Processo C‑267/16
Albert Buhagiar e o.
contra
Minister for Justice
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supreme Court of Gibraltar)
«Reenvio prejudicial — Alcance territorial do direito da União — Artigo 355.o, ponto 3, TFUE — Ato relativo às condições de adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e às adaptações dos Tratados — Artigo 29.o — Anexo I, parte I, ponto 4 — Exclusão de Gibraltar do território aduaneiro da União Europeia — Alcance — Diretiva 91/477/CEE — Artigo 1.o, n.o 4 — Artigo 12.o, n.o 2 — Anexo II — Cartão europeu de arma de fogo — Atividades de caça e de tiro desportivo — Aplicabilidade ao território de Gibraltar — Obrigação de transposição — Inexistência — Validade»
Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 23 de janeiro de 2018
União aduaneira—Território aduaneiro da União—Gibraltar—Exclusão—Consequência—Inaplicabilidade das regras do Tratado e do direito derivado relativas à livre circulação de mercadorias
(Artigos 114.° TFUE e 115.° TFUE; Ato de Adesão de 1972, artigo 29.o e anexo I, parte I, ponto 4)
Aproximação das legislações—Aquisição e detenção de armas—Diretiva 91/477—Objeto—Livre circulação de armas de fogo para uso civil
(Diretiva 91/477 do Conselho, conforme alterada pela Diretiva 2008/51, segundo a quinto considerandos e artigos 4.°, n.o 3, 11.°, n.o 3, e 12.°, n.o 2)
União aduaneira—Território aduaneiro da União—Gibraltar—Exclusão—Consequência—Inaplicabilidade das regras do Tratado e do direito derivado relativas à livre circulação de mercadorias—Inaplicabilidade da Diretiva 91/477, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas
(Artigo 355.o, ponto 3, TFUE; Ato de Adesão de 1972, artigo 29.o e anexo I, parte I, ponto 4; Diretiva 91/477 do Conselho, conforme alterada pela Diretiva 2008/51, artigos 1.°, n.o 4, 12.°, n.o 2, e anexo II)
Como o Tribunal de Justiça já declarou no n.o 59 do Acórdão de 23 de setembro de 2003, Comissão/Reino Unido (C‑30/01, EU:C:2003:489), a exclusão de Gibraltar do território aduaneiro da União, prevista no artigo 29.o do Ato de Adesão de 1972, em conjugação com o anexo I, parte I, ponto 4, deste ato, implica que não lhe são aplicáveis nem as regras do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias nem as do direito da União derivado que visam, relativamente à livre circulação de mercadorias, assegurar uma aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros, nos termos dos artigos 94.° e 95.° do Tratado CE, atualmente artigos 114.° e 115.° TFUE.
(cf. n.o 32)
V. texto da decisão.
(cf. n.os 43, 52, 55, 58)
O artigo 29.o do Ato relativo às condições de adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e às adaptações dos Tratados, em conjugação com o seu anexo I, parte I, ponto 4, deve ser interpretado no sentido de que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 91/477/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1991, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas, conforme alterada pela Diretiva 2008/51/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, em conjugação com o seu artigo 1.o, n.o 4, e o seu anexo II, não se aplicam no território de Gibraltar.
A este respeito, é facto assente que o artigo 29.o do Ato de Adesão de 1972 constitui uma exceção à regra, prevista no artigo 355.o, ponto 3, TFUE, segundo a qual o direito da União é aplicável a Gibraltar, devendo esta exceção ser interpretada de maneira restritiva, no sentido de que o seu alcance está limitado ao que é estritamente necessário à salvaguarda dos interesses que permite que Gibraltar preserve, como salientou o Tribunal de Justiça nos n.os 43 e 51 do Acórdão de 21 de julho de 2005, Comissão/Reino Unido (C‑349/03, EU:C:2005:488). Não obstante, importa salientar que, no processo que deu origem a este último acórdão, o Tribunal de Justiça não foi chamado a pronunciar‑se sobre o estatuto de atos da União relacionados com a livre circulação de mercadorias à luz da referida exceção, contrariamente ao processo que deu origem ao Acórdão de 23 de setembro de 2003, Comissão/Reino Unido (C‑30/01, EU:C:2003:489). Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, deve entender‑se por «mercadorias», na aceção dessa disposição, os produtos avaliáveis em dinheiro suscetíveis, como tal, de ser objeto de transações comerciais. Ora, as disposições do Tratado FUE em matéria de livre circulação de mercadorias aplicam‑se, em princípio, independentemente de as mercadorias serem transportadas através das fronteiras para efeitos de venda ou de revenda ou para uso ou consumo pessoal (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de março de 1989, Schumacher,215/87, EU:C:1989:111, n.o 22, e de 3 de dezembro de 2015, Pfotenhilfe‑Ungarn, C‑301/14, EU:C:2015:793, n.o 47).
Assim, na medida em que o direito derivado da União tem, em princípio, o mesmo âmbito de aplicação que os próprios Tratados (v., por analogia, Acórdão de 15 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho, C‑132/14 a C‑136/14, EU:C:2015:813, n.o 77), e que a interpretação estrita da exclusão de Gibraltar do território aduaneiro comum da União não pode, sob pena de prejudicar a aplicação uniforme do direito da União, redundar na interpretação segundo a qual a livre circulação de mercadorias tem, nas relações com Gibraltar, um alcance mais limitado do que o que resulta das disposições do Tratado FUE, deve considerar‑se que as disposições da Diretiva 91/477 relativas à transferência de armas de fogo para uso civil são do domínio da livre circulação de mercadorias, sejam essas transferências efetuadas num contexto comercial, incluindo através de armeiros ou no âmbito de uma venda por correspondência, ou fora desse contexto, isto é, por particulares, designadamente caçadores e atiradores desportivos para efeitos do seu uso no âmbito das suas atividades respetivas.
(cf. n.os 63, 64, 67, 68, 73, disp. 1)