ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de julho de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Competência judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Propriedade intelectual — Desenhos ou modelos comunitários — Regulamento (CE) n.o 6/2002 — Artigos 81.° e 82.° — Ação de verificação de não contrafação — Competência dos tribunais de desenhos ou modelos comunitários do Estado‑Membro em cujo território o demandado tem o seu domicílio»

No processo C‑433/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por decisão de 5 de abril de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de agosto de 2016, no processo

Bayerische Motoren Werke AG

contra

Acacia Srl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Prechal, A. Rosas, C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Bayerische Motoren Werke AG, por L. Trevisan e G. Cuonzo, avvocati,

em representação da Acacia Srl, por F. Munari, A. Macchi e M. Esposito, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino e M. Santoro, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), assim como do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Bayerische Motoren Werke AG (a seguir «BMW»), estabelecida em Munique (Alemanha), à Acacia Srl, estabelecida em Eboli (Itália), a respeito da determinação da jurisdição competente para conhecer de uma ação intentada pela Acacia contra a BMW.

Quadro jurídico

Regulamento n.o 44/2001

3

O Regulamento n.o 44/2001 substituiu, nas relações entre os Estados‑Membros, a Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186; a seguir «Convenção de Bruxelas»). Foi, ele próprio, substituído pelo Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p 1). Nos termos do artigo 66.o, n.o 1, deste último regulamento, este «aplica‑se apenas às ações judiciais intentadas, aos instrumentos autênticos formalmente redigidos ou registados e às transações judiciais aprovadas ou celebradas em 10 de janeiro de 2015 ou em data posterior».

4

O capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 tinha o título «Competência» e comportava dez secções.

5

A secção 1 deste capítulo intitulava‑se «Disposições gerais» e incluía nomeadamente o artigo 2.o do referido regulamento. Este artigo retomava, em substância, os termos do artigo 2.o da Convenção de Bruxelas e enunciava no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

6

A secção 2 do referido capítulo do Regulamento n.o 44/2001, intitulada «Competências especiais», incluía nomeadamente o artigo 5.o do mesmo. Este artigo retomava em substância os termos do artigo 5.o da Convenção de Bruxelas e dispunha:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

[…]

3)

Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

[…]»

7

A secção 6 do mesmo capítulo do Regulamento n.o 44/2001 tinha o título «Competências exclusivas» e era composta pelo artigo 22.o deste regulamento. Este artigo retomava, em substância, os termos do artigo 16.o da Convenção de Bruxelas e tinha a seguinte redação:

«Têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio:

[…]

4.

Em matéria de inscrição ou de validade de patentes, marcas, desenhos e modelos, e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, os tribunais do Estado‑Membro em cujo território o depósito ou o registo tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de um instrumento comunitário ou de uma convenção internacional.

[…]»

8

A secção 7 do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001, intitulada «Extensão de competência», incluía os artigos 23.° e 24.° deste regulamento.

9

O artigo 23.o, n.o 1, do referido regulamento correspondia, em substância, ao artigo 17.o da Convenção de Bruxelas e dispunha:

«Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado‑Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. […]

[…]»

10

O artigo 24.o do mesmo regulamento retomava, em substância, os termos do artigo 18.o da Convenção de Bruxelas e tinha a seguinte redação:

«Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.o»

11

A secção 9 do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001 tinha o título «Litispendência e conexão» e incluía nomeadamente o artigo 27.o do referido regulamento. Este artigo dispunha:

«1.   Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar.

2.   Quando estiver estabelecida a competência do tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

12

Esta secção 9 incluía também o artigo 28.o do mesmo regulamento, que tinha a seguinte redação:

«1.   Quando ações conexas estiverem pendentes em tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar pode suspender a instância.

2.   Se essas ações estiverem pendentes em primeira instância, o tribunal a que a ação foi submetida em segundo lugar pode igualmente declarar‑se incompetente, a pedido de uma das partes, se o tribunal a que a ação foi submetida em primeiro lugar for competente e a sua lei permitir a apensação das ações em questão.

3.   Para efeitos do presente artigo, consideram‑se conexas as ações ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.»

