ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

26 de abril de 2017 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 92/43/CEE — Artigo 6.o, n.o 3 — Conservação dos habitats naturais — Construção da central a carvão de Moorburg (Alemanha) — Zonas Natura 2000 no corredor do rio Elba a montante da central a carvão — Avaliação das incidências de um plano ou de um projeto num sítio protegido»

No processo C‑142/16,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 9 de março de 2016,

Comissão Europeia, representada por C. Hermes e E. Manhaeve, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes, assistidos por W. Ewer, Rechtsanwalt,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Prechal, A. Rosas, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de janeiro de 2017,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não proceder, quando da autorização da construção de uma central a carvão em Moorburg, perto de Hamburgo (Alemanha), a uma avaliação correta e completa das incidências, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7, a seguir «diretiva “habitats”»).

Quadro jurídico

2

O primeiro, quarto e décimo considerandos da diretiva «habitats» têm a seguinte redação:

«Considerando que a preservação, a proteção e a melhoria do ambiente, incluindo a preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, constituem objetivos essenciais de interesse geral da [União], tal como dispõe o artigo [191.o TFUE];

[…]

Considerando que, no território europeu dos Estados‑Membros, os habitats naturais têm vindo a degradar‑se continuamente; que um número crescente de espécies selvagens se encontra gravemente ameaçado; que, fazendo os habitats e as espécies ameaçadas parte do património natural da [União] e sendo as ameaças que sobre eles pesam muitas vezes de natureza transfronteiriça, é necessário tomar medidas a nível [União] com vista à sua conservação;

[…]

Considerando que qualquer plano ou programa suscetível de afetar de modo significativo os objetivos de conservação de um sítio designado ou a designar no futuro deve ser objeto de avaliação adequada.»

3

O artigo 2.o, n.o 2, da diretiva «habitats» tem o seguinte teor:

«As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.»

4

O artigo 6.o, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats» prevê:

«3.   Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.   Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adotadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

5

A diretiva «habitats» contém seis anexos, tendo o anexo II por título «Espécies animais e vegetais de interesse [da União] cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação».

Antecedentes do litígio e procedimento pré‑contencioso

6

A central a carvão de Moorburg situa‑se no porto de Hamburgo, na margem sul da encosta sul do Elba, que tem, enquanto via migratória para certos peixes, nomeadamente as lampreias do rio (Lampetra fluviatilis), as lampreias marinhas (Petromyzon marinus) e o salmão (Salmo salar), que constam do anexo II da diretiva «habitats», uma função importante para uma série de zonas Natura 2000 cujos objetivos de conservação incluem essas espécies, situadas a montante da barragem de Geesthacht (Alemanha). Essas zonas situam‑se nos Länder da Baixa Saxónia, de Meclemburgo‑Pomerânia Ocidental, da Saxónia‑Anhalt, de Brandenburgo e da Saxónia, a uma distância que vai até cerca de 600 quilómetros (km) dessa central. No corredor do Elba, entre a central de Moorburg e as zonas Natura 2000, encontra‑se a barragem de Geesthacht.

7

A autorização para a construção da central de Moorburg, emitida em 30 de setembro de 2008, foi precedida de uma avaliação das incidências sobre o ambiente (a seguir «avaliação das incidências»), nos termos da legislação alemã sobre a água. Esta avaliação tinha concluído que a autorização era compatível com os objetivos de conservação das zonas Natura 2000, tendo em conta o compromisso assumido pela entidade responsável pela exploração de instalar a cerca de 30 km dessa central, na barragem de Geesthacht, uma segunda passagem para a migração a montante dos peixes, destinada a contrabalançar as perdas de espécimes quando do funcionamento do mecanismos de arrefecimento da central, que implica a retirada de quantidades consideráveis de água para arrefecer a central de Moorburg (a seguir «passagem para a migração a montante»). Além disso, a conclusão da avaliação das incidências mencionava uma vigilância em várias fases, destinada a verificar a eficácia dessa medida.

8

Na sequência de duas queixas relativas à avaliação das incidências, a Comissão enviou à República Federal da Alemanha, em 27 de janeiro de 2014, uma notificação para cumprir em que a acusava de ter violado o artigo 6.o, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats».

