 10 ) deixou de ser satisfeita. Nessas circunstâncias, os Estados‑Membros podem exigir ao requerente da autorização ou à parte à qual foi concedido um alargamento do âmbito de aplicação, em conformidade com o artigo 9.o, que apresente informações adicionais necessárias à referida revisão. Sempre que necessário, a autorização poderá ser mantida pelo período necessário à revisão e para fornecer essas informações adicionais».

31.

Resulta do exposto que o objeto do procedimento de reanálise previsto nos artigos 4.o, n.o 5, e 8.o, n.o 3, da Diretiva 91/414 é a reavaliação de um produto fitofarmacêutico final, ou seja, a reavaliação de um resultado concreto. Em contrapartida, o procedimento de reexame interno previsto no artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006, que por acaso se aplica a quaisquer «atos administrativos ao abrigo da legislação ambiental», refere‑se ao reexame de um procedimento administrativo sem afetar necessariamente o resultado material da decisão de autorização ( 11 ).

32.

Aliás, o mesmo deve ser dito para o procedimento de reexame previsto no artigo 21.o do Regulamento n.o 1107/2009 ( 12 ). Este regulamento, que revogou a Diretiva 91/414 prevê, no seu artigo 21.o, um procedimento de revisão à luz de novos conhecimentos científicos e técnicos e de dados de monitorização. Não pode ser esta a ideia geral do procedimento de reexame interno nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006. Como resulta dos n.os 2 e 3 dessa disposição, o procedimento de reexame tem uma ligação cronológica tão estreita com o procedimento de autorização que o objeto do procedimento de reexame interno não pode ser o aparecimento de novos conhecimentos científicos e técnicos e dados de monitorização. Ao invés disso, o procedimento de reexame interno existe para verificar elementos que possam ter sido negligenciados durante todo o procedimento de autorização.

Génese legislativa

33.

Tal como recorda o considerando 3 do Regulamento n.o 1367/2006, a Comunidade assinou a Convenção de Aarhus em 25 de junho de 1998 e aprovou a Convenção de Aarhus em 17 de fevereiro de 2005. Além disso, os considerandos 4, 5, 6, 7, 9, 12, 13, 16, 17 e 18 do referido regulamento referem expressamente a Convenção de Aarhus.

34.

O Regulamento n.o 1367/2006 contém, portanto, disposições de «aplicação dos requisitos da convenção às instituições e órgãos [a União]» ( 13 ). Assim, o Regulamento n.o 1367/2006 faz parte da legislação que transpõe a Convenção de Aarhus para o direito da União ( 14 ). Aplica‑se às instituições e órgãos da União dentro do âmbito de aplicação da Convenção de Aarhus ( 15 ).

35.

Os artigos 10.o e 12.o destinam‑se a transpor para o direito da União o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, nos termos do qual cada parte assegurará que quando definirem os critérios, quaisquer que sejam, previstos na sua legislação nacional, os membros do público terão acesso aos processos administrativos ou judiciais para questionar atos ou omissões de privados ou de autoridades públicas que infrinjam o disposto na legislação nacional aplicável em matéria de ambiente ( 16 ).

36.

Neste contexto, o procedimento de reexame previsto no artigo 10.o destina‑se a facilitar o acesso à justiça às «entidades habilitadas» ao qual não teriam direito nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça ( 17 ). Quando uma decisão sobre o pedido de reexame interno é dirigida a uma dessas entidades habilitadas, preenche os critérios de afetação direta previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e a referida entidade pode recorrer ao Tribunal de Justiça (artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, em conjugação com o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE).

37.

Poder‑se‑ia, portanto, argumentar, com base na génese legislativa, que os pré‑requisitos a cumprir não deveriam ser muito estritos para as recorrentes. Se as condições para o reexame interno fossem muito rígidas, essa intenção legislativa não seria cumprida. No entanto, na minha opinião, não podem deduzir‑se critérios mais precisos da génese legislativa do Regulamento n.o 1367/2006.

Objetivo do procedimento de reexame interno

38.

No n.o 51 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que «o objetivo deste reexame não é uma reavaliação da autorização de colocação no mercado dos produtos em causa».

39.

