DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

12 de outubro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Artigo 355.o, n.o 3, TFUE — Estatuto de Gibraltar — Artigo 49.o TFUE — Artigo 63.o TFUE — Liberdade de estabelecimento — Livre circulação de capitais — Situação puramente interna»

No processo C‑192/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal de Segunda Instância (Secção Tributária e da Chancelaria), Reino Unido], por decisão de 24 de março de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de abril de 2016, no processo

Stephen Fisher,

Anne Fisher,

Peter Fisher

contra

Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs,

sendo intervenientes:

Her Majesty’s Government of Gibraltar,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de S. Fisher, A. Fisher e P. Fisher, por R. Mullan e H. Brown, barristers, e S. Bedford, consultora,

em representação do Her Majesty’s Government of Gibraltar, por M. Llamas, QC,

em representação do Governo do Reino Unido, por D. Robertson e S. Simmons, na qualidade de agentes, assistidos por D. Ewart, QC, e O. Jones, barrister,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e M. Jacobs, na qualidade de agentes, assistidas por P. Vlaemminck e R. Verbeke, advocaten,

em representação do Governo espanhol, por M. A. Sampol Pucurull e A. Rubio González, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por meio de despacho fundamentado, em conformidade com o artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 355.o, n.o 3, TFUE, bem como dos artigos 49.o e 63.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Stephen Fisher, Anne Fisher e Peter Fisher aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs (Administração Fiscal e Aduaneira, Reino Unido) a propósito de notas de liquidação que lhes foram enviadas pela Administração Fiscal e Aduaneira para o período compreendido entre o ano de 2000 e o ano de 2008.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O capítulo XI da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, intitulado «Declaração relativa a territórios não autónomos», inclui o artigo 73.o, que prevê:

«Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem‑estar dos habitantes desses territórios […]»

Estatuto de Gibraltar

4

Gibraltar é uma colónia da Coroa britânica. Não faz parte do Reino Unido.

5

Em direito internacional, Gibraltar figura na lista dos territórios não autónomos na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas.

6

Em direito da União, Gibraltar é um território europeu cujas relações externas são asseguradas por um Estado‑Membro na aceção do artigo 355.o, n.o 3, TFUE e ao qual são aplicáveis as disposições dos Tratados. O Ato relativo às condições de adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda do Norte e às adaptações dos Tratados (JO 1972, L 73, p. 14, a seguir «ato de adesão de 1972») prevê, contudo, que determinadas partes do Tratado não são aplicáveis a Gibraltar.

7

O artigo 28.o do ato de adesão de 1972 dispõe:

«Os atos das instituições da Comunidade relativos aos produtos abrangidos pelo anexo II do Tratado CEE e aos produtos cuja importação na Comunidade esteja submetida a uma regulamentação específica em consequência da execução da política agrícola comum, bem como os atos em matéria de harmonização das legislações dos Estados‑Membros relativas aos impostos sobre o volume de negócios não são aplicáveis a Gibraltar, a não ser que o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, disponha em contrário.»

8

Nos termos do artigo 29.o do ato de adesão de 1972, conjugado com o seu anexo I, parte I, ponto 4, Gibraltar está excluído do território aduaneiro da União.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9

À data dos factos do processo principal, os cônjuges Stephen e Anne Fisher residiam no Reino Unido, onde tinham a sua residência habitual, com os seus dois filhos Peter e Dianne Fisher. P. Fisher deixou de residir no Reino Unido em julho de 2004. S. Fisher e P. Fisher são nacionais britânicos, enquanto A. Fisher é de nacionalidade irlandesa.

10

Desde 1988, a família Fisher detinha 100% do capital social da Stan James (Abingdon) Limited (a seguir «SJA»), estabelecida no Reino Unido. Esta sociedade exercia a atividade de corretor de apostas, nomeadamente, desde 1999, a exploração de casas de apostas, o serviço de apostas por telefone (teleapostas) e a fixação de cotações para corretores de apostas independentes. A referida sociedade tinha igualmente uma sucursal em Gibraltar com seis funcionários que recebiam apostas provenientes da Alemanha, da Irlanda e de Espanha.

