ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

19 de outubro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Impostos indiretos — Reuniões de capitais — Cobrança de um imposto de 1,5% sobre a transmissão, a um serviço de compensação de transações (clearance service), de novas ações emitidas ou de ações destinadas a ser admitidas à cotação na bolsa de valores de um Estado Membro»

No processo C‑573/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria, Reino Unido], por decisão de 20 de outubro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de novembro de 2016, no processo

Air Berlin plc

contra

Commissioners for Her Majesty's Revenue & Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Rosas (relator), presidente de secção, C. Toader e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Air Berlin plc, por S. Grodzinski, QC, M. Jones, barrister, e por M. Whitehouse, D. Pickstone e M. Greene, solicitors,

em representação do Governo do Reino Unido, por D. Robertson, na qualidade de agente, assistido por R. Baldry, QC,

em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e W. Roels, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 10.o e 11.o da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO 1969, L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22), dos artigos 4.o e 5.o da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO 2008, L 46, p. 11), e dos artigos 12.o, 43.o, 48.o, 49.o ou 56.o do Tratado CE (atuais artigos 18.o, 49.o, 54.o, 56.o e 63.o TFUE).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Air Berlin plc aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs (Administração Tributária e Aduaneira do Reino Unido, a seguir «HMRC»), a respeito da cobrança de um imposto, em aplicação do disposto na section 70 do Finance Act 1986 (Lei de Finanças de 1986, a seguir «FA 1986»), sobre certas transmissões de ações realizadas em 2006 e 2009.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 69/335

3

Em conformidade com o seu primeiro considerando, a Diretiva 69/335 destina‑se a promover a livre circulação de capitais, com vista à criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno. Com este objetivo, como resulta dos seus sexto a oitavo considerandos, esta diretiva visa harmonizar o imposto a que estão sujeitas as entradas de capital em sociedades na Comunidade Europeia, pela instituição de um imposto único sobre as reuniões de capitais, que seja aplicado apenas uma vez no interior do mercado comum, e pela supressão de todos os outros impostos indiretos que apresentem as mesmas características deste imposto único.

4

No artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 69/335 estão enumeradas as operações que devem ser sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital. Entre essas operações figuram, nomeadamente, a constituição de uma sociedade de capitais e o aumento do seu capital social.

5

O artigo 10.o da Diretiva 69/335 prevê a supressão das imposições que apresentem as mesmas características que o imposto sobre as entradas de capital em relação às operações referidas no artigo 4.o da mesma diretiva.

6

Nos termos do artigo 11.o da Diretiva 69/335:

«Os Estados‑Membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for:

a)

A criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

b)

Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.»

7

Todavia, por força do disposto no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, os Estados‑Membros podem, em derrogação do disposto nos seus artigos 10.o e 11.o, cobrar «impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não».

Diretiva 2008/7

8

A Diretiva 2008/7 é uma reformulação da Diretiva 69/335, cujos termos retoma, em substância. Todavia, como resulta dos seus considerandos 4 a 6, a mesma visa suprimir progressivamente o imposto sobre as entradas de capital.

9

O artigo 4.o desta diretiva dispõe sobre as operações de restruturação.

10

O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Operações não sujeitas a impostos indiretos», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre:

a)

Entradas de capital;

b)

Empréstimos ou prestações de serviços, efetuadas no âmbito das entradas de capital;

[…]

2.   Os Estados‑Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:

a)

A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

[…]»

11

Todavia, por força do disposto no antigo 6.o, n.o 1, alínea a), desta mesma diretiva, os Estados‑Membros podem, não obstante o disposto no artigo 5.o, cobrar «impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não».

Direito do Reino Unido

12

O Reino Unido não cobra imposto sobre as entradas de capital. Em contrapartida, cobra imposto de selo sobre determinados atos que documentam uma transmissão de ações. Quando a venda seja realizada através de um documento escrito, o imposto de selo é de 0,5% do montante ou do valor da contrapartida da cessão, nos termos do n.o 1 do anexo 13 do Finance Act 1999. Quando a transmissão de ações não resulte de uma venda, o imposto de selo é de 5 libras esterlinas (GBP) (cerca de 7 euros), em aplicação do disposto no n.o 16 do anexo 13 do Finance Act 1999. Este imposto de 5 GBP foi suprimido em 2008.

13

Quando não exista um documento escrito de transmissão, por exemplo no caso das transmissões eletrónicas, é cobrado um imposto adicional ao imposto de selo (Stamp Duty Reserve Tax, a seguir «SDRT») em aplicação do disposto na section 87 do FA 1986, o qual ascende a 0,5% do montante ou do valor da contrapartida paga pela transmissão.

