ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
20 de dezembro de 2017 ( *1 )
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios estatais — Televisão digital — Auxílio à implantação da televisão digital terrestre nas zonas afastadas e menos urbanizadas — Subvenção a favor dos operadores de plataformas de televisão digital terrestre — Decisão que declara as medidas de auxílio parcialmente incompatíveis com o mercado interno — Conceito de “auxílio estatal” — Vantagem — Serviço de interesse económico geral — Definição — Margem de apreciação dos Estados‑Membros»
No processo C‑70/16 P,
que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 5 de fevereiro de 2016,
Comunidad Autónoma de Galicia,
Redes de Telecomunicación Galegas Retegal SA (Retegal), com sede em Santiago de Compostela (Espanha),
representadas por F. J. García Martínez e B. Pérez Conde, abogados,
recorrentes,
sendo as outras partes no processo:
Comissão Europeia, representada por P. Němečková, É. Gippini Fournier e B. Stromsky, na qualidade de agentes,
recorrida em primeira instância,
SES Astra SA, com sede em Betzdorf (Luxemburgo), representada por F. González Díaz, V. Romero Algarra, abogados, e F. Salerno, avocat,
interveniente em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász, K. Jürimäe (relatora) e C. Lycourgos, juízes,
advogado‑geral: M. Wathelet,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de setembro de 2017,
profere o presente
Acórdão
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1 |
Através do seu recurso, a Comunidad Autónoma de Galicia (Comunidade Autónoma da Galiza, Espanha) e a Redes de Telecomunicación Galegas SA (Retegal) pedem a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 26 de novembro de 2015, Comunidad Autónoma de Galicia e Retegal/Comissão (T‑463/13 e T‑464/13, a seguir «acórdão recorrido», não publicado, EU:T:2015:901), através do qual este negou provimento aos seus recursos destinados a obter a anulação da Decisão 2014/489/UE da Comissão, de 19 de junho de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.28599 [(C 23/2010) (ex NN 36/2010, ex CP 163/2009)] concedido pelo Reino de Espanha para a implantação da televisão digital terrestre em zonas remotas e menos urbanizadas (exceto em Castela‑Mancha) (JO 2014, L 217, p. 52, a seguir «decisão controvertida»). |
Antecedentes do litígio e decisão controvertida
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2 |
Os factos na origem do litígio foram resumidos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 22 do acórdão recorrido. Para efeitos do presente processo, podem ser resumidos do seguinte modo. |
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3 |
O presente processo diz respeito a uma série de medidas tomadas pelas autoridades espanholas no âmbito da passagem da radiodifusão analógica à radiodifusão digital em Espanha, para todo o território espanhol, com exceção da Comunidad Autónoma de Castilla‑La‑Mancha (Comunidade Autónoma de Castela‑Mancha, Espanha) (a seguir «medida em causa»). |
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4 |
O Reino de Espanha instituiu um quadro regulamentar para promover o processo de transição da radiodifusão analógica para a radiodifusão digital, ao promulgar, designadamente, a Ley 10/2005 de Medidas Urgentes para el Impulso de la Televisión Digital Terrestre, de Liberalización de la Televisión por Cable y de Fomento del Pluralismo (Lei 10/2005, que estabelece medidas urgentes para o desenvolvimento da televisão digital terrestre, da liberalização da televisão por cabo e que encoraja o pluralismo), de 14 de junho de 2005 (BOE n.o 142, de 15 de junho de 2005, p. 20562), e o Real Decreto 944/2005 por el que se aprueba el Plano técnico nacional de televisión digital terrestre (Real Decreto 944/2005 que aprova o Plano técnico nacional a favor da televisão digital terrestre), de 29 de julho de 2005 (BOE n.o 181, de 30 de julho de 2005, p. 27006). Este real decreto impôs aos radiodifusores nacionais privados e públicos que se assegurassem, respetivamente, de que 96% e 98% da população receberia a televisão digital terrestre (TDT). |
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5 |
A fim de permitir a passagem da televisão analógica à TDT, as autoridades espanholas dividiram o território espanhol em três zonas distintas, respetivamente denominadas «zona I», «zona II » e «zona III» A zona II, em causa no presente processo, inclui regiões menos urbanizadas e afastadas, que representam 2,5% da população espanhola. Nesta zona, os radiodifusores, por falta de interesse comercial, não investiram na digitalização, o que levou as autoridades espanholas a criar um financiamento público. |
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6 |
No mês de setembro de 2007, o Consejo de Ministros (Conselho de Ministros, Espanha) adotou o programa nacional a favor da passagem à TDT cujo objetivo era atingir uma taxa de cobertura da população espanhola pelo serviço da TDT análoga à dessa população para a televisão analógica durante o ano de 2007, isto é, mais de 98% dessa população e a totalidade ou quase totalidade da população das Comunidades Autónomas do País Basco, da Catalunha e de Navarra (Espanha). |
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7 |
Com vista a atingir os objetivos de cobertura fixados para a TDT, as autoridades espanholas previram conceder um financiamento público, designadamente para sustentar o processo de digitalização terrestre na zona II e, mais especialmente, no interior das regiões das comunidades autónomas situadas nesta zona. |
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8 |
No mês de fevereiro de 2008, o Ministerio de Industria, Turismo y Comercio (Ministério da Indústria, do Turismo e do Comércio, Espanha) (seguir «MITC») adotou uma decisão destinada a melhorar as infraestruturas de telecomunicações e a fixar os critérios e a repartição do financiamento das ações levadas a cabo a favor do desenvolvimento da sociedade da informação no âmbito de um plano intitulado «Plano Avanza». O orçamento aprovado por força desta decisão foi parcialmente afetado à digitalização da televisão na zona II. |
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9 |
