ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

28 de julho de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 26.o, n.o 1 — Mandado de detenção europeu — Efeitos da entrega — Dedução do período de detenção cumprido no Estado‑Membro de execução — Conceito de ‘detenção’ — Medidas restritivas diferentes da prisão — Obrigação de permanência na habitação acompanhada da utilização de uma pulseira eletrónica — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 6.° e 49.°»

No processo C‑294/16 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Łodzi —Śródmieścia w Łodzi (Tribunal de Primeira Instância de Łódź — Cidade de Łódź, Polónia), por decisão de 24 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de maio de 2016, no processo

JZ

contra

Prokuratura Rejonowa Łódź — Śródmieście,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Lycourgos (relator), E. Juhász, C. Vajda, e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de julho de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e J. Sawicka, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por C. R. Brodie, na qualidade de agente, assistida por D. Blundell, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por M. Owsiany‑Hornung e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de julho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002 L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009 L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe JZ ao Prokuratura Rejonowa Łódź — Śródmieście (Ministério Público da comarca de Łódź, Polónia), a respeito do pedido do interessado de que seja deduzido, da duração total da pena privativa de liberdade a que foi condenado na Polónia, o período durante o qual o Estado‑Membro de execução do mandado de detenção europeu, a saber, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, lhe aplicou uma vigilância eletrónica do local de residência, acompanhada de uma obrigação de permanência na habitação.

Quadro jurídico

CEDH

3

O artigo 5.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), sob a epígrafe «Direito à liberdade e à segurança», estipula, no seu n.o 1, que «[t]oda a pessoa tem direito à liberdade e segurança».

Carta

4

Nos termos do artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), sob a epígrafe «Direito à liberdade e à segurança», «[t]oda a pessoa tem direito à liberdade e segurança».

5

O artigo 49.o da Carta, sob a epígrafe «Princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas», dispõe, no seu n.o 3, que «[a]s penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração».

6

O artigo 52.o da Carta, sob a epígrafe «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», enuncia, nos seus n.os 3 e 7:

«3.   Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

[...]

7.   Os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros têm em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da presente Carta.»

Decisão‑Quadro 2002/584

7

O considerando 12 da Decisão‑Quadro 2002/584 enuncia que esta respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o UE e consignados na Carta, nomeadamente o seu capítulo VI.

8

Nos termos do artigo 1.o, n.o 3, desta decisão‑quadro:

«A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [UE].»

9

O artigo 12.o da referida decisão‑quadro, sob a epígrafe «Manutenção da pessoa em detenção», prevê:

«Quando uma pessoa for detida com base num mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária de execução decide se deve mantê‑la em detenção em conformidade com o direito do Estado‑Membro de execução. A libertação provisória é possível a qualquer momento de acordo com o direito nacional do Estado‑Membro de execução, na condição de a autoridade competente deste Estado‑Membro tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada.»

10

O artigo 26.o da Decisão‑Quadro 2002/584, com a epígrafe «Dedução do período de detenção cumprido no Estado‑Membro de execução», que figura no capítulo 3 da referida decisão, intitulado «Efeitos da entrega», dispõe:

«1.   O Estado‑Membro de emissão deduz a totalidade dos períodos de detenção resultantes da execução de um mandado de detenção europeu do período total de privação da liberdade a cumprir no Estado‑Membro de emissão, na sequência de uma condenação a uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.   Para o efeito, no momento da entrega, são transmitidas à autoridade judiciária de emissão, pela autoridade judiciária de execução, ou pela autoridade central designada em conformidade com o artigo 7.o, todas as informações relativas ao período de detenção da pessoa procurada ao abrigo da execução do mandado de detenção europeu.»

Direito polaco

11

O artigo 63.o, n.o 1, do kodeks karny (Código Penal), de 6 de junho de 1997 (Dz. U. n.o 88, posição 553), prevê que os períodos de privação de liberdade são deduzidos da pena decretada, com arredondamento ao dia completo, entendendo‑se que um dia de privação real de liberdade corresponde a um dia de pena privativa de liberdade, a dois dias de pena restritiva de liberdade ou a dois dias de multa. Um dia, na aceção deste artigo 63.o, n.o 1, corresponde a um período de 24 horas contado a partir da privação efetiva de liberdade.