13

O capítulo VII do Regulamento n.o 44/2001 tinha o título «Relações com os outros instrumentos». Incluía nomeadamente o artigo 67.o deste regulamento, que tinha a seguinte redação:

«O presente regulamento não prejudica a aplicação das disposições que, em matérias específicas, regulam a competência judiciária, o reconhecimento e a execução de decisões, contidas nos atos comunitários ou nas leis nacionais harmonizadas nos termos desses atos.»

Regulamento n.o 6/2002

14

O artigo 19.o do Regulamento n.o 6/2002 figura no título II «Direito relativo aos desenhos e modelos» deste. Este artigo tem o título «Direitos conferidos pelo desenho ou modelo comunitário» e dispõe, no seu n.o 1:

«Um desenho ou modelo comunitário registado confere ao seu titular o direito exclusivo de utilizar o desenho ou modelo e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento. A referida utilização abrange, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, exportação ou utilização de um produto em que esse desenho ou modelo esteja incorporado, ou em que tenha sido aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos efeitos.»

15

O título IX deste regulamento intitula‑se «Competência e procedimento em ações judiciais relativas a desenhos e modelos comunitários». Este título inclui nomeadamente os artigos 79.° a 82.° do referido regulamento.

16

Sob o título «Aplicação da [Convenção de Bruxelas]», o artigo 79.o do mesmo regulamento prevê:

«1.   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a [Convenção de Bruxelas] é aplicável aos processos relativos a desenhos ou modelos comunitários […]

[…]

3.   No que respeita aos processos relativos às ações e pedidos referidos no artigo 81.o:

a)

Não são aplicáveis o artigo 2.o, o artigo 4.o, os pontos 1), 3), 4) e 5) do artigo 5.o, o ponto 4) do artigo 16.o e o artigo 24.o da [Convenção de Bruxelas];

b)

Os artigos 17.° e 18.° da [Convenção de Bruxelas] são aplicáveis dentro dos limites previstos no n.o 4 do artigo 82.o do presente regulamento;

[…]»

17

O artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, intitulado «Tribunais de desenhos e modelos comunitários», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros designarão no seu território um número tão limitado quanto possível de tribunais nacionais de primeira e de segunda instância (tribunais de desenhos e modelos comunitários) para desempenhar as funções que lhes são atribuídas pelo presente regulamento.»

18

Nos termos do artigo 81.o deste regulamento, intitulado «Competência em matéria de contrafação e de validade»:

«Os tribunais de desenhos e modelos comunitários têm competência exclusiva em relação a:

a)

Ações de contrafação e — se a legislação nacional o permitir — ações por ameaça de contrafação de desenhos ou modelos comunitários;

b)

Ações de verificação de não contrafação de desenhos ou modelos comunitários, se a legislação nacional as permitir;

c)

Ações de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários não registados;

d)

Pedidos reconvencionais de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários apresentados em ligação com as ações referidas na alínea a).»

19

O artigo 82.o do referido regulamento, intitulado «Competência internacional», prevê:

«1.   Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, bem como das disposições da [Convenção de Bruxelas] aplicáveis por força do disposto no artigo 79.o, os processos resultantes de ações e pedidos referidos no artigo 81.o serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em que o requerido tenha o seu domicílio ou, se este não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, de qualquer Estado‑Membro em que tenha um estabelecimento.

2.   Se o requerido não tiver domicílio nem estabelecimento no território de um Estado‑Membro, esses processos serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o requerente tenha o seu domicílio ou, se este último não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, de qualquer Estado‑Membro em que tenha um estabelecimento.

3.   Se nem o requerido nem o requerente estiverem assim domiciliados ou tiverem tal estabelecimento, esses processos serão intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se situa a sede do Instituto [da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO)].

4.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 1, 2 e 3:

a)

É aplicável o disposto no artigo 17.o da [Convenção de Bruxelas] se as partes acordarem em designar como competente um outro tribunal de desenhos e modelos comunitários;

b)

É aplicável o disposto no artigo 18.o da [Convenção de Bruxelas] se o requerido comparecer perante um outro tribunal de desenhos e modelos comunitários.

