CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 17 de maio de 2018 ( 1 )

Processo C‑585/16

Serin Alheto

contra

Zamestnik‑predsedatel na Darzhavna agentsia za bezhantsite

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Fronteiras, asilo e imigração — Normas relativas à concessão do estatuto de refugiado — Diretivas 2004/83 e 2011/95 — Pessoa que beneficia da proteção e da assistência da UNRWA — Procedimento de exame dos pedidos de proteção internacional — Diretivas 2005/85 e 2013/32 — Admissibilidade do pedido — Primeiro país de asilo — Direito a um recurso efetivo»

1. 

O pedido de decisão prejudicial objeto das presentes conclusões diz respeito à interpretação do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95 ( 2 ) e dos artigos 33.o, n.o 2, alínea b), 34.o, 35.o, primeiro parágrafo, alínea b), e 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 ( 3 ). Este pedido foi suscitado pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária), no âmbito de um processo intentado por S. Alheto, uma apátrida de origem palestiniana, com vista à anulação da decisão através da qual as autoridades búlgaras indeferiram o seu pedido de proteção internacional.

I. Quadro jurídico

A.   Direito internacional

1. A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados

2.

O artigo 1.o, ponto D, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 e entrada em vigor em 22 de abril de 1954 (a seguir «Convenção de Genebra») ( 4 ) estipula:

«Esta convenção não será aplicável às pessoas que atualmente beneficiam de proteção ou assistência da parte de um organismo ou instituição das Nações Unidas que não seja o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados [a seguir “UNHCR”].

Quando essa proteção ou assistência tiver cessado por qualquer razão, sem que a sorte dessas pessoas tenha sido definitivamente resolvida, em conformidade com as resoluções respetivas aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, essas pessoas beneficiarão de pleno direito do regime desta convenção.»

2. Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente

3.

A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near Est, a seguir «UNRWA») foi criada, na sequência do conflito israelo‑árabe de 1948, pela Resolução n.o 302 (IV) da Assembleia Geral das Nações Unidas de 8 de dezembro de 1949. Tem por missão fornecer aos refugiados palestinianos que estejam abrangidos pela sua esfera de competências, socorro, assistência médica, serviços sociais e de micro financiamento, educação e assistência em situação de emergência, incluindo em situação de conflito armado, bem como melhorar as condições dos campos onde esses refugiados são acolhidos ( 5 ). Atualmente, cerca de 5 milhões de refugiados palestinianos estão registados na UNRWA. Esta agência opera na Síria, na Faixa de Gaza, no Líbano, na Jordânia e na Cisjordânia (incluindo Jerusalém Leste). Na falta de uma solução para a questão dos refugiados palestinianos, o mandato da UNRWA tem sido renovado com regularidade, por último, até 30 de junho de 2020 ( 6 ).

4.

A UNRWA é um dos organismos das Nações Unidas, que não se confunde com o UNHCR, referidos no artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra, e no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95 ( 7 ).

B.   Direito da União

1. Diretiva 2011/95

5.

O artigo 12.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Exclusão», determina que o nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído do estatuto de refugiado se «[e]stiver abrangido pelo âmbito de aplicação do ponto D do artigo 1.o da Convenção de Genebra, relativo à proteção ou assistência de órgãos ou agências das Nações Unidas, com exceção do [UNHCR]». O segundo período do mesmo artigo 12.o, n.o 1, alínea a), dispõe: «Quando essa proteção ou assistência tiver cessado por qualquer razão sem que a situação da pessoa em causa tenha sido definitivamente resolvida em conformidade com as resoluções aplicáveis da Assembleia Geral das Nações Unidas, essa pessoa terá direito ipso facto a beneficiar do disposto na presente diretiva».

2. Diretiva 2013/32

6.

Nos termos do artigo 33.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros não são obrigados a verificar se o requerente preenche as condições exigidas para beneficiar de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2011/95/UE, quando o pedido for considerado não admissível nos termos do n.o 2 deste artigo. Nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alínea b), da referida diretiva, os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional designadamente quando «[u]m país, que não um Estado‑Membro, for considerado o primeiro país de asilo para o requerente, nos termos do artigo 35.o» dessa diretiva. Este último artigo precisa, no primeiro parágrafo, que «[u]m país pode ser considerado primeiro país de asilo para um requerente, se este: a) Tiver sido reconhecido nesse país como refugiado e possa ainda beneficiar dessa proteção; ou b) Usufruir de outro modo, nesse país, de proteção suficiente, incluindo o benefício do princípio da não repulsão […]».

7.

Em conformidade com o disposto no artigo 46.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2013/32, «[o]s Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional […] [d]a decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão […] que considera um pedido infundado relativamente ao estatuto de refugiado e/ou ao estatuto de proteção subsidiária». O n.o 3 desse artigo prevê que «[p]ara dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE, pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância».

C.   Direito nacional

8.

Na Bulgária, a análise dos pedidos de proteção internacional é regida pela Zakon za ubezhishteto i bezhantsite (Lei relativa ao asilo e aos refugiados, a seguir «ZUB»). As Diretivas 2011/95 e 2013/32 foram transpostas para o direito búlgaro através das alterações introduzidas na ZUB por duas leis que entraram em vigor, respetivamente, em 16 de outubro e 28 de dezembro de 2015 ( 8 ). A ZUB prevê duas formas de proteção internacional, a ligada ao reconhecimento do estatuto de refugiado (artigo 8.o da ZUB) e a que resulta da concessão do estatuto humanitário (artigo 9.o da ZUB), que corresponde à proteção subsidiária prevista na Diretiva 2011/95.