Dito isto, o objetivo do reexame interno tem ainda de ser definido. Esta questão depende do possível resultado de tal procedimento de reexame interno. No n.o 52 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a instituição ou órgão que aprovou a decisão de autorização «deve tomar em consideração o pedido e, a partir do momento em que o reexame interno fique concluído, pode, por decisão fundamentada, indeferir o pedido de reexame interno por falta de fundamentação, ou, tal como legalmente autorizado, com o fundamento de que o reexame interno não conduz a um resultado diferente do obtido com a decisão de autorização, tomar quaisquer outras medidas que considere adequadas para alterar a decisão de autorização, incluindo a alteração, a suspensão ou a revogação de uma autorização».

40.

Resulta do exposto que um reexame interno pode levar à retirada da decisão de autorização. O objetivo do procedimento de reexame interno é, portanto, reconsiderar o procedimento que levou à decisão de autorização, a fim de verificar se elementos novos ou a reavaliação de elementos já conhecidos justificam a revisão da decisão de autorização.

41.

Este objetivo está em perfeita consonância com o princípio da precaução em direito ambiental, segundo o qual, quando subsistam incertezas quanto à existência ou ao alcance de riscos para a saúde das pessoas, podem adotar‑se medidas de proteção sem ter de esperar que a realidade e a gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas ( 18 ).

42.

O procedimento de reexame interno poderá ajudar a revelar perigos que não tinham sido detetados durante o procedimento de autorização.

43.

Este objetivo está, além disso, em consonância com os objetivos da Convenção de Aarhus, que devem, sem qualquer dúvida, ser tidos em conta na interpretação do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006 ( 19 ). Como é sabido, a referida Convenção tem três objetivos em questões ambientais de, em primeiro lugar, facilitar o acesso à informação, em segundo lugar, fomentar a participação pública na tomada de decisões e, em terceiro lugar, assegurar o acesso à justiça, sendo, obviamente, o acesso à justiça o objetivo pertinente no caso em apreço ( 20 ).

44.

O artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006 dispõe que seja tomada uma decisão mediante um pedido de reexame interno. Essa decisão — destinada à organização não governamental que iniciou o procedimento de reexame — pode, então, ser objeto de recurso nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, lido em conjugação com o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Os artigos 10.o e 12.o do Regulamento n.o 1367/2006 facilitam, por conseguinte, o acesso à justiça nos termos das disposições do Tratado, uma vez que a sua aplicação conduz a uma decisão individual na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

Critérios aplicáveis ao procedimento de reexame

45.

Resulta da interpretação precedente que a questão de saber se um procedimento de reexame deve ser iniciado não pode ser deixada à discricionariedade da instituição ou órgão competente para o procedimento. Tal seria contrário ao próprio objetivo do procedimento de reexame, conforme referido supra.

46.

Quanto à intensidade do reexame, proponho que durante um procedimento de reexame sejam seguidos os seguintes critérios e medidas.

47.

Em primeiro lugar, qualquer argumento apresentado no pedido de reexame interno deverá ser tomado em consideração, a menos que o argumento careça manifestamente de fundamento nos termos do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o ° 1367/2006. Cabe à instituição ou órgão competente demonstrar que o argumento carece manifestamente de fundamento. É o que se conclui da expressão «a menos que» do artigo 10.o, n.o 2, do regulamento.

48.

Em segundo lugar, a instituição ou órgão competente da União deverá consultar a EFSA ou qualquer outra agência ou instituição que tenha estado envolvida no procedimento de autorização, a fim de verificar se os argumentos apresentados no pedido são fundamentados.

49.

Em terceiro lugar, a instituição ou órgão competente da União deverá tomar a decisão sobre o pedido de reexame interno com uma fundamentação detalhada, respondendo concretamente a qualquer argumento do pedido, a menos que esse argumento careça manifestamente de fundamento. Os motivos dados permitirão ao requerente entender o raciocínio da instituição ou órgão competente.

Fundamentos que o requerente de um reexame deve expor

50.

Pode igualmente retirar‑se do objetivo do procedimento de reexame supra exposto que o ónus de suscitar e apresentar os motivos atribuído ao requerente num procedimento de reexame interno não deve ser demasiado rigoroso para dar início ao procedimento de reexame interno ( 21 ).

51.

Relativamente à estrutura e ao objetivo dos artigos 10.o e 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, tal como acima descrito, deve recordar‑se que, em primeiro lugar, os motivos devem, pelo menos, ser «apresentados» e, em segundo lugar, o pedido não deve carecer manifestamente de fundamento. Pode concluir‑se que, por um lado, alegações claramente infundadas não são suficientes para preencher estes critérios. Por outro lado, não há nenhuma disposição que diga que existe um ónus efetivo de alegação juntamente com a produção da prova que incumbe aos requerentes.