5.   Os processos resultantes das ações e pedidos referidos nas alíneas a) e d) do artigo 81.o podem igualmente ser intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território a contrafação tenha sido cometida ou exista a ameaça de o ser.»

20

O artigo 110.o, n.o 1, do mesmo regulamento, que figura no título XII «Disposições finais» do mesmo, tem o título «Disposição transitória» e enuncia:

«Até à data de entrada em vigor das alterações ao presente regulamento com base numa proposta da Comissão sobre esta matéria, não existe proteção a título de desenho ou modelo comunitário para os desenhos ou modelos que constituam componentes de produtos complexos e que sejam utilizados, na aceção do n.o 1 do artigo 19.o, para possibilitar a reparação desses produtos complexos no sentido de lhes restituir a sua aparência original.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21

A Acacia fabrica e comercializa jantes de liga leve para rodas dos veículos automóveis. Conforme decorre dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, estas jantes são réplicas de jantes de liga leve fabricadas pelos fabricantes de veículos automóveis e são comercializadas sob a marca WSP Italy, sendo que a sigla WSP significa «Wheels Spare Parts» (a seguir «jantes réplicas»).

22

Na medida em que as jantes fabricadas pelos fabricantes de veículos automóveis são registadas como desenhos ou modelos comunitários, a Acacia considera que as suas jantes réplicas estão abrangidas pela «cláusula de reparação», prevista no artigo 110.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002.

23

Por petição inicial pretensamente notificada em 21 de janeiro de 2013, a Acacia intentou contra a BMW no Tribunale di Napoli (Tribunal de Nápoles, Itália) uma ação para que este proferisse uma sentença declaratória de não contrafação dos desenhos ou modelos comunitários registados de que a BMW é titular para jantes de liga leve para rodas de veículos automóveis, assim como que fossem constatados atos de abuso de posição dominante e de concorrência desleal por parte da BMW. A Acacia requereu também que fosse ordenado à BMW que cessasse qualquer atividade que constituísse um obstáculo à comercialização das jantes réplicas.

24

A BMW interveio no processo através da apresentação de uma contestação no referido órgão jurisdicional. Nesse articulado, invocou, a título preliminar, exceções relativas à inexistência ou à nulidade da notificação da petição inicial e da procuração do mandatário da Acacia. A título subsidiário, mas sempre a título preliminar, a BMW invocou também a incompetência dos órgãos jurisdicionais italianos. A título ainda mais subsidiário, no caso de indeferimento destas exceções, pediu que os pedidos da Acacia fossem julgados improcedentes quanto aos factos e ao direito.

25

Nesta contestação, a BMW expôs nomeadamente o seguinte:

«A BMW […], como mera consequência processual da receção material de um ato que beneficia de valor judiciário, para não correr o risco de ser injustamente considerada faltosa, apresenta o presente ato com a única finalidade de afirmar, por um lado, a inexistência da notificação efetuada pela [Acacia] e, por outro, no caso altamente improvável de o tribunal vir a julgar que a ação foi validamente intentada, a falta de competência do órgão jurisdicional italiano a favor do órgão jurisdicional alemão no que diz respeito à ação instaurada pela Acacia.»

26

Durante uma audiência que teve lugar em 27 de maio de 2014, o Tribunale di Napoli (Tribunal de Nápoles) fixou prazos para a apresentação de articulados complementares sobre as questões processuais.

27

Em 3 de outubro de 2014, a BMW apresentou no órgão jurisdicional de reenvio, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), um pedido de resolução prévia da questão, ainda pendente no Tribunale di Napoli (Tribunal de Nápoles), da competência judiciária. Reiterou a sua posição segundo a qual os órgãos jurisdicionais italianos são incompetentes para conhecer da ação intentada pela Acacia. Esta última considera, por sua vez, que a competência dos órgãos jurisdicionais italianos foi tacitamente aceite pela BMW, na medida em que esta, depois de ter invocado a exceção relativa à inexistência ou à nulidade da notificação da petição inicial e da procuração do mandatário da Acacia no Tribunale di Napoli (Tribunal de Nápoles), só invocou a exceção da incompetência dos órgãos jurisdicionais italianos a título subsidiário.