9

A Comissão considerou que a avaliação das incidências tinha determinado de modo insuficiente, ou mesmo errado, os efeitos da central de Moorburg nas zonas Natura 2000 situadas a montante da barragem de Geesthacht. Por um lado, a Behörde für Stadtentwicklung und Umwelt der Freien und Hansestadt Hamburg (Administração regional do desenvolvimento urbano e do ambiente da cidade livre e hanseática de Hamburgo, Alemanha) considerou erradamente a passagem para a migração a montante uma medida de atenuação e, por outro, a avaliação das incidências não teve em conta os efeitos cumulativos com outros projetos pertinentes.

10

A República Federal da Alemanha, por carta de 11 de abril de 2014, contestou as acusações formuladas pela Comissão e defendeu que a passagem para a migração a montante devia ser classificada como uma medida de atenuação.

11

Em 17 de outubro de 2014 a Comissão enviou um parecer fundamentado à República Federal da Alemanha no qual mantinha as suas acusações relativas à violação do artigo 6.o, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats».

12

A República Federal da Alemanha, por carta de 15 de dezembro de 2014, confirmou a sua posição anterior.

13

Considerando que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força das disposições do artigo 6.o, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats», a Comissão decidiu, em 9 de março de 2016, intentar a presente ação.

Quanto à ação

Quanto à primeira acusação, relativa à violação do artigo 6.o, n.o 3, segundo período, da diretiva «habitats»

Argumentos das partes

14

Com a sua primeira acusação, a Comissão censura a República Federal da Alemanha por ter violado o artigo 6.o, n.o 3, segundo período, da diretiva «habitats» ao emitir a autorização de 30 de setembro de 2008. A exploração da central de Moorburg tinha incidências negativas em várias zonas Natura 2000 situadas a montante da barragem de Geesthacht. Mais especificamente, um número considerável de peixes referidos no anexo II da diretiva «habitats» foram mortos devido à retirada da água de arrefecimento ao nível da central de Moorburg.

15

A título liminar, a Comissão afirma que não é pertinente que a central de Moorburg se encontre fora das zonas Natura 2000 situadas a montante da barragem de Geesthacht. Essa instituição afirma que a morte de peixes não constitui por si só uma violação do artigo 6.o, n.o 3, segundo período, da diretiva «habitats», mas que essa violação pode, em contrapartida, ser determinada devido às consequências dessa perda de peixes nas unidades populacionais das zonas Natura 2000 situadas a montante da barragem de Geestacht.

16

A Comissão contesta a conclusão a que chegou a avaliação das incidências, que não indica que a passagem para a migração a montante pode impedir ou reduzir os efeitos negativos ligados à exploração da central de Moorburg, mas apenas que pode compensar de forma adequada esses efeitos, permitindo a outros espécimes de peixes diferentes dos mortos ou feridos transporem a barragem de Geesthacht.

17

Além disso, a Comissão considera que essa avaliação não é compatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça estabelecida pelo acórdão de 15 de maio de 2014, Briels e o. (C‑521/12, EU:C:2014:330). Mesmo admitindo que a passagem para a migração a montante pudesse provocar um reforço das unidades populacionais das espécies de peixes migratórios, não permitiria poupar a população de peixes migrantes nem em reprodução.

18

A Comissão acrescenta que a autorização de 30 de setembro de 2008 reconhece expressamente que os efeitos da instalação de uma segunda passagem para a migração a montante ao lado da barragem de Geesthacht são incertos.

19

Por último, a Comissão considera que as constatações e os relatórios de peritagem fornecidos pela República Federal da Alemanha aferentes aos anos de 2011 a 2014, relativos às premissas em que se baseava a avaliação das incidências, não são pertinentes, na medida em que são posteriores à referida avaliação e à autorização de 30 de setembro de 2008. A República Federal da Alemanha também não apresentou a prova da evolução das unidades populacionais das zonas Natura 2000 em causa para demonstrar a eventual eficácia da passagem para a migração a montante.

20

A República Federal da Alemanha contesta o incumprimento alegado. Defende que não há afetação significativa na aceção do artigo 6.o, n.o 3, primeiro período, da diretiva «habitats». Desde a fase da análise das incidências da avaliação prévia conduzida no âmbito do procedimento que deu lugar à autorização de 30 de setembro de 2008, verificou‑se que apenas um número muito reduzido de espécimes mortos era previsível.

