ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

19 de outubro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia — Artigo 9.o — Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação CE‑Turquia — Artigos 4.°, 5.° e 7.° — União aduaneira — Transporte rodoviário — Imposto de circulação sobre os veículos a motor — Tributação de veículos pesados registados na Turquia e que atravessam a Hungria em trânsito»

No processo C‑65/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Szegedi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Szeged, Hungria), por decisão de 18 de janeiro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de fevereiro de 2016, no processo

Istanbul Lojistik Ltd

contra

Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatóság,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relatora), juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de janeiro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Istanbul Lojistik Ltd, por S. Habóczky, V. Weiss e A. Nagy, ügyvédek,

em representação do Governo húngaro, por M. Tátrai, E. Sebestyén, Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. Collabolletta e G. Rocchitta, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por J. Hottiaux, E. Georgieva e L. Havas, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de abril de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.o do Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado, em 12 de setembro de 1963, em Ancara pela República de Turquia, por um lado, e pelos Estados‑Membros da CEE e a Comunidade, por outro, e que foi concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18; a seguir «Acordo CEE‑Turquia»), dos artigos 4.°, 5.° e 7.° da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação CE‑Turquia, de 22 de dezembro de 1995, relativa à execução da fase final da união aduaneira (JO 1996, L 35, p. 1, a seguir «Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação»), do artigo 3.o, n.o 2, TFUE e do artigo 1.o, n.os 2 e 3, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1072/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias (JO 2009, L 300, p. 72).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Istanbul Lojistik Ltd, sociedade de transporte turca, à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatóság (Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Direção de recursos, Hungria) (a seguir «autoridade fiscal de segundo grau»), a respeito da decisão desta última de sujeitar um veículo pesado pertencente a essa sociedade ao pagamento de um imposto em razão da passagem da fronteira húngara.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 9.o do Acordo CEE‑Turquia:

«As Partes Contratantes reconhecem que, no domínio da aplicação do [a]cordo e sem prejuízo das disposições especiais suscetíveis de serem adotadas em aplicação do artigo 8.o, é proibida qualquer discriminação exercida com base na nacionalidade, nos termos do princípio enunciado no artigo 7.o do Tratado que institui a Comunidade.»

4

O artigo 62.o do Protocolo Adicional, assinado em Bruxelas, em 23 de novembro de 1970, anexo ao Acordo CEE‑Turquia, concluído, aprovado e confirmado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.o 2760/72 do Conselho, de 19 de dezembro de 1972 (JO 1972, L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213; a seguir «Protocolo Adicional») prevê que o Protocolo Adicional faz parte integrante do Acordo CEE‑Turquia.

5

O artigo 42.o do Protocolo Adicional estabelece, no seu n.o 1:

«O Conselho de Associação estenderá à Turquia, de acordo com as modalidades que adote, tendo em conta, nomeadamente, a situação geográfica da Turquia, as disposições do Tratado que institui a Comunidade aplicáveis aos transportes. Pode, nas mesmas condições, estender à Turquia os atos adotados pela Comunidade em aplicação de tais disposições para os transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável.»

6

Nos termos do artigo 1.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação:

«Sem prejuízo do disposto no Acordo [CEE‑Turquia] e nos seus protocolos complementar e adicional, o Conselho de Associação estabelece as regras de execução da fase final da união aduaneira prevista nos artigos 2.° e 5.° do referido acordo.»

7

O capítulo I desta decisão, relativo à livre circulação de mercadorias e à política comercial, contém uma secção I, com a epígrafe «Eliminação de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente». O artigo 4.o da referida decisão, que figura nesta secção, enuncia:

«Os direitos aduaneiros de importação ou exportação e os encargos de efeito equivalente serão totalmente suprimidos entre a Comunidade e a Turquia à data de entrada em vigor da presente decisão. A Comunidade e a Turquia abster‑se‑ão de introduzir qualquer novo direito aduaneiro de importação ou de exportação ou qualquer encargo de efeito equivalente, a partir dessa data. Estas disposições são igualmente aplicáveis aos direitos aduaneiros de caráter fiscal.»