Esta digitalização decorreu entre os meses de julho e de novembro de 2008. O MITC transferiu seguidamente fundos para as comunidades autónomas, que se comprometeram a financiar as restantes despesas ligadas à operação com os seus próprios recursos orçamentais. |
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10 |
No mês de outubro de 2008, o Conselho de Ministros decidiu atribuir fundos suplementares para alargar e completar a cobertura da TDT no quadro dos projetos de passagem ao digital que deviam ser executados durante o primeiro semestre do ano de 2009. |
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11 |
Seguidamente, as comunidades autónomas iniciaram o processo de extensão da TDT. Para esse efeito, organizaram concursos ou confiaram essa extensão a empresas privadas. Em alguns casos, as comunidades autónomas pediram aos municípios que se encarregassem da referida extensão. |
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12 |
Em 18 de maio de 2009, a Comissão Europeia recebeu uma queixa proveniente da SES Astra SA relativa a um regime de auxílios das autoridades espanholas a favor da passagem da televisão analógica à TDT na zona II. Segundo a SES Astra SA, esse regime era constitutivo de um auxílio não notificado suscetível de criar uma distorção de concorrência entre a plataforma de radiodifusão terrestre e a da radiodifusão por satélite. |
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13 |
Por carta de 29 de setembro de 2010, a Comissão informou o Reino de Espanha da sua decisão de abertura do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativo ao regime de auxílios em causa em todo o território espanhol, com exceção da Comunidade Autónoma de Castela‑Mancha, região na qual um procedimento independente foi aberto. |
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14 |
A Comissão adotou seguidamente a decisão controvertida cujo artigo 1.o do dispositivo declara que o auxílio estatal concedido aos operadores da plataforma de televisão terrestre para a implantação, a manutenção e a exploração da rede de TDT na zona II foi executado em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, e que esse auxílio é incompatível com o mercado interno, com exceção do que foi concedido em conformidade com o princípio da neutralidade tecnológica. O artigo 3.o do dispositivo desta decisão ordena a recuperação deste auxílio incompatível junto dos operadores de TDT, quer estes tenham recebido o auxílio direta ou indiretamente. |
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15 |
Nos fundamentos da decisão controvertida, a Comissão considerou, em primeiro lugar, que os diferentes instrumentos adotados a nível central e as convenções que tinham sido celebradas entre o MITC e as comunidades autónomas constituíam a base do regime de auxílios para a extensão da TDT na zona II. Na prática, as comunidades autónomas aplicaram as diretrizes do Governo espanhol sobre a extensão da TDT. |
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Em segundo lugar, a Comissão concluiu que a medida em causa devia ser considerada como sendo um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A este respeito, a Comissão referiu, em especial, que as autoridades espanholas tinham unicamente apresentado o caso da Comunidade Autónoma do País Basco para invocar a inexistência de um auxílio estatal em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, a seguir «acórdão Altmark, EU:C:2003:415). Todavia, o primeiro requisito deste acórdão (a seguir «primeiro requisito Altmark»), segundo o qual, por um lado, a empresa beneficiária deve efetivamente ser incumbida da execução obrigações de serviço público e, por outro, essas obrigações devem ser claramente definidas, não estava preenchido, segundo a Comissão. Além disso, na falta de garantia do menor custo no interesse geral da referida comunidade autónoma, o quarto requisito do referido acórdão também não estava preenchido. |
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17 |
Em terceiro lugar, a Comissão entendeu que a medida em causa não podia ser considerada um auxílio estatal compatível com o mercado interno, por força do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, não obstante o facto de que essa medida era destinada a alcançar um objetivo de interesse comum perfeitamente definido e de que existia uma falha do mercado em causa. Em seu entender, uma vez que a referida medida não respeitava o princípio da neutralidade tecnológica, não era proporcionada e não constituía um instrumento adequado a garantir a cobertura dos canais em sinal aberto aos residentes da zona II. |
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18 |
Em quarto lugar, a Comissão considerou que, na falta de uma definição suficientemente precisa da exploração de uma plataforma terrestre enquanto serviço público, a medida em causa não podia ser justificada ao abrigo do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. |
Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido
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19 |
Por petições entradas na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de agosto de 2013, as recorrentes interpuseram os seus recursos destinados a obter a anulação da decisão controvertida. |
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Por despacho de 9 de fevereiro de 2015, ouvidas as partes, o Tribunal Geral decidiu apensar os processos para efeitos da fase oral do processo e do acórdão. |
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21 |
Em apoio dos seus recursos, as recorrentes invocaram quatro fundamentos. O primeiro fundamento era relativo a uma violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Os restantes fundamentos foram suscitados a título subsidiário. O segundo e terceiro fundamentos respeitavam à compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno. Estes fundamentos eram relativos a uma inobservância dos requisitos de autorização referidos no artigo 106.o, n.o 2, TFUE e no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Através do seu quarto fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão tinha, erradamente, qualificado a Retegal de «beneficiário de um auxílio de Estado ilegal». |
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22 |
Através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente cada um dos fundamentos e, por conseguinte, negou, na íntegra, provimento aos recursos. |