21

Esse Estado‑Membro considera que a morte de um certo número de espécimes de diferentes espécies de peixes devido à retirada da água de arrefecimento da central de Moorburg não acarreta a destruição do habitat das zonas Natura 2000 que estão situadas a uma distância que vai até várias centenas de quilómetros dessa central. Assim, os Estados‑Membros são praticamente incapazes de identificar à distância todos os efeitos previsíveis de certas medidas nas zonas Natura 2000.

22

Quanto aos efeitos da passagem para a migração a montante, esse Estado‑Membro considera que a autorização de 30 de setembro de 2008 garante de forma fiável que o número de peixes referidos no anexo II da diretiva «habitats» que sobem o rio através da passagem para a migração a montante é pelo menos tão elevado quanto o número de peixes que são mortos ao nível da central de Moorburg devido à retirada da água de arrefecimento. Os peixes destruídos e os peixes suplementares que sobem não se distinguem no que respeita às suas propriedades biológicas de modo que se encontra uma população inalterada nas zonas Natura 2000 situada a montante da barragem de Geestacht.

23

Quanto às espécies de peixes referidos no anexo II da diretiva «habitats», esse Estado‑Membro considera que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 6.o dessa diretiva. No quadro da proteção dos habitats prevista neste artigo, são determinantes apenas os objetivos de conservação das zonas Natura 2000, e portanto, o facto de se encontrar na zona de conservação uma estrutura de população inalterada.

24

Assim, a República Federal da Alemanha afirma que a autoridade a quem foi apresentado o pedido de autorização partiu das hipóteses do cenário mais desfavorável ao subordinar, além disso, a entrada em funcionamento do arrefecimento em contínuo a uma prova de funcionalidade efetiva da passagem para a migração a montante, prova que foi apresentada durante os anos de 2011 a 2014. Com efeito, o relatório de peritagem de 15 de janeiro de 2014 mostra que um número muito reduzido dos peixes em causa é morto, mas que outros conseguem subir para os sítios protegidos graças à passagem para a migração a montante.

25

No que respeita à gestão dos riscos, a República Federal da Alemanha afirma que a autorização de 30 de setembro de 2008 combina elementos provisórios com elementos de observação preventivos, incluindo também procedimentos que permitem limitar no futuro a retirada da água de arrefecimento na medida necessária à proteção das espécies em causa.

26

Quanto às constatações e aos relatórios de peritagem aferentes aos anos de 2011 a 2014, a República Federal da Alemanha considera que devem ser tidos em consideração para a apreciação desta ação por incumprimento, uma vez que o prazo fixado no parecer fundamentado terminava em 16 de dezembro de 2014. Considera que essas constatações são pertinentes na medida em que foram ordenadas no momento da concessão da autorização de 30 de setembro de 2008 e fazem, portanto, parte integrante da avaliação das incidências.

27

Do mesmo modo, o referido Estado‑Membro acrescenta que a entrada em funcionamento do arrefecimento em contínuo foi subordinada à prova da eficácia da passagem para a migração a montante. Esta prova foi feita através das constatações efetuadas durante os anos de 2011 a 2014. As previsões relativas à eficácia da atenuação do prejuízo graças à passagem para a migração a montante basearam‑se num modelo de previsão realizado em duas etapas, isto é, por um lado, previsões resultantes da planificação do projeto e da aprovação final do mesmo e, por outro, constatações a fornecer a partir da vigilância.

28

Por último, a República Federal da Alemanha precisa que a passagem para a migração a montante é explorada desde agosto de 2010, mas que a atividade normal da retirada da água só começou após a finalização com sucesso da vigilância, ou seja, no mês de março de 2015.

Apreciação do Tribunal de Justiça

29

Importa salientar antes de mais que o facto de o projeto cuja avaliação ambiental é contestada se situar não nas zonas Natura 2000 em causa, mas a uma distância considerável das mesmas, a montante do Elba, de modo nenhum exclui a aplicabilidade das exigências enunciadas no artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats». Com efeito, como resulta da redação dessa disposição, «[o]s planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa», estão sujeitos ao mecanismo de proteção ambiental nela previsto.

30

No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o mecanismo de arrefecimento da central de Moorburg pode afetar de forma significativa espécies de peixes referidas no anexo II da diretiva «habitats» e protegidas nas zonas Natura 2000 em causa.