8

A secção II deste capítulo, com a epígrafe «Eliminação de restrições quantitativas ou medidas de efeito equivalente», é composta pelos artigos 5.° a 11.° da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação. O artigo 5.o desta decisão dispõe:

«São proibidas entre as partes as restrições quantitativas à importação e todas as medidas de efeito equivalente.»

9

O artigo 6.o da referida decisão tem a seguinte redação:

«São proibidas entre as partes as restrições quantitativas à exportação e todas as medidas de efeito equivalente.»

10

Nos termos do artigo 7.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação:

«O disposto nos artigos 5.° e 6.° não prejudica as proibições ou restrições de importação, exportação ou trânsito justificadas por razões de moral pública, ordem pública, segurança pública, de proteção da saúde e da vida das pessoas, animais ou plantas, de proteção do património nacional com valor artístico, histórico ou arqueológico, ou de proteção da propriedade industrial e comercial. Contudo, essas proibições ou restrições não constituirão uma forma de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada no comércio entre as partes.»

11

O artigo 66.o dessa decisão prevê:

«As disposições da presente decisão, na medida em que sejam materialmente idênticas às disposições correspondentes do Tratado que institui a Comunidade Europeia, serão interpretadas de acordo com a jurisprudência aplicável do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, para efeitos da sua aplicação e da aplicação aos produtos abrangidos pela união aduaneira.»

12

O artigo 1.o do Regulamento n.o 1072/2009, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.   O presente regulamento aplica‑se aos transportes rodoviários internacionais de mercadorias por conta de outrem em trajetos efetuados no território da Comunidade.

2.   No caso de transportes com origem num Estado‑Membro e com destino a um país terceiro, e vice‑versa, o presente regulamento é aplicável ao trajeto efetuado no território dos Estados‑Membros atravessados em trânsito. Não é aplicável ao trajeto efetuado no território do Estado‑Membro de carga ou de descarga, enquanto não tiver sido celebrado o necessário acordo entre a Comunidade e o país terceiro em causa.

3.   Enquanto se aguarda a celebração dos acordos a que se refere o n.o 2, o presente regulamento não afeta:

a)

As disposições aplicáveis aos transportes com origem num Estado‑Membro e com destino a um país terceiro, e vice‑versa, abrangidos por acordos bilaterais celebrados entre os Estados‑Membros e esses países terceiros;

[…]»

Direito húngaro

13

O artigo 18.o da Convenção relativa ao transporte rodoviário internacional celebrada entre o Conselho Presidencial e o Governo da República Popular da Hungria, por um lado, e o Governo da República da Turquia, por outro, assinada em Budapeste, em 14 de setembro de 1968 [Magyar Közlöny 1969/78 (X. 11.), a seguir «Acordo Hungria‑Turquia»], dispõe, no seu n.o 3:

«Os veículos que transportem mercadorias através do território da outra Parte Contratante estão sujeitos, inclusive relativamente à parte do trajeto efetuado sem mercadorias, aos impostos, taxas, direitos e encargos devidos para o transporte e para a cobertura de despesas relacionadas com a manutenção e a reparação das rodovias, incluindo aos impostos previstos para os veículos que excedam os pesos máximos admissíveis nos termos da regulamentação nacional da outra Parte Contratante.»

14

O preâmbulo da gépjárműadóról szóló 1991. évi LXXXII. törvény (Lei n.o LXXXII de 1991, relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor) [Magyar Közlöny 1991/145 (XII. 26.), a seguir «lei relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor»], enuncia o seguinte:

«A Assembleia Nacional, no interesse de uma melhor repartição das despesas públicas relacionadas com o tráfego automóvel, do aumento das receitas das administrações municipais, ou, na capital, das freguesias, e com o alargamento das fontes de financiamento necessárias à manutenção e ao desenvolvimento da rede rodoviária pública, [adota a presente lei] relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor.»

15

Nos termos do artigo 1.o desta lei:

«1.   O imposto de circulação sobre veículos a motor deve ser pago sobre todos os veículos ou reboques com matrícula húngara, bem como sobre todos os veículos pesados com matrícula estrangeira e que circulem no território da Hungria (a seguir, conjuntamente, “veículos”) […]

2.   O âmbito de aplicação da presente lei não é extensivo […], na categoria dos veículos pesados com matrícula estrangeira, aos que tenham matrícula de um Estado‑Membro da União Europeia.»