14

Face à dificuldade da cobrança do imposto por cada transmissão de propriedade nos sistemas de compensação, está prevista a aplicação de disposições especiais. A legislação, neste caso a section 70 ou a section 96 do FA 1986, prevê o pagamento do imposto de selo ou do SDRT à taxa de 1,5% no momento da admissão inicial dos valores no sistema de compensação, estando isentas de imposto as transmissões a efetuar ulteriormente dentro deste sistema. Todavia, com a aprovação dos HMRC, o serviço de compensação pode optar por um regime alternativo, previsto na section 97A do FA 1986, que não estabelece a cobrança do imposto de 1,5% no momento da introdução das ações no serviço de compensação mas sim a cobrança do SDRT, à taxa de 0,5% do montante da contrapartida paga pela transmissão, por qualquer transmissão das ações para esse serviço.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

A Air Berlin é uma companhia aérea comercial constituída no Reino Unido. Em 11 de maio de 2006, a mesma lançou uma operação de cotação em bolsa (oferta pública inicial) na bolsa de valores de Francoforte.

16

Segundo o direito alemão, para poder ser cotada na bolsa de Francoforte, a Air Berlin tinha de admitir à cotação todas as ações da mesma classe, incluindo as que não se destinavam à venda uma vez introduzidas em bolsa. Para cumprir este requisito, a companhia aérea estava obrigada a transmitir a titularidade das ações ordinárias existentes, que representam a totalidade do seu capital social, à Clearstream Banking AG (a seguir «Clearstream Frankfurt»), na qualidade de mandatária do serviço de liquidação e compensação da bolsa de Francoforte.

17

As 40177604 ações ordinárias já existentes detidas pelos então acionistas, cuja titularidade a Air Berlin transmitiu à Clearstream Frankfurt, abrangiam:

2177604 ações ordinárias detidas por funcionários (com restrições de venda), e

38000000 ações ordinárias (que podiam ser vendidas sem restrições), das quais 20608696 eram detidas pelos então acionistas e 17391304 propostas ao público no âmbito da introdução em bolsa.

18

Em aplicação da section 70 do FA 1986, estas operações de transmissão das ações à Clearstream Frankfurt determinaram a cobrança do imposto de selo previsto no Reino Unido no montante de 4971410 GBP (cerca de 7282100 euros), ou seja, 1,5% do valor de mercado das ações no momento da transmissão.

19

A oferta pública inicial deu lugar à emissão de 19565217 novas ações, não incluídas nas 40177604 ações transmitidas, sobre cujo valor, segundo as observações do Reino Unido, não foi cobrado qualquer imposto de selo.

20

Em 10 de junho de 2009, a Air Berlin emitiu 4500000 ações ordinárias suplementares, no montante de 3,50 euros cada uma (15,75 milhões de euros no total), a favor de três acionistas diferentes. A transmissão da titularidade destas ações à Clearstream Frankfurt, necessária para a sua admissão na bolsa de Francoforte, foi efetuada em 7 de outubro de 2009 e gerou um imposto de selo no montante de 241010 GBP (cerca de 260580 euros), ou seja, 1,5% do valor de mercado das ações no momento da transmissão.

21

Regra geral, a aprovação dos HMRC relativamente à opção prevista na section 97A do FA 1986 está sujeita à condição de o operador do serviço de compensação tomar medidas que asseguram aos HMRC que a cobrança do SDRT à taxa de 0,5% sobre cada uma das operações de transmissão realizadas ulteriormente no âmbito desse serviço será efetuada, e que cumpram os outros requisitos pertinentes estabelecidos pela legislação relativa ao SDRT.

22

Ainda que, em conformidade com o direito do Reino Unido, a Clearstream Frankfurt tivesse a possibilidade de optar pelo regime da section 97A do FA 1986 no que se refere às duas operações de transmissão de ações de 2006 e de 2009, resulta da decisão de reenvio que a mesma não exerceu essa opção. Por outro lado, a Air Berlin não podia exigir à Clearstream Frankfurt que o fizesse.

23

A legislação do Reino Unido não define quem é o sujeito responsável pelo pagamento do imposto de selo. No entanto, se o imposto de selo devido sobre uma transmissão de ações não for pago, o transmissário não pode registar a titularidade das mesmas e a transmissão das ações será inadmissível como prova num processo judicial. Por conseguinte, o transmissário assegura, regra geral, o pagamento do imposto de selo. Contudo, no contexto dos serviços de compensação, a prática comercial corrente é de que o pagamento do imposto de selo é feito pela sociedade cujas ações foram transmitidas para o serviço de compensação. Foi, portanto, a Air Berlin quem pagou o imposto de selo por ocasião das duas operações de transmissão de ações de 2006 e 2009.