12

Nos termos do artigo 607f do kodeks postępowania karnego (Código de Processo Penal), de 6 de junho de 1997 (Dz. U. n.o 89, posição 555, a seguir «Código de Processo Penal»), que transpõe para a ordem jurídica polaca o artigo 26.o da Decisão‑Quadro 2002/2584, os períodos de privação efetiva de liberdade cumpridos no Estado‑Membro de execução do mandado de detenção com vista à entrega são deduzidos da pena decretada ou executada.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

13

Por decisão de 27 de março de 2007, o Sąd Rejonowy dla Łodzi —Śródmieścia w Łodzi (Tribunal de Primeira Instância de Łódź — Cidade de Łódź, Polónia) condenou JZ a uma pena privativa de liberdade de três anos e dois meses.

14

Tendo‑se JZ subtraído à justiça polaca, foi emitido um mandado de detenção europeu em seu nome. Em 18 de junho de 2014, JZ foi detido pelas autoridades do Reino Unido, em execução deste mandado de detenção europeu, tendo ficado detido até 19 de junho de 2014. Por decisão de 25 de junho de 2015, o referido órgão jurisdicional imputou este período na pena privativa de liberdade que JZ devia cumprir na Polónia.

15

Entre 19 de junho de 2014 e 14 de maio de 2015, JZ, libertado por ter prestado caução no montante de 2000 libras esterlinas (GBP), foi sujeito à obrigação de permanência na habitação por si indicada, entre as 22 horas e as 7 horas da manhã do dia seguinte, sendo esta obrigação acompanhada de uma vigilância eletrónica. Além disso, foi imposta a JZ a obrigação de se apresentar num posto de polícia, no início diariamente, em seguida, depois de decorridos três meses, três vezes por semana, entre as 10 horas e o meio‑dia, a proibição de solicitar a emissão de documentos que lhe permitissem viajar para o estrangeiro e a obrigação de ter constantemente um telemóvel em funcionamento e com a bateria carregada. Estas medidas foram aplicadas até 14 de maio de 2015, data em que o interessado foi entregue às autoridades polacas.

16

Perante o órgão jurisdicional de reenvio, JZ pede que o período durante o qual esteve sujeito à obrigação de permanência na habitação no Reino Unido e sujeito a vigilância eletrónica seja imputado na pena privativa de liberdade a que foi condenado. Alega nomeadamente que, ao abrigo do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, a decisão relativa à imputação da medida de segurança na pena decretada deve ser tomada ao abrigo das disposições em vigor no Reino Unido, nos termos das quais uma medida de segurança que consiste em submeter a pessoa em causa a uma vigilância eletrónica com uma duração igual ou superior a oito horas por dia deve, em sua opinião, ser considerada uma pena privativa de liberdade.

17

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, no direito britânico, só é possível deduzir da pena decretada os períodos de obrigação de permanência cumpridos na habitação conjugados com uma vigilância eletrónica se os períodos de obrigação de permanência na habitação tiverem sido de, pelo menos, nove horas por dia, sendo que, geralmente, a imputação diz respeito a metade do período de aplicação da medida, arredondado ao dia completo.

18

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a obrigação imposta a JZ de permanecer no seu domicílio durante a noite fez com que este perdesse o emprego, na medida em que este último tinha caráter temporário e que a entidade patronal do interessado não estava obrigada a adaptar as horas de trabalho em função das disponibilidades deste. Além disso, durante os três primeiros meses do período de obrigação de permanência na habitação, JZ tinha a obrigação de se apresentar diariamente entre as 10 horas e o meio‑dia num posto de polícia a cerca de 16 km do seu local de residência. Só depois de decorridos estes três meses é que a frequência das visitas foi reduzida para três por semana e que JZ teve a possibilidade de se apresentar num posto de polícia mais perto do seu local de residência. Durante este período, o interessado não teve a possibilidade de encontrar um trabalho compatível com as suas disponibilidades em matéria de horários. Ficou assim no seu domicílio, na companhia dos filhos, e só a sua mulher trabalhava.

19

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a interpretação do conceito de «detenção», que figura no artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, é essencial para interpretar e aplicar corretamente as disposições nacionais que permitem reduzir a duração das penas privativas de liberdade, entre as quais figura o artigo 607f do Código de Processo Penal, que foi introduzido na legislação polaca para efeitos da transposição da Decisão‑Quadro 2002/584.

20

A este respeito, aquele órgão jurisdicional salienta que a interpretação do conceito «privação efetiva de liberdade», que figura no artigo 607f do Código de Processo Penal, está na origem de divergências na jurisprudência e na doutrina.