9.

Por força do artigo 6.o da ZUB, na versão atualmente em vigor, as competências previstas nessa lei, são exercidas pela Darzhavna agentsia za bezhantsite (Agência Nacional para os Refugiados, a seguir «DAB»). Esta procede ao apuramento de todos os factos e circunstâncias pertinentes para efeitos da análise do pedido de proteção internacional.

10.

O artigo 12.o, n.o 1, da ZUB, na versão atualmente em vigor, determina:

«O estatuto de refugiado não pode ser concedido aos cidadãos estrangeiros:

[…]

4.

que beneficiam da proteção ou da assistência de organismos ou instituições das Nações Unidas, com exceção do [UNCHR]; desde que essa proteção ou assistência não tenha cessado ( 9 ), e a situação das pessoas em causa não esteja resolvida, em conformidade com a resolução aplicável das Nações Unidas, essas pessoas podem, de pleno direito, beneficiar do regime da Convenção [de Genebra].»

11.

O artigo 12.o, n.o 1, da ZUB, na versão anterior à lei de transposição da Diretiva 2011/95, introduzido na ZUB em 2007 através da lei de transposição da Diretiva 2004/83 ( 10 ), dispunha:

«O estatuto de refugiado não pode ser concedido aos cidadãos estrangeiros:

[…]

4.

que beneficiam da proteção ou da assistência de organismos ou instituições das Nações Unidas, com exceção do [UNCHR], e essa proteção ou assistência não tenha cessado e a situação das pessoas em causa não esteja resolvida em conformidade com uma resolução pertinente das Nações Unidas.»

12.

O artigo 13.o, n.o 2, pontos 2 e 3, da ZUB, na versão atualmente em vigor, determina que o procedimento para a concessão da proteção internacional não será aberto ou será encerrado se o estrangeiro «dispuser do estatuto de refugiado concedido por um Estado terceiro ou de uma outra proteção efetiva que respeite o princípio da não repulsão e de que ainda beneficie, desde que seja readmitido nesse Estado», ou seja, se o estrangeiro for «proveniente de um Estado terceiro seguro, desde que seja readmitido nesse Estado».

13.

O artigo 13.o, n.o 2, ponto 2, na versão anterior à transposição da Diretiva 2013/32, dispunha:

«(2)   O procedimento de reconhecimento do estatuto de refugiado ou do estatuto humanitário não será aberto ou ficará suspenso quando [o requerente]:

[…]

2.

possua um estatuto de refugiado que lhe tenha sido reconhecido por um país terceiro seguro, desde que seja readmitido nesse país.»

14.

Na versão anterior às leis de transposição da Diretiva 2013/32, o artigo 13.o, ponto 13, da ZUB previa que o pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado ou do estatuto humanitário seria indeferido por ser manifestamente infundado quando não estivessem preenchidas as condições previstas no artigo 8.o, n.os 1 e 9, ou no artigo 9.o, n.os 1, 6 e 8, da ZUB e o cidadão estrangeiro proviesse «de um país de origem seguro ou de um país terceiro seguro constante da lista mínima comum aprovada pelo Conselho da União Europeia ou das listas nacionais aprovadas pelo Conselho de Ministros». O artigo 13.o da ZUB especificava, no seu n.o 3, que a simples circunstância de o requerente ser proveniente de um país de origem seguro ou de um país terceiro seguro não constituía, por si só, motivo para que o pedido fosse indeferido por ser manifestamente infundado.

15.

Nos termos do artigo 75.o, n.o 2, da ZUB, na versão atualmente em vigor, «durante a análise do pedido de proteção internacional, são avaliados todos os factos, declarações e documentos pertinentes referentes à situação pessoal do requerente […]» ( 11 ).

16.

O adminidtrativnoprotsesualen Kodeks (Código de Procedimento Administrativo, a seguir «APK»), por força do seu artigo 2.o, n.o 1, aplica‑se, salvo disposição legal em contrário, aos processos administrativos intentados perante quaisquer autoridades búlgaras. O artigo 168.o, n.o 1, do APK define o objeto da fiscalização jurisdicional em caso de recurso interposto de um ato administrativo para o órgão jurisdicional de primeira instância nos seguintes termos: «o juiz não se limitará ao exame dos fundamentos apresentados pelo recorrente, devendo fiscalizar, com base nas provas apresentadas pelas partes, a legalidade do ato administrativo impugnado tendo em conta todos os fundamentos previstos no artigo 146.o» do mesmo código.

17.

Por força do artigo 172.o, n.o 2, do APK «o juiz pode declarar a nulidade do ato administrativo impugnado, anulá‑lo total ou parcialmente, modificá‑lo ou negar provimento ao recurso». O artigo 173.o, n.o 1, do APK, precisa que «mesmo que a questão não tenha sido submetida à apreciação da autoridade administrativa, após ter declarado a nulidade do ato impugnado ou após o ter anulado, o órgão jurisdicional pronunciar‑se‑á sobre o mérito». O n.o 2 do mesmo artigo estabelece que, «para lá dos casos previstos no n.o 1, se o ato for nulo por falta de competência ou se a sua natureza não permitir um juízo de mérito, o órgão jurisdicional devolve o processo à autoridade administrativa competente dando‑lhe instruções vinculativas sobre a interpretação e a aplicação da lei».