28

Em 4 de março de 2015, o procurador‑geral do órgão jurisdicional de reenvio apresentou as suas conclusões, nas quais propôs a este que declarasse a incompetência dos órgãos jurisdicionais italianos.

29

Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Nos termos do artigo 24.o do Regulamento [n.o 44/2001], pode‑se interpretar ou não como aceitação da competência judiciária a apresentação da exceção da falta de competência do órgão jurisdicional nacional chamado a decidir, formulada com caráter prejudicial[,] mas subordinada a outras exceções prejudiciais processuais, e antes em todo o caso das questões sobre o mérito?

2)

A falta de previsão no artigo 82.o, n.o 4, do Regulamento [n.o 6/2002] de foros alternativos para os litígios em matéria de declaração negativa em relação ao requerido, a que se refere o artigo 82.o, n.o 1, do mesmo regulamento, deve ser interpretada no sentido de que isso implica a atribuição de uma competência exclusiva quanto a esses litígios?

3)

Para responder à [segunda questão], é necessário, além disso, estabelecer‑se a correlação com a interpretação das normas em matéria de competência exclusiva do Regulamento [n.o 44/2001], em particular, com a do artigo 22.o, que estabelece os casos dessa competência entre os quais se inclui a competência em matéria de inscrição e nulidade de patentes, marcas e desenhos[,] mas não a relativa aos litígios em matéria de declaração negativa, bem como o seu artigo 24.o que prevê a possibilidade de, para além dos casos em que a competência do tribunal resulta de outras disposições do regulamento, o requerido aceite um foro diferente, com a consequente atribuição da competência do tribunal em que o demandante intentou a ação?

4)

A orientação expressa no acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 2012, [Folien Fischer e Fofitec (C‑133/11, EU:C:2012:664)], em matéria de aplicabilidade do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento [n.o 44/2001,] reveste um caráter geral e absoluto aplicável a todas as ações de declaração negativa de responsabilidade extracontratual incluindo a [ação de verificação de não contrafação] de desenhos comunitários e, por conseguinte, no caso em apreço é competente o foro a que se refere o artigo 81.o do Regulamento [n.o 6/2002] ou o previsto no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento [n.o 44/2001] ou o autor pode optar por um ou outro dos tribunais possíveis?

5)

No caso em que são formulados pedidos de abuso de posição dominante e de concorrência desleal no âmbito de um litígio em matéria de desenhos comunitários com os quais estão conexos, na medida em que a sua procedência pressupõe a procedência prévia da ação de declaração negativa, os mesmos podem ser ou não tratados conjuntamente com esta última perante o mesmo tribunal em conformidade com uma interpretação extensiva do artigo 28.o, n.o 3, do Regulamento [n.o 44/2001]?

6)

As duas ações evocadas [na questão anterior] constituem matéria extracontratual e, em caso de resposta afirmativa, as mesmas podem ter incidência na aplicação ao caso em apreço do Regulamento [n.o 44/2001] (artigo 5.o, n.o 3) ou do Regulamento [n.o 6/2002] no que respeita à competência judiciária?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que uma exceção relativa à incompetência do tribunal chamado a decidir, invocada no primeiro ato de defesa a título subsidiário em relação às outras exceções processuais invocadas no mesmo ato, constitui um reconhecimento da competência do tribunal chamado a decidir, resultando assim numa extensão da competência nos termos deste artigo.

31

A este respeito, importa recordar, por um lado, que o artigo 24.o, primeiro período, do Regulamento n.o 44/2001 estabelece uma regra de competência assente na comparência do demandado, aplicável a todos os litígios em que a competência do tribunal onde foi intentada a ação não decorra de outras disposições deste regulamento. Esta disposição é aplicável também nos casos em que a ação foi intentada em violação das disposições do referido regulamento e implica que a comparência do demandado possa ser considerada uma aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a ação e, portanto, uma extensão da sua competência (acórdãos de 20 de maio de 2010, ČPP Vienna Insurance Group, C‑111/09, EU:C:2010:290, n.o 21, e de 27 de fevereiro de 2014, Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.o 34).