21

O órgão jurisdicional de reenvio considera que, atendendo ao considerando 12 da Decisão‑Quadro 2002/584 e ao artigo 6.o TUE, a interpretação do artigo 26.o, n.o 1, desta decisão‑quadro deve tomar em consideração o artigo 5.o da CEDH, bem como a interpretação que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem fez deste artigo.

22

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, daí resulta que o juiz nacional deve ter a possibilidade de apreciar se, no processo que lhe foi submetido, todas as medidas aplicadas à pessoa condenada e a duração destas permitem considerar que estas medidas são constitutivas de uma privação de liberdade bem como a possibilidade, ao abrigo de todas as normas jurídicas em causa e depois de aplicado o princípio da interpretação conforme, de deduzir eventualmente da duração da pena privativa de liberdade decretada o período durante o qual as referidas medidas foram aplicadas.

23

Além disso, optar por uma interpretação estreita do conceito de «detenção», limitando a aplicação do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 às formas clássicas de privação de liberdade, como a prisão ou a detenção provisória, poderia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, conduzir a uma violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 49.o, n.o 3, da Carta.

24

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o processo principal se caracteriza por uma acumulação de diferentes medidas de segurança que, consideradas no seu conjunto, podem ser analisadas como consubstanciando uma privação de liberdade. A aplicação destas medidas durante vários meses pode, em definitivo, ser considerada uma pena suplementar cumprida devido à mesma infração relativamente à qual já foi aplicada à pessoa condenada uma pena privativa de liberdade de longa duração. A este respeito, aquele órgão jurisdicional salienta que, durante o período de permanência na habitação, JZ não teve condições para procurar um emprego remunerado compatível com as limitações em matéria de horários que lhe foram impostas e que coube à sua mulher suportar todos os encargos da família.

25

Nestas condições, o Sąd Rejonowy dla Łodzi‑ — Śródmieścia w Łodzi (Tribunal de comarca de Łódź — Cidade de Łódź) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro [2002/584], conjugado com o artigo 6.o, n.os 1 e 3, [TUE], e com o artigo 49.o, n.o 3, da [Carta] ser interpretado no sentido de que o termo ‘detenção’ também abrange medidas aplicadas pelo Estado[‑Membro] de execução, associadas a uma [obrigação de permanência na habitação], que consistem na vigilância eletrónica do local de residência da pessoa objeto do mandado de detenção?»

Quanto à tramitação processual urgente

26

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

27

Em apoio deste pedido, aquele órgão jurisdicional salienta que JZ se encontra detido, terminando em 9 de março de 2017 a pena privativa de liberdade que lhe foi aplicada. Além disso, aquele órgão jurisdicional considera que, se houvesse que imputar nesta pena privativa de liberdade todo o período de permanência na habitação acompanhada de vigilância eletrónica, a saber, entre 19 de junho de 2014 e 14 de maio de 2015, o interessado teria de ser imediatamente libertado do centro de detenção. Por conseguinte, o referido órgão jurisdicional considera que a data da eventual libertação de JZ depende diretamente da data em que o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre o reenvio prejudicial que lhe é submetido.

28

A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que o presente reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584, que faz parte das disposições que figuram no título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. É assim possível submeter o presente processo a tramitação prejudicial urgente.

29

Em segundo lugar, no que respeita ao critério relativo à urgência, importa, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ter em consideração a circunstância de que a pessoa em causa no processo principal está atualmente privada de liberdade e de que a sua manutenção em detenção depende da decisão do litígio no processo principal (v., neste sentido, acórdão de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 22 e jurisprudência referida). No presente caso, resulta dos elementos transmitidos pelo órgão jurisdicional de reenvio e recordados no n.o 27 do presente acórdão que JZ está atualmente privado de liberdade e que a sua manutenção em detenção depende da decisão do Tribunal de Justiça, na medida em que uma resposta afirmativa deste à questão submetida pode ter por consequência a sua libertação imediata.

30

Nestas condições, a Quarta Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 6 de junho de 2016, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

Quanto à questão prejudicial

31

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que medidas como uma obrigação de permanência na habitação por um período de nove horas durante a noite, acompanhada de uma vigilância da pessoa em causa através de uma pulseira eletrónica, de uma obrigação de apresentação diária ou várias vezes por semana num posto de polícia a horas fixas, bem como de uma proibição de solicitar a emissão de documentos que permitam viajar para o estrangeiro, podem ser qualificadas de «detenção», na aceção deste artigo 26.o, n.o 1.