16

O artigo 10.o da referida lei prevê que «[o] imposto é devido pelo detentor do veículo».

17

Nos termos do artigo 11.o da lei relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor, «[a] obrigação fiscal constitui‑se no dia da entrada no território da Hungria».

18

O artigo 15.o dessa lei dispõe:

«1.   No caso de um veículo (ou, para efeitos da aplicação do presente número, de veículos acoplados) com um peso em carga máxima não superior a 12 toneladas e que circule com uma licença de transporte local, é devido um imposto de 10000 [florins húngaros (HUF) (aproximadamente 33 euros)] a título, respetivamente, do trajeto de ida e do trajeto de regresso, ao passo que, no caso de um veículo com um peso em carga máxima superior a 12 toneladas e que circule com uma licença de transporte local, é devido um imposto de 30000 HUF [(aproximadamente 100 euros)] a título, respetivamente, do trajeto de ida e do trajeto de regresso. No caso de um veículo com um peso em carga máxima não superior a 12 toneladas e que circule com uma licença de transporte de trânsito (inclusive utilizando uma autorização emitida por um país terceiro), é devido um imposto de 20000 HUF [(aproximadamente 66 euros)] a título, respetivamente, do trajeto de ida e do trajeto de regresso, ao passo que, no caso de um veículo com um peso em carga máxima superior a 12 toneladas e que circule com uma licença de transporte de trânsito, é devido um imposto de 60000 HUF [(aproximadamente 200 euros)] a título, respetivamente, do trajeto de ida e do trajeto de regresso. Existe igualmente a obrigação de pagar o imposto em aplicação das disposições anteriores quando a licença de transporte não seja válida ou o contribuinte a tenha utilizado ilegalmente ou tenha circulado sem licença de transporte.

2.   Os montantes do imposto fixados no n.o 1 são devidos por um trajeto de ida ou por um trajeto de regresso e por uma estadia no território húngaro não superior a 48 horas por trajeto. Se a duração da estadia for superior, é devido imposto por cada novo período de 48 horas iniciado, em conformidade com as disposições do n.o 1. […]

3.   O montante do imposto devido em aplicação do n.o 1 é pago através da compra de um selo fiscal que deve ser colado na licença de transporte rodoviário — em caso de transporte local, para a totalidade da duração do transporte, e, em caso de transporte de trânsito, separadamente para a ida e para o regresso — no momento da entrada no território da Hungria. Uma vez o selo(s) colado(s), o contribuinte deve obrigatoriamente inscrever nele(s) a data e a hora de entrada (ano‑mês‑dia‑hora). Se não for cumprida a obrigação de pagamento (selo fiscal), só é possível circular com a licença de transporte sujeita a tributação sem incorrer em sanções num raio de 5 km, no máximo, em redor do ponto de entrada no território da Hungria.»

19

O artigo 17.o, n.o 2, da referida lei tem a seguinte redação:

«Se um contribuinte não cumprir, no todo ou em parte, a sua obrigação de pagamento do imposto, a autoridade aduaneira declara a existência da dívida fiscal e estabelece uma coima fiscal equivalente a cinco vezes o montante dessa dívida. […]»

20

A közúti közlekedésről szóló 1988. évi I. törvény (Lei n.o I de 1988, relativa à circulação rodoviária) [Magyar Közlöny 1988/15 (IV. 21.)] prevê, no seu artigo 20.o, n.o 1, alínea a), que «[p]ode incorrer no pagamento de uma coima qualquer pessoa que viole as disposições relativas aos serviços de transportes rodoviários (de passageiros ou de mercadorias) nacionais ou internacionais sujeitos a uma autorização e à posse de um documento, como os previstos na presente lei ou em atos legislativos ou regulamentares específicos, ou ainda em atos de direito comunitário».