II. Matéria de facto, tramitação do processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

18.

Serin Auad Alheto, recorrente no processo principal, é uma apátrida de origem palestiniana, nascida em 29 de novembro de 1972 na cidade de Gaza, na Palestina. Possui um passaporte emitido em 1 de abril de 2014 pelas autoridades palestinianas, válido até 31 de março de 2019.

19.

S. Alheto entrou na Bulgária em 10 de agosto de 2014 com um visto para uma viagem turística organizada, emitido em 7 de agosto de 2014 pelo Consulado da República da Bulgária em Amman (Jordânia) e válido até 1 de setembro de 2014. Em 24 de agosto de 2014, a duração desse visto foi prorrogada até 17 de novembro de 2014 pelas autoridades búlgaras. Em 25 de novembro de 2014, S. Alheto apresentou um pedido de proteção internacional na DAB. Por ocasião da entrevista pessoal realizada em 2 de dezembro de 2014, S. Alheto declarou ter abandonado ilegalmente a Faixa de Gaza através de túneis subterrâneos, em 15 de julho de 2014, dirigindo‑se primeiro para o Egito, onde ficou dois dias, e seguiu depois para a Jordânia, onde ficou 23 dias antes de partir, de avião, para a Bulgária. Nessa entrevista, S. Alheto declarou ser de fé cristã. S. Alheto foi convocada para duas outras entrevistas pessoais a realizar em 24 de fevereiro e 5 de março de 2015. Com base nas suas declarações, S. Alheto foi obrigada a sair da Faixa de Gaza devido à deterioração da situação nesse território e aos seus conflitos com o Hamas, a organização que controla a Faixa de Gaza, devidos à sua atividade social de informação sobre os direitos das mulheres. Resulta do despacho de reenvio que, durante a entrevista de 5 de março de 2015, S. Alheto declarou estar na posse de um documento emitido pela UNRWA. O referido documento foi apresentado ao órgão jurisdicional de reenvio e comprova que S. Alheto está registada nesse organismo como refugiada palestiniana ( 12 ).

20.

Em 12 de maio de 2015, o vice‑diretor da DAB indeferiu o pedido de S. Alheto, depois de o ter examinado quanto ao mérito, negando‑lhe quer o estatuto de refugiado na aceção do artigo 8.o da ZUB, quer o estatuto humanitário na aceção do artigo 9.o da mesma lei (a seguir «decisão da DAB»). Segundo o vice‑diretor da DAB, as declarações de S. Alheto não permitem concluir pela existência de um risco de persecução, contêm incoerências, especialmente no que respeita à sua confissão religiosa, e são parcialmente implausíveis. Contrariamente ao que resulta dessas declarações, S. Alheto não foi obrigada a deixar a Faixa de Gaza, onde a situação era estável, antes tendo planeado a sua partida anteriormente a junho ou julho de 2014, dado que o seu passaporte fora emitido em 1 de abril de 2014.

21.

S. Alheto interpôs recurso da decisão da DAB no Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia). No seu recurso, S. Alheto sustenta que essa decisão viola os artigos 8.o e 9.o da ZUB e o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2004/83, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji (C‑465/07, EU:C:2009:94). A conclusão do vice‑diretor da DAB, segundo a qual a situação na Faixa de Gaza é estável, fundava‑se unicamente num relatório de 9 de abril de 2015 da Direção «Assuntos Europeus, Assuntos Internacionais e Fundo Europeu para os Refugiados» da DAB, que não permitia avaliar corretamente a situação nos referidos territórios para efeitos da aplicação do princípio da não repulsão.

22.

Segundo o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia), dado que S. Alheto é uma apátrida de origem palestiniana registada na UNRWA, a DAB deveria ter considerado o seu pedido de proteção internacional não como tendo sido apresentado ao abrigo do artigo 1.o, ponto A, da Convenção de Genebra, mas sim ao abrigo do ponto D desse mesmo artigo e, consequentemente, deveria tê‑lo analisado à luz do artigo 12.o, n.o 1, ponto 4, da ZUB e não à luz dos artigos 8.o e 9.o dessa lei. Esse juiz interroga‑se sobre se o direito da União permite que não se examine o pedido de proteção internacional, apresentado por um apátrida que se encontra na situação de S. Alheto, à luz da norma que transpõe o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 para o direito nacional e, em caso de resposta negativa, se lhe compete, nas circunstâncias do processo principal, proceder a essa análise ou se deve limitar‑se a anular a decisão da DAB e a remeter‑lhe o processo para que esta proceda à referida análise. O Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) interroga‑se igualmente sobre o alcance da fiscalização jurisdicional efetuada pelo órgão jurisdicional de primeira instância no que respeita à denegação da proteção internacional, em conformidade com o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, em especial no que se refere à possibilidade de esse juiz examinar a admissibilidade de um pedido de proteção internacional ao abrigo do artigo 33.o dessa diretiva, mesmo que esse exame não tenha sido efetuado pela autoridade competente ou apreciado pela primeira vez se o requerente pode ser enviado para o país onde tinha a sua residência habitual antes de apresentar esse pedido.