52.

No entanto, se os requerentes de um procedimento de reexame procuram mais do que uma mera análise dos seus argumentos, pode esperar‑se da sua parte, num procedimento de reexame interno, que forneçam argumentos concretos e precisos que possam ser capazes de abalar a posição factual na qual a autorização está baseada. Uma vez que a decisão de autorização é tomada por uma autoridade — a Comissão — após consulta a outro órgão administrativo — a EFSA —, existe uma presunção de veracidade, completude e exatidão da decisão de autorização porque a imparcialidade é inerente à própria natureza dessas autoridades. O pedido de um tal reexame interno mais intenso deve, por conseguinte, basear‑se em argumentos suscetíveis de pôr em causa essa decisão. Os requerentes devem poder basear a sua argumentação em qualquer fundamento e/ou prova que possa suscitar dúvidas sérias quanto à presunção acima mencionada. Nunca é necessária prova plena. Por outro lado, a pura especulação é insuficiente.

Discricionariedade e fiscalização jurisdicional

53.

A Comissão goza de um amplo poder de apreciação quanto ao resultado do reexame: pode, em primeiro lugar, chegar à conclusão de que o reexame não conduz a uma revisão da autorização (procedimento); pode, em segundo lugar, reabrir o procedimento de autorização — com um resultado aberto; em terceiro lugar, como o Tribunal Geral declarou corretamente no n.o 52 do acórdão recorrido, pode «tomar qualquer outra medida que considere adequada para alterar a autorização, incluindo a alteração, a suspensão ou a revogação de uma autorização». Em quarto lugar, no caso de um pedido de reexame interno que careça manifestamente de fundamento, pode — sem respeitar o segundo e o terceiro passos acima propostos — rejeitar o pedido por carecer manifestamente de fundamento. Este poder de apreciação depende da qualidade dos argumentos apresentados pelos requerentes: quanto mais fundamentados, mais a Comissão deve proceder no sentido da revisão do procedimento de autorização.

54.

Em seguida, no que diz respeito à intensidade da fiscalização jurisdicional de uma decisão de reexame interno ao abrigo do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006, deve dizer‑se que o artigo 12.o, cujos dois números se limitam a declarar que o destinatário da decisão de reexame pode interpor recurso no Tribunal de Justiça em conformidade com as disposições pertinentes do Tratado, não contém quaisquer critérios quanto à intensidade da fiscalização jurisdicional.

55.

Como o Tribunal Geral referiu corretamente no n.o 77 do acórdão recorrido, de acordo com jurisprudência constante, a fiscalização jurisdicional das decisões é limitada quando implica uma avaliação complexa dos factos e, por conseguinte, sujeita a um amplo poder de apreciação da autoridade que toma a decisão. O juiz da União, ao fiscalizar tais decisões, não pode substituir pela sua própria apreciação dos factos a apreciação feita pela autoridade em causa. Assim, em tais casos, o juiz da União deve limitar‑se a examinar a exatidão das conclusões de facto e de direito efetuadas pela autoridade em causa e a verificar, em especial, que as medidas tomadas pela referida autoridade não estão viciadas por erro manifesto ou desvio de poder e que não excedeu manifestamente os limites do seu poder de apreciação ( 22 ).

56.

Esta restrição está, como o Tribunal Geral também salientou corretamente no n.o 76 do acórdão recorrido, em perfeita conformidade com a Convenção de Aarhus. O artigo 9.o, n.o 3, desta Convenção prevê que «cada Parte assegurará que quando definirem os critérios, quaisquer que sejam, previstos na sua legislação nacional, os membros do público terão acesso aos processos administrativos ou judiciais». Adaptado à União Europeia, basta que as condições de acesso à justiça sejam as mesmas que as previstas em geral pela legislação da União. Assim, quando existe uma fiscalização jurisdicional limitada no direito da União, essa limitação também pode ser aplicada quando o objetivo de um ato legislativo da União deva estar em consonância com a Convenção de Aarhus.

Segundo fundamento do presente recurso

Argumentos das partes

57.

Com o segundo fundamento de recurso, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aplicar um ónus da prova incorreto e impossível para as organizações não governamentais que exercem o direito de recurso nos termos dos artigos 10.o e 12.o do Regulamento n.o 1367/2006.

58.