31

Com efeito, a avaliação das incidências, efetuada pelas autoridades alemãs, salienta que a morte de indivíduos das três espécies de peixes em causa referidas no anexo II da diretiva «habitats», ligada à retirada de água de arrefecimento da central de Moorburg no corredor migratório, afeta a reprodução dessas espécies nos referidos sítios protegidos. Em particular, esta avaliação indica que existem riscos elevados para os grandes migratórios como a lampreia do rio, a lampreia marinha e o salmão.

32

Tendo em conta esta avaliação das incidências, as autoridades alemãs só podiam, nos termos do artigo 6.o, n.o 3, segundo período, da diretiva «habitats», dar o seu acordo ao projeto de construção da central de Moorburg «depois de se terem assegurado de que não afectar[á] a integridade do[s] sítio[s] em causa […]».

33

Com efeito, como o Tribunal de Justiça já decidiu, as autoridades nacionais competentes só autorizam uma atividade sujeita à avaliação se tiverem a certeza de que a mesma não será prejudicial para a integridade do sítio protegido. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável, do ponto de vista científico, quanto à inexistência de tais efeitos (v., neste sentido, acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK, C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 42 e jurisprudência referida).

34

Para garantir que o projeto de construção da central da Moorburg não viola a integridade das zonas Natura 2000 em causa, incumbe às autoridades alemãs ter em conta medidas de proteção integradas nesse projeto de construção. É, a este respeito, jurisprudência constante que a aplicação do princípio da precaução no âmbito da execução do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats» exige que a autoridade nacional competente tenha, nomeadamente, em conta as medidas de proteção integradas no referido projeto, destinadas a evitar ou a reduzir os eventuais efeitos prejudiciais diretamente causados, a fim de garantir que o mesmo não afeta a integridade do sítio protegido (acórdãos de 15 de maio de 2014, Briels e o., C‑521/12, EU:C:2014:330, n.o 28, e de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.o 54).

35

No caso em apreço, há que salientar que resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, como complemento de outras medidas destinadas a impedir os efeitos negativos da retirada da água, como a instalação de um mecanismo que empurra os peixes, o repatriamento do peixe e a redução da atividade da central de Moorburg quando o teor de oxigénio for crítico para o peixe, foi colocada uma passagem para a migração a montante ao nível da barragem de Geesthacht.

36

Esta passagem para a migração a montante permite um reforço das unidades populacionais de peixes migratórios, dando a estas espécies a possibilidade de alcançar mais rapidamente as suas zonas de reprodução no curso médio e superior do Elba. O reforço das unidades populacionais compensa as perdas junto da central de Moorburg e, por essa razão, os objetivos de conservação das zonas Natura 2000 situadas a montante desta central não são afetados de forma significativa.

37

Todavia, resulta da avaliação das incidências que não contém constatações definitivas no que respeita à eficácia da passagem para a migração a montante, limitando‑se a precisar que essa eficácia só seria confirmada após vários anos de vigilância.

38

Assim, há que reconhecer que, no momento da emissão da autorização, a passagem para a migração a montante, mesmo que se destinasse a reduzir os efeitos significativos diretamente causados nas zonas Natura 2000 situadas a montante da central de Moorburg, não era suscetível de garantir, com as outras medidas referidas no n.o 35 do presente acórdão, a inexistência de toda e qualquer dúvida razoável quanto ao facto de a referida central não afetar a integridade do sítio, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats».

39

Esta conclusão não pode ser contrariada pelos argumentos da República Federal da Alemanha relativos à gestão dos riscos e às constatações fornecidas relativamente aos anos de 2011 a 2014.

40

A este título, segundo a jurisprudência, o critério de autorização previsto no artigo 6.o, n.o 3, segundo período, da diretiva «habitats» integra o princípio da precaução e permite prevenir de forma eficaz os atos contra a integridade dos sítios protegidos causados pelos planos ou projetos previstos. Um critério de autorização menos estrito do que o aqui em causa não pode garantir de forma igualmente eficaz a realização do objetivo de proteção dos sítios pretendida pela referida disposição (acórdão de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.o 53 e jurisprudência aí referida).