23.

Foi neste contexto que, por decisão de 8 de novembro de 2016, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 e o artigo 78.o, n.o 2, alínea a), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, ser interpretado no sentido de que:

А)

permite que o pedido de proteção internacional de um apátrida de origem palestiniana registado como refugiado na [UNRWA] e que, antes da apresentação do pedido, residia na área de operação desta Agência (a Faixa de Gaza), seja analisado como um pedido na aceção do artigo 1.o, ponto A, da Convenção de Genebra de 1951 e não como um pedido de proteção internacional na aceção do artigo 1.o, ponto D, segunda frase, desta convenção, na condição de a competência para a análise do pedido ter sido assumida por motivos não relacionados com motivos familiares ou humanitários e de a análise do pedido ser regulada pela Diretiva 2011/95?

B)

permite que um pedido deste tipo não seja analisado tendo em consideração os requisitos estabelecidos pelo artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, com a consequência de que a interpretação desta disposição pelo Tribunal de Justiça […] da União Europeia não é aplicada?

2.

Deve o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, em conjugação com o seu artigo 5.o, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como o artigo 12.o, n.o 1, ponto 4, [da ZUB], em causa no processo principal, que, na versão aplicável, não prevê uma cláusula expressa sobre a proteção ipso facto para refugiados palestinianos nem a condição de a assistência ter cessado por qualquer razão, bem como no sentido de que o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95 é suficientemente preciso e incondicional e tem, por conseguinte, efeito direto, pelo que também é aplicável mesmo que a pessoa que requereu a proteção internacional não o tenha invocado expressamente, no caso de o pedido, enquanto tal, dever ser analisado nos termos do artigo 1.o, ponto D, segunda frase, da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados?

3.

Num processo de recurso perante um órgão jurisdicional contra uma decisão de recusa da proteção internacional emitida em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, deve o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, em conjugação com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, tendo em consideração os factos do processo principal, ser interpretado no sentido de que autoriza o tribunal de primeira instância a tratar o pedido de proteção internacional enquanto tal aplicando o artigo 1.o, ponto D, segunda frase, da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados e a proceder à sua avaliação nos termos do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, quando tiver sido apresentado um pedido por um apátrida de origem palestiniana registado na UNRWA como refugiado que, antes da apresentação do pedido, residia na área de operação desta agência (a Faixa de Gaza), e a decisão de recusa da proteção internacional não tiver sido analisado este pedido tendo em conta as referidas disposições?

4.

Num processo de recurso perante um tribunal contra uma decisão de recusa da proteção internacional emitida em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, devem as disposições do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, relativas ao direito a um recurso efetivo no contexto da exigência de uma “análise exaustiva e ex nunc...” da matéria de facto e de direito, interpretado em conjugação com os artigos 33.o e 34.o, bem como com o artigo 35.o, n.o 2, desta diretiva e com o artigo 21.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, em conjugação com os artigos 18.o, 19.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ser interpretadas no sentido de que autorizam o tribunal de primeira instância:

A)

a decidir pela primeira vez sobre a admissibilidade do pedido de proteção internacional e sobre o reenvio do apátrida para o país em que residia antes de apresentar o pedido de proteção internacional, após ter requerido ao órgão de decisão a apresentação dos elementos de prova pertinentes e ter dado à pessoa em causa oportunidade de apresentar as suas observações a respeito da admissibilidade do pedido ou

B)

a anular a decisão devido a um vício processual substancial e a requerer ao órgão de decisão que decida novamente sobre o pedido de proteção internacional, tendo em consideração as instruções a respeito da interpretação e da aplicação da lei, designadamente procedendo à entrevista prevista no artigo 34.o da Diretiva 2013/32 no âmbito da análise da admissibilidade e decidindo sobre a questão de saber se é possível reenviar o apátrida para o país em que o mesmo residia antes de apresentar o pedido de proteção internacional?

C)

a avaliar a segurança existente no país em que a pessoa residia à data da audiência ou à data do acórdão, caso se tenham verificado alterações significativas na situação que devam ser tidas em consideração na decisão em benefício da pessoa?

5.

A assistência prestada pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (a seguir “UNRWA”) constitui uma proteção suficiente na aceção do artigo 35.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2013/32 no país em causa na área de operação da Agência de Assistência quando este país aplica o princípio da não repulsão na aceção da Convenção de Genebra […] a respeito das pessoas apoiadas pela agência?

6.

Deve o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, ser interpretado no sentido de que o direito a um recurso efetivo, incluindo a exigência de que sejam apreciadas “..., se aplicável, [as] necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE”, vincula o tribunal de primeira instância, no âmbito de um processo de recurso contra a decisão de mérito sobre o pedido de proteção internacional e que recusou a proteção internacional, a adotar uma decisão

А)

com força de caso julgado não só relativamente à questão da legalidade da recusa, mas também a respeito da necessidade do requerente de obter proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95, mesmo que, nos termos do direito nacional do Estado‑Membro em causa, a proteção internacional apenas possa ser concedida por decisão de uma autoridade administrativa;

B)

relativa à necessidade de concessão de proteção internacional através da análise adequada do pedido de proteção internacional, independentemente das violações de natureza processual cometidas pelo órgão de decisão no âmbito da análise do pedido?»

