ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

23 de novembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Liberdade de estabelecimento — Fiscalidade direta — Imposto sobre as sociedades — Diretiva 90/434/CEE — Artigo 10.o, n.o 2 — Entrada de ativos — Estabelecimento estável não residente transferido, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, para uma sociedade beneficiária igualmente não residente — Direito de o Estado‑Membro da sociedade contribuidora tributar os lucros ou as mais‑valias verificadas por ocasião da entrada de ativos — Legislação nacional que prevê a tributação imediata, desde o ano da transferência, dos lucros ou das mais‑valias — Cobrança do imposto devido como receita do ano fiscal em que a operação de entrada de ativos teve lugar»

No processo C‑292/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia), por decisão de 20 de maio de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de maio de 2016, no processo instaurado por

A Oy,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, C. G. Fernlund (relator), J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de junho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da A Oy, por T. Torkkel,

em representação do Governo finlandês, por S. Hartikainen, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, na qualidade de agente,

em representação do Governo sueco, por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, H. Shev, U. Persson e N. Otte Widgren, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e I. Koskinen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 49.o TFUE e do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes (JO 1990, L 225, p. 1, a seguir «diretiva fusões»).

2

Este pedido foi apresentado pela A Oy, sociedade de direito finlandês, no âmbito de um processo que corre os seus termos no Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia), a propósito da tributação imediata das mais‑valias de um estabelecimento estável não residente dessa sociedade, verificadas por ocasião da transferência desse estabelecimento para uma sociedade igualmente não residente no âmbito de uma operação de entrada de ativos e de cobrança do imposto devido como receita do ano fiscal em que essa operação teve lugar.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Segundo o artigo 2.o, alínea c), da diretiva fusões:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por

[…]

c)

“Entrada de ativos”: a operação pela qual uma sociedade transfere, sem que seja dissolvida, o conjunto ou um ou mais ramos da sua atividade para outra sociedade, mediante entrega de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária da entrada;

[…]»

4

O artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva prevê:

«[…] [S]empre que o Estado‑Membro da sociedade contribuidora aplique um regime de tributação do lucro mundial, esse Estado terá direito a tributar os lucros ou as mais‑valias do estabelecimento estável verificados por ocasião da fusão, da cisão ou da entrada de ativos, desde que autorize a dedução do imposto que, na falta das disposições da presente diretiva, incidiria sobre tais lucros ou mais‑valias no Estado em que está situado o estabelecimento estável e admita aquela dedução do mesmo modo e pelo mesmo montante que teria aplicado se o imposto tivesse efetivamente sido liquidado e pago.»

Direito finlandês

5

Nos termos do § 9, n.o 1, primeiro parágrafo, da tuloverolaki (Lei relativa ao imposto sobre os rendimentos), são devedoras do imposto sobre os rendimentos as pessoas singulares, as pessoas coletivas, as situações de contitularidade de rendimentos e a herança indivisa que estejam estabelecidas na Finlândia, incidindo o imposto sobre os rendimentos recebidos na Finlândia e noutros locais (obrigação tributária ilimitada).

6

A diretiva fusões foi transposta para o direito finlandês pela laki elinkeinotulon verottamisesta annetun lain muuttamisesta (1733/1995) [Lei que altera a lei relativa à fiscalidade dos rendimentos de atividades económicas (1733/1995)], de 29 de dezembro de 1995, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1996.

7

O § 52 e, terceiro parágrafo, da elinkeinotulon verottamisesta annettu laki (lei relativa à fiscalidade dos rendimentos de atividades económicas), conforme alterada (a seguir «EVL»), estabelece o seguinte:

«Se os ativos e as dívidas entrados estiverem associados a um estabelecimento estável, situado noutro Estado‑Membro da União Europeia, de uma pessoa coletiva nacional, o provável preço de cessão dos ativos e as provisões deduzidas na tributação do estabelecimento estável são integrados no rendimento tributável da sociedade contribuidora. Do imposto devido na Finlândia sobre este rendimento é deduzido o imposto que teria sido devido sobre o mesmo rendimento no Estado em que se situa este estabelecimento estável se as disposições da [diretiva fusões] referida no § 52 não se aplicassem.»