24

Em 23 de março de 2010, a Air Berlin requereu aos HMRC o reembolso do imposto de selo cobrado sobre estas operações. Por decisão de 5 de setembro de 2011, os HMRC indeferiram este pedido.

25

Em sede de recurso desta decisão, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria, Reino Unido] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A cobrança por um Estado‑Membro de imposto de selo à taxa de 1,5% sobre a transmissão de ações, como exposto anteriormente e nas circunstâncias acima descritas, contraria uma ou mais das seguintes disposições:

a)

Artigo 10.o ou artigo 11.o da Diretiva [69/335];

b)

Artigo 4.o ou artigo 5.o da Diretiva [2008/7]; ou

c)

Artigos 12.o, 43.o, 48.o, 49.o ou 56.o do Tratado CE?

2)

A resposta à primeira pergunta é diferente se a transmissão de ações para o serviço de compensação for exigida para facilitar a admissão das ações da sociedade em causa à cotação numa bolsa de valores desse ou de outro Estado‑Membro?

3)

A resposta à primeira ou à segunda questão é diferente se a legislação nacional do Estado‑Membro conceder ao operador de um serviço de compensação a faculdade de, após aprovação da autoridade tributária, exercer uma opção nos termos da qual não é devido imposto de selo sobre a transmissão de ações para esse serviço, sendo cobrado, no seu lugar, SDRT sobre cada operação de venda de ações posteriormente realizada no âmbito do serviço de compensação (à taxa de 0,5% do preço de venda)?

4)

A resposta à terceira questão é diferente se, por força da estrutura das operações escolhida pela sociedade em causa, não for possível beneficiar da opção?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

26

A primeira e segunda questões devem ser analisadas em conjunto. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 10.o ou 11.o da Diretiva 69/335, os artigos 4.o ou 5.o da Diretiva 2008/7 e os artigos 12.o, 43.o, 48.o, 49.o ou 56.o CE (atuais artigos 18.o, 49.o, 54.o, 56.o ou 63.o TFUE) devem ser interpretados no sentido de que se opõem à cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto de selo de 1,5% sobre uma operação de transmissão de ações para um serviço de compensação. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a resposta à primeira pergunta é diferente se a transmissão de ações para o serviço de compensação for exigida para facilitar a admissão das ações da sociedade em questão à cotação numa bolsa de valores desse ou de outro Estado‑Membro.

27

A título preliminar, importa recordar que a Diretiva 69/335 e a Diretiva 2008/7, que a revogou e substituiu, procederam a uma harmonização exaustiva dos casos em que os Estados‑Membros podem sujeitar as reuniões de capitais a impostos indiretos (v., neste sentido, acórdãos de 7 de junho de 2007, Comissão/Grécia, C‑178/05, EU:C:2007:317, n.o 31, e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, n.o 25).

28

Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou, quando uma questão for objeto de harmonização ao nível da União, as medidas nacionais nessa matéria devem ser apreciadas à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das do Tratado CE (v., neste sentido, acórdão de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, n.o 26 e jurisprudência referida).

29

Daqui resulta que, para responder à primeira e segunda questões prejudiciais, o Tribunal de Justiça deve limitar‑se à interpretação das Diretivas 69/335 e 2008/7.

30

A este respeito, há que declarar que o artigo 4.o da Diretiva 2008/7 dispõe sobre as operações de restruturação e não se afigura pertinente no âmbito do litígio no processo principal. Por conseguinte, importa interpretar os artigos 10.o e 11.o da Diretiva 69/335 e o artigo 5.o da Diretiva 2008/07, que proíbem, nomeadamente, qualquer forma de imposição indireta sobre as entradas de capital, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza.

31

Resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelas referidas diretivas, os artigos 10.o e 11.o da Diretiva 69/335 e o artigo 5.o da Diretiva 2008/7 devem ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições previstas nestas disposições sejam privadas de efeito útil (v., neste sentido, acórdãos de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C‑415/02, EU:C:2004:450, n.o 33; de 28 de junho de 2007, Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft, C‑466/03, EU:C:2007:385, n.o 39; e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, n.o 34).

32

O Tribunal de Justiça declarou assim que, em conformidade com os objetivos do artigo 11.o da Diretiva 69/335 e do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/7, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais se aplica igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, acórdão de 9 de outubro de 2014, Gielen, C‑299/13, EU:C:2014:2266, n.o 24 e jurisprudência referida).

