Processo C‑191/16

Romano Pisciotti

contra

Bundesrepublik Deutschland

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Berlin)

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Artigos 18.o e 21.o TFUE — Extradição para os Estados Unidos da América de um nacional de um Estado‑Membro que exerceu o seu direito de livre circulação — Acordo de extradição entre a União Europeia e esse Estado terceiro — Âmbito de aplicação do direito da União — Proibição de extraditar aplicada apenas aos cidadãos nacionais — Restrição à livre circulação — Justificação fundada na prevenção da impunidade — Proporcionalidade — Informação do Estado‑Membro de origem do cidadão da União»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 10 de abril de 2018

  1. Cidadania da União—Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros—Pedido dirigido a um Estado‑Membro por um Estado terceiro destinado à extradição de um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, que exerceu o seu direito de livre circulação no primeiro Estado‑Membro—Pedido de extradição efetuado no âmbito do Acordo UE‑USA sobre extradição—Situação do cidadão em causa que se insere no âmbito de aplicação do direito da União

    (Artigos 18.° TFUE e 21.° TFUE)

  2. Cidadania da União—Direito de livre circulação e de livre permanência no território dos Estados‑Membros—Pedido dirigido a um Estado‑Membro por um Estado terceiro destinado à extradição de um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, que exerceu o seu direito de livre circulação no primeiro Estado‑Membro—Pedido de extradição efetuado no âmbito do Acordo UE‑USA sobre extradição—Proibição de extraditar prevista pelo direito nacional do Estado‑Membro a que foi apresentado o pedido aplicada apenas aos cidadãos nacionais—Admissibilidade—Requisitos

    (Artigos 18.° TFUE e 21.° TFUE)

  1.  O direito da União deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, em que um cidadão da União que foi objeto de um pedido de extradição para os Estados Unidos da América foi detido, tendo em vista a eventual execução desse pedido, num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional, a situação desse cidadão está abrangida pelo âmbito de aplicação desse direito, desde que o referido cidadão tenha exercido o seu direito de circular livremente na União Europeia e que o referido pedido de extradição tenha sido efetuado no âmbito do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição, de 25 de junho de 2003.

    (cf. n.o 35 e disp. 1)

  2.  Num caso como o do processo principal, em que um cidadão da União que foi objeto de um pedido de extradição para os Estados Unidos da América, no âmbito do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição, de 25 de junho de 2003, foi detido num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional, tendo em vista a eventual execução desse pedido, os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o Estado‑Membro requerido estabeleça uma distinção, com fundamento numa norma de direito constitucional, entre os seus nacionais e os nacionais de outros Estados‑Membros e autorize essa extradição, apesar de não permitir a extradição dos seus próprios nacionais, desde que tenha previamente dado às autoridades competentes do Estado‑Membro de que é nacional esse cidadão a possibilidade de pedirem a sua entrega no âmbito de um mandado de detenção europeu e que este último Estado‑Membro não tenha tomado medidas nesse sentido.

    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que há que privilegiar a troca de informações com o Estado‑Membro da nacionalidade do interessado, a fim de, se necessário, dar às autoridades desse Estado‑Membro a oportunidade de emitirem um mandado de detenção europeu para fins de procedimento penal. Assim, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro com o qual o primeiro Estado‑Membro celebrou um acordo de extradição, deve informar o Estado‑Membro de que é nacional o referido cidadão e, sendo caso disso, a pedido deste último Estado‑Membro, entregar‑lhe esse cidadão, em conformidade com as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584, desde que esse Estado‑Membro seja competente, à luz do seu direito nacional, para processar criminalmente essa pessoa por atos praticados fora do seu território nacional (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin,C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 48 e 50). Embora tenha sido adotada, como resulta do n.o 46 do Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630), num contexto caracterizado pela inexistência de um acordo internacional em matéria de extradição entre a União e o Estado terceiro em causa, esta solução é aplicável numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o Acordo UE‑USA confere ao Estado‑Membro requerido o poder de não extraditar os seus próprios nacionais. Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento aduzido por alguns governos que apresentaram observações, segundo o qual, em substância, a prioridade atribuída a um pedido de entrega ao abrigo de um mandado de detenção europeu face a um pedido de extradição emitido pelos Estados Unidos da América priva de efeito a regra, constante do artigo 10.o, n.os 2 e 3, do Acordo UE‑USA, nos termos da qual a autoridade competente do Estado‑Membro requerido, confrontada com esses pedidos concorrentes, deve determinar a que Estado entregará a pessoa, com base em todos os elementos relevantes. Com efeito, a eventualidade de o mecanismo de cooperação recordado no n.o 51 do presente acórdão obstar a um pedido de extradição para um Estado terceiro ao dar prioridade a um mandado de detenção europeu, e isso para atuar de forma menos atentatória do exercício do direito à livre circulação (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin,C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 49), não apresenta um caráter automático. Assim, a fim de preservar o objetivo de evitar o risco de impunidade da pessoa em causa pelos factos que lhe são imputados no pedido de extradição, é necessário que o mandado de detenção europeu eventualmente emitido por um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido incida, pelo menos, sobre esses mesmos factos e que, conforme resulta do n.o 50 do Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630), o Estado‑Membro de emissão seja competente, à luz do seu direito, para processar criminalmente essa pessoa por tais factos, mesmo que estes tenham sido praticados fora do seu território.

    (cf. n.os 51 a 54, 56 e disp. 2)