Pedidos das partes
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Com o seu recurso, as recorrentes pedem que o Tribunal de Justiça se digne:
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A Comissão e a SES Astra pedem ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e que as recorrentes sejam condenadas nas despesas. |
Quanto ao presente recurso
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Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam quatro fundamentos. O primeiro diz respeito a um erro de direito na medida em que o Tribunal Geral não proferiu uma anulação parcial da decisão controvertida, não obstante ter acolhido o quarto fundamento de anulação apresentado pelas recorrentes, relativo a um erro de apreciação no que diz respeito à qualificação da Retegal como beneficiária de um auxílio ilegal. O segundo fundamento é relativo a uma violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral declarou que estavam reunidos os requisitos exigidos para qualificar a medida em causa de auxílio de Estado. O terceiro fundamento é relativo a uma violação do dever de fundamentação e do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral conclui erradamente pelo caráter seletivo desta medida. O quarto fundamento é relativo a um erro de direito cometido na interpretação do artigo 14.o TFUE e do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, bem como do Protocolo n.o 26 sobre os serviços de interesse geral. |
Quanto ao primeiro fundamento
Argumentos das partes
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26 |
Através do seu primeiro fundamento, as recorrentes sustentam que Tribunal Geral cometeu um erro de direito na medida em que, no termo da sua análise do quarto fundamento de anulação, deveria ter acolhido parcialmente os seus recursos, em conformidade com as exigências do artigo 264.o TFUE. |
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27 |
Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que, como o próprio Tribunal Geral reconheceu no n.o 160 do acórdão recorrido, o dispositivo de uma decisão da Comissão deve ser lido à luz dos considerandos dessa decisão. Observam que é verdade que o dispositivo da decisão controvertida não retoma expressamente a identidade dos beneficiários nem o montante do auxílio. Todavia, a remissão, no dispositivo, para a secção 6.2 desta decisão e, portanto, para os considerandos 193 e 194 desta privaria de efeito jurídico as constatações que figuram nos n.os 149 a 163 do acórdão recorrido. |
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28 |
Em segundo lugar, segundo as recorrentes, tendo em conta os artigos 13.o e 14.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), o Tribunal Geral não podia afirmar validamente, no n.o 153 do acórdão recorrido, que os considerandos 193 e 194 da decisão controvertida se limitavam a fornecer informações necessárias à recuperação do auxílio ilegal em causa. |
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29 |
Em terceiro lugar, ainda que tenha decidido, no acórdão recorrido, que nenhuma consequência deve decorrer dos considerandos da decisão controvertida nos quais a Comissão identificou os beneficiários e o montante do auxílio a recuperar, o Tribunal Geral omitiu, erradamente, a repercussão dessa constatação no dispositivo desse acórdão. |
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30 |
Em quarto lugar, as recorrentes consideram que, em razão dessa omissão, as autoridades espanholas não se encontram em medida, no quadro do processo de recuperação do auxílio ilegal em causa, de apreciar o alcance da decisão controvertida, contrariamente ao que exige, designadamente, o princípio da segurança jurídica. |
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31 |
A Comissão sustenta que este primeiro fundamento assenta numa leitura errada do acórdão recorrido, dado que, contrariamente ao que as recorrentes alegam, este acórdão não julgou procedente nenhum dos argumentos suscitados por estas em primeira instância. |
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32 |
A SES Astra considera que o primeiro fundamento é manifestamente inadmissível dado que, na realidade, visa contestar as apreciações de ordem factual feitas pelo Tribunal Geral. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
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33 |
Através do seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam, em substância, que os fundamentos do acórdão recorrido, através dos quais o Tribunal Geral deu acolhimento ao seu quarto fundamento de anulação, relativo a um erro de apreciação na qualificação da Retegal como beneficiária do auxílio ilegal em causa, deveriam ter conduzido à anulação parcial da decisão controvertida. |
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34 |
Na medida em que o argumento das recorrentes tem por objeto a existência de uma pretensa incoerência entre os fundamentos e o dispositivo do acórdão recorrido, há que afastar o da SES Astra no que diz respeito à inadmissibilidade deste fundamento. |
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35 |
Quanto ao mérito, o referido fundamento assenta numa leitura manifestamente errada do acórdão recorrido. |
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36 |
Com efeito, resulta claramente dos n.os 151 e 160 desse acórdão que, contrariamente ao que as recorrentes sustentam, o Tribunal Geral não acolheu o quarto fundamento de anulação por estas apresentado, antes o tendo rejeitado por ser inoperante. |
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37 |
Decorre, a este respeito, do n.o 153 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral, designadamente, respondeu aos argumentos das recorrentes recordando, nos considerandos 189 a 195 da decisão controvertida, que se encontram no ponto 6.2 desta decisão, que a Comissão se tinha limitado a dar informações ao Reino de Espanha relativas aos beneficiários da medida a fim de que este Estado‑Membro pudesse cumprir as suas obrigações de recuperação e de informação previstas nos artigos 3.o e 4.o da referida decisão. |
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38 |