21

Nos termos do artigo 4.o do díj ellenében végzett közúti árutovábbítási, a saját számlás áruszállítási, valamint az autóbusszal díj ellenében végzett személyszállítási és a saját számlás személyszállítási tevékenységről, továbbá az ezekkel összefüggő jogszabályok módosításáról szóló261/2011. (XII. 7) Korm. rendelet [Decreto Governamental n.o 261/2011 (XII. 7), relativo às atividades de transporte rodoviário de mercadorias a título oneroso, de transporte de mercadorias por conta própria, às atividades de transporte de passageiros em autocarro a título oneroso e por conta própria, bem como à modificação das regras jurídicas relativas a estas atividades] [Magyar Közlöny 2011/146 (XII. 7.)]:

«1.   O transporte rodoviário de mercadorias a título oneroso ou por conta própria pode ser efetuado no âmbito do tráfego internacional através do território da Hungria ao abrigo de

a)

uma licença comunitária — emitida para efeitos de transporte internacional rodoviário de mercadorias —, tal como prevista no artigo 4.o do [Regulamento n.o 1072/2009] […]

b)

uma autorização emitida pelo Forum internacional dos transportes […], ou

c)

uma licença para pesados emitida com fundamento num acordo bilateral ou multilateral,

relativa à atividade em causa.»

22

De acordo com o artigo 2.o do közúti árufuvarozáshoz, személyszállításhoz és a közúti közlekedéshez kapcsolódó egyes rendelkezések megsértése esetén kiszabható bírságok összegéről, valamint a bírságolással összefüggő hatósági feladatokról szóló 156/2009. (VII. 29.) Korm. rendelet [Decreto Governamental n.o 156/2009 (VII. 29.), relativo ao montante das coimas aplicáveis em caso de violação de certas disposições relativas ao transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros e à circulação rodoviária, bem como à atividade administrativa relacionada com a aplicação de coimas] [(Magyar Közlöny 2009/107 (VII. 29.)]:

«Para efeitos do artigo 20.o, n.o 1, alínea a), da [Lei n.o I de 1988, relativa à circulação rodoviária], e salvo disposição em contrário, está sujeita ao pagamento de uma coima de montante previsto no anexo I qualquer pessoa que

[…]

b)

viole as disposições relativas às autorizações e aos documentos exigidos para efetuar serviços de transporte rodoviário, previstos no [artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do Decreto Governamental n.o 261/2011, relativo ao transporte de mercadorias].

Em aplicação do ponto 5, alínea a), do anexo 1, o transportador sem licença de transporte rodoviário de mercadorias ou titular de uma licença de transporte rodoviário de mercadorias que não seja válida deve pagar uma coima de 300000 HUF [(aproximadamente 1000 euros)].»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23

A Istanbul Lojistik é uma sociedade comercial registada na Turquia que tem por objeto o transporte rodoviário de mercadorias da Turquia para os diferentes Estados‑Membros, principalmente a Alemanha, por conta de empresas estabelecidas na Turquia e na União Europeia.

24

Em 30 de março de 2015, a Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal (Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Hungria) efetuou uma inspeção nas proximidades de Nagylak (Hungria), junto da fronteira com a Roménia, a um conjunto de veículos com atrelado, com um peso em carga máxima superior a 12 toneladas, de matrícula turca e explorados pela Istanbul Lojistik. No que respeita ao veículo pesado em causa, aquela empresa dispunha de uma licença de trânsito Hungria‑Turquia, que utilizava para transportar produtos têxteis da Turquia para a Alemanha, através da Hungria como Estado de trânsito. A licença de trânsito continha todas as menções exigidas pela regulamentação húngara, mas o selo fiscal correspondente ao montante do imposto exigido para os veículos a motor e que comprovava o seu pagamento não havia sido colado na referida licença.

25

Por decisões administrativas de 31 de março de 2015, adotadas na sequência da referida inspeção, a Administração Nacional Tributária e Aduaneira declarou que a Istanbul Lojistik não tinha cumprido a sua obrigação fiscal prevista pela lei relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor, e, consequentemente, a sua licença de trânsito não era válida. Aquela autoridade exigiu à Istanbul Lojistik o pagamento de 60000 HUF (aproximadamente 200 euros) a título desse imposto, de uma sanção fiscal no montante de 300000 HUF (aproximadamente 1000 euros) e de uma coima administrativa no mesmo montante que a sanção, ou seja, um total 660000 HUF (aproximadamente 2200 euros).