41

No que respeita às previsões em que se baseava a avaliação das incidências, há que salientar que as constatações fornecidas relativamente aos anos de 2011 a 2014 foram apresentadas pela República Federal da Alemanha após a emissão da autorização de 30 de setembro de 2008.

42

A este respeito, há que recordar que é na data de adoção da decisão que autoriza a execução do projeto que não deve subsistir nenhuma dúvida razoável, do ponto de vista científico, quanto à inexistência de efeitos prejudiciais para a integridade do sítio em causa (acórdão de 26 de outubro de 2006, Comissão/Portugal, C‑239/04, EU:C:2006:665, n.o 24 e jurisprudência referida).

43

Quanto à vigilância em várias fases, também não pode bastar para garantir o respeito pela obrigação prevista no artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats».

44

Com efeito, por um lado, como a Comissão afirmou na audiência, sem ser contrariada a este respeito pelo Estado‑Membro demandado, os resultados dessa vigilância podem não ser pertinentes no caso de a medição ser feita durante os períodos em que a central de Moorburg não utiliza o mecanismo de arrefecimento em contínuo. Por outro lado, pretende apenas contar o número de peixes que conseguem passar a barragem de Geesthacht através da passagem para a migração a montante. Assim, esta vigilância não é suscetível de assegurar que a passagem para a migração a montante evitará que se afete a integridade das zonas protegidas.

45

Daqui resulta que, ao autorizar o projeto de construção da central de Moorburg sobre o Elba com base numa avaliação das incidências que concluiu pela inexistência de afetação da integridade das zonas Natura 2000, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 3, segundo período, da diretiva «habitats».

Quanto à segunda acusação, relativa à violação do artigo 6.o, n.o 3, segundo período, da diretiva «habitats» por falta de exame dos efeitos cumulativos com outros projetos

Argumentos das partes

46

A Comissão considera que foi cometida outra violação do artigo 6.o, n.o 3, segundo período, da diretiva «habitats», uma vez que a cidade de Hamburgo emitiu a autorização de 30 de setembro de 2008 sem ter em conta, na avaliação das incidências da central de Moorburg, efeitos cumulativos possíveis associados à existência da central de bombeamento de Geesthacht e da central hidráulica a fio de água situada na barragem de Geesthacht, para a qual também tinha sido apresentado um pedido de autorização de instalação e de exploração.

47

Quanto à central de bombeamento de Geesthacht, a Comissão observa que esta central existe desde 1958 e que não dispõe de instalações particulares para proteger as espécies de peixes. Só durante o ano de 2014 é que a República Federal da Alemanha apresentou um relatório de peritagem destinado a provar que a referida central de bombeamento não representava perigo para as espécies em causa de peixes migratórios.

48

Segundo a Comissão, é irrelevante que a central de bombeamento de Geesthacht tenha sido realizada antes do termo do prazo de transposição da diretiva «habitats», uma vez que as disposições do artigo 6.o, n.o 3, dessa diretiva não se limitam aos planos e projetos aprovados e terminados após o prazo de transposição da referida diretiva.

49

No que respeita à central hidráulica a fio de água na barragem de Geesthacht, para a qual tinha sido apresentado um pedido de instalação e de exploração em 22 de maio de 2008, a Comissão considera que também devia ter sido tido em conta no âmbito do exame do cúmulo dos efeitos para a central de Moorburg. Segundo a Comissão, ainda que esse pedido tenha sido retirado durante o ano de 2010, os efeitos da central hidráulica a fio de água nas populações de peixes migratórios eram previsíveis à data da emissão da autorização de 30 de setembro de 2008.

50

A República Federal da Alemanha afirma, antes de mais, relativamente à central de bombeamento de Geesthacht, que esta não devia ser tida em consideração para a avaliação das incidências, uma vez que já existia na data da adoção da diretiva «habitats», invocando a este respeito o acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de janeiro de 2016, Grüne Liga Sachsen e o. (C‑399/14, EU:C:2016:10, n.os 58 e 59).

51

Em seguida, quanto à central hidráulica a fio de água na barragem de Geesthacht, esse Estado‑Membro é de opinião que não devia ser tida em conta na qualidade de «outro projeto» na medida em que, desde o início, não podia conduzir a uma autorização.

