ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

21 de junho de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Segurança social — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 3.o — Prestações familiares — Diretiva 2011/98/UE — Artigo 12.o — Direito à igualdade de tratamento — Nacionais de países terceiros titulares de uma autorização única»

No processo C‑449/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte d’appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova, Itália), por decisão de 8 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de agosto de 2016, no processo

Kerly Del Rosario Martinez Silva

contra

Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS),

Comune di Genova,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, A. Rosas e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de K. Martinez Silva, por L. Neri e A. Guariso, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e C. Cattabriga, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1, e retificação no JO 2004, L 200, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 988/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 (JO 2009, L 284, p. 43) (a seguir «Regulamento n.o 883/2004»), e do artigo 12.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/98/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa a um procedimento de pedido único de concessão de uma autorização única para os nacionais de países terceiros residirem e trabalharem no território de um Estado‑Membro e a um conjunto comum de direitos para os trabalhadores de países terceiros que residem legalmente num Estado‑Membro (JO 2011, L 343, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Kerly Del Rosario Martinez Silva ao Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS) (Instituto Nacional de Segurança Social, Itália) e à Comune di Genova (comuna de Génova, Itália), sobre o indeferimento de um pedido destinado à concessão de um subsídio a favor dos agregados familiares que tenham pelo menos três filhos menores (a seguir «ANF»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Um «Título CE de residência de longa duração» é, segundo o artigo 2.o, alínea g), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), o título de residência emitido pelo Estado‑Membro em questão aquando da aquisição do estatuto de residente de longa duração previsto por esta diretiva.

4

O artigo 2.o da Diretiva 2011/98, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Nacional de um país terceiro”, uma pessoa que não seja cidadão da União na aceção do artigo 20.o, n.o 1, do TFUE;

b)

“Trabalhador de um país terceiro”, um nacional de um país terceiro admitido no território de um Estado‑Membro, que nele resida legalmente e esteja autorizado a trabalhar nesse Estado‑Membro no contexto do exercício de atividades remuneradas, em conformidade com a legislação ou com a prática nacionais;

c)

“Autorização única”, um título de residência emitido pelas autoridades de um Estado‑Membro que permite a um nacional de um país terceiro residir legalmente no seu território para efeitos de trabalho;

[…]»

5

O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, que tem por epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:

«A presente diretiva aplica‑se:

[…]

c)

Aos nacionais de países terceiros que tenham sido admitidos num Estado‑Membro para efeitos de trabalho em conformidade com a legislação da União ou nacional.»

6

Nos termos do artigo 12.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito à igualdade de tratamento»:

«1.   Os trabalhadores de países terceiros a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, alíneas b) e c), beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais do Estado‑Membro em que residem no que diz respeito:

[…]

e)

Aos ramos da segurança social, definidos no Regulamento (CE) n.o 883/2004;

[…]

2.   Os Estados‑Membros podem restringir a igualdade de tratamento:

[…]

b)

Limitando os direitos conferidos, ao abrigo do n.o 1, alínea e), aos trabalhadores de países terceiros, mas não restringindo esses direitos a trabalhadores de países terceiros que estejam ou tenham estado empregados por um período mínimo de seis meses e que estejam registados como desempregados.

Além disso, os Estados‑Membros podem decidir que o disposto no n.o 1, alínea e), não se aplique, no que se refere às prestações familiares, aos nacionais de países terceiros autorizados a trabalhar num Estado‑Membro por um período não superior a seis meses, aos nacionais de países terceiros admitidos para efeitos de estudos ou aos nacionais de países terceiros autorizados a trabalhar com base num visto;

[…]»

7

Segundo o artigo 1.o, alínea z), do Regulamento n.o 883/2004, a expressão «prestação familiar» designa qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no Anexo I deste regulamento.

8

O artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do referido regulamento prevê que este último se aplica a todas as legislações relativas às prestações familiares. Não se aplica, segundo o n.o 5, alínea a), deste artigo, à assistência social e médica.

Direito italiano

9

Decorre da decisão de reenvio que, nos termos do artigo 65.o da legge n.o 448 — Misure di finanza pubblica per la stabilizzazione e lo sviluppo (Lei n.o 448, relativa às medidas de finanças públicas para a estabilização e o desenvolvimento), de 23 de dezembro de 1998 (suplemento ordinário do GURI n.o 210, de 29 de dezembro de 1998, a seguir «Lei n.o 448/1998»), os agregados familiares com pelo menos três filhos com menos de 18 anos cujos rendimentos sejam inferiores a um certo limite (25384,91 euros em 2014) recebem o ANF. O montante mensal deste era, no que respeita ao ano de 2014, de 141,02 euros.