26

A Istanbul Lojistik interpôs recurso administrativo destas decisões para a autoridade fiscal de segundo grau, que, por decisões de 13 de maio de 2015, as confirmou.

27

Essa empresa interpôs então recurso das decisões da autoridade fiscal de segundo grau para o Szegedi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Szeged, Hungria).

28

Como fundamento do seu recurso a Istanbul Lojistik sustenta que as disposições da lei relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor em causa violam os artigos 4.° a 6.° da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação. Alega que o imposto de circulação sobre veículos a motor pode ser considerado um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção do artigo 30.o TFUE, e, portanto, do artigo 4.o da referida decisão. Este imposto é cobrado, segundo ela, de forma discriminatória e protecionista, constituindo uma restrição à livre circulação de mercadorias contrária ao direito da União.

29

A autoridade fiscal de segundo grau pede que o recurso seja julgado improcedente.

30

O Szegedi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Szeged, Hungria) interroga‑se sobre a questão de saber se o imposto sobre a circulação dos veículos a motor em causa constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro contrário ao artigo 4.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação. Observa que, de acordo com a regulamentação nacional, os detentores de veículos com matrícula de um Estado‑Membro não têm de pagar imposto sobre a circulação dos veículos a motor, ao passo que os detentores de veículos com matrícula turca estão obrigados a pagá‑lo a título do trânsito através da Hungria.

31

No caso de o Tribunal de Justiça considerar que o imposto sobre a circulação dos veículos a motor não é um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, coloca‑se, no entender do órgão jurisdicional de reenvio, a questão de saber se este imposto é uma medida de efeito equivalente a uma medida quantitativa e, portanto, uma medida contrária ao artigo 5.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação.

32

Se a resposta a esta última questão for negativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o referido imposto pode ser justificado, em aplicação do artigo 7.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação, pelos imperativos da segurança rodoviária e da repressão das infrações. Indica que os objetivos da lei relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor são, nomeadamente, uma melhor repartição da despesa pública relacionada com o tráfego automóvel, o aumento das receitas das administrações municipais, bem como a obtenção dos recursos necessários à manutenção e ao desenvolvimento da rede pública rodoviária. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre a questão de saber se o imposto sobre a circulação dos veículos a motor é proporcionado, adequado para garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não discriminatório.

33

Caso este imposto não seja considerado nem um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro nem um encargo de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a aplicação do Acordo Hungria‑Turquia é compatível com o artigo 3.o, n.o 2, TFUE e com o Regulamento n.o 1072/2009, uma vez que, em seu entender, o domínio dos transportes faz parte da competência exclusiva da União.

34

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se o referido imposto é discriminatório relativamente aos transportes turcos, na aceção do artigo 9.o do Acordo CEE‑Turquia.

35

Nestas circunstâncias, o Szegedi közigazgatási és munkaügyi bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Szeged, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 4.o da [Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação] ser interpretado no sentido de que um imposto, como o previsto pela lei húngara relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor, o qual, segundo essa lei, incide sobre um veículo [pesado] de matrícula turca explorado por um transportador turco e utilizado para o transporte de mercadorias, por [atravessar] a fronteira húngara para, vindo da Turquia e passando pela Hungria como Estado‑Membro de trânsito, chegar a outro Estado‑Membro, configura um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, não sendo, por conseguinte, compatível com o referido artigo?

2)

a)

Em caso de resposta negativa à primeira questão prejudicial, deve o artigo 5.o da [Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação] ser interpretado no sentido de que um imposto como o previsto pela lei húngara relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor, o qual, segundo essa lei, incide sobre um veículo [pesado] de matrícula turca explorado por um transportador turco e utilizado para o transporte de mercadorias, por [atravessar] a fronteira húngara para, vindo da Turquia e passando pela Hungria como Estado‑Membro de trânsito, chegar a outro Estado‑Membro, constitui uma medida com efeitos equivalentes a uma restrição quantitativa, não sendo, por conseguinte, compatível com o referido artigo?

b)

Deve o artigo 7.o da [Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação] ser interpretado no sentido de que é [possível aplicar], invocando razões de segurança rodoviária e a legislação aplicável, um imposto, como o previsto pela lei húngara relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor, o qual, segundo essa lei, incide sobre um veículo [pesado] de matrícula turca explorado por um transportador turco e utilizado para o transporte de mercadorias, por [atravessar] a fronteira húngara para, vindo da Turquia e passando pela Hungria como Estado‑Membro de trânsito, chegar a outro Estado‑Membro?