52

A este título, a República Federal da Alemanha afirma que esse projeto não podia ser autorizado sem a intervenção da Vattenfall Europe AG, atual Vattenfall GmbH. Segundo o direito alemão, a entidade responsável pela exploração de uma futura central hidráulica a fio de água deve necessariamente obter o acordo do proprietário das águas em causa, no caso em apreço o Estado federal alemão.

53

Ora, o pedido de construção de uma central hidráulica a fio de água, de 22 de maio de 2008, foi apresentado, não pela Vattenfall Europe ou por um terceiro dela beneficiário, mas pela Wirtschaftsbetriebe Geesthacht GmbH, que, contrariamente à Vattenfall Europe, não detinha nenhum direito de utilização dos terrenos e das obras ao nível da barragem de Geesthacht necessários para a construção de uma central hidráulica a fio de água.

54

Assim, por carta de 26 de maio de 2008, a autoridade de aprovação dos planos do distrito Herzogtum Lauenburg (Alemanha) precisou que, devido à falta de interesse em obter uma decisão de mérito, não daria início a qualquer procedimento de aprovação do plano enquanto a Vattenfall Europe não desse o seu acordo relativamente à construção da central hidráulica a fio de água. Em 20 de junho de 2008, a Vattenfall Europe indicou que não transferiria para o requerente nenhum direito de utilização de que beneficiava. Consequentemente, a autoridade de aprovação acabou por não iniciar o procedimento de aprovação para a central hidráulica a fio de água.

55

A República Federal da Alemanha acrescenta que o pedido de autorização de instalação e exploração apresentado para essa central só foi retirado durante o ano de 2010 uma vez que a autoridade de aprovação queria evitar uma decisão de indeferimento e devia convencer o requerente a retirar ele próprio o pedido.

Apreciação do Tribunal de Justiça

56

Com a sua segunda acusação, dividida em duas partes, a Comissão censura as autoridades alemãs por não terem avaliado os efeitos cumulativos da central de Moorburg, da central de bombeamento de Geesthacht e da central hidráulica a fio de água na barragem de Geesthacht nas perturbações ocasionadas nos sítios protegidos para as espécies de peixes como as lampreias de rio, as lampreias marinhas e o salmão.

57

Segundo jurisprudência constante, a avaliação adequada das incidências de um plano ou de um projeto sobre o sítio em causa que deve ser efetuada por força do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats» implica que sejam identificados, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspetos do plano ou do projeto em causa que possam, por si só ou em conjugação com outros planos ou projetos, afetar os objetivos de preservação desse sítio (acórdão de 14 de janeiro de 2016, Grüne Liga Sachsen e o., C‑399/14, EU:C:2016:10, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

58

No que respeita à primeira parte da segunda acusação, relativa à central de bombeamento de Geesthacht, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que se encontra a montante e na proximidade direta da barragem de Geesthacht desde 1958.

59

Por um lado, como foi recordado no n.o 42 do presente acórdão, é a data da adoção da decisão que autoriza a realização de um projeto que deve ser tida em conta no âmbito da avaliação dos efeitos cumulativos gerados por esse projeto e por um outro projeto suscetível de afetar um sítio de forma significativa (v., neste sentido, acórdão de 26 de outubro de 2006, Comissão/Portugal, C‑239/04, EU:C:2006:665, n.o 24 e jurisprudência referida).

60

Por outro lado, importa observar que, diferentemente do processo que deu origem ao acórdão de 14 de janeiro de 2016, Grüne Liga Sachsen e o. (C‑399/14, EU:C:2016:10), no presente processo está em causa não um exame a posteriori das incidências da central de bombeamento de Geesthacht, que existe desde 1958, mas a sua consideração no âmbito da avaliação das incidências de outro projeto, no caso a central de Moorburg.

61

Ora, o artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats» exige que as autoridades nacionais tenham em conta, no âmbito do exame do efeito cumulativo, todos os projetos que, com o projeto para o qual é pedida uma autorização, possam ter um efeito significativo no que se refere aos objetivos prosseguidos por essa diretiva, ainda que sejam anteriores à data de transposição da mesma.

62

Com efeito, projetos que possam, como a central de bombeamento de Geesthacht, acarretar, pela sua combinação com o projeto objeto da avaliação de incidências, uma deterioração ou perturbações suscetíveis de afetar os peixes migratórios presentes no rio e, consequentemente, a deterioração do sítio em causa, tendo em conta os objetivos prosseguidos pela diretiva «habitats», não podem ser afastados da avaliação das incidências baseada no artigo 6.o, n.o 3, da mesma diretiva.