32

Por outro lado, o artigo 24.o, segundo período, deste regulamento prevê exceções à regra enunciada no primeiro período deste artigo. Este segundo período estabelece nomeadamente que não há uma extensão tácita da competência do tribunal onde foi intentada a ação se o demandado deduzir uma exceção de incompetência, expressando assim a sua vontade de não aceitar a competência desse tribunal (acórdãos de 20 de maio de 2010, ČPP Vienna Insurance Group, C‑111/09, EU:C:2010:290, n.o 22, e de 27 de fevereiro de 2014, Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.o 35).

33

Referindo‑se à sua jurisprudência relativa ao artigo 18.o da Convenção de Bruxelas, disposição que em substância é idêntica ao artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001, o Tribunal de Justiça já declarou que a contestação da competência do tribunal chamado a decidir impede a extensão quando o demandante e o tribunal chamado a decidir puderem compreender, logo a partir da primeira defesa do demandado, que esta defesa visa contestar esta competência. Sucede o mesmo nos casos em que o primeiro ato de defesa inclui, para além da contestação da competência do tribunal chamado a decidir, pedidos sobre o mérito da causa (acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Cartier parfums‑lunettes e Axa Corporate Solutions assurances, C‑1/13, EU:C:2014:109, n.o 37 e jurisprudência referida).

34

Daqui resulta que o facto de o demandado contestar sem ambiguidade, no seu primeiro ato de defesa, a competência do tribunal chamado a decidir impede a extensão de competência referida no artigo 24.o, primeiro período, do Regulamento n.o 44/2001, sem que seja relevante se esta contestação é ou não o objeto único deste primeiro ato de defesa.

35

No caso em apreço, a circunstância de a BMW, no seu primeiro ato de defesa no Tribunale di Napoli (Tribunal de Nápoles), ter contestado não apenas a competência deste tribunal mas também a regularidade da notificação da petição inicial e da procuração do mandatário da Acacia em nada altera o facto, aliás não contestado, de que a BMW contestou expressamente e sem a menor ambiguidade a competência do referido tribunal neste ato de defesa. Como foi recordado nos n.os 32 e 33 do presente acórdão, o artigo 24.o, segundo período, do Regulamento n.o 44/2001 tem por finalidade impedir a extensão de competência quando o requerido exprime, logo a partir do seu primeiro ato de defesa, a sua intenção de não aceitar a competência do tribunal chamado a decidir. Esta disposição não pode assim ser interpretada no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, na qual uma exceção relativa à incompetência do tribunal chamado a decidir foi claramente invocada in limine litis, esta contestação expressa da competência deve ser considerada, como alega a Acacia, como sendo uma aceitação tácita desta competência por a referida exceção só ter sido invocada a título subsidiário em relação às outras exceções processuais invocadas in limine litis.

36

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que uma exceção relativa à incompetência do tribunal chamado a decidir, invocada no primeiro ato de defesa a título subsidiário em relação às outras exceções processuais invocadas no mesmo ato, não pode ser considerada uma aceitação da competência do tribunal chamado a decidir e não conduz, por conseguinte, a uma extensão de competência nos termos deste artigo.

Quanto à segunda e terceira questões

37

Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 82.o do Regulamento n.o 6/2002 deve ser interpretado no sentido de que as ações de verificação de não contrafação referidas no artigo 81.o, alínea b), deste regulamento, quando o demandado tenha o seu domicílio num Estado‑Membro da União Europeia, só podem ser intentadas nos tribunais de desenhos ou modelos comunitários desse Estado‑Membro.

38

A este respeito, há que começar por salientar que, não obstante o princípio da aplicação do Regulamento n.o 44/2001 às ações judiciais relativas a um desenho ou modelo comunitário, a aplicação de determinadas disposições desse regulamento aos processos resultantes das ações e dos pedidos referidos no artigo 81.o do Regulamento n.o 6/2002 está excluída por força do artigo 79.o, n.o 3, deste último regulamento.