10

Inicialmente reservado apenas aos nacionais italianos, o ANF foi alargado aos nacionais da União Europeia durante o ano de 2000, posteriormente, durante o ano de 2007, aos nacionais dos países terceiros que beneficiam do estatuto de refugiado político ou da proteção subsidiária e, por último, pelo artigo 13.o da legge n.o 97 — Disposizioni per l’adempimento degli obblighi derivanti dall’appartenenza dell’Italia all’Unione europea — Legge europea 2013 (Lei n.o 97, relativa às disposições para a execução das obrigações resultantes da adesão à União Europeia — Lei europeia 2013), de 6 de agosto de 2013 (GURI n.o 194, de 20 de agosto de 2013), aos titulares de uma autorização de residência de longa duração e aos familiares dos nacionais da União.

11

A transposição da Diretiva 2011/98 para o direito interno foi objeto do decreto legislativo n.o 40 — Attuazione della direttiva 2011/98/UE relativa a una procedura unica di domanda per il rilascio di un permesso unico che consente ai cittadini di Paesi terzi di soggiornare e lavorare nel territorio di uno Stato membro e a un insieme comune di diritti per i lavoratori di Paesi terzi che soggiornano regolarmente in uno Stato membro (Decreto Legislativo n.o 40, que transpõe a Diretiva 2011/98), de 4 de março de 2014 (GURI n.o 68, de 22 de março de 2014), que instituiu uma «autorização única de trabalho».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

K. Martinez Silva, nacional de um país terceiro, reside na comuna de Génova e é titular de uma autorização única de trabalho com uma duração superior a seis meses. Mãe de três filhos com menos de 18 anos e com rendimentos inferiores ao limite previsto pela Lei n.o 448/1998, solicitou, em 2014, a atribuição do ANF, que foi indeferido com o fundamento de que não tinha o título CE de residência de longa duração.

13

Intentou então, no Tribunale di Genova (Tribunal de Génova, Itália), uma ação cível por discriminação contra a comuna de Génova e o INPS a fim de obter o pagamento de 1833,26 euros relativamente ao ano de 2014 e o reconhecimento do seu direito a este subsídio nos anos seguintes, com o fundamento de que esta recusa era contrária ao artigo 12.o da Diretiva 2011/98. Estes pedidos foram indeferidos por decisão de 18 de agosto de 2015, alegando que as disposições invocadas do Regulamento n.o 883/2004 eram de caráter puramente programático, que este regulamento não incluía as pensões de alimentos entre as prestações de segurança social a cargo da coletividade e que não tinha sido provado que K. Martinez Silva se encontrava legalmente em Itália há pelo menos cinco anos.

14

A Corte d’appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova, Itália), chamada a pronunciar‑se em sede de recurso, afirma que tem dúvidas quanto à compatibilidade do artigo 65.o da Lei n.o 448/1998 com o direito da União, uma vez que esta disposição não permite a um nacional de um país terceiro, titular de uma autorização única, obter o ANF, contrariamente ao princípio da igualdade de tratamento enunciado no artigo 12.o da Diretiva 2011/98.

15

O órgão jurisdicional de reenvio indica, em primeiro lugar, que o ANF é uma prestação pecuniária, destinada a compensar os encargos familiares, concedida às famílias que tenham particular necessidade tendo em conta o número de filhos e as suas condições económicas. Considera que esta prestação lhe parece ser abrangida pelas prestações previstas no artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004, sendo especificado que não se trata de um adiantamento das pensões de alimentos nem das prestações previstas no Anexo I deste regulamento.

16

Referindo‑se ao acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj (C‑571/10, EU:C:2012:233), o órgão jurisdicional de reenvio considera, em seguida, que nenhuma das limitações ao princípio da igualdade de tratamento previstas no artigo 12.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2011/98 é aplicável no processo principal, uma vez que a República Italiana não pretendeu invocar a faculdade, prevista por esta disposição, de limitar a aplicação deste princípio e que, por outro lado, K. Martinez Silva não se encontra em nenhuma das situações previstas no segundo parágrafo desta disposição, sendo titular de uma autorização única de trabalho com uma duração superior a seis meses. Por conseguinte, considera que a interessada faz parte das pessoas às quais se aplica o princípio da igualdade de tratamento.

17

Nestas condições, a Corte d’appello di Genova (Tribunal de Recurso de Génova) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Uma prestação como a prevista pelo artigo 65.o da Lei n.o 448/1998, denominada [ANF], constitui uma prestação familiar na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento (CE) n.o 883/2004?

2)

Em caso de resposta afirmativa, o princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 12.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/98/UE, opõe‑se a uma legislação como a italiana, nos termos da qual um trabalhador de um país terceiro titular de uma “autorização única de trabalho” (com duração superior a seis meses) não pode beneficiar do [ANF], apesar de residir com três ou mais filhos menores e de auferir rendimentos inferiores ao limite previsto por lei?»