32

A título preliminar, há que recordar que o caráter vinculativo da Decisão‑Quadro 2002/584 impõe à autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão do mandado de detenção europeu uma obrigação de interpretação conforme do direito nacional. Assim, esta autoridade deve interpretar o seu direito nacional, tanto quanto possível, à luz do texto e da finalidade desta decisão‑quadro, a fim de alcançar o resultado por ela prosseguido (v., neste sentido, acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge, C‑42/11, EU:C:2012:517, n.os 53 e 54 e jurisprudência referida).

33

É certo que esta obrigação de interpretação conforme é limitada pelos princípios gerais do direito e não pode servir de fundamento para uma interpretação contra legem do direito nacional. Todavia, há que recordar que o princípio da interpretação conforme exige que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da decisão‑quadro em questão e de alcançar uma solução conforme com o objetivo por ela prosseguido (v., neste sentido, acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge, C‑42/11, EU:C:2012:517, n.os 55 e 56 e jurisprudência referida).

34

Nos termos do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, o Estado‑Membro de emissão deduz a totalidade dos períodos de detenção resultantes da execução de um mandado de detenção europeu do período total de privação de liberdade a cumprir no Estado‑Membro de emissão, na sequência de uma condenação numa pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

35

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre tanto das exigências da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não contenha uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros a fim determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme (v., neste sentido, acórdãos de 17 de julho de 2008, Kozłowski, C‑66/08, EU:C:2008:437, n.o 42, e de 24 de maio de 2016, Dworzecki, C‑108/16 PPU, EU:C:2016:346, n.o 28).

36

Ora, a referida disposição não contém nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros a fim determinar o seu sentido e o seu alcance.

37

Por conseguinte, há que considerar que o conceito de «detenção», que figura no artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, é um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado de maneira autónoma e uniforme no território desta última, tendo simultaneamente em conta os termos desta disposição, o seu contexto e os objetivos da regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, acórdão de 29 de outubro de 2015, Saudaçor, C‑174/14, EU:C:2015:733, n.o 52).

38

No que respeita, em primeiro lugar, ao teor do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, há que recordar que a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. As disposições do direito da União devem, com efeito, ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União Europeia (v., neste sentido, acórdão de 29 de abril de 2015, Léger, C‑528/13, EU:C:2015:288, n.o 35).

39

A este respeito, há que salientar que existem divergências entre diferentes versões linguísticas do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584. Com efeito, a título de exemplos, enquanto as versões em língua alemã, grega e francesa utilizam os termos «Freiheitsentzugs», «στέρηση της ελευθερίας» e «privation de liberté» para se referirem ao tratamento a que o interessado deve ser sujeito no Estado‑Membro de emissão e «Haft», «κράτηση» e «détention» quando se referem ao período que deve ser deduzido da condenação decretada, as versões em línguas inglesa e polaca utilizam apenas, no referido artigo 26.o, n.o 1, o termo «detention» e «zatrzymania». Pelo contrário, a versão em língua neerlandesa desta disposição utiliza apenas o vocábulo «vrijheidsbeneming», que corresponde aos termos «privação de liberdade».

40

A este respeito, importa salientar, por um lado, que os termos «detenção» e «privação da liberdade» são utilizados indistintamente nas diferentes versões linguísticas do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 e, por outro, que estes conceitos são conceitos semelhantes, cujo sentido habitual remete para uma situação de reclusão ou de encarceramento, e não para uma simples restrição de liberdade de movimentos.

41

No que diz respeito, em segundo lugar, ao contexto em que se inscreve o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, há que salientar que o artigo 12.o desta última prevê que, quando uma pessoa for detida com base num mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária de execução decide, em conformidade com o direito do Estado‑Membro de execução, se deve mantê‑la em detenção, especificando que, a qualquer momento e de acordo com esse mesmo direito, a libertação provisória da pessoa em causa pode ser decidida, na condição de a autoridade competente tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga dessa pessoa. Esta disposição prevê assim que existe uma alternativa à «detenção», a saber, a libertação provisória, acompanhada de medidas destinadas a evitar a fuga da pessoa em causa.