III. Análise

A.   Observações preliminares

24.

Resulta dos considerandos 4, 23 e 24 da Diretiva 2011/95 que a Convenção de Genebra constitui a pedra basilar do regime jurídico internacional de proteção dos refugiados e que as disposições desta diretiva relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado, bem como ao respetivo conteúdo, foram adotadas para auxiliar as autoridades competentes dos Estados‑Membros na aplicação desta convenção, com base em conceitos e critérios comuns ( 13 ). Além disso, resulta do considerando 3 da Diretiva 2011/95 que o legislador da União, inspirando‑se nas conclusões do Conselho Europeu de Tampere, teve intenção de basear o sistema europeu de asilo, que esta diretiva contribui para definir, na aplicação integral e global da Convenção de Genebra ( 14 ).

25.

A interpretação das disposições da Diretiva 2011/95 deve, por conseguinte, ser feita à luz da economia geral e da finalidade desta, no respeito da Convenção de Genebra e dos outros tratados pertinentes referidos no artigo 78.o, n.o 1, TFUE. Esta interpretação deve igualmente ser feita, como resulta do considerando 16 da Diretiva 2011/95, no respeito dos direitos reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 15 ). É à luz destes critérios de interpretação que devem examinar‑se as questões suscitadas no reenvio prejudicial objeto das presentes conclusões.

26.

Essas questões serão tratadas pela seguinte ordem. Antes de mais, procederei ao exame da primeira, da segunda e da terceira questões prejudiciais, dado que as primeiras duas versam sobre a interpretação do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95 e a terceira é relativa à competência do órgão jurisdicional nacional para proceder pela primeira vez, no âmbito do procedimento jurisdicional, à análise do pedido de proteção internacional com base nessa disposição. Tratarei, em seguida, da quinta questão prejudicial, relativa à interpretação dos artigos 33.o e 35.o da Diretiva 2013/32. Por último, examinarei conjuntamente a quarta e a sexta questões prejudiciais, que versam sobre a interpretação do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32.

B.   Quanto à primeira questão prejudicial

27.

Com a primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se as autoridades competentes de um Estado‑Membro podem analisar o pedido de proteção internacional apresentado por um apátrida de origem palestiniana registado na UNRWA sem atender ao quadro jurídico definido pelo artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, que estabelece uma cláusula de exclusão do estatuto de refugiado aplicável aos nacionais de um país terceiro ou apátridas que estiverem abrangidos pelo âmbito de aplicação do ponto D do artigo 1.o da Convenção de Genebra.

28.

O artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra aplica‑se a um grupo específico de pessoas que, embora possuindo as características para serem reconhecidas como refugiados na aceção do artigo 1.o, ponto A, da convenção, estão excluídas, por força do primeiro período do artigo 1.o, ponto D, dos benefícios desta última pelo facto de beneficiarem de proteção ou assistência de órgãos ou instituições das Nações Unidas diferentes do UNHCR.

29.

Os palestinianos considerados refugiados na sequência dos conflitos israelo‑árabes de 1948 e de 1967, que beneficiam da proteção e da assistência da UNRWA e que não integram as situações previstas no artigo 1.o, pontos C, E e F, da Convenção de Genebra, caem no âmbito do artigo 1.o, ponto D, da referida convenção ( 16 ) e, consequentemente, no do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95 ( 17 ). Trata‑se, atualmente, do único grupo de refugiados visado por essas disposições.

30.

Embora o primeiro parágrafo do artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra preveja uma cláusula de exclusão dos benefícios decorrentes desta última, o segundo parágrafo consagra uma cláusula de inclusão que se aplica aos refugiados relativamente aos quais, por qualquer razão, cessou a proteção ou a assistência do organismo ou instituição das Nações Unidas mencionado no primeiro parágrafo e cuja situação não foi definitivamente resolvida, em conformidade com as resoluções aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas ( 18 ). Essas pessoas têm plenamente o direito a beneficiar do regime previsto na Convenção de Genebra.

31.

Paralelamente, o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 contém uma cláusula de inclusão redigida em termos muito idênticos aos utilizados no artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra. As pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do primeiro período do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, terão direito, quando cumpram os requisitos definidos na cláusula de inclusão constante do segundo período dessa disposição, «ipso facto a beneficiar do disposto [nessa] diretiva» ( 19 ).

32.

O Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar sobre o alcance e as condições de aplicação das cláusulas de exclusão e inclusão inscritas no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/83, que têm o mesmo teor que as constantes da disposição correspondente da Diretiva 2011/95.

33.

No que respeita à primeira dessas cláusulas, o Tribunal de Justiça esclareceu, por um lado, que só as pessoas que tenham «efetivamente recorrido» à proteção ou à assistência de uma agência ou de um órgão das Nações Unidas diferente da UNCHR é que estão excluídas do estatuto de refugiado por força do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2004/83 ( 20 ) (Acórdão de 17 de junho de 2010, Bolbol, C‑31/09, EU:C:2010:351, n.o 51) e, por outro, que essa exclusão não é afastada pela simples ausência ou partida voluntária do requerente do estatuto de refugiado da área de operação dessa agência ou órgão (Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o., C‑364/11, EU:C:2012:826, n.os 49 a 52).