O Tribunal Geral precisou, além disso, nesse ponto que, na medida em que a Comissão tinha entendido, no considerando 193 da decisão controvertida, por um lado, que a situação na Galiza estava abrangida pela categoria do regime de auxílios na qual a extensão da rede foi confiada a uma empresa pública atuando enquanto operador da rede e, por outro, que a Retegal era o beneficiário da medida em causa nesta comunidade autónoma, estas considerações constituíam uma avaliação preliminar na fase desta decisão no que respeita à apreciação da legalidade do regime de auxílios em causa. Com efeito, entendeu que estas constatações não constituíam uma tomada de posição juridicamente vinculativa no que respeita à situação na Galiza e à qualificação da Retegal de beneficiária do auxílio, uma vez que, em conformidade com o considerando 189 da decisão controvertida, esta situação continuava sujeita à avaliação das autoridades espanholas. |
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39 |
Assim, no n.o 160 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que incumbia ao Reino de Espanha determinar, no quadro da recuperação do auxílio controvertido, prevista no artigo 4.o da referida decisão, se o auxílio em causa na Galiza escapava à obrigação de recuperação atendendo aos elementos contidos nos artigos 1.o e 3.o da mesma decisão, lidos à luz dos considerandos 185 e 186 desta. Por conseguinte, na medida em que as recorrentes invocavam, em substância, que a Comissão tinha procedido a constatações erradas quanto ao auxílio a recuperar na Galiza, o Tribunal Geral considerou que esta argumentação era inoperante. |
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40 |
Por conseguinte, há que rejeitar o primeiro fundamento por ser manifestamente infundado. |
Quanto ao segundo fundamento
Argumentos das partes
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41 |
Através do seu segundo fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter ignorado a alcance da fiscalização que lhe incumbia efetuar, por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, dado que confirmou a qualificação como auxílio estatal da medida em causa baseando‑se nos n.os 57, 61 e 79 do acórdão recorrido. Alegam, a este respeito, que o Tribunal Geral não verificou a exatidão dos factos invocados pela Comissão nem teve em conta elementos perante ele aduzidos pelas recorrentes, designadamente quanto à natureza económica da atividade em causa. |
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42 |
Em primeiro lugar, o Tribunal Geral procedeu a uma descrição errada da atividade em causa na Galiza ao considerar, designadamente no n.o 61 do acórdão recorrido, que a rede da TDT era suscetível de exploração comercial, ao passo que as recorrentes demonstraram em primeira instância que não era esse o caso, em razão das características técnicas e do nível de equipamentos da referida rede bem como da regulamentação aplicável. Daí resulta uma desvirtuação dos factos pertinentes do caso vertente e uma violação da jurisprudência relativa ao alcance da fiscalização jurisdicional em matéria de auxílios estatais. |
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43 |
Em segundo lugar, as recorrentes alegam que, ao não ter tido em conta, no acórdão recorrido, o facto de que a rede em causa não é objeto de exploração comercial e que não foi concebida para isso, o Tribunal Geral não exerceu uma fiscalização completa sobre a questão de saber se a medida controvertida estava ou não incluída no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, segundo a regulamentação nacional, os municípios, em colaboração com as comunidades autónomas, fornecem exclusivamente o serviço de suporte ao sinal da TDT e este serviço só pode ser fornecido nas zonas onde não há cobertura da TDT e sem nenhuma contrapartida financeira. Na opinião das recorrentes, tal serviço não implica nenhuma distorção de concorrência e foi qualificado de serviço público pelo direito nacional. |
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44 |
Em terceiro lugar, o Tribunal Geral desvirtuou o direito nacional, especialmente a décima segunda disposição adicional do Real Decreto 944/2005, ao afirmar, no n.o 79 do acórdão recorrido, que a rede em causa poderia ser utilizada para o fornecimento de serviços diferentes da TDT, não obstante resultar claramente deste direito que a referida rede só pode ser explorada para a TDT. |
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45 |
A Comissão e a SES Astra consideram que este fundamento é inadmissível. Por um lado, visa contestar apreciações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral. Por outro lado, limita‑se a repetir argumentos já apresentados no Tribunal Geral. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
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46 |
O segundo fundamento das recorrentes visa as apreciações pretensamente erradas do Tribunal Geral, contidas nos n.os 57, 61 e 79 do acórdão recorrido, no que diz respeito à natureza económica da atividade em causa na Galiza. Estas apreciações conduziram este último a cometer um erro de direito ao qualificar a medida em causa de «auxílio estatal», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. |
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47 |
Como resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito. O Tribunal Geral é, portanto, o único competente para apurar e apreciar os factos pertinentes, bem como para apreciar os elementos de prova. Assim, a apreciação desses factos e desses elementos de prova não constitui, salvo em caso de desvirtuação destes, uma questão de direito que esteja, como tal, sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso (v., designadamente, despacho de 21 de abril de 2016, Dansk Automat Brancheforening/Comissão, C‑563/14 P, não publicado, EU:C:2016:303, n.o 26 e jurisprudência referida). |
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48 |