8

Resulta da exposição de motivos do projeto de lei que conduziu à adoção da lei que altera a lei relativa à fiscalidade dos rendimentos de atividades económicas que o § 52 e, terceiro parágrafo, da EVL, que transpõe para o direito finlandês a derrogação prevista no artigo 10.o, n.o 2, da diretiva fusões, diz respeito à situação em que, devido à transferência dos ativos de um estabelecimento estável não residente para uma sociedade igualmente não residente, esses ativos deixam de estar abrangidos pela soberania fiscal da Finlândia. Nessa situação, o valor de mercado dos ativos transferidos, bem como as provisões anteriormente deduzidas quando da tributação na Finlândia desse estabelecimento estável, são integrados no rendimento tributável deste último no ano fiscal em que a operação teve lugar. O imposto devido à Finlândia sobre o rendimento a realizar é deduzido do imposto que incidiria sobre o mesmo rendimento no Estado‑Membro do referido estabelecimento estável se esta diretiva não se aplicasse.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9

No ano de 2006, A transferiu, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, um estabelecimento estável situado na Áustria para uma sociedade austríaca e recebeu em contrapartida ações desta última sociedade. Por força do § 52 e, terceiro parágrafo, da EVL, A foi tributado pelas mais‑valias verificadas por ocasião dessa operação relativamente ao ano fiscal de 2006 e o imposto foi cobrado como receita desse mesmo ano fiscal.

10

A apresentou um pedido de retificação à Verotuksen oikaisulautakunta (Comissão de Verificação Tributária, Finlândia). Tendo este pedido sido indeferido, A recorreu para o Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia), alegando que a legislação em causa no processo principal obstava à liberdade de estabelecimento, uma vez que, numa situação nacional equivalente, a tributação só teria lugar no momento da realização das mais‑valias, ou seja, aquando da cessão dos ativos transferidos.

11

O órgão jurisdicional de reenvio expõe que, segundo a comissão de verificação tributária, o § 52 e, terceiro parágrafo, da EVL não pode ser considerado contrário às regras e aos princípios do direito da União, uma vez que esta disposição tem por objeto transpor para o direito finlandês o artigo 10.o, n.o 2, da diretiva fusões.

12

Contudo, este órgão jurisdicional observa que, embora esta última disposição autorize a tributação das mais‑valias numa situação como a do processo principal, não precisa o momento em que tal tributação deve ter lugar.

13

Por conseguinte, o referido órgão jurisdicional interroga‑se quanto à questão de saber se, ao prever a tributação das mais‑valias no âmbito do exercício fiscal em que ocorreu a operação de entrada de ativos, quando, numa situação nacional equivalente, a tributação só ocorre no momento da realização dos rendimentos, isto é, da cessão dos ativos transferidos, a legislação em causa no processo principal constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento. Se for esse o caso, pergunta se a referida legislação pode ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral ligada à repartição do poder tributário entre os Estados‑Membros e, em caso afirmativo, se é proporcionada a esse objetivo.

14

Foi nestas circunstâncias que o Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 49.o TFUE opõe‑se a uma legislação finlandesa segundo a qual, se uma sociedade nacional ceder, a título de entrada de ativos, um estabelecimento estável situado noutro Estado‑Membro a uma sociedade que aí está estabelecida e receber em contrapartida novas ações desta, a entrada de ativos é tributada imediatamente, logo no ano em que ocorre a transferência, embora, numa situação nacional equivalente, essa tributação só ocorra no momento da respetiva realização?

2)

Pode considerar‑se que existe discriminação indireta ou direta se a Finlândia proceder imediatamente à tributação, logo no ano em que ocorre a entrada de ativos, antes de o rendimento ser realizado, embora numa situação nacional a tributação seja diferida até ao momento desta realização?

3)

Em caso de resposta afirmativa [à primeira e segunda questões], é possível que esta restrição à liberdade de estabelecimento se justifique devido a uma razão imperiosa de interesse geral ou devido à proteção da competência tributária nacional? A restrição proibida é conforme com o princípio da proporcionalidade?»

Quanto às questões prejudiciais

15

Com as suas questões prejudiciais, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, no caso de uma sociedade residente transferir, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, um estabelecimento estável não residente para uma sociedade igualmente não residente, por um lado, prevê a tributação imediata das mais‑valias verificadas por ocasião dessa operação e, por outro, não autoriza a cobrança diferida do imposto devido, quando, numa situação nacional equivalente, essas mais‑valias só são tributadas aquando da cessão dos ativos transferidos.