11

Em 1999, por força do Betting and Gaming Duties Act 1981 (Lei de 1981 relativa aos impostos sobre apostas e jogos de fortuna e azar), foi solicitada aos corretores de apostas estabelecidos no Reino Unido a contabilização de um imposto sobre as apostas recebidas que, na prática, era financiado por uma taxa de 9% faturada aos clientes, que acrescia ao valor da aposta. Um cliente no Reino Unido podia fazer uma aposta junto de um corretor de apostas estabelecido noutro Estado‑Membro, caso em que essa aposta não estava sujeita ao referido imposto. Os corretores de apostas estabelecidos noutros Estados estavam proibidos de fazer publicidade no Reino Unido ou de partilhar recursos com uma entidade no Reino Unido para efeitos de receber apostas.

12

A partir de julho de 1999, a SJA começou a receber apostas de clientes estabelecidos no Reino Unido através da sua sucursal em Gibraltar. Em 29 de fevereiro de 2000, a SJA transmitiu a sua atividade de apostas telefónicas, incluindo a sua sucursal de Gibraltar, a uma sociedade constituída em conformidade com o direito de Gibraltar e aí residente, a Stan James Gibraltar Limited (a seguir «SJG»), cujo capital social era detido a 100% pela família Fisher.

13

Através das notas de liquidação controvertidas relativas ao período compreendido entre 2000 e 2008, S. e P. Fisher, bem como A. Fisher, foram sujeitos no Reino Unido ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares pelos lucros comerciais realizados pela SJG. Essas notas de liquidação foram emitidas ao abrigo da section 739 do Income and Corporation Taxes Act 1988 (Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas coletivas), que visa a prevenção da evasão fiscal por parte de pessoas singulares, através de uma transmissão de ativos que leva a que o rendimento seja transferido para uma pessoa fora do Reino Unido. Quando essas disposições são aplicáveis, o transmitente está sujeito ao imposto sobre o rendimento da pessoa estabelecida fora do Reino Unido, independentemente de ter ou não recebido esse rendimento, desde que tivesse a faculdade de beneficiar dos mesmos e que residisse no Reino Unido.

14

O First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Juízo Tributário), Reino Unido] concluiu que a referida disposição era aplicável no caso em apreço e que não era procedente nenhuma exceção prevista no direito nacional e invocada pelos recorrentes. No entanto, estes alegaram que, por força dos princípios enunciados no acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544), qualquer sujeição ao imposto sobre o rendimento constituía, nas circunstâncias que caracterizam o caso em apreço, uma restrição ilícita à sua liberdade de estabelecimento consagrada pelo artigo 49.o TFUE e/ou ao seu direito à livre circulação de capitais nos termos do artigo 63.o TFUE.

15

O órgão jurisdicional de primeira instância considerou que S. e P. Fisher não podiam invocar o artigo 49.o TFUE e/ou o artigo 63.o TFUE, na medida em que a SJG estava estabelecida em Gibraltar e que a transação de transmissão tivera lugar entre este último território e o Reino Unido, pelo que a situação em causa no processo principal não constituía uma situação transfronteiriça à qual fosse aplicável o direito da União. Por sua vez, A. Fisher podia invocar essas disposições, uma vez que era nacional da Irlanda e que, por conseguinte, o imposto controvertido não lhe podia ser aplicado. Tanto S. e P. Fisher como a Administração Fiscal e Aduaneira interpuseram recurso contra a decisão do órgão jurisdicional de primeira instância.

16

O órgão jurisdicional de reenvio, chamado a pronunciar‑se em sede de recurso, considera que a resolução das questões que lhe foram submetidas, no que respeita ao exercício da liberdade de estabelecimento e de livre circulação de capitais pelos nacionais britânicos entre Gibraltar e o Reino Unido, depende designadamente do estatuto de Gibraltar no contexto do direito da União e da posição de Gibraltar face ao Reino Unido à luz desse direito e, em especial, dos artigos 49.o e 63.o TFUE, lidos em conjugação com o artigo 355.o, n.o 3, TFUE. Precisa que não questiona o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de uma regulamentação como a do Reino Unido em causa no processo principal com o direito da União, na medida em que se considera apto a decidir sobre o processo principal quando tiver sido dada resposta às questões submetidas.