Segundo as recorrentes, o Tribunal Geral aplicou o ónus da prova, nos n.os 67, 83 e 88 do acórdão recorrido, num contexto diferente, que é inadequado no caso em apreço e, em seguida, aplicou o referido ónus da prova de um modo incompatível com a sua própria conclusão de que as organizações não governamentais não são obrigadas a comprovar que o organismo geneticamente modificado não é seguro.

59.

Assim, no n.o 67 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral fez uma extrapolação dos dados do critério de prova estabelecido no Acórdão Schräder/CPVO ( 23 ) para casos em que se aplica o Regulamento n.o 1367/2006. No Acórdão Schräder/CPVO, o Tribunal de Justiça declarou (segundo o Tribunal Geral) que «um terceiro que impugna uma autorização de introdução no mercado deve apresentar provas fundamentadas suscetíveis de criar dúvidas sérias quanto à legalidade da concessão dessa autorização». Noutros pontos, o Tribunal Geral declarou a exigência de que o requerente «deve fornecer um conjunto de elementos que suscitem sérias dúvidas quanto à legalidade da decisão de autorização» (n.o 88 do acórdão recorrido). Aos olhos das recorrentes, não é claro se estas provas devem ser tratadas da mesma forma.

60.

Em qualquer caso, o Tribunal Geral errou ao concluir que deve aplicar‑se uma prova de nível tão elevado nos recursos interpostos ao abrigo dos artigos 10.o ou 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, uma vez que as situações em causa não são análogas. Os recursos ao abrigo do artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006 são interpostos contra as decisões tomadas sobre os pedidos de reexame interno ( 24 ) (apresentados nos termos do artigo 10.o do Regulamento n.o 1367/2006) e não contra a decisão sobre a autorização de introdução no mercado. O objetivo dos pedidos de reexame interno é que as questões submetidas sejam bem fundamentadas. No Acórdão Schräder/CPVO ( 25 ), o Tribunal de Justiça foi confrontado com a questão da prova e as formalidades jurídicas impostas nos casos em que um terceiro impugnou diretamente uma decisão de não anular uma autorização através de um procedimento de invalidade totalmente diferente.

61.

Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, com base nesse ónus da prova, nos n.os 134, 135, 148‑150, 157, 163‑168, 170, 205‑209, 217‑224, 230, 231, 238‑243, 246, 247, 256, 282, 287 e 289, que as recorrentes não demonstraram que a soja não era segura.

62.

A Comissão considera que o nível de prova apresentado pelo Tribunal Geral é totalmente adequado devido à natureza do procedimento de reexame interno instituído pelo Regulamento n.o 1367/2006. Neste contexto, é lógico que o Tribunal Geral declare que um requerente que impugne a validade de um ato de reexame interno por referência a um ato administrativo subjacente (ato que não é ele próprio objeto de um recurso de anulação) deve demonstrar que no pedido de reexame interno apresentou elementos que levantam dúvidas sérias quanto à legalidade do ato administrativo subjacente, a fim de obter a anulação da decisão de reexame interno. Sem este critério, não haveria diferença entre os requisitos aplicados a um requerente que impugna a legalidade do ato administrativo subjacente e os requisitos aplicados a um requerente que impugna uma decisão de reexame interno relativa ao mesmo ato administrativo subjacente.

63.

Além disso, o nível de prova estabelecido pelo Tribunal Geral não é, contrariamente ao que defendem as recorrentes, uma «prova de nível elevado». Não significa que o requerente de um reexame interno deva repetir a avaliação do risco ou apresentar provas de que o organismo geneticamente modificado autorizado não é seguro: só deve, como o Tribunal Geral explicou claramente no n.o 67 do acórdão recorrido, apresentar provas fundamentadas suscetíveis de criar dúvidas sérias quanto à legalidade da concessão da decisão de autorização.

64.

Ao contrário do que as recorrentes afirmam, isto é, que o «objetivo dos pedidos de [reexame interno] é que as questões suscitadas sejam julgadas procedentes», não é possível considerar que, logo que um requerente suscite qualquer dúvida quanto à validade de uma autorização, mesmo que essa dúvida não seja séria, a instituição deve suspender a autorização e investigar essa dúvida para averiguar se ela está bem fundamentada (por exemplo, solicitando ao requerente que realize mais estudos ou ensaios). Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito nos n.os 67, 83, e 88 do acórdão recorrido.

65.