3)

Devem o artigo 3.o[, n.o 2, TFUE] e o artigo 1.o, n.os 2 e 3, alínea a), do Regulamento [n.o 1072/2009] ser interpretados no sentido de que se opõem a que, com base num acordo bilateral em matéria de transportes celebrado com a Turquia, o Estado‑Membro de trânsito aplique um imposto como o previsto pela lei húngara relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor, o qual, segundo essa lei, incide sobre um veículo [pesado] de matrícula turca explorado por um transportador turco e utilizado para o transporte de mercadorias, por [atravessar] a fronteira húngara para, vindo da Turquia e passando pela Hungria como Estado‑Membro de trânsito, chegar a outro Estado‑Membro?

4)

Deve o artigo 9.o do [Acordo CEE‑Turquia] ser interpretado no sentido de que um imposto como o previsto pela lei húngara relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor, o qual, segundo essa lei, incide sobre um veículo [pesado] de matrícula turca explorado por um transportador turco e utilizado para o transporte de mercadorias, por [atravessar] a fronteira húngara para, vindo da Turquia e passando pela Hungria como Estado‑Membro de trânsito, chegar a outro Estado‑Membro, implica uma discriminação em razão da nacionalidade e não é, por conseguinte, compatível com o referido artigo?»

Quanto às questões prejudiciais

36

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação deve ser interpretado no sentido de que um imposto de circulação sobre veículos a motor, como o que está em causa no processo principal, que tem de ser pago pelos detentores de veículos pesados com matrícula turca que transitem pelo território húngaro, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção deste artigo.

37

Decorre do artigo 1.o dessa decisão que esta estabelece as regras de execução da fase final da união aduaneira entre a União Europeia e a República da Turquia. Nos termos do artigo 4.o da referida decisão, na data da sua entrada em vigor, os direitos aduaneiros de importação ou de exportação e os impostos de efeito equivalente a um direito aduaneiro são totalmente suprimidos entre a União e a República da Turquia.

38

O artigo 66.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação prevê que as disposições desta decisão, na medida em que sejam materialmente idênticas às disposições correspondentes do Tratado CE, atualmente Tratado FUE, serão interpretadas de acordo com os acórdãos do Tribunal de Justiça na matéria. Uma vez que o artigo 4.o desta decisão é materialmente idêntico ao artigo 30.o TFUE, deve ser interpretado em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a esta última disposição.

39

Por conseguinte, importa recordar que qualquer encargo pecuniário, por mínimo que seja, imposto unilateralmente, sejam quais forem as suas denominação e técnica, e que onere as mercadorias pelo facto de passarem a fronteira, quando não seja um direito aduaneiro propriamente dito, constitui um encargo de efeito equivalente, na aceção dos artigos 28.° TFUE e 30.° TFUE (acórdãos de 18 de janeiro de 2017, Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.o 22 e jurisprudência aí referida, e de 2 de outubro de 2014, Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.o 23). A justificação da proibição dos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros reside no entrave que os encargos pecuniários, aplicados em razão da passagem de fronteiras, constituem para a circulação de mercadorias, na medida em que aumentam artificialmente o preço das mercadorias importadas ou exportadas em relação às mercadorias nacionais (acórdão de 21 de março de 1991, Comissão/Itália, C‑209/89, EU:C:1991:139, n.o 7).

40

Além disso, os encargos de efeito equivalente são proibidos independentemente de qualquer consideração relativa à finalidade para a qual foram instituídos e ao destino das receitas por eles proporcionadas (acórdão de 21 de junho de 2007, Comissão/Itália, C‑173/05, EU:C:2007:362, n.o 42 e jurisprudência aí referida).

41

Cabe igualmente recordar que os motivos de justificação enunciados no artigo 36.o TFUE são aplicáveis exclusivamente às medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, e não aos encargos de efeito equivalente a um direito aduaneiro (v., nomeadamente, acórdão de 14 de junho de 1988, Dansk Denkavit, 29/87, EU:C:1988:299, n.o 32).