17

Nestas circunstâncias, o Upper Tribunal (Tax and Chancery Chamber) [Tribunal de Segunda Instância (Secção Tributária e da Chancelaria), Reino Unido] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Para efeitos do artigo 49.o TFUE (liberdade de estabelecimento) e à luz da relação constitucional entre Gibraltar e o Reino Unido:

a)

Deve considerar‑se que Gibraltar e o Reino Unido fazem parte de um único Estado‑Membro […] para efeitos do direito da União e, se assim for, isso tem como consequência a não aplicação do artigo 49.o TFUE entre o Reino Unido e Gibraltar, salvo na medida em que seja aplicável a uma medida interna, ou, a título subsidiário, […] para efeitos do artigo 49.o TFUE considerado isoladamente, pelo que esse artigo não se aplica, salvo na medida em que seja aplicável a uma medida interna?

A título subsidiário,

b)

Tendo em conta o artigo 355.o, n.o 3, TFUE, possui Gibraltar o estatuto constitucional de um território distinto do Reino Unido na União […], pelo que […] o exercício do direito de estabelecimento entre Gibraltar e o Reino Unido deve ser tratado como uma troca comercial entre Estados‑Membros para efeitos do artigo 49.o TFUE, ou […] o artigo 49.o TFUE é aplicável para proibir restrições ao exercício do direito de estabelecimento por nacionais do Reino Unido em Gibraltar (como entidade distinta)?

A título subsidiário,

c)

Deve Gibraltar ser equiparado a um país ou território terceiro, com a consequência de o direito da União só ser aplicável em relação a transações entre o Reino Unido e Gibraltar nos casos em que produza efeitos entre um Estado‑Membro e um Estado terceiro?

A título subsidiário,

d)

A relação constitucional entre Gibraltar e o Reino Unido deve ser objeto de outro tratamento para efeitos do artigo 49.o TFUE?

2)

Em que medida as respostas às questões supra seriam diferentes se fossem analisadas no contexto do artigo 63.o TFUE (e, consequentemente, em relação à livre circulação de capitais) e não do artigo 49.o [TFUE]?»

Quanto às questões prejudiciais

18

Nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

19

Há que aplicar esta disposição no presente processo.

20

Com as suas questões, que devem ser tratadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 355.o, n.o 3, TFUE, lido em conjugação com o artigo 49.o TFUE ou com o artigo 63.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que o exercício da liberdade de estabelecimento ou da livre circulação de capitais por nacionais britânicos entre o Reino Unido e Gibraltar constitui, à luz do direito da União, uma situação em que todos os elementos estão confinados a um único Estado‑Membro.

21

Em primeiro lugar, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio, ao qual compete apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 24 e jurisprudência referida), não questiona o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade com o direito da União de uma legislação como a do Reino Unido em causa no processo principal, com base na qual foram emitidas as notas de liquidação controvertidas, nem sobre a questão de saber se, em circunstâncias como as do processo principal, existem elementos que constituam um fator de conexão ao direito da União tal que os artigos 49.o e 63.o TFUE sejam aplicáveis no caso vertente, incumbindo assim estas verificações ao referido órgão jurisdicional.

22

Com efeito, limita‑se a solicitar esclarecimentos relativamente à relação entre o Reino Unido e Gibraltar à luz do direito da União, a fim de determinar se estes dois territórios devem, para efeitos dos artigos 49.o e 63.o TFUE, ser considerados um único Estado‑Membro.

23

Nestas circunstâncias, importa salientar que o Tribunal de Justiça já declarou, no n.o 56 do acórdão de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association (C‑591/15, EU:C:2017:449), que o artigo 355.o, n.o 3, TFUE, lido em conjunto com o artigo 56.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que a prestação de serviços por operadores estabelecidos em Gibraltar a pessoas estabelecidas no Reino Unido constitui, à luz do direito da União, uma situação em que todos os elementos estão confinados a um único Estado‑Membro.