63

Resulta das considerações expostas que, ao não ter avaliado de forma adequada os efeitos cumulativos associados à central de Moorburg e à central de bombeamento de Geesthacht, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats».

64

No que respeita à segunda parte da segunda acusação, a Comissão acusa a República Federal da Alemanha de não ter tido em conta, no âmbito da avaliação dos efeitos cumulativos em causa no caso em apreço, a central hidráulica a fio de água na barragem de Geesthacht, por o pedido de autorização de instalação e exploração dessa central não ter, atendendo ao direito alemão, qualquer hipótese de prosperar. O direito de utilização da água e dos terrenos ao nível da barragem em questão constitui, segundo a legislação alemã, uma condição necessária para que um projeto possa ser aprovado.

65

A este respeito, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o pedido para a construção da central hidráulica a fio de água na barragem de Geesthacht tinha sido formulado por uma sociedade que não era titular do direito de utilização da água dessa barragem nem dos terrenos e das obras a ela associados.

66

Resulta também desses autos que o procedimento de aprovação dos planos, a título da legislação da água, não podia ter sido iniciado enquanto a Vattenfall Europe, como titular do direito de utilização da água e dos terrenos ao nível da barragem de Geesthacht, e a Administração federal da água e da navegação não indicassem que esse projeto não colidia com outros direitos. Ora, a Vattenfall Europe tinha declarado, de seguida, que não daria a aprovação necessária à construção da central hidráulica a fio de água.

67

Nestas condições, há que declarar que não existia «outro projeto», na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats», para uma central hidráulica a fio de água ao nível da barragem de Geesthacht. Por conseguinte, a segunda parte da segunda acusação deve ser rejeitada.

Quanto à terceira acusação, relativa à violação do artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats» por falta de exame das suas condições

Argumentos das partes

68

A Comissão considera que a cidade de Hamburgo, ao emitir erradamente uma autorização devido a erros na avaliação das incidências, não respeitou, no procedimento relativo à autorização de 30 de setembro de 2008, as exigências previstas no artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats».

69

A este respeito, considera que a cidade de Hamburgo devia ter procurado soluções alternativas ao arrefecimento em contínuo. Assim, a construção subsequente de uma torre de arrefecimento híbrido na central de Moorburg teria constituído uma solução alternativa ao arrefecimento em contínuo e teria menos efeitos negativos nas zonas Natura 2000 em questão. Esta construção teria sido economicamente suportável ou podia ter sido imposta à empresa em causa no momento da emissão da autorização.

70

A República Federal da Alemanha considera que não há que analisar a questão de saber se as condições de uma autorização do projeto previstas no artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats» estavam preenchidas, uma vez que a cidade de Hamburgo partiu do princípio de que a central de Moorburg não afetava significativamente a integridade das zonas Natura 2000 situadas a montante do rio.

Apreciação do Tribunal de Justiça

71

Nos termos do artigo 6.o, n.o 4, da diretiva «habitats», se, apesar de a avaliação realizada a título do artigo 6.o, n.o 3, primeiro período, da diretiva «habitats» ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro em causa tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000.

72

No caso em apreço, tendo em conta a circunstância de a autoridade competente ter concluído pela inexistência de afetação da integridade do sítio na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats», não há que analisar a terceira acusação da ação por incumprimento da Comissão, relativa a uma violação do artigo 6.o, n.o 4, dessa diretiva.

73

Por conseguinte, há que declarar que, ao não proceder, quando da autorização da construção da central de Moorburg, a uma avaliação correta e completa das incidências, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 3, da diretiva «habitats».

Quanto às despesas

74

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Porém, segundo o n.o 3, primeiro período, deste artigo, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, se cada parte obtiver vencimento parcial. Tendo a Comissão e a República Federal da Alemanha sido ambas parcialmente vencidas, há que condená‑las nas suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

A República Federal da Alemanha, ao não proceder, quando da autorização da construção de uma central a carvão de Moorburg, perto de Hamburgo (Alemanha), a uma avaliação correta e completa das incidências, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens.

 

2)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 

3)

Cada parte suporta as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.