No que se refere aos outros pontos contestados no âmbito do segundo fundamento, a Comissão sustenta que as recorrentes não contestam que o critério jurídico aplicado em todos os pontos controvertidos foi aquele de que as recorrentes se queixam na primeira parte do segundo fundamento, a saber, que foram obrigadas a apresentar elementos que lançassem dúvidas sérias sobre a legalidade da decisão de autorização. Em consequência, não é alegado erro de direito nessa parte do recurso. Neste contexto, a segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada manifestamente inadmissível.

Análise

66.

Nos termos dos artigos 10.o e 12.o do Regulamento n.o 1367/2006, por um lado, os motivos para o pedido de reexame interno devem, pelo menos, ser «apresentados» e, por outro, o pedido não deve carecer manifestamente de fundamento. Como anteriormente analisado, alegações claramente infundadas não são suficientes para preencher estes critérios. Porém, não há nenhuma disposição no sentido de que existe um ónus efetivo de alegação juntamente com a produção da prova que incumbe aos requerentes de um procedimento de reexame.

67.

No entanto, como a Comissão acertadamente assinalou, existe uma diferença fundamental entre o procedimento de autorização conducente à decisão de autorização e o procedimento de reexame, cujas consequências podem, mas não visam necessariamente a reabertura do procedimento de autorização. Ao mesmo tempo, as recorrentes não têm legitimidade, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, para contestar diretamente a decisão de autorização, uma vez que não são direta nem individualmente afetadas pela decisão de autorização.

68.

Como acima salientado, se os recorrentes pretenderem um procedimento de reexame mais aprofundado, pode então esperar‑se que os requerentes de um procedimento de reexame interno forneçam argumentos concretos e precisos que sejam capazes de abalar a posição factual em que está baseada a decisão de autorização. Como a decisão de autorização é tomada por uma autoridade imparcial — a Comissão — após a consulta de outro órgão imparcial — a EFSA — existe uma presunção de veracidade, completude e exatidão do procedimento de autorização e da decisão de autorização. O pedido de reexame interno deve, por conseguinte, basear‑se em argumentos suscetíveis de pôr em causa essa decisão. Os requerentes devem poder basear a sua argumentação em qualquer fundamento e/ou «prova» que possa suscitar dúvidas sérias quanto à presunção acima mencionada. Nunca é necessária prova plena. Por outro lado, a pura especulação é insuficiente.

69.

O critério de prova elaborado pelo Tribunal Geral deve, por conseguinte, ser entendido como uma condição material que convida o requerente de um pedido de reexame interno mais aprofundado a apresentar argumentos que suscitem dúvidas sérias quanto ao procedimento de autorização e/ou a decisão de autorização. Entendido deste modo, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito nos n.os 67, 83, e 88 do acórdão recorrido ( 26 ).

70.

No que se refere aos outros elementos do segundo fundamento, a Comissão salientou corretamente o facto de as recorrentes não contestarem que o critério jurídico aplicado em todos os pontos controvertidos foi aquele de que as recorrentes se queixam na primeira parte do segundo fundamento, a saber, que foram obrigadas a apresentar elementos que lançassem dúvidas sérias sobre a legalidade da decisão de autorização. Em consequência, não é alegado erro de direito nessa parte do recurso e essa parte deve, na sequência disso, ser julgada manifestamente inadmissível.

71.

O segundo fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

Conclusão

72.

À luz das considerações que precedem, e sem prejuízo da justeza dos outros fundamentos do recurso, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente o segundo fundamento de recurso invocado pela TestBioTech eV, pela European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility eV e pela Sambucus eV contra o Acórdão do Tribunal Geral de 15 de dezembro de 2016, TestBioTech e o./Comissão (T‑177/13, não publicado, EU:T:2016:736).


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Com a referência Ares(2013) 19605.

( 3 ) Regulamento, de 22 de setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados (JO 2003, L 268, p. 1).

( 4 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO 2006, L 264, p. 13).

( 5 ) Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus em 25 de junho de 1998 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1) (a seguir «Convenção de Aarhus»).

( 6 ) Para regras processuais mais detalhadas que regem o pedido de reexame interno, v. Decisão da Comissão, de 13 de dezembro de 2007, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus em matéria de pedidos de reexame interno de atos administrativos (JO 2008, L 13, p. 24). Nos termos desta decisão, a parte que solicita o reexame deve apresentar «as informações e documentos necessários em apoio do pedido» (artigo 1.o, ponto 3).

( 7 ) O Tribunal Geral refere‑se ao Acórdão de 10 de novembro de 2005, Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie (C‑316/04, EU:C:2005:678, n.o 68).