42

No que diz respeito, em terceiro lugar, ao objetivo prosseguido pelo artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, há que indicar, como, em substância, o advogado‑geral salientou no n.o 60 das suas conclusões, que a obrigação, prevista neste artigo, de deduzir da duração total de privação de liberdade a que a pessoa em causa devia ser sujeita no Estado‑Membro de emissão o período de detenção resultante da execução do mandado de detenção europeu visa concretizar o objetivo geral de respeito dos direitos fundamentais, visado no considerando 12 da Decisão‑Quadro 2002/584 e recordado no artigo 1.o, n.o 3, desta, preservando o direito à liberdade da pessoa em causa, consagrado no artigo 6.o da Carta, bem como o efeito útil do princípio da proporcionalidade na aplicação das penas, na aceção do artigo 49.o, n.o 3, da Carta.

43

Com efeito, na medida em que impõe a tomada em consideração de todo o período durante o qual a pessoa condenada esteve detida no Estado‑Membro de execução, o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 garante que esta pessoa, em definitivo, não tenha de cumprir uma detenção cuja duração total — tanto no Estado‑Membro de execução como no Estado‑Membro de emissão — exceda a duração da pena privativa de liberdade a que foi condenada no Estado‑Membro de emissão.

44

A este respeito, como o Governo polaco e a Comissão Europeia indicaram tanto nas suas observações escritas como na audiência, o efeito privativo de liberdade, constitutivo de uma detenção, tanto pode caracterizar uma prisão como, em casos excecionais, outras medidas que, sem constituírem um encarceramento em sentido estrito, são no entanto igualmente tão restritivas que devem ser equiparadas a tal encarceramento. Seria esse o caso de medidas que, pelo seu tipo, a sua duração, os seus efeitos e as suas modalidades de execução, revestissem um grau de intensidade tal que privariam a pessoa em causa da sua liberdade de maneira comparável a um encarceramento.

45

Daqui resulta que o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 não pode ser interpretado no sentido de que se limita a impor ao Estado‑Membro de emissão do mandado de detenção europeu a obrigação de deduzir apenas os períodos de encarceramento cumpridos no Estado‑Membro de execução, com exclusão dos períodos durante os quais foram aplicadas outras medidas, que impliquem uma privação de liberdade com efeitos comparáveis aos de um encarceramento.

46

Assim, decorre do teor, do contexto e do objetivo do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 que o conceito de «detenção», na aceção desta disposição, não designa uma medida restritiva mas uma medida privativa de liberdade, que não tem necessariamente de revestir a forma de um encarceramento.

47

Atendendo às considerações que precedem e, em especial, à distinção que há que efetuar entre medidas restritivas de liberdade, por um lado, e medidas privativas de liberdade, por outro, o conceito de «detenção», na aceção do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, deve ser interpretado no sentido de que visa, além do encarceramento, qualquer medida ou qualquer conjunto de medidas impostas à pessoa em causa, que, pelo seu tipo, a sua duração, os seus efeitos e as suas modalidades de execução, privem a pessoa em causa da sua liberdade de maneira equiparável a um encarceramento.

48

A este respeito, importa salientar que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa a conceito de «direito à liberdade», previsto no artigo 5.o, n.o 1, da CEDH, que corresponde ao artigo 6.o da Carta, corrobora esta interpretação.

49

Há que recordar, neste contexto, que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta prevê que, na medida em que esta última contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o seu sentido e o seu âmbito são iguais aos conferidos por essa Convenção.

50

A este respeito, resulta das explicações relativas a este artigo 52.o, n.o 3, as quais, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE, e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tomadas em consideração com vista à sua interpretação (v., neste sentido, acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 20, e de 27 de maio de 2014, Spasic, C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.o 54), que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa garantir a coerência necessária entre os direitos contidos na Carta e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que tal afete a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia (v., neste sentido, acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 47).

51

Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o «direito à liberdade», consagrado no artigo 5.o, n.o 1, da CEDH, não diz respeito às simples restrições à liberdade de circular: só as medidas de privação de liberdade são abrangidas pelo referido artigo. Para determinar se um indivíduo se encontra «privado da sua liberdade», na aceção do artigo 5.o da CEDH, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que havia que partir da sua situação concreta e tomar em consideração um conjunto de critérios como o tipo, a duração, os efeitos e as modalidades de execução da medida em causa (v., neste sentido, Tribunal EDH, 6 de novembro de 1980, Guzzardi c. Itália, CE:ECHR:1980:1106JUD000736776, § 92, e 5 de julho de 2016, Buzadji c. República da Moldávia, CE:ECHR:2016:0705JUD002375507, § 103).