33

No litígio do processo principal, os factos que deram origem à SDRT consistem na realização de duas operações distintas. A primeira é a transmissão pela Air Berlin à Clearstream Frankfurt, em 2006, da titularidade de 40177604 ações ordinárias já existentes, detidas pelos então acionistas. A segunda é a emissão, em 2009, de 4500000 ações ordinárias suplementares a favor de três acionistas diferentes, cuja titularidade foi, em seguida, transmitida à Clearstream Frankfurt. A interpretação da Diretiva 69/335 é pertinente para a primeira operação, enquanto a da Diretiva 2008/7 o é para a segunda.

34

No que se refere à operação realizada em 2006, o Reino Unido alega que a mesma consistiu numa operação de transmissão das ações já existentes para um serviço de compensação, sem entrada de novos capitais para a sociedade, sobre a qual podia ser cobrado imposto de selo em conformidade com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 69/335, o qual prevê que, em derrogação do disposto nos artigos 10.o e 11.o, os Estados‑Membros podem cobrar impostos sobre a transmissão de valores mobiliários. O Reino Unido contesta a interpretação da Air Berlin segundo a qual o artigo 12.o desta diretiva deve limitar‑se às situações em que ocorre uma alteração da titularidade entre pessoas que atuam enquanto investidores, pelo que uma transmissão a um serviço de compensação não se integra no âmbito de aplicação desta disposição. Segundo o Reino Unido, o conceito de «transmissão de valores mobiliários», que figura nesse artigo 12.o, abrange qualquer operação pela qual um direito ou um interesse sobre títulos é cedido por uma pessoa a outra e não depende do estado ou da capacidade do autor ou do beneficiário dessa transmissão. É o caso de uma transmissão de títulos para um serviço de compensação, que tem incidência sobre a titularidade do título e altera fundamentalmente os direitos respetivos das partes, não obstante o facto de a propriedade efetiva não ser cedida a esse serviço de compensação.

35

A este respeito, embora o órgão jurisdicional de reenvio não tenha descrito detalhadamente nem o funcionamento do sistema de compensação nem as consequências jurídicas, formais e efetivas, do sistema de transmissão da titularidade das ações à Clearstream Frankfurt, o Reino Unido reconheceu que essa transmissão não tinha tido como consequência a transmissão da propriedade efetiva das ações. Afigura‑se assim que essa transmissão da titularidade, imposta pelo direito alemão, só constituiu um requisito de funcionamento do sistema de compensação e não teve efeitos sobre o direito de dispor das ações ou de fruir das mesmas. A este respeito, resulta da decisão de reenvio que 2177604 ações ordinárias detidas por trabalhadores com restrições de venda foram admitidas na bolsa de Francoforte, ainda que a sua titularidade tivesse sido transmitida ao serviço de compensação.

36

Daqui resulta que tal transmissão de titularidade, por não ter consequências sobre a propriedade efetiva, não pode ser considerada uma transmissão de valores mobiliários que constitua uma operação autónoma sobre a qual pode ser cobrado um imposto, em conformidade com o disposto no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 69/335. Esta transmissão deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada na operação de admissão das ações na bolsa de Francoforte, a qual, em conformidade com o artigo 11.o da Diretiva 69/335, não podia ser sujeita a qualquer imposição, fosse por que forma fosse.

37

No que diz respeito à obrigação prevista pelo direito alemão ‑ para que a sociedade possa ser cotada na bolsa de Francoforte ‑ de admitir à cotação todas as ações da mesma classe, incluindo as que não se destinam à venda uma vez introduzidas em bolsa, essa obrigação pode ser indício de uma operação global que tenha por objeto a admissão de uma sociedade à bolsa de Francoforte, incluindo ainda a transmissão da titularidade das ações à Clearstream Frankfurt. No entanto, não é necessário que exista uma obrigação legal quando se trata de determinar se uma operação é um fim em si mesma ou deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais.

38

No que diz respeito à operação realizada em 2009, o Reino Unido salienta que a transmissão das ações, que teve lugar em 7 de outubro de 2009, é uma operação distinta do, e posterior ao, aumento de capital através da emissão de 4500000 ações a favor dos novos subscritores, ocorrida em 10 de junho de 2009, ainda que essa operação pudesse ser sujeita a um imposto sobre a transmissão de valores mobiliários, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/7.

39

No entanto, importa declarar que as ações da Air Berlin que foram transmitidas ao serviço de compensação constituíam novas ações e correspondiam a um aumento de capital.