Além disso, por força das mesmas disposições e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, um recurso de decisão do Tribunal Geral deve indicar de forma precisa os elementos criticados do acórdão cuja anulação é pedida bem como os argumentos jurídicos que sustentam de maneira específica esse pedido. Não preenche as exigências de fundamentação resultantes dessas disposições um recurso que, sem conter sequer uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito de que o acórdão recorrido padece, se limita a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos que foram apresentados no Tribunal Geral, incluindo os que se baseavam em factos expressamente rejeitados por esse órgão jurisdicional. Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido destinado a obter um simples reexame da petição apresentada no Tribunal Geral, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça (v., designadamente, despacho de 21 de abril de 2016, Dansk Automat Brancheforening/Comissão, C‑563/14 P, não publicado, EU:C:2016:303, n.o 27 e jurisprudência referida). |
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49 |
Em primeiro lugar, constate‑se que, no essencial, com o presente fundamento, as recorrentes visam precisamente, reiterando, em substância, os mesmos argumentos que os suscitados no Tribunal Geral, pôr em causa as constatações e as apreciações factuais efetuadas por este último no âmbito do exame da primeira e segunda partes do primeiro fundamento de anulação. Agindo deste modo, procuram, na realidade obter um reexame dos factos e dos elementos de prova por elas apresentados em primeira instância a fim de demonstrar, por um lado, que a ação exercida pela Comunidade Autónoma da Galiza faz parte do exercício de prorrogativas de autoridade pública e não de uma atividade económica e, por outro, que a medida em causa não implica implicava nenhuma transferência de recursos. |
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50 |
Em segundo lugar, no que respeita às pretensas desvirtuações dos factos e do direito nacional alegadas pelas recorrentes, estas últimas devem, em aplicação das disposições recordadas no n.o 47 do presente acórdão, indicar de forma precisa os elementos que foram desvirtuados pelo Tribunal Geral e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, o conduziram a essa desvirtuação. Por outro lado, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma desvirtuação deve transparecer de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (v., neste sentido, acórdão de 30 de novembro de 2016, Comissão/França e Orange, C‑486/15 P, EU:C:2016:912, n.o 99 e jurisprudência referida). |
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51 |
Por conseguinte, os argumentos relativos a uma desvirtuação dos factos devem ser rejeitados de imediato, uma vez que, através da sua argumentação, as recorrentes não apresentaram nenhum elemento do qual resulte manifestamente que o Tribunal Geral levou a cabo tal desvirtuação. |
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52 |
Nestas condições, há que julgar inadmissível o segundo fundamento. |
Quanto ao terceiro fundamento
Argumentos das partes
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53 |
No seu terceiro fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter violado o seu dever de fundamentação e de ter cometido um erro de apreciação ao confirmar, no n.o 85 do acórdão recorrido, o considerando 113 da decisão controvertida no que diz respeito ao caráter seletivo do auxílio. |
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54 |
Segundo as recorrentes, o Tribunal Geral não indica em que medida a situação nos municípios da Galiza da zona II, isto é, os que utilizam a tecnologia terrestre, é comparável com a situação dos municípios nos quais são utilizadas outras tecnologias, como a tecnologia por satélite. Ora, o exame da compatibilidade das situações constitui um requisito prévio necessário para demonstrar o caráter seletivo do auxílio. |
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55 |
A Comissão considera que este fundamento é inoperante e desprovido de qualquer base. Sustenta que o requisito da seletividade está preenchido se uma medida, que não é uma medida de caráter geral, se aplica exclusivamente a um setor de atividade ou às empresas de uma zona geográfica dada. No caso presente, mesmo admitindo que o auxílio tenha sido concedido com observância do princípio da neutralidade tecnológica, continuava a ser uma medida seletiva uma vez que se aplica a um setor de atividade, isto é, o setor da radiodifusão, e não a todos os operadores económicos. |
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56 |
A SES Astra sustenta que este fundamento é manifestamente inadmissível e, de qualquer modo, improcedente. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
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57 |
Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes criticam o n.o 85 do acórdão recorrido na medida que aí é confirmada a análise da Comissão quanto ao caráter seletivo da medida em causa. |
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58 |
O requisito relativo à seletividade da vantagem é constitutivo do conceito de «auxílio estatal» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que este proíbe os auxílios que «favorece[m] certas empresas ou certas produções». Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a apreciação deste requisito impõe que seja determinado se, no quadro de um regime jurídico dado, uma medida nacional é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que, tendo em conta objetivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável (acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 41 e jurisprudência referida). |
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59 |
Além disso, recorde‑se que a apreciação, pelo Tribunal Geral, do caráter suficiente, ou não, da fundamentação é passível da fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso (acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustrie e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 453, e de 26 de julho de 2017, Conselho/Hamas, C‑79/15 P, EU:C:2017:584, n.o 51 e jurisprudência referida). A este respeito, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (acórdão de 8 de março de 2017, Viasat Broadcasting UK/Comissão, C‑660/15 P, EU:C:2017:178, n.o 43 e jurisprudência referida). Quanto ao exame do requisito relativo à seletividade de uma medida de auxílio, o Tribunal de Justiça declarou que esse exame deve ser suficientemente fundamentado a fim de permitir uma fiscalização jurisdicional completa, designadamente, sobre o caráter comparável da situação dos operadores que beneficiam da medida com a dos operadores que dela são excluídos (acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group SA e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 94). |