Quanto às questões prejudiciais

18

Com as suas duas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o da Diretiva 2011/98 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual um nacional de um país terceiro, titular de uma autorização única, na aceção do artigo 2.o, alínea c), desta diretiva, não pode beneficiar de uma prestação como o ANF, instituído pela Lei n.o 448/1998.

19

O artigo 12.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/98 prevê que os trabalhadores de países terceiros a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, alíneas b) e c), desta diretiva beneficiam da igualdade de tratamento em relação aos nacionais do Estado‑Membro em que residem no que diz respeito aos ramos da segurança social, definidos no Regulamento n.o 883/2004, pelo que importa examinar em primeiro lugar, como sugere o órgão jurisdicional de reenvio, se uma prestação como o ANF constitui uma prestação de segurança social, abrangida pelas prestações familiares a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, alínea j), deste regulamento, ou se constitui uma prestação de assistência social, excluída do âmbito de aplicação do referido regulamento por força do artigo 3.o, n.o 5, alínea a), do mesmo, como sustenta o Governo italiano.

20

Neste contexto, importa recordar que, como o Tribunal declarou reiteradamente no âmbito do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98), a distinção entre prestações excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 e prestações por ele abrangidas reside essencialmente nos elementos constitutivos de cada prestação, nomeadamente nas suas finalidades e nas suas condições de concessão, e não no facto de uma prestação ser ou não qualificada de prestação de segurança social por uma legislação nacional (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 16 de julho de 1992, Hughes, C‑78/91, EU:C:1992:331, n.o 14; de 20 de janeiro de 2005, Noteboom, C‑101/04, EU:C:2005:51, n.o 24; e de 24 de outubro de 2013, Lachheb, C‑177/12, EU:C:2013:689, n.o 28). Uma prestação pode ser considerada uma prestação de segurança social se for concedida aos beneficiários independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, com base numa situação definida na lei, e se tiver por base um dos riscos expressamente enumerados no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 16 de julho de 1992, Hughes, C‑78/91, EU:C:1992:331, n.o 15; de 15 de março de 2001, Offermanns, C‑85/99, EU:C:2001:166, n.o 28; e de 19 de setembro de 2013, Hliddal e Bornand, C‑216/12 e C‑217/12, EU:C:2013:568, n.o 48).

21

O Tribunal já esclareceu que o modo de financiamento de uma prestação, nomeadamente o facto de a sua concessão não estar sujeita a nenhuma condição de quotização, é irrelevante para a qualificação desta como prestação de segurança social (v., neste sentido, acórdãos de 16 de julho de 1992, Hughes, C‑78/91, EU:C:1992:331, n.o 21; de 15 de março de 2001, Offermanns, C‑85/99, EU:C:2001:166, n.o 46; e de 24 de outubro de 2013, Lachheb, C‑177/12, EU:C:2013:689, n.o 32).

22

Por outro lado, o facto de uma prestação ser concedida ou recusada em função dos rendimentos e do número de filhos não implica que a sua concessão dependa de uma apreciação individual das necessidades pessoais do requerente, característica da assistência social, na medida em que se trata de critérios objetivos e legalmente definidos que, quando estão preenchidos, conferem o direito a esta prestação sem que a autoridade competente possa ter em conta outras circunstâncias pessoais (v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 1992, Hughes, C‑78/91, EU:C:1992:331, n.o 17). Assim, prestações concedidas automaticamente às famílias que preenchem certos critérios objetivos respeitantes, nomeadamente, à sua dimensão, aos seus rendimentos e aos seus recursos de capital, independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, e que visam compensar os encargos familiares, devem ser consideradas prestações de segurança social (acórdão de 14 de junho de 2016, Comissão/Reino Unido, C‑308/14, EU:C:2016:436, n.o 60).

23

Quanto à questão de saber se uma determinada prestação é abrangida pelas prestações familiares a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004, há que salientar que, segundo o artigo 1.o, alínea z), deste regulamento, a expressão «prestação familiar» designa qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no Anexo I deste regulamento. O Tribunal já declarou que a expressão «compensar os encargos familiares» deve ser interpretada no sentido de que tem em vista, nomeadamente, uma contribuição pública para o orçamento familiar, destinada a atenuar os encargos decorrentes do sustento dos filhos (v., neste sentido, acórdão de 19 de setembro de 2013, Hliddal e Bornand, C‑216/12 e C‑217/12, EU:C:2013:568, n.o 55 e jurisprudência referida).

24

No que respeita à prestação em causa no processo principal, decorre dos autos submetidos ao Tribunal que, por um lado, o ANF é pago aos beneficiários que o requerem desde que estejam reunidas as condições ligadas ao número de filhos menores e aos rendimentos previstas no artigo 65.o da Lei n.o 448/1998. Esta prestação é, consequentemente, concedida com base numa situação legalmente definida, independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais do requerente. Por outro lado, o ANF consiste num montante em dinheiro pago anualmente aos referidos beneficiários e destinado a compensar os encargos familiares. Trata‑se, portanto, de uma prestação pecuniária destinada, por meio de uma contribuição pública para o orçamento familiar, a atenuar os encargos decorrentes do sustento dos filhos.