16

A título preliminar, há que salientar, por um lado, que é pacífico que a operação em causa no processo principal, pela qual A transferiu um estabelecimento não residente para uma sociedade igualmente não residente, constitui uma entrada de ativos na aceção do artigo 2.o, alínea c), da diretiva fusões. Por outro lado, não é contestado que a tributação das mais‑valias desse estabelecimento estável verificadas por ocasião dessa operação é abrangida pelo artigo 10.o, n.o 2, dessa diretiva.

17

Resulta do artigo 10.o, n.o 2, da diretiva fusões que, no caso em que, dos bens transferidos por ocasião de uma fusão, de uma cisão ou de uma entrada de ativos, faça parte um estabelecimento estável da sociedade contribuidora situado num Estado‑Membro diverso do desta sociedade, o Estado‑Membro da sociedade contribuidora, quando aplica um regime de tributação do lucro mundial, tem direito a tributar os lucros ou as mais‑valias desse estabelecimento estável verificados por ocasião dessa operação, desde que autorize a dedução do imposto que, na falta das disposições desta diretiva, incidiria sobre tais lucros ou mais‑valias no Estado em que está situado o referido estabelecimento estável e admita aquela dedução do mesmo modo e pelo mesmo montante que teria aplicado se o imposto tivesse efetivamente sido liquidado e pago.

18

Assim, esta disposição autoriza o Estado‑Membro da sociedade contribuidora a tributar os lucros ou as mais‑valias resultantes de uma operação de fusão, de cisão ou de entrada de ativos desde que esse Estado respeite as condições previstas na referida disposição.

19

No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, nos termos da legislação em causa no processo principal, por um lado, as mais‑valias de um estabelecimento estável não residente de uma sociedade residente são tributadas quando esse estabelecimento estável é transferido, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, para uma sociedade igualmente não residente. Do imposto devido é deduzido o imposto que, na falta das disposições da diretiva fusões, teria incidido sobre essas mais‑valias no Estado‑Membro onde está situado esse estabelecimento estável. Por outro lado, esse imposto é cobrado como receita do ano fiscal em que tal operação tem lugar.

20

Ao prever a tributação dessas mais‑valias, admitindo ao mesmo tempo a dedução do imposto que, na falta das disposições dessa diretiva, sobre elas incidiriam no Estado‑Membro onde está situado o estabelecimento estável, essa legislação limita‑se a dar execução à possibilidade oferecida aos Estados‑Membros no artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva.

21

Em contrapartida, nem esse artigo 10.o, n.o 2, nem nenhum outro artigo da diretiva fusões contém disposições relativas ao momento em que a cobrança do imposto devido deve ocorrer.

22

Por conseguinte, incumbe aos Estados‑Membros prever essas disposições, no respeito do direito da União.

23

A este propósito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as operações abrangidas pela diretiva fusões constituem uma modalidade especial de exercício da liberdade de estabelecimento importante para o bom funcionamento do mercado interno e enquadram‑se portanto nas atividades económicas relativamente às quais os Estados‑Membros são obrigados a respeitar essa liberdade (v., neste sentido, acórdão de 8 de março de 2017, Euro Park Service, C‑14/16, EU:C:2017:177, n.o 28 e jurisprudência referida).

24

Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 49.o TFUE impõe a supressão das restrições à liberdade de estabelecimento. Embora, de acordo com a sua letra, as disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento se destinem a assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado‑Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento noutro Estado‑Membro dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (acórdão de 8 de março de 2017, Euro Park Service, C‑14/16, EU:C:2017:177, n.o 58 e jurisprudência referida).

25

Devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, dificultem, ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (acórdão de 8 de março de 2017, Euro Park Service, C‑14/16, EU:C:2017:177, n.o 59 e jurisprudência referida).

26

No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que é unicamente no caso em que uma sociedade residente transfere, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, um estabelecimento estável não residente para uma sociedade igualmente não residente que a legislação em causa no processo principal prevê a tributação imediata das mais‑valias e a cobrança do imposto devido como receita do ano fiscal em que essa operação tem lugar.

27

Essa diferença de tratamento é suscetível de dissuadir as sociedades estabelecidas na Finlândia de exercerem uma atividade económica noutro Estado‑Membro por intermédio de um estabelecimento estável e constitui, por isso, um obstáculo à liberdade de estabelecimento.