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60 |
No caso presente, no n.o 86 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral respondeu ao argumento das recorrentes em primeira instância segundo o qual a fundamentação relativa ao caráter seletivo da medida em causa, tal como figura no considerando 113 da decisão controvertida, era insuficiente. O Tribunal Geral afastou este argumento, uma vez que esta fundamentação indicava que esta medida apenas beneficiava o setor da radiodifusão e que, nesse setor, a referida medida dizia apenas respeito às empresas operadoras no mercado da plataforma terrestre. |
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61 |
Este raciocínio padece de um erro de direito. Com efeito, nem os fundamentos da decisão controvertida nem tão‑pouco, por outro lado, os do acórdão recorrido contêm indicação alguma que permita compreender por que razões se deveria considerar que as empresas ativas no setor da radiodifusão se encontram numa situação factual e jurídica comparável em relação às empresas ativas noutros setores, ou que as empresas que utilizam a tecnologia terrestre se encontram nessa situação em relação às empresas que utilizam outras tecnologias. Não pode prosperar o argumento da Comissão segundo o qual não era necessária nenhuma fundamentação a este respeito, uma vez que o requisito da seletividade estaria automaticamente preenchido se uma medida se aplicasse exclusivamente a um setor de atividade ou às empresas de uma zona geográfica dada. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que uma medida da qual beneficia apenas um setor de atividade ou uma parte das empresas desse setor não é necessariamente seletiva. Com efeito, apenas o é se, no quadro de um regime jurídico dado, esse medida tiver por efeito beneficiar certas empresas em relação a outras que pertencem a outros setores ou ao mesmo setor e que, à luz do objetivo prosseguido por esse regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável (acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 58). |
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62 |
Essa falta de fundamentação é constitutiva de violação das formalidades essenciais e, deste modo, entrava a fiscalização jurisdicional do juiz da União. |
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63 |
Nestas condições, deve ser dado acolhimento ao terceiro fundamento. |
Quanto ao quarto fundamento
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64 |
Através do seu quarto fundamento, as recorrentes invocam um erro de direito cometido na interpretação do artigo 14.o TFUE e do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, bem como do Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral. Este fundamento está subdividido em três partes. |
Quanto à primeira parte
– Argumentos das partes
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65 |
A primeira parte do primeiro fundamento é relativa a um erro de direito no que diz respeito ao poder de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros na definição do serviço de interesse geral (SIEG) em causa. |
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66 |
As recorrentes consideram que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito nos n.os 99, 101 e 111 do acórdão recorrido quando declarou que a explorarão da rede terrestre não foi definida como um SIEG na aceção do primeiro requisito Altmark. Alegam, a este respeito, que o Tribunal Geral se limitou a excluir, por princípio, que essa exploração possa ser definida como um SIEG, sem analisar as circunstâncias particulares que caracterizam a infraestrutura presente na zona II e, designadamente, se esta podia ser explorável comercialmente. |
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67 |
Segundo as recorrentes, o Tribunal Geral limitou‑se a examinar, nos n.os 100 a 105 do acórdão recorrido, as leis nacionais relativas às telecomunicações, sem ter em conta o facto de que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, a missão de serviço público foi definida através de diferentes atos oficiais sucessivos, e, designadamente, a décima segunda disposição adicional do Real Decreto 944/2005 que rege a intervenção das autoridades regionais e locais no fornecimento do serviço público, bem como as convenções de parceria celebradas entre o Estado, a Comunidade Autónoma da Galiza e os municípios da Galiza. Por conseguinte, o Tribunal Geral equivocou‑se acerca da verdadeira natureza do serviço em causa. |
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68 |
Segundo as recorrentes, foi erradamente que o Tribunal Geral se limitou a constatar que a exploração da rede terrestre não estava definida como um serviço público no direito nacional, sem ter em conta as circunstâncias específicas que caracterizam a infraestrutura que existe na zona II da Galiza. Além disso, as recorrentes sublinham que, no que respeita às entidades às quais a missão de serviço público é atribuída, o direito nacional especifica claramente que esta é confiada aos municípios em parceria com a Comunidade Autónoma da Galiza. Por último, quanto à questão de saber se as obrigações de serviço público estão efetivamente definidas no direito nacional, as recorrentes salientam que a décima segunda disposição suplementar do Real Decreto 944/2005 precisa que o serviço cujo fornecimento é confiado às administrações territoriais é o da difusão da TDT aos seus administrados nas condições fixadas pela regulamentação nacional. |
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69 |
Ao agir deste modo, o Tribunal Geral violou, no entender das recorrentes, o poder discricionário e a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros para definir um SIEG. |
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70 |
A Comissão e a SES Astra consideram que os argumentos desenvolvidos em apoio desta parte são, em parte, inadmissíveis e, em parte, inoperantes. |
– Apreciação do Tribunal de Justiça
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71 |