( 8 ) Diretiva do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1).

( 9 ) V. Acórdão de 10 de novembro de 2005, Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie (C‑316/04, EU:C:2005:678, n.o 68).

( 10 ) Que essencialmente dizem respeito à segurança e eficácia do produto. Nota do autor.

( 11 ) V. também Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen nos processos apensos Conselho e Parlamento/Comissão e Comissão/Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht (C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2014:310, n.o 130). O recurso previsto no artigo 12.o do Regulamento n.o 1367/2006 não diz respeito à decisão de autorização, mas sim à resposta dada pela instituição ou pelo órgão ao qual foi requerido o reexame interno, que é, no caso em apreço, a decisão controvertida.

( 12 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1).

( 13 ) Considerando 4 do Regulamento n.o 1367/2006.

( 14 ) V., além disso, Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 156, p. 17), e Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO 2003, L 41, p. 26).

( 15 ) A Convenção de Aarhus está historicamente ainda mais interligada com o direito da União. De facto, existe um enriquecimento mútuo entre o direito ambiental da União e o regime da Convenção de Aarhus ao abrigo do direito internacional, dado que as anteriores Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 1985, L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), e Diretiva 90/313/CEE do Conselho, de 7 de junho de 1990, relativa à liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente (JO 1990, L 158, p. 56) serviram de «modelo a nível internacional e a sua filosofia de base é adotada pela Convenção de Aarhus». V. Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, a participação do público na tomada de decisões e o acesso à justiça no domínio do ambiente às instituições e organismos comunitários, COM/2003/0622 final, p. 3.

( 16 ) Contudo, como o Tribunal de Justiça já esclareceu, não se pode invocar o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus para efeitos da apreciação da legalidade do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1367/2006, v. Acórdão de 13 de janeiro de 2015, Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht (C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2015:4, n.o 61).

( 17 ) V. Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, a participação do público na tomada de decisões e o acesso à justiça no domínio do ambiente às instituições e organismos comunitários, COM/2003/0622 final, p. 7. V. também Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen nos processos apensos Conselho e Parlamento/Comissão e Comissão/Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht (C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2014:310, n.os 123 e segs.)

( 18 ) Acórdão de 9 de setembro de 2003, Monsanto Agricoltura Italia e o. (C‑236/01, EU:C:2003:431, n.o 111 e jurisprudência referida).

( 19 ) V., neste sentido, n.o 36, supra, e, em termos mais gerais, as minhas Conclusões no processo Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão (C‑60/15 P, EU:C:2016:778, n.os 37 a 41)

( 20 ) Para aspetos relativos ao acesso à informação, v., por exemplo, as minhas Conclusões no processo Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão (C‑60/15 P, EU:C:2016:778, n.os 37 e segs.).

( 21 ) Neste contexto, deve recordar‑se que existe uma diferença entre o ónus da prova — processual — (onus probandi) e o ónus de alegação — material — (onus proferendi). Neste caso, a questão não é sobre quem incumbe o ónus da prova num processo contraditório perante um tribunal, mas se, e em que medida, o requerente deve fundamentar o seu pedido de reexame interno previsto no direito administrativo material. V., a este respeito, as minhas Conclusões no processo combit Software (C‑223/15, EU:C:2016:351, n.o 42 com a nota 18) e as Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Espanha/Lenzing (C‑525/04 P, EU:C:2007:73, n.os 27 a 29).

( 22 ) Acórdãos de 9 de junho de 2005, HLH Warenvertrieb e Orthica (C‑211/03, C‑299/03 e C‑316/03 a C‑318/03, EU:C:2005:370, n.o 75), e de 21 de janeiro de 1999, Upjohn (C‑120/97, EU:C:1999:14, n.o 34 e jurisprudência referida).

( 23 ) Acórdão de 21 de maio de 2015 (C‑546/12 P, EU:C:2015:332, n.o 57).

( 24 ) De modo confuso, o pedido refere por vezes a expressão «reconsideração», em vez de «reexame».

( 25 ) Acórdão de 21 de maio de 2015, Schräder/CPVO (C‑546/12 P, EU:C:2015:332).

( 26 ) Gostaria também de salientar, neste ponto, que não vejo qualquer discrepância entre os n.os 88 e 170 do acórdão recorrido. O n.o 88 refere‑se aos critérios a aplicar, enquanto o n.o 170 constitui o resultado da análise.