Processo C‑473/16

F

contra

Bevándorlási és Állampolgársági Hivatal

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Szegedi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság)

«Reenvio prejudicial — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 7.o — Respeito pela vida privada e familiar — Diretiva 2011/95/UE — Normas relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária — Receio de perseguição em razão da orientação sexual — Artigo 4.o — Apreciação dos factos e das circunstâncias — Recurso a peritagem — Testes psicológicos»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 25 de janeiro de 2018

  1. Controlos nas fronteiras, asilo e imigração—Política de asilo—Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária—Diretiva 2011/95—Processo de apreciação de um pedido de proteção internacional—Avaliação dos factos e circunstâncias—Receio de perseguição em razão da orientação sexual—Dever de considerar a orientação sexual como um facto provado apenas com base nas declarações do requerente—Inexistência—Consequências

    (Diretiva 2011/95 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o)

  2. Controlos nas fronteiras, asilo e imigração—Política de asilo—Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária—Diretiva 2011/95—Processo de apreciação de um pedido de proteção internacional—Avaliação dos factos e circunstâncias—Receio de perseguição em razão da orientação sexual—Necessidade de apreciar sistematicamente a credibilidade da orientação sexual—Inexistência

    [Diretiva 2011/95 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 2.°, alínea d), 4.° e 10.°, n.os 1, alínea d), e 2]

  3. Controlos nas fronteiras, asilo e imigração—Política de asilo—Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária—Diretiva 2011/95—Processo de apreciação de um pedido de proteção internacional—Avaliação dos factos e circunstâncias—Receio de perseguição em razão da orientação sexual—Apreciação através de peritagem—Admissibilidade—Requisitos

    (Diretiva 2011/95 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o)

  4. Controlos nas fronteiras, asilo e imigração—Política de asilo—Estatuto de refugiado ou estatuto conferido pela proteção subsidiária—Diretiva 2011/95—Processo de apreciação de um pedido de proteção internacional—Avaliação dos factos e circunstâncias—Receio de perseguição em razão da orientação sexual—Apreciação através de uma peritagem psicológica assente em testes projetivos da personalidade—Violação do direito ao respeito da vida privada e familiar—Inadmissibilidade

    (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 7.o; Diretiva 2011/95 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o)

  1.  Importa sublinhar que as declarações de um requerente de proteção internacional relativas à sua orientação sexual constituem apenas, tendo em conta o contexto particular em que se inscrevem os pedidos de proteção internacional, o ponto de partida do processo de avaliação dos factos e das circunstâncias previsto no artigo 4.o da Diretiva 2011/95 (v., por analogia, acórdão de 2 de dezembro de 2014, A e o., C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.o 49). Consequentemente, ainda que caiba ao requerente de proteção internacional identificar essa orientação, que constitui um elemento da sua esfera pessoal, os pedidos de proteção internacional motivados por receio de perseguição em razão da referida orientação, da mesma maneira que os pedidos baseados noutros motivos de perseguição, podem ser objeto do processo de apreciação previsto no artigo 4.o dessa diretiva (v., por analogia, acórdão de 2 de dezembro de 2014, A e o., C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.o 52).

    (cf. n.os 28, 29)

  2.  A este respeito, importa recordar que a orientação sexual constitui uma característica que pode demonstrar a pertença de um requerente a um determinado grupo social, na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95, quando o grupo de pessoas cujos membros partilham da mesma orientação sexual for visto pela sociedade que o rodeia como sendo diferente (v., neste sentido, acórdão de 7 de novembro de 2013, X e o., C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.os 46 e 47), como, de resto, é confirmado pelo artigo 10.o, n.o 1, alínea d), desta diretiva. Todavia, resulta do artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva que, quando os Estados‑Membros avaliam se o receio de perseguição de um requerente é fundado, é irrelevante que este possua efetivamente a característica associada à pertença a um certo grupo social que está na origem da perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.

    Por conseguinte, a fim de se pronunciar sobre um pedido de proteção internacional baseado no receio de perseguição em razão da orientação sexual, nem sempre é necessário avaliar a credibilidade da orientação sexual do requerente no âmbito da apreciação dos factos e das circunstâncias prevista no artigo 4.o da referida diretiva.

    (cf. n.os 30 a 32)

  3.  O artigo 4.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a autoridade responsável pela apreciação dos pedidos de proteção internacional ou os órgãos jurisdicionais chamados a conhecer, se for caso disso, de um recurso de uma decisão dessa autoridade ordenem uma peritagem no âmbito da apreciação dos factos e das circunstâncias relativos à orientação sexual alegada de um requerente, desde que as modalidades dessa peritagem sejam conformes com os direitos fundamentais garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que essa autoridade e esses órgãos jurisdicionais não baseiem a sua decisão unicamente nas conclusões do relatório pericial e não estejam vinculados por essas conclusões quando da apreciação das declarações desse requerente relativas à sua orientação sexual.