Na primeira parte do seu quarto fundamento de recurso, as recorrentes acusam, em substância, o Tribunal Geral de ter cometido vários erros de apreciação do direito nacional que o levaram a ignorar a existência em direito nacional de uma definição clara do serviço de suporte da TDT como serviço público na aceção do acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark (C‑280/00, EU:C:2003:415). |
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72 |
Recorde‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça referida no n.o 50 do presente acórdão, quanto ao exame, no âmbito de um recurso, das apreciações do Tribunal Geral relativas ao direito nacional, o Tribunal de Justiça apenas é competente para verificar se houve desvirtuação desse direito. A este propósito, essa desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas. |
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73 |
No caso vertente, no n.o 99 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação através da qual as recorrentes alegavam que a Comissão tinha considerado sem razão que, na falta de definição clara do serviço de exploração da rede terrestre enquanto serviço público, o primeiro requisito Altmark não estava preenchido. Resulta do n.o 98 do acórdão recorrido que esta argumentação assenta, no essencial, no facto de a televisão espanhola bem como o serviço de suporte da radiodifusão televisiva serem serviços públicos por força da legislação espanhola. |
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74 |
Ora, há que constatar que, a pretexto de acusar o Tribunal Geral de ter cometido vários erros de direito quando apreciou esta legislação, as recorrentes limitam‑se, sem invocar a menor desvirtuação, a criticar a interpretação do direito nacional, em especial, da décima segunda disposição adicional do Real Decreto 944/2005, feita pelo Tribunal Geral designadamente nos n.os 100 a 102 do acórdão recorrido, com o objetivo de substituir essa interpretação por uma interpretação alternativa e, portanto, de obter uma nova apreciação dos factos. De modo nenhum as recorrentes procuram demonstrar que o Tribunal Geral procedeu a constatações que vão manifestamente contra o conteúdo desse direito nacional ou que atribuiu a este último um alcance de que este, atendendo aos elementos dos autos, não está manifestamente revestido. |
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75 |
Nestas condições, o argumento das recorrentes relativo à existência de erros de apreciação do direito nacional é inadmissível. |
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76 |
Além disso, na medida em que as recorrentes alegam igualmente que a apreciação do Tribunal Geral conduziu este último a negar o poder de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros para definir os SIEG, importa constatar que o Tribunal Geral declarou precisamente, no n.o 95 do acórdão recorrido, que estes Estados‑Membros dispõem de um amplo poder de apreciação no que respeita a esta definição e, consequentemente, que a definição desses serviços por um Estado‑Membro só pode ser posta em causa pela Comissão em caso de erro manifesto. |
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77 |
A este respeito, e como, de resto, as recorrentes reconhecem, o Tribunal Geral declarou, no n.o 97 do acórdão recorrido, que, ao exercer a sua fiscalização, este deve, no entanto, assegurar‑se do respeito de certos critérios mínimos relativos, designadamente, à existência de um ato de autoridade pública que tenha investido os operadores em causa de uma missão de SIEG e ao caráter universal e obrigatório dessa missão. |
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78 |
Ora, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 136 das suas conclusões, o Tribunal Geral constatou, no n.o 110 do acórdão recorrido, que, em nenhum momento, as recorrentes estavam em condições de determinar quais as obrigações de serviço público de que foram incumbidos os exploradores de redes de TDT quer pela legislação espanhola, quer pelas convenções de exploração, e menos ainda disso terem apresentado prova. |
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79 |
Consequentemente, o argumento das recorrentes relativo ao facto de o Tribunal Geral ter excluído, por princípio, que a exploração da rede terrestre possa ser definida como um SIEG deve ser considerado infundado. |
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80 |
Assim, há que julgar a primeira parte do quarto fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente. |
Quanto à segunda parte
– Argumentos das partes
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81 |
A segunda parte do presente fundamento diz respeito a uma suposta inobservância, pelo Tribunal Geral, do limite do erro manifesto, no âmbito do seu exame do direito nacional que define o SIEG em causa. |
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82 |
As recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito no n.o 112 do acórdão recorrido, ao limitar‑se a confirmar o conteúdo do considerando 121 da decisão controvertida, segundo o qual a definição como serviço público de exploração de uma plataforma de suporte determinada, neste caso, a da plataforma terrestre, constituiu um erro manifesto das autoridades espanholas. O Tribunal Geral não apreciou a existência de um erro manifesto na definição do SIEG em causa e limitou‑se a declarar que não existe uma definição clara e precisa desse SIEG. |
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83 |
Segundo as recorrentes, o Tribunal Geral ignorou, deste modo, que o poder de apreciação dos Estados‑Membros lhes permite escolher o modo específico de execução dos SIEG, como, no caso presente, a plataforma terrestre. A este respeito, as recorrentes salientam uma contradição com o n.o 78 do acórdão de 26 de novembro de 2015, Comunidad Autónoma del País Vasco e Itelazpi/Comissão (T‑462/13, EU:T:2015:902), no qual o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha constatado erradamente, no considerando 121 da decisão controvertida, um erro manifesto das autoridades espanholas na definição do SIEG em causa. As recorrentes alegam, ainda, que, tendo em conta uma falha do mercado em causa na zona em causa, um interesse geral e um objetivo de universalidade previsto no direito nacional pertinente, a definição deste serviço continha os elementos essenciais para a sua definição como SIEG. |