28

Essa restrição só pode ser admitida se disser respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou se puder ser justificada por razões imperiosas de interesse geral reconhecidas pelo direito da União. Mas é ainda necessário, em tal caso, que seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa e que não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objetivo (acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus, C‑371/10, EU:C:2011:785, n.o 42 e jurisprudência referida).

29

Quanto ao caráter comparável das situações em causa, há que reconhecer que, à luz da legislação de um Estado‑Membro que visa tributar as mais‑valias geradas no quadro da sua competência fiscal, a situação de uma sociedade que, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, transfere um estabelecimento estável não residente para uma sociedade igualmente não residente é semelhante, no que diz respeito à tributação das mais‑valias desse estabelecimento estável que foram geradas no quadro da competência fiscal desse Estado‑Membro, anteriormente a essa operação de entrada, à de uma sociedade residente que, no quadro de uma operação de entrada de ativos, transfere um estabelecimento estável para uma outra sociedade residente (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, Verder LabTec, C‑657/13, EU:C:2015:331, n.o 38 e jurisprudência referida).

30

No que respeita à questão de saber se o obstáculo pode ser justificado por razões imperiosas de interesse geral reconhecidas pelo direito da União, importa recordar, por um lado, que a justificação ligada à necessidade de preservar a repartição do poder tributário entre os Estados‑Membros constitui um objetivo legítimo reconhecido pelo Tribunal de Justiça e que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização adotadas pela União, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário, de modo a eliminarem as duplas tributações (acórdão de 21 de maio de 2015, Verder LabTec, C‑657/13, EU:C:2015:331, n.o 42 e jurisprudência referida).

31

Por outro lado, em conformidade com o princípio da territorialidade fiscal, um Estado‑Membro tem o direito, no caso de transferência de um estabelecimento estável não residente nos termos de uma operação de entrada de ativos para uma sociedade não residente, de tributar, no momento dessa entrada, as mais‑valias geradas no quadro da sua competência fiscal anteriormente à referida entrada. Semelhante medida visa, com efeito, prevenir situações suscetíveis de comprometer o direito do Estado‑Membro de origem de exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no quadro dessa competência (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, Verder LabTec, C‑657/13, EU:C:2015:331, n.o 43 e jurisprudência referida).

32

Assim, a transferência de um estabelecimento estável não residente de uma sociedade residente, nos termos de uma operação de entrada de ativos, para uma sociedade não residente não pode significar que o Estado‑Membro em causa deve renunciar ao seu direito de tributar as mais‑valias geradas no quadro da sua competência fiscal anteriormente a essa entrada (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, Verder LabTec, C‑657/13, EU:C:2015:331, n.o 44).

33

No caso em apreço, uma vez que a transferência, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, de um estabelecimento não residente para uma sociedade igualmente não residente tem por efeito que a Finlândia perca todos os vínculos com esse estabelecimento e, assim, o seu poder de tributar as mais‑valias relativas aos ativos desse estabelecimento estável posteriormente à referida operação, há que considerar que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é adequada para garantir a preservação da repartição do poder tributário entre os Estados‑Membros.

34

No que diz respeito à proporcionalidade da legislação em causa no processo principal, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, que respeita o princípio da proporcionalidade o facto de o Estado‑Membro da sociedade contribuidora, para salvaguardar o exercício da sua competência fiscal, determinar o montante do imposto relativo às mais‑valias geradas no quadro da sua competência fiscal no momento em que a sua competência fiscal deixa de existir, no caso vertente no momento da entrada em causa (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, Verder LabTec, C‑657/13, EU:C:2015:331, n.o 48 e jurisprudência referida).

35

Em segundo lugar, já foi declarado que uma legislação de um Estado‑Membro que deixa ao sujeito passivo a escolha entre, por um lado, o pagamento imediato do montante do imposto, que gera uma desvantagem em matéria de tesouraria para essa sociedade mas a dispensa de encargos administrativos ulteriores e, por outro, o pagamento diferido desse montante, acrescido, se for caso disso, de juros segundo a legislação nacional aplicável, que é necessariamente acompanhado de um encargo administrativo para o contribuinte, ligado ao seguimento dos ativos entrados, constitui uma medida que, sendo embora adequada para garantir a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros, é menos atentatória da liberdade de estabelecimento que uma cobrança imediata do imposto devido (v., neste sentido, acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus, C‑371/10, EU:C:2011:785, n.o 73).