24

A este respeito, convém notar, em primeiro lugar, que, embora o órgão jurisdicional de reenvio faça referência, na sua decisão de reenvio, aos artigos 49.o e 63.o TFUE, bem como ao artigo 355.o, n.o 3, TFUE, afigura‑se, contudo, decorrer desta decisão que os factos do processo principal ocorreram de 2000 a 2008 e são assim anteriores à entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Assim sendo, o teor das referidas disposições corresponde, em todo caso, ao dos artigos 43.o e 56.o CE e do artigo 299.o, n.o 4, CE, aplicáveis antes da entrada em vigor do referido Tratado.

25

Em segundo lugar, é jurisprudência constante que tanto o artigo 56.o TFUE, que consagra a livre prestação de serviços, como os artigos 49.o e 63.o TFUE, que visam respetivamente a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais, não são aplicáveis a uma situação em que todos os elementos estejam confinados a um único Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdãos de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47 e jurisprudência referida, e de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association, C‑591/15, EU:C:2017:449, n.o 33).

26

Em terceiro lugar, os artigos 49.o e 63.o TFUE são aplicáveis, à semelhança do artigo 56.o TFUE, em causa no processo que deu origem ao acórdão de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association (C‑591/15, EU:C:2017:449), no território de Gibraltar por força do artigo 355.o, n.o 3, TFUE. Com efeito, as exclusões do território de Gibraltar da aplicabilidade dos atos da União em determinados domínios do direito, previstas no ato de adesão de 1972, não visam a liberdade de estabelecimento nem a livre circulação de capitais, consagradas nos referidos artigos 49.o e 63.o TFUE.

27

Nestas circunstâncias, não pode ser acolhida uma interpretação do artigo 355.o, n.o 3, TFUE, lido em conjunto com os artigos 49.o e 63.o TFUE, diferente daquela que foi acolhida pelo Tribunal de Justiça relativamente ao artigo 355.o, n.o 3, TFUE, lido em conjunto com o artigo 56.o TFUE, no acórdão de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association (C‑591/15, EU:C:2017:449).

28

A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 36 do referido acórdão, que a circunstância de Gibraltar não fazer parte do Reino Unido não pode ser decisiva para determinar se esses dois territórios devem ser equiparados a um único Estado‑Membro para efeitos da aplicabilidade das disposições relativas às liberdades fundamentais.

29

Para esse efeito, o Tribunal de Justiça analisou, em primeiro lugar, as condições em que o artigo 56.o TFUE se aplica ao território de Gibraltar para concluir, no n.o 39 do mesmo acórdão, que, na medida em que o artigo 355.o, n.o 3, TFUE alarga a aplicabilidade das disposições do direito da União ao território de Gibraltar, sem prejuízo das exclusões que não são pertinentes no que diz respeito à livre prestação de serviços, esse artigo 56.o se aplica no referido território nas mesmas condições que ao Reino Unido.

30

O mesmo deve acontecer no que respeita aos artigos 49.o e 63.o TFUE que são, como salientado no n.o 26 do presente despacho, plenamente aplicáveis no território de Gibraltar, por força do artigo 355.o, n.o 3, TFUE. Não é relevante a este respeito a circunstância de os artigos 49.o e 63.o TFUE se aplicarem ao Reino Unido enquanto Estado‑Membro e a Gibraltar enquanto território europeu cujas relações externas são asseguradas por um Estado‑Membro na aceção do artigo 355.o, n.o 3, TFUE (v., por analogia, acórdão de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association, C‑591/15, EU:C:2017:449, n.o 40 e jurisprudência referida).