    Não se pode excluir que, no contexto particular da apreciação das declarações de um requerente de proteção internacional relativas à sua orientação sexual, certas formas de peritagem se revelem úteis à apreciação dos factos e das circunstâncias e possam ser realizadas sem lesar os direitos fundamentais desse requerente. No entanto, há que salientar, por um lado, que resulta tanto do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2005/85 como do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 10.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 que a autoridade responsável pela determinação está encarregada de proceder a uma apreciação adequada dos pedidos, no fim da qual adotará a sua decisão sobre os mesmos. Por conseguinte, só a essas autoridades incumbe proceder, sob a fiscalização do juiz, à apreciação dos factos e das circunstâncias prevista no artigo 4.o da Diretiva 2011/95 (v., neste sentido, acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Shepherd, C‑472/13, EU:C:2015:117, n.o 40). Daqui decorre que a autoridade responsável pela determinação não pode basear a sua decisão unicamente nas conclusões de um relatório pericial e que, a fortiori, essa autoridade não pode estar vinculada por essas conclusões quando aprecia as declarações de um requerente relativas à sua orientação sexual.

    Quanto à possibilidade de ser ordenada uma peritagem pelo órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional adotada pela autoridade responsável pela determinação, cabe acrescentar que tanto o artigo 39.o, n.o 1, da Diretiva 2005/85 como o artigo 46.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 preveem que o requerente dispõe do direito a um recurso efetivo contra essa decisão num órgão jurisdicional, sem enquadrarem especificamente as medidas de instrução que este órgão jurisdicional tem o direito de ordenar. Por conseguinte, embora estas disposições não excluam que um órgão jurisdicional ordene uma peritagem para proceder a uma fiscalização efetiva da decisão da autoridade responsável pela determinação, não é menos verdade que, tendo em conta, por um lado, o papel específico atribuído aos órgãos jurisdicionais pelo artigo 39.o da Diretiva 2005/85 e pelo artigo 46.o da Diretiva 2013/32 e, por outro, as considerações relativas ao artigo 4.o da Diretiva 2011/95 que figuram no n.o 41 do presente acórdão, o órgão jurisdicional que conhece do litígio não pode basear a sua decisão unicamente nas conclusões de um relatório pericial e não pode, a fortiori, estar vinculado pela apreciação das declarações do requerente relativas à sua orientação sexual constantes das referidas conclusões.

    (cf. n.os 37, 40, 42, 43, 45, 46 e disp. 1)

  4.  O artigo 4.o da Diretiva 2011/95, lido à luz do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais, deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar a realidade da orientação sexual alegada de um requerente de proteção internacional, se opõe à realização e à utilização de uma peritagem psicológica, como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto, com base em testes projetivos da personalidade, revelar a orientação sexual desse requerente.

    A este respeito, cabe salientar que uma peritagem psicológica como a que está em causa no processo principal é ordenada pela autoridade responsável pela determinação, no âmbito do processo de apreciação do pedido de proteção internacional apresentado pela pessoa em causa. Por conseguinte, mesmo no caso de a realização dos testes psicológicos nos quais se baseia uma peritagem como a que está em causa no processo principal depender formalmente da manifestação do consentimento da pessoa em causa, há que considerar que esse consentimento não é necessariamente livre, sendo, de facto, imposto sob pressão das circunstâncias em que se encontram os requerentes de proteção internacional (v., por analogia, acórdão de 2 de dezembro de 2014, A e o., C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.o 66). Nestas condições, como salientou o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, a realização e a utilização de uma peritagem psicológica como a que está em causa no processo principal constituem uma ingerência no direito dessa pessoa ao respeito da sua vida privada.

    Neste contexto, embora uma ingerência na vida privada de um requerente possa ser justificada pela busca de elementos que permitam avaliar as suas necessidades reais de proteção internacional, compete à autoridade responsável pela determinação apreciar, sob a fiscalização do juiz, o caráter adequado e a necessidade, para a realização desse objetivo, de uma peritagem psicológica que essa autoridade pretende ordenar ou tomar em consideração. A este respeito, há que sublinhar que o caráter adequado de uma peritagem como a que está em causa no processo principal só pode ser admitido se esta for baseada em métodos e princípios suficientemente fiáveis à luz das normas aceites pela comunidade científica internacional. Em qualquer dos casos, a incidência, sobre a vida privada do requerente, de uma peritagem como a que está em causa no processo principal afigura‑se desmedida face ao objetivo visado, uma vez que a gravidade da ingerência no direito ao respeito da vida privada que a mesma constitui não pode ser considerada proporcionada à utilidade que ela poderia eventualmente apresentar para a apreciação dos factos e das circunstâncias prevista no artigo 4.o da Diretiva 2011/95.

    (cf. n.os 51, 53, 54, 57 a 59, 71 e disp. 2)