40

Ora, importa lembrar que autorizar a cobrança de um imposto ou de uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão equivale, na realidade, a tributar a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. Com efeito, uma emissão de títulos não é um fim em si, mas só tem sentido a partir do momento em que esses títulos são adquiridos (acórdãos de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C‑415/02, EU:C:2004:450, n.o 32, e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, n.o 32).

41

O efeito útil do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão (v., por analogia, acórdãos de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C‑415/02, EU:C:2004:450, n.o 33, e de 1 de outubro de 2009, HSBC Holdings e Vidacos Nominees, C‑569/07, EU:C:2009:594, n.o 33).

42

Por conseguinte, há que responder à primeira e segunda questões nos termos seguintes:

Os artigos 10.o e 11.o da Diretiva 69/335 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade de todas as ações de uma sociedade foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de admitir essas ações em bolsa, sem que a sua propriedade efetiva tenha sido alterada.

O artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.

Quanto à terceira e quarta questões

43

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a resposta à primeira e segunda questões é diferente se a legislação do Estado‑Membro conceder ao operador de um serviço de compensação a faculdade de, após aprovação da autoridade tributária, exercer uma opção nos termos da qual não é devido imposto de selo sobre a transmissão inicial de ações para esse serviço, sendo cobrado, no seu lugar, um imposto sobre cada operação de venda de ações posteriormente realizada. Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a resposta é diferente se não for possível beneficiar da opção.

44

Há que declarar que estas questões parecem basear‑se na premissa segundo a qual cada operação de venda de ações posterior à transmissão inicial das ações para o serviço de compensação pode dar lugar a uma tributação conforme com a Diretiva 2008/7. Uma vez que as questões prejudiciais não têm por objeto este elemento do raciocínio, não há que interpretar a Diretiva 2008/7 a este respeito.

45

No que se refere à existência da opção prevista na section 97A do FA 1986, há que declarar que a mesma oferece ao serviço de compensação a possibilidade de evitar o pagamento do SDRT de 1,5% no momento da admissão inicial dos valores no sistema de compensação, desde que o operador do serviço de compensação tome medidas capazes de garantir aos HMRC que será efetuada a coleta do SDRT à taxa de 0,5% sobre cada uma das operações de transmissão realizadas posteriormente dentro desse serviço, e que sejam conformes às outras obrigações pertinentes decorrentes da legislação relativa ao SDRT.

46

No caso em apreço, resulta das respostas às duas primeiras questões que as Diretivas 69/335 e 2008/7 se opõem à cobrança de um imposto pela transmissão de ações para um serviço de compensação que faça parte de uma operação de admissão dessas ações em bolsa ou de emissão de novas ações.

47

A este respeito, tendo em conta, por um lado, que o mecanismo de opção em causa pressupõe uma intervenção positiva e que, na falta desta, é aplicada uma legislação contrária ao direito da União e que, por outro, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no processo principal, a Air Berlin, que pagou o imposto de selo, não estava autorizada a exercer essa opção, sendo que não podia obrigar o serviço de compensação a exercê‑la nem este tinha qualquer interesse em fazê‑lo, a possibilidade de exercer uma opção é desprovida de pertinência para a aplicação da proibição enunciada nos artigos 10.o e 11.o da Diretiva 69/335 e no artigo 5.o da Diretiva 2008/7 (v., por analogia, conclusões do advogado‑geral Mengozzi no processo HSBC Holdings e Vidacos Nominees (C‑569/07, EU:C:2009:163, n.o 71).

48

Por conseguinte, não há que ter em conta esta opção.

49

Importa, por conseguinte, responder à terceira e quarta questões que a resposta à primeira e segunda questões não é diferente se a legislação do Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, conceder ao operador de um serviço de compensação a faculdade de, após aprovação da autoridade tributária, exercer uma opção nos termos da qual não é devido imposto de selo sobre a transmissão inicial de ações para esse serviço, sendo cobrado, no seu lugar, um imposto sobre cada operação de venda de ações posteriormente realizada.

Quanto às despesas

50

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

1)

Os artigos 10.o e 11.o da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade de todas as ações de uma sociedade foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de admitir essas ações em bolsa, sem que a sua propriedade efetiva tenha sido alterada.

 

2)

O artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.

 

3)

A resposta à primeira e segunda questões não é diferente se a legislação do Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, conceder ao operador de um serviço de compensação a faculdade de, após aprovação da autoridade tributária, exercer uma opção nos termos da qual não é devido imposto de selo sobre a transmissão inicial de ações para esse serviço, sendo cobrado, no seu lugar, um imposto sobre cada operação de venda de ações posteriormente realizada.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.