42

Além disso, a união aduaneira implica necessariamente que seja assegurada a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros. Esta liberdade não pode ser completa se os Estados‑Membros puderem de algum modo obstar ou perturbar a circulação das mercadorias em trânsito. Assim, há que reconhecer, como consequência da união aduaneira e no interesse recíproco dos Estados‑Membros, a existência de um princípio geral de liberdade do trânsito das mercadorias no interior da União (acórdão de 21 de junho de 2007, Comissão/Itália, C‑173/05, EU:C:2007:362, n.o 31 e jurisprudência aí referida). Com efeito, os Estados‑Membros violam este princípio se aplicarem às mercadorias em trânsito no seu território um direito de trânsito ou qualquer outra imposição respeitante ao trânsito (acórdão de 16 de março de 1983, SIOT, 266/81, EU:C:1983:77, n.o 19).

43

Deve também salientar‑se que o Tribunal de Justiça já declarou que um encargo que tenha como facto gerador o transporte de mercadorias e que não seja cobrado sobre o produto enquanto tal, mas sim sobre uma atividade necessária relacionada com o produto, pode ser abrangido pelo artigo 30.o TFUE (acórdão de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 44 e jurisprudência aí referida). Com efeito, um encargo dessa natureza onera os produtos, embora seja suportado por ocasião do seu transporte ou da utilização das estradas, e seja pago num primeiro momento pelo detentor do veículo pesado (v., neste sentido, acórdão de 17 de julho de 1997, Haahr Petroleum, C‑90/94, EU:C:1997:368, n.o 38).

44

Pelos motivos expostos nos n.os 37 e 38 do presente acórdão, a interpretação das disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias dentro da União é transponível para as disposições que dizem respeito à livre circulação de mercadorias no seio da união aduaneira decorrente do Acordo CEE‑Turquia.

45

No caso vertente, a lei relativa ao imposto de circulação sobre veículos a motor em causa no processo principal prevê que o imposto deve ser pago, no caso dos veículos pesados com matrícula num país terceiro, no momento da sua entrada no território húngaro, tanto a título do trajeto de ida como do trajeto de regresso. O montante deste imposto depende de critérios relacionados, nomeadamente, com a quantidade de mercadorias suscetíveis de ser transportadas e o seu destino.

46

Consequentemente, cabe concluir, à luz da jurisprudência citada nos n.os 40 a 43 do presente acórdão, que, embora o imposto de circulação sobre veículos a motor não seja cobrado sobre os produtos enquanto tais, onera as mercadorias transportadas por veículos com matrícula num país terceiro, nomeadamente a Turquia, por ocasião da sua passagem pela fronteira húngara, e não, como sustentam os Governos húngaro e italiano, o serviço de transporte.

47

À luz da jurisprudência citada nos n.os 39 a 41 do presente acórdão, é irrelevante a este respeito que, como sustenta o Governo húngaro, o montante deste imposto não seja elevado ou a sua cobrança se justifique pela necessidade de assegurar a manutenção da rede rodoviária nacional e pelos danos ambientais causados por aquele meio de transporte.

48

Conclui‑se que um imposto de circulação sobre veículos a motor como o que está em causa no processo principal constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção do artigo 4.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação, uma vez que representa um encargo pecuniário imposto unilateralmente e onera as mercadorias pelo facto de atravessarem a fronteira.

49

Atendendo às considerações anteriores, deve responder‑se à primeira questão que o artigo 4.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação deve ser interpretado no sentido de que um imposto de circulação sobre veículos a motor, como o que está em causa no processo principal, que tem de ser pago pelos detentores de veículos pesados com matrícula turca que transitem pelo território húngaro, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção deste artigo.

50

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda a quarta questões.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 4.o da Decisão n.o 1/95 do Conselho de Associação CE‑Turquia, de 22 de dezembro de 1995, relativa à execução da fase final da união aduaneira, deve ser interpretado no sentido de que um imposto de circulação sobre veículos a motor, como o que está em causa no processo principal, que tem de ser pago pelos detentores de veículos pesados com matrícula turca que transitem pelo território húngaro, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção deste artigo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.