31

Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça salientou que não existem outros elementos que permitam considerar as relações entre Gibraltar e o Reino Unido, para efeitos do artigo 56.o TFUE aplicável a estes dois territórios, como semelhantes às que existem entre dois Estados‑Membros, precisando a este respeito que equiparar o comércio entre Gibraltar e o Reino Unido ao existente entre Estados‑Membros equivaleria, pelo contrário, a negar a relação, reconhecida no artigo 355.o, n.o 3, TFUE entre aquele território e este Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association, C‑591/15, EU:C:2017:449, n.os 41 e 42). Ora, tal apreciação é igualmente válida no que respeita aos artigos 49.o e 63.o TFUE.

32

Resulta do exposto que o artigo 355.o, n.o 3, TFUE, lido em conjunto com o artigo 49.o TFUE ou com o artigo 63.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que o exercício da liberdade de estabelecimento ou da livre circulação de capitais por nacionais britânicos entre o Reino Unido e Gibraltar constitui, à luz do direito da União, uma situação em que todos os elementos estão confinados a um único Estado‑Membro.

33

Esta apreciação não pode ser posta em causa pelos argumentos do Governo de Gibraltar, segundo o qual se infringe assim o objetivo, previsto no artigo 26.o TFUE, de assegurar o funcionamento do mercado interno, bem como o objetivo de integrar Gibraltar nesse mercado que, segundo o mesmo governo, é prosseguido pelo artigo 355.o, n.o 3, TFUE.

34

Com efeito, segundo a sua própria redação, o artigo 26.o, n.o 2, TFUE prevê que o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados, constituindo os artigos 49.o e 63.o TFUE tais disposições no que respeita à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais. Ora, conforme foi recordado no n.o 25 do presente despacho, a aplicabilidade do artigo 49.o TFUE ou do artigo 63.o TFUE a uma determinada situação exige a presença de um elemento externo.

35

De resto, a referida interpretação não torna os artigos 49.o e 63.o TFUE inaplicáveis ao território de Gibraltar. Com efeito, estas disposições continuam a ser plenamente aplicáveis ao referido território, por força do artigo 355.o, n.o 3, TFUE, nas mesmas condições, incluindo a condição relativa à exigência da presença de um elemento externo, que as previstas para qualquer outro território da União a que sejam aplicáveis (v., por analogia, acórdão de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association, C‑591/15, EU:C:2017:449, n.o 47).

36

As considerações relativas ao estatuto de Gibraltar nos termos do direito constitucional nacional ou do direito internacional também não invalidam esta mesma interpretação, como o Tribunal de Justiça precisou, em substância, nos n.os 49 a 55 do seu acórdão de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association (C‑591/15, EU:C:2017:449).

37

Com efeito, nomeadamente no que se refere aos argumentos relativos ao direito internacional, o Tribunal de Justiça recordou que é facto assente que Gibraltar figura na lista dos territórios não autónomos na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas. Ora, a interpretação do artigo 355.o, n.o 3, TFUE, lido em conjunto com o artigo 49.o TFUE ou com o artigo 63.o TFUE, dada no n.o 32 do presente despacho não tem qualquer incidência sobre o estatuto do território de Gibraltar no direito internacional e não deve ser entendida no sentido de que infringe o estatuto separado e distinto do referido território (v., por analogia, acórdão de 13 de junho de 2017, The Gibraltar Betting and Gaming Association, C‑591/15, EU:C:2017:449, n.os 52 e 54).

38

Resulta de todas as considerações anteriores que há que responder às questões submetidas que o artigo 355.o, n.o 3, TFUE, lido em conjunto com o artigo 49.o TFUE ou com o artigo 63.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que o exercício da liberdade de estabelecimento ou da livre circulação de capitais por nacionais britânicos entre o Reino Unido e Gibraltar constitui, à luz do direito da União, uma situação em que todos os elementos estão confinados a um único Estado‑Membro.

Quanto às despesas

39

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 355.o, n.o 3, TFUE, lido em conjunto com o artigo 49.o TFUE ou com o artigo 63.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que o exercício da liberdade de estabelecimento ou da livre circulação de capitais por nacionais britânicos entre o Reino Unido e Gibraltar constitui, à luz do direito da União, uma situação em que todos os elementos estão confinados a um único Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.