52

A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no seu acórdão de 20 de abril de 2010, Villa c. Itália (CE:ECHR:2010:0420JUD001967506, §§ 43 e 44), considerou que medidas que obriguem a pessoa em causa a apresentar‑se uma vez por mês à autoridade policial responsável pela vigilância, a manter contactos com o centro psiquiátrico do hospital em causa, a residir num determinado local, a não se afastar do município em que residia e a permanecer na sua habitação entre as 22 horas e as 7 horas do dia seguinte não constituíam uma privação de liberdade na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da CEDH.

53

Ao aplicar o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão do mandado de detenção europeu deve examinar se as medidas adotadas contra a pessoa em causa no Estado‑Membro de execução devem ser equiparadas a uma privação de liberdade, como indicada no n.o 47 do presente acórdão, e constituir, assim, uma detenção, na aceção deste artigo 26.o, n.o 1. Se, ao proceder a este exame, essa autoridade judiciária concluir que assim é, o referido artigo 26.o, n.o 1, impõe que seja deduzido do período de privação de liberdade a que esta pessoa deveria ser sujeita no Estado‑Membro de emissão do mandado de detenção europeu todo o período durante o qual essas medidas foram aplicadas.

54

A este respeito, há que sublinhar que, embora medidas como uma obrigação de permanência na habitação por um período de nove horas durante a noite, acompanhada de uma vigilância da pessoa em causa através de uma pulseira eletrónica, uma obrigação de apresentação diária ou várias vezes por semana num posto de polícia a horas fixas e uma proibição de solicitar a emissão de documentos que permitam viajar para o estrangeiro restrinjam seguramente a liberdade de movimentos da pessoa em causa, em princípio, tais medidas não são de tal modo restritivas que delas possa resultar um efeito privativo de liberdade e que possam, portanto, ser qualificadas de «detenção», na aceção do artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584.

55

No entanto, na medida em que o referido artigo 26.o, n.o 1, se limita a impor um nível de proteção mínimo dos direitos fundamentais da pessoa objeto do mandado de detenção europeu, tal disposição não pode ser interpretada, como o advogado‑geral salientou no n.o 72 das suas conclusões, no sentido de que se opõe a que, ao abrigo unicamente do direito nacional, a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão desse mandado de detenção possa deduzir da duração total de privação de liberdade a que a pessoa em causa deve ser sujeita nesse Estado‑Membro a totalidade ou parte do período durante o qual essa pessoa foi objeto, no Estado‑Membro de execução, de medidas que não implicam uma privação de liberdade, mas uma restrição desta.

56

Por último, importa recordar que, no âmbito do exame referido no n.o 53 do presente acórdão, a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão do mandado de detenção europeu pode, ao abrigo do artigo 26.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, pedir à autoridade competente do Estado‑Membro de execução todas as informações cuja transmissão considere necessária.

57

Resulta de todas as considerações que precedem que há que responder à questão submetida que o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que medidas como uma obrigação de permanência na habitação por um período de nove horas durante a noite, acompanhada de uma vigilância da pessoa em causa através de uma pulseira eletrónica, de uma obrigação de apresentação diária ou várias vezes por semana num posto de polícia a horas fixas, bem como de uma proibição de solicitar a emissão de documentos que permitam viajar para o estrangeiro não são, em princípio, atendendo ao tipo, à duração, aos efeitos e às modalidades de execução de todas esta medidas, de tal modo restritivas que delas possa resultar um efeito privativo de liberdade comparável ao que resulta de um encarceramento e que possam, portanto, ser qualificadas de «detenção», na aceção da referida disposição, o que, no entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

58

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que medidas como uma obrigação de permanência na habitação por um período de nove horas durante a noite, acompanhada de uma vigilância da pessoa em causa através de uma pulseira eletrónica, de uma obrigação de apresentação diária ou várias vezes por semana num posto de polícia a horas fixas, bem como de uma proibição de solicitar a emissão de documentos que permitam viajar para o estrangeiro não são, em princípio, atendendo ao tipo, à duração, aos efeitos e às modalidades de execução de todas esta medidas, de tal modo restritivas que delas possa resultar um efeito privativo de liberdade comparável ao que resulta de um encarceramento e que possam, portanto, ser qualificadas de «detenção», na aceção da referida disposição, o que, no entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.