39

Tendo em conta esta exclusão, a competência dos tribunais de desenhos ou modelos comunitários previstos no artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 para conhecer das ações e dos pedidos referidos no seu artigo 81.o resulta das regras previstas diretamente neste mesmo regulamento, as quais têm o caráter de uma lex specialis relativamente às regras enunciadas pelo Regulamento n.o 44/2001 (v., por analogia, acórdãos de 5 de junho de 2014, Coty Germany, C‑360/12, EU:C:2014:1318, n.o 27, e de 18 de maio de 2017, Hummel Holding, C‑617/15, EU:C:2017:390, n.o 26).

40

Decorre, em seguida, da própria redação do artigo 82.o do Regulamento n.o 6/2002 que as ações de verificação de não contrafação referidas no artigo 81.o, alínea b), deste regulamento devem, quando o demandado tenha domicílio num Estado‑Membro da União Europeia, ser intentadas nos tribunais de desenhos ou modelos comunitários deste Estado‑Membro, a menos que haja extensão de competência na aceção do artigo 23.o ou do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001, tendo estas últimas disposições substituído os artigos 17.° e 18.° da Convenção de Bruxelas.

41

Por último, sob reserva dos casos de litispendência e de conexão, nenhuma regra de competência judiciária contida numa disposição do Regulamento n.o 6/2002 para além do artigo 82.o deste ou numa disposição do Regulamento n.o 44/2001 para além dos artigos 23.° e 24.° deste último é suscetível de se aplicar às ações de verificação de não contrafação referidas no artigo 81.o, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002. No que diz respeito, em particular, ao artigo 22.o, n.o 4, do Regulamento n.o 44/2001, sobre cuja pertinência o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, há que salientar que a aplicação desta disposição, que substituiu o artigo 16.o, n.o 4, da Convenção de Bruxelas, aos processos resultantes das ações e dos pedidos referidos no artigo 81.o do Regulamento n.o 6/2002, está excluída nos termos do artigo 79.o, n.o 3, alínea a), deste regulamento.

42

Por conseguinte, há que responder às segunda e terceira questões que o artigo 82.o do Regulamento n.o 6/2002 deve ser interpretado no sentido de que as ações de verificação de não contrafação referidas no artigo 81.o, alínea b), deste regulamento devem, quando o demandado tenha domicílio num Estado‑Membro da União Europeia, ser intentadas nos tribunais de desenhos ou modelos comunitários desse Estado‑Membro, exceto se tiver havido extensão de competência na aceção do artigo 23.o ou do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001, e sob reserva dos casos de litispendência e de conexão visados nos referidos regulamentos.

Quanto à quarta questão

43

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura, em substância, saber se a regra de competência enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 é suscetível de se aplicar às ações de verificação de não contrafação referidas no artigo 81.o, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002.

44

A este respeito, basta salientar que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 substituiu o artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Bruxelas e que a aplicação desta disposição aos procedimentos resultantes das ações e dos pedidos referidos no artigo 81.o do Regulamento n.o 6/2002 está excluída pelo artigo 79.o, n.o 3, alínea a), deste regulamento.

45

O acórdão de 25 de outubro de 2012, Folien Fischer e Fofitec (C‑133/11, EU:C:2012:664), ao qual o órgão jurisdicional de reenvio se refere, foi proferido num processo que não tinha por objeto desenhos nem modelos comunitários. Esta jurisprudência não contradiz, por conseguinte, de forma nenhuma a regra de exclusão contida no referido artigo 79.o, n.o 3, alínea a).

46

Por conseguinte, há que responder à quarta questão que a regra de competência enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 não se aplica às ações de verificação de não contrafação referidas no artigo 81.o, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002.

Quanto à quinta e sexta questões

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Com a quinta e sexta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os pedidos de constatação de abuso de posição dominante e de concorrência desleal conexos a uma ação de verificação de não contrafação de um desenho ou modelo comunitário, na medida em que a procedência destes pedidos pressupõe a procedência desta ação de verificação de não contrafação, são abrangidos pela regra de competência enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 ou pelo regime de competência enunciado no Regulamento n.o 6/2002. No caso de se admitir que a regra de competência enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 é aplicável a tais pedidos de constatação de abuso de posição dominante e de concorrência desleal, o referido órgão jurisdicional interroga‑se, além disso, sobre a possibilidade de se fazer uma interpretação «extensiva» das regras em matéria de conexão enunciadas no artigo 28.o do Regulamento n.o 44/2001, segundo a qual o requerente pode submeter ao tribunal internacional que eventualmente seja competente para conhecer dos referidos pedidos ao abrigo do artigo 5.o, n.o 3, não apenas estes pedidos mas também a ação de verificação de não contrafação do desenho ou modelo comunitário.