25

Decorre do conjunto das considerações precedentes que uma prestação como o ANF constitui uma prestação de segurança social abrangida pelas prestações familiares a que se refere o artigo 3.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento n.o 883/2004.

26

Por conseguinte, importa examinar, em segundo lugar, se o nacional de um país terceiro, titular de uma autorização única na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2011/98, pode ser excluído do benefício de tal prestação por uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

27

A este respeito, resulta do artigo 12.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2011/98, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da mesma, que devem beneficiar da igualdade de tratamento, prevista na primeira destas disposições, nomeadamente os nacionais de países terceiros que foram admitidos num Estado‑Membro para aí trabalharem em conformidade com o direito da União ou com o direito nacional. Ora, é esse o caso de um nacional de um país terceiro, titular de uma autorização única, na aceção do artigo 2.o, alínea c), desta diretiva, uma vez que, ao abrigo desta norma, essa autorização permite a este nacional residir legalmente no território do Estado‑Membro que a emitiu para aí trabalhar.

28

Contudo, ao abrigo do artigo 12.o, n.o 2, alínea b), primeiro parágrafo, da Diretiva 2011/98, os Estados‑Membros podem limitar os direitos conferidos nos termos do artigo 12.o, n.o 1, alínea e), desta diretiva aos trabalhadores de países terceiros, exceto em relação àqueles que estejam ou tenham estado empregados por um período mínimo de seis meses e que estejam registados como desempregados. Além disso, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, da referida diretiva, os Estados‑Membros podem decidir que o artigo 12.o, n.o 1, alínea e), da mesma, relativo às prestações familiares, não se aplica aos nacionais de países terceiros autorizados a trabalhar num Estado‑Membro por um período não superior a seis meses, aos nacionais de países terceiros admitidos para efeitos de estudos ou aos nacionais de países terceiros autorizados a trabalhar com base num visto.

29

Assim, à semelhança da Diretiva 2003/109, a Diretiva 2011/98 prevê um direito à igualdade de tratamento, que constitui a regra geral, a favor de certos nacionais de países terceiros, e enumera as derrogações que os Estados‑Membros têm a faculdade de estabelecer em relação a este direito. Essas derrogações apenas podem, por conseguinte, ser invocadas se as instâncias competentes no Estado‑Membro em causa relativamente à execução desta diretiva tiverem manifestado claramente que pretendiam invocar as mesmas (v., por analogia, acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj, C‑571/10, EU:C:2012:233, n.os 86 e 87).

30

Ora, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a República Italiana não pretendeu invocar a faculdade de limitar a igualdade de tratamento recorrendo às derrogações previstas no artigo 12.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2011/98, dado que não manifestou de modo algum essa intenção. Por conseguinte, não se pode considerar que as disposições da regulamentação italiana que limitam o benefício do ANF, no que respeita aos nacionais de países terceiros, aos titulares de uma autorização de residência de longa duração e às famílias dos nacionais da União, de resto adotadas antes da transposição da referida diretiva para o direito interno como resulta dos n.os 10 e 11 do presente acórdão, deem execução às limitações ao direito à igualdade de tratamento que os Estados‑Membros têm a faculdade de instaurar ao abrigo da mesma diretiva.

31

Daqui resulta que o nacional de um país terceiro, titular de uma autorização única, na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2011/98, não pode ser excluído do benefício de uma prestação como o ANF por uma regulamentação nacional.

32

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 12.o da Diretiva 2011/98 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual o nacional de um país terceiro, titular de uma autorização única, na aceção do artigo 2.o, alínea c), desta diretiva, não pode beneficiar de uma prestação como o ANF, instituído pela Lei n.o 448/1998.

Quanto às despesas

33

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

O artigo 12.o da Diretiva 2011/98/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa a um procedimento de pedido único de concessão de uma autorização única para os nacionais de países terceiros residirem e trabalharem no território de um Estado‑Membro e a um conjunto comum de direitos para os trabalhadores de países terceiros que residem legalmente num Estado‑Membro, deve ser interpretado no sentido que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual o nacional de um país terceiro, titular de uma autorização única, na aceção do artigo 2.o, alínea c), desta diretiva, não pode beneficiar de uma prestação como o subsídio a favor dos agregados familiares que tenham pelo menos três filhos menores, instituído pela legge n.o 448 — Misure di finanza pubblica per la stabilizzazione e lo sviluppo (Lei n.o 448, relativa às medidas de finanças públicas para a estabilização e o desenvolvimento), de 23 de dezembro de 1998.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.