36

No que respeita ao encargo administrativo, o Tribunal de Justiça precisou que se deve deixar ao sujeito passivo a escolha de optar entre, por um lado, suportar os encargos administrativos relativos ao pagamento diferido do imposto e, por outro, a sua cobrança imediata. No caso de o sujeito passivo considerar que esses encargos não são excessivos e escolher suportá‑los, os encargos que recaem sobre a Administração Fiscal também não se podem qualificar de excessivos (v., neste sentido, acórdão de 16 de abril de 2015, Comissão/Alemanha, C‑591/13, EU:C:2015:230, n.o 73 e jurisprudência referida).

37

Daqui decorre que, na medida em que a legislação em causa no processo principal não dá a uma sociedade residente que, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, transfere um estabelecimento estável não residente para uma sociedade igualmente não residente, a escolher entre, por um lado, o pagamento imediato do montante do imposto sobre as mais‑valias desse estabelecimento estável e, por outro, o pagamento diferido do referido montante, essa legislação excede o que é necessário para alcançar o objetivo de preservação da repartição do poder tributário entre os Estados‑Membros.

38

Esta apreciação não pode ser posta em causa pelo facto de essa legislação permitir, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, da diretiva fusões, a dedução do imposto que, na falta das disposições desta diretiva, teria incidido sobre tais mais‑valias no Estado‑Membro onde está situado o estabelecimento estável não residente, uma vez que o caráter desproporcionado da referida legislação não depende do montante do imposto devido mas resulta do facto de esta não prever a possibilidade de o sujeito passivo diferir o momento da cobrança deste (v., neste sentido, acórdão de 14 de setembro de 2017, Trustees of the P Panayi Accumulation & Maintenance Settlements, C‑646/15, EU:C:2017:682, n.o 60).

39

Quanto à justificação relativa à necessidade de garantir a cobrança eficaz do imposto, invocada pelos Governos alemão e sueco, há que salientar que, embora o Tribunal de Justiça já tenha admitido que a mesma pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição ao exercício das liberdades de circulação garantidas pelo Tratado FUE (v., neste sentido, acórdão de 19 de junho de 2014, Strojírny Prostějov e ACO Industries Tábor, C‑53/13 e C‑80/13, EU:C:2014:2011, n.o46 e jurisprudência referida), a legislação em causa no processo principal não é adequada para garantir a sua realização, de modo que o referido objetivo não pode justificar, num caso como o que está em causa no processo principal, um eventual obstáculo à liberdade de estabelecimento. Com efeito, como observou a Comissão, o facto de um Estado‑Membro permitir a uma sociedade contribuidora residente optar pelo pagamento diferido do imposto não afeta a possibilidade desse Estado‑Membro pedir a essa sociedade as informações necessárias à cobrança do imposto devido nem a possibilidade de proceder efetivamente a essa cobrança (v., por analogia, acórdão de 19 de junho de 2014, Strojírny Prostějov e ACO Industries Tábor, C‑53/13 e C‑80/13, EU:C:2014:2011, n.os 49 a 53).

40

Face a todas as considerações anteriores, há que responder às questões submetidas que o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, no caso de uma sociedade residente transferir, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, um estabelecimento estável não residente para uma sociedade igualmente não residente, por um lado, prevê a tributação imediata das mais‑valias verificadas por ocasião dessa operação e, por outro, não autoriza a cobrança diferida do imposto devido, quando, numa situação nacional equivalente, essas mais‑valias só são tributadas aquando da cessão dos ativos transferidos, na medida em que essa legislação não permite a cobrança diferida desse imposto.

Quanto às despesas

41

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, no caso de uma sociedade residente transferir, no âmbito de uma operação de entrada de ativos, um estabelecimento estável não residente para uma sociedade igualmente não residente, por um lado, prevê a tributação imediata das mais‑valias verificadas por ocasião dessa operação e, por outro, não autoriza a cobrança diferida do imposto devido, quando, numa situação nacional equivalente, essas mais‑valias só são tributadas aquando da cessão dos ativos transferidos, na medida em que essa legislação não permite a cobrança diferida desse imposto.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.