34.

No que respeita às condições de aplicação da cláusula de inclusão, o Tribunal de Justiça esclareceu que a cessação «por qualquer razão» da proteção ou da assistência fornecida por uma agência ou órgão das Nações Unidas que não seja a HCR na aceção do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/83 é determinada não só pela supressão do órgão ou da agência que concede a proteção ou a assistência mas também pela impossibilidade de esse órgão ou agência cumprir a sua missão ( 21 ). A cessação dessa proteção ou assistência diz também respeito, segundo o Tribunal de Justiça, à situação de uma pessoa que, depois de ter recorrido efetivamente a essa proteção ou assistência, deixa de poder dela beneficiar por uma razão que escapa ao seu próprio controlo e que é independente da sua vontade ( 22 ).

35.

No que respeita, por último, aos efeitos da cláusula de inclusão, o Tribunal de Justiça esclareceu que, quando as autoridades competentes do Estado‑Membro responsável pela apreciação do pedido de asilo concluem que a condição relativa à cessação da proteção ou da assistência da agência ou órgão das Nações Unidas a que se refere o primeiro período da alínea a) do n.o 1 da artigo 12.o da Diretiva 2004/83 está preenchida em relação ao requerente, o facto de se poder ipso facto«beneficiar [desta] diretiva», conforme previsto no segundo período da alínea a) do n.o 1 do artigo 12.o dessa diretiva, implica o reconhecimento, por parte deste Estado‑Membro, da qualidade de refugiado na aceção do artigo 2.o, alínea c), da referida diretiva e a concessão de pleno direito do estatuto de refugiado a esse requerente, desde que, contudo, este não seja abrangido pelos n.os 1, alínea b), ou 2 e 3, deste artigo 12.o ( 23 ).

36.

De um modo mais geral, o Tribunal de Justiça reconheceu, no Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826), que o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/83 se aplica a uma categoria específica de pessoas que, devido à situação que as caracteriza, beneficiam de um tratamento particular que os Estados signatários da Convenção de Genebra intencionalmente decidiram, em 1951, conceder‑lhes ( 24 ). As pessoas que fazem parte dessa categoria já são reconhecidas como refugiados pela comunidade internacional e beneficiam, nessa qualidade, de um programa de proteção diferente, confiado a organismos da ONU.

37.

Como também foi sublinhado pelo Tribunal de Justiça, o artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra, para além de confirmar o estatuto particular reconhecido a essas pessoas, persegue o objetivo de lhes garantir a continuidade da proteção, caso aquela de que beneficiam por parte de organismos das Nações Unidas venha a cessar ( 25 ). Esta disposição visa, além disso, evitar uma sobreposição de competências entre os referidos órgãos e a UNHCR ( 26 ).

38.

Ora, é evidente que, quando se pretende assegurar a realização dos objetivos perseguidos pelo artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra e respeitar estatuto que a comunidade internacional atribui à categoria de pessoas contemplada nessa disposição, concedendo‑lhes o tratamento particular que essa convenção lhes reserva, a aplicação do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95 a um requerente de asilo pertencente a essa categoria não pode ser deixada à discricionariedade das autoridades nacionais que procedem à análise do seu pedido.

39.

A situação dos palestinianos assistidos pela UNRWA que apresentam um pedido de asilo num Estado‑Membro não é comparável à de um qualquer outro requerente de asilo que deve apresentar prova do fundado receio de ser perseguido a fim de lhe ser reconhecida a qualificação de «refugiado» na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95 ( 27 ). O exame desse pedido não pode, portanto, ser conduzido, pelo menos inicialmente, à luz dessa disposição, que reproduz o artigo 1.o, ponto A, n.o 2, da Convenção de Genebra, mas sim à luz dos critérios definidos no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95.

40.

As cláusulas de exclusão e de inclusão enunciadas nesse artigo devem, além disso, ser objeto de uma interpretação unitária e a respetiva aplicabilidade a um requerente de asilo deve ser apreciada no quadro de um único exame, que deve ser efetuado por fases sucessivas ( 28 ). Uma vez apurado que a pessoa em causa faz parte da categoria dos refugiados palestinianos aos quais o regime da Convenção de Genebra, e, portanto, a Diretiva 2011/95, não se aplica, em conformidade com o disposto no artigo 1.o, ponto D, primeiro parágrafo, dessa convenção, importa verificar, atentas as declarações prestadas pelo interessado, se não estará incluído nesse regime por força do segundo parágrafo do já referido artigo 1.o, ponto D, e, consequentemente, no da Diretiva 2011/95, em aplicação do segundo período do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), desta, pelo facto de a proteção ou assistência da UNRWA ter entretanto cessado no que a ele diz respeito.

41.

Concretamente, segundo as precisões efetuadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de junho de 2010, Bolbol (C‑31/09, EU:C:2010:351), a autoridade nacional competente para a análise do pedido de proteção internacional apresentado por um refugiado palestiniano deverá, antes de mais, verificar se o requerente beneficiou da proteção ou da assistência da UNRWA. Caso não seja possível concluir nesse sentido, não se pode considerar que o requerente está excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2011/95 por força do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, dessa diretiva e o seu pedido de proteção internacional deverá ser analisado à luz do artigo 2.o, alínea c) ( 29 ), e eventualmente do artigo 2.o, alínea f), dessa diretiva ( 30 ).