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84 |
A Comissão e a SES Astra entendem que a presente parte é inadmissível. |
– Apreciação do Tribunal de Justiça
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85 |
Através da segunda parte do quarto fundamento, as recorrentes criticam, em substância, o n.o 112 do acórdão recorrido no qual o Tribunal Geral constatou que resulta do considerando 121 da decisão controvertida que a definição enquanto serviço público da exploração da plataforma terrestre constitui um erro manifesto das autoridades espanholas. |
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86 |
Refira‑se que a presente parte constitui um argumento novo que não foi sujeito à apreciação do Tribunal Geral e que, consequentemente, é inadmissível na fase do recurso. |
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87 |
Com efeito, resulta do n.o 112 do acórdão recorrido que as recorrentes não contestaram o considerando 121 da decisão controvertida. |
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88 |
Ora, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça está limitada à apreciação da solução legal que foi dada aos fundamentos debatidos perante o juiz de primeira instância (despacho de 16 de fevereiro de 2017, Monster Energy/EUIPO, C‑502/16 P, não publicado, EU:C:2017:139, n.o 5 e jurisprudência referida). |
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89 |
Consequentemente, o argumento suscitado em apoio da presente parte deve ser rejeitado por ser inadmissível. |
Quanto à terceira parte
– Argumentos das partes
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90 |
A terceira parte do presente fundamento é relativa a um erro de direito, na medida em que o Tribunal Geral desvirtuou uma disposição do direito nacional, a saber, a Circular 1/2010 da Comissão do Mercado das Telecomunicações espanholas, que constitui um elemento de apreciação da natureza do serviço em causa. |
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91 |
As recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter afastado, no n.o 109 do acórdão recorrido, o seu argumento relativo à Circular 1/2010 pelo facto de esta não ter sido perante ele apresentada. Daí decore uma incoerência com os restantes fundamentos desse número que dizem respeito à questão da interpretação do direito nacional e às regras processuais do Tribunal de Justiça, o que levaria a uma violação dos seus direitos de defesa. As recorrentes sustentam que o Tribunal Geral adotou uma medida de organização do processo de modo a que a Comissão apresentasse certos elementos do direito nacional, entre os quais essa circular não figurava. Sublinham que o conteúdo e o caráter vinculativo desta não são contestados pelas partes no litígio. Por último, o facto de o serviço de suporte da TDT estar excluído do âmbito de aplicação da Circular 1/2010 implica que este serviço deve ser considerado como serviço público. |
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92 |
A Comissão considera que, na medida em que as recorrentes reconhecem que a definição do serviço em causa como serviço público não é retomada na Circular 1/2010, é difícil entender em que é que uma suposta desvirtuação do direito nacional é pertinente. Além disso, as recorrentes não indicam em que é que essa desvirtuação consiste. De qualquer modo, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito no n.o 109 do acórdão recorrido. |
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93 |
A SES Astra entende que esta parte é inadmissível porque as recorrentes não indicam em que é que a aplicação da Circular 1/2010 é pertinente para anular o acórdão recorrido. |
– Apreciação do Tribunal de Justiça
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94 |
Através da terceira parte, as recorrentes acusam, em substância, o Tribunal Geral de ter, erradamente, afastado a sua argumentação relativa à Circular 1/2010 alegando que esta não tinha sido perante ele apresentada, quando o Tribunal Geral poderia ter pedido que a referida circular fosse apresentada. |
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95 |
Esta parte é inoperante. Com efeito, resulta do n.o 109 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral não se limitou a rejeitar a argumentação das recorrentes relativa à Circular 1/2010 porque esta não tinha sido perante ele apresentada, mas constatou, a título subsidiário, que essa argumentação não demonstrava que o serviço de exploração de uma rede terrestre tinha sido definido como serviço de interesse público na aceção do acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark (C‑280/00, EU:C:2003:415). Ora, as recorrentes não apresentam nenhum argumento concreto que ponha esta constatação em causa. |
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96 |
Tendo o terceiro fundamento sido acolhido, importa, com base no mesmo, anular o acórdão recorrido. |
Quanto ao recurso para o Tribunal Geral
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97 |
Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. É isso que se verifica no caso presente. |
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98 |
Neste contexto, basta salientar que, pelos motivos enunciados nos n.os 60 a 62 do presente acórdão, a decisão controvertida deve ser anulada por violação de formalidades essenciais. |
Quanto às despesas
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99 |
Por força do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, este decidirá igualmente sobre as despesas. O artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. |
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100 |
Tendo o recurso das recorrentes sido julgado procedente e a decisão controvertida anulada, há que condenar a Comissão, em conformidade com os pedidos das recorrentes, a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelas recorrentes no âmbito do presente recurso e as despesas por elas efetuadas em primeira instância. |
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101 |
Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a SES Astra, enquanto interveniente, respetivamente, no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça, suporta as suas próprias despesas. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: espanhol.