48

No que diz respeito à possibilidade de aplicar a regra de competência enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 num processo como o que está em causa no processo principal, decorre das questões prejudiciais assim como das explicações que constam da decisão de reenvio que este processo é caracterizado pela circunstância de que apenas uma decisão prévia quanto ao mérito da ação de verificação de não contrafação referida no artigo 81.o, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002 permitirá determinar se os pedidos de constatação de abuso de posição dominante e de concorrência desleal podem, se for caso disso, ser aceites.

49

A este respeito, há que considerar que, quando os pedidos de constatação de abuso de posição dominante e de concorrência desleal são apresentados na esteira de uma ação de verificação de não contrafação de um desenho ou modelo comunitário e acusam essencialmente o titular deste desenho ou modelo de se opôr ao fabrico, pelo demandante na ação de verificação de não contrafação, de réplicas do referido desenho ou modelo, a determinação da jurisdição competente deve assentar, para todo o litígio, no regime de competência estabelecido pelo Regulamento n.o 6/2002, como interpretado em resposta à primeira a quarta questões prejudiciais.

50

Com efeito, nessa situação, esses pedidos baseiam‑se em substância na argumentação, aduzida no âmbito da ação de verificação de não contrafação, segundo a qual o fabrico das réplicas não constitui uma contrafação, pelo que o titular do desenho ou modelo comunitário deve aceitar a concorrência proveniente dessas réplicas. Determinar, nestas condições, o tribunal competente com base na regra enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 prejudicaria o efeito útil do artigo 79.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002, que visa precisamente afastar esta regra no que diz respeito, nomeadamente, aos litígios que opõem os fabricantes de réplicas aos titulares de desenhos ou modelos comunitários e que têm por objeto a questão de saber se o titular do desenho ou modelo comunitário em causa está habilitado a proibir o fabrico das réplicas em causa.

51

Atendendo às considerações precedentes, não há que analisar as presentes questões na medida em que dizem respeito à interpretação do artigo 28.o do Regulamento n.o 44/2001.

52

Por conseguinte, há que responder à quinta e sexta questões que a regra de competência enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 não se aplica a pedidos de constatação de abuso de posição dominante e de concorrência desleal que sejam conexos a uma ação de verificação de não contrafação de um desenho ou modelo comunitário na medida em que a procedência desses pedidos pressupõe que se julgue procedente esta ação de verificação de não contrafação.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 24.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma exceção relativa à incompetência do tribunal chamado a decidir, invocada no primeiro ato de defesa a título subsidiário em relação às outras exceções processuais invocadas no mesmo ato, não pode ser considerada uma aceitação da competência do tribunal chamado a decidir e não conduz, por conseguinte, a uma extensão de competência nos termos deste artigo.

 

2)

O artigo 82.o do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários, deve ser interpretado no sentido de que as ações de verificação de não contrafação referidas no artigo 81.o, alínea b), deste regulamento devem, quando o demandado tenha domicílio num Estado‑Membro da União Europeia, ser intentadas nos tribunais de desenhos ou modelos comunitários desse Estado‑Membro, exceto se tiver havido extensão de competência na aceção do artigo 23.o ou do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001, e sob reserva dos casos de litispendência e de conexão visados nos referidos regulamentos.

 

3)

A regra de competência enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 não se aplica às ações de verificação de não contrafação referidas no artigo 81.o, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002.

 

4)

A regra de competência enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 não se aplica a pedidos de constatação de abuso de posição dominante e de concorrência desleal que sejam conexos a uma ação de verificação de não contrafação de um desenho ou modelo comunitário na medida em que a procedência desses pedidos pressupõe que se julgue procedente esta ação de verificação de não contrafação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.