42.

Se, pelo contrário, resultar que o requerente beneficia da proteção ou da assistência da UNRWA, caberá às autoridades nacionais competentes efetuar um exame individual de todos os elementos pertinentes, a fim de verificar se a partida do interessado da área de operação da UNRWA se justifica por motivos que extravasam da esfera do seu controlo e que são independentes da sua vontade, que o obrigam a abandonar essa área e o impedem de beneficiar da proteção ou assistência concedida pela referida agência ( 31 ). Isto sucede quando o interessado se encontra num estado pessoal de grande insegurança e a UNRWA se vê na impossibilidade de lhe garantir, na sua área de operação, condições de vida conformes com missão que lhe foi confiada ( 32 ).

43.

Se, em alguns aspetos, esse exame é semelhante ao que deve ser efetuado quando o pedido de proteção internacional é analisado à luz do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95, na medida em que se baseia, pelo menos parcialmente, na análise dos mesmos factos e circunstâncias (em especial, a situação individual e as circunstâncias pessoais do requerente, a situação no país de origem ou no território onde reside habitualmente, as declarações por ele prestadas e a documentação pertinente apresentada) ( 33 ), a finalidade é, em contrapartida, diversa.

44.

O exame exigido pelo artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 visa determinar se a assistência ou a proteção concedida pela UNRWA ao requerente de asilo cessou efetivamente, o que pode acontecer, como se viu, quando essa agência deixar de poder, por razões objetivas ou ligadas à situação individual do requerente, assegurar a este último as condições de vida conformes com a missão de que está incumbida ou quando, devido a obstáculos de natureza prática, jurídicos ou inerentes às condições de segurança na área de operação da UNRWA em causa, o requerente aí não possa regressar ( 34 ).

45.

Neste contexto, para lhe ser reconhecida a condição de refugiado, o requerente não deverá demonstrar o receio de perseguição na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95 — embora a prova desse receio torne plenamente aplicável, a seu respeito, a cláusula de inclusão constante do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, dessa diretiva —, antes lhe bastando fazer prova, por exemplo, de uma descontinuidade na proteção ou na assistência oferecida pela UNRWA, ou ainda da existência de situações de conflito armado ou, mais genericamente, de violência ou insegurança suscetíveis de tornar ineficaz ou inexistente essa proteção ou assistência, mesmo quando essas situações, sempre que invocadas por um requerente que não é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, sejam suscetíveis de justificar mais o reconhecimento do estatuto de proteção subsidiária do que o de refugiado.

46.

Daqui decorre que, em circunstâncias como as do processo principal, a análise do pedido de proteção internacional apresentado por S. Alheto, requerente de asilo de origem palestiniana, devia ser conduzida pela DAB ao abrigo das disposições internas de transposição do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), primeiro e segundo período, da Diretiva 2011/95. Como a inscrição de um refugiado palestiniano no sistema de registo da UNRWA constitui um indício conclusivo de que esse refugiado beneficia ou beneficiou da proteção ou da assistência da UNRWA ( 35 ), S. Alheto, que fez prova desse registo, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra e, portanto, do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95. A DAB deveria, por conseguinte, com base num exame individual e à luz do conjunto dos factos e das circunstâncias pertinentes, determinar se a cláusula de inclusão constante do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período da Diretiva 2011/95 se aplicava a S. Alheto. Para esse efeito, deveria ter apurado se a partida de S. Alheto da Faixa de Gaza se justificava por razões independentes da sua vontade, que a obrigaram a abandonar o território, impedindo‑a de continuar a beneficiar da proteção ou da assistência da UNRWA ( 36 ). Em caso de resposta afirmativa, após verificar a inexistência de outras causas de exclusão, a DAB deveria ter reconhecido a S. Alheto o estatuto de refugiada.

47.

Antes de concluir, é importante sublinhar que, ao verificar se a proteção ou a assistência da UNRWA cessou na aceção do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95, a autoridade nacional competente para analisar o pedido de um requerente palestiniano apenas deverá ter em consideração a situação existente no território no interior da área de operação da UNRWA em que esse requerente tinha a sua residência habitual antes de apresentar o seu pedido de asilo — no caso de S. Alheto, a Faixa de Gaza — mesmo que este, antes de entrar no território de um Estado‑Membro, tenha transitado por outros locais dessa área ( 37 ).

48.

À luz do conjunto das considerações que precedem, entendo que à primeira questão prejudicial deve responder‑se que a Diretiva 2011/95 deve ser interpretada no sentido de que o pedido de proteção internacional apresentado por um apátrida de origem palestiniana registado na UNRWA, cuja residência habitual, antes de entrar na União, se encontrava na área de operação desse organismo, deve ser analisado com base no disposto no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva.

C.   Quanto à segunda questão prejudicial

49.

Com a segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95 tem efeito direto e se pode ser aplicado em juízo apesar de S. Alheto não o ter invocado.

50.

O Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) recorda que a versão do artigo 12.o, n.o 1, ponto 4, da ZUB, conforme alterado pela lei de transposição da Diretiva 2011/95 ( 38 ), não é aplicável ratione temporis à situação de S. Alheto ( 39 ), enquanto a versão anterior à referida alteração transpõe de modo incompleto o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/83, porquanto não contempla a cláusula de inclusão constante do segundo período dessa disposição ( 40 ).

51.

Dada a não aplicabilidade ratione temporis da lei de transposição da Diretiva 2011/95 para direito búlgaro ao processo principal não me atardarei sobre as modificações que essa lei introduziu no artigo 12.o, n.o 1, ponto 4, da ZUB, nem me pronunciarei sobre a conformidade desse artigo, na sua versão ora em vigor, com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, embora algumas passagens da decisão de reenvio e a primeira parte da segunda questão prejudicial instem o Tribunal de Justiça a tomar posição sobre essa questão.

52.

No que respeita à versão do artigo 12.o, n.o 1, ponto 4, da ZUB anterior à entrada em vigor da lei de transposição da Diretiva 2011/95, embora seja verdade que não cabe ao Tribunal de Justiça discutir a interpretação que o órgão jurisdicional de reenvio faz do próprio direito interno, não escondo alguma perplexidade no que respeita à impossibilidade, referida pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia), de chegar a uma interpretação dessa disposição que seja conforme com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/83. Com efeito, não obstante a cláusula de inclusão do segundo período do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/83 não ter sido aí expressamente reproduzida, essa disposição indicava, porém, claramente, que a cláusula de exclusão do estatuto de refugiado apenas operaria enquanto não tivesse cessado a proteção ou a assistência do órgão ou da agência das Nações Unidas. A verificação da cessação dessa proteção ou assistência podia apenas conduzir à não aplicação da cláusula de exclusão, com os efeitos especificados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826). A este propósito, recordo que o princípio da interpretação conforme exige que os órgãos jurisdicionais nacionais se empenhem ao máximo, nos limites das suas competências, tendo em consideração o direito interno no seu conjunto e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a eficácia plena do direito da União e chegar a uma solução que esteja em conformidade com o fim perseguido por este último ( 41 ).

53.

Isto posto, para responder à questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não sobram dúvidas, em meu entender, de que o segundo período da alínea a) do n.o 1 do artigo 12.o da Diretiva 2011/95, na medida em que estabelece, em termos inequívocos, o direito de os refugiados palestinianos que ficam sob a alçada do primeiro período dessa disposição e que já não podem beneficiar da proteção ou da assistência da UNRWA poderem beneficiar da diretiva, tem um conteúdo incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado pelos interessados perante os órgãos jurisdicionais nacionais ( 42 ).

54.

Quanto à questão de saber se o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 pode ser aplicado pelo órgão jurisdicional de reenvio apesar de não ter sido invocado pela recorrente no processo principal, recordo que o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de esclarecer que «o direito reconhecido ao litigante, de invocar, em determinadas condições, perante o juiz nacional, uma diretiva cujo prazo de transposição já terminou, não exclui a faculdade de o juiz nacional tomar em consideração essa diretiva, mesmo que o litigante a não tenha invocado», e de proceder à aplicação direta de disposições pontuais e incondicionais dessa diretiva, deixando por aplicar o direito interno que com ela está em conflito.

55.

Com base no que precede, considero que se deve responder à segunda questão prejudicial colocada pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) no sentido de que o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 contém uma disposição suficientemente precisa e incondicional para poder ser invocada pelos interessados perante os órgãos jurisdicionais nacionais. A circunstância de uma disposição de direito da União dotada de efeito direto não ter sido invocada em juízo pela parte interessada não obsta a que o órgão jurisdicional nacional a aplique diretamente, caso considere necessário.

D.   Quanto à terceira questão prejudicial

56.

Com a terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se decorre do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 que, no âmbito de um recurso interposto de uma decisão administrativa de indeferimento do pedido de proteção internacional apresentado por um apátrida de origem palestiniana registado na UNRWA, o órgão jurisdicional de primeira instância pode proceder à análise desse pedido com base nos princípios estabelecidos no artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, mesmo que essa análise não tenha sido anteriormente levada a cabo pela administração competente.

57.

Importa, antes de mais, interrogarmo‑nos sobre a aplicação ratione temporis da Diretiva 2013/32 ao processo principal.

58.

Nos termos do artigo 51.o, n.o 1, dessa diretiva, o prazo concedido aos Estados‑Membros para pôr em vigor as medidas de transposição dos artigos da diretiva mencionados nessa disposição, designadamente o artigo 46.o, terminava em 20 de julho de 2015. Por força do artigo 52.o, primeiro parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2013/32 «[o]s Estados‑Membros aplicarão as disposições legais, regulamentares e administrativas referidas no artigo 51.o, n.o 1, [dessa diretiva] aos pedidos de proteção internacional apresentados […] após 20 de julho de 2015 ou em data anterior». Em conformidade com o disposto no segundo período do primeiro parágrafo do artigo 52.o dessa diretiva «[o]s pedidos apresentados antes de 20 de julho de 2015 […] são regidos pelas disposições legais, regulamentares e administrativas aprovadas nos termos da Diretiva [2005/85]».

59.

Embora a coordenação entre o primeiro e o segundo período do primeiro parágrafo do artigo 52.o da Diretiva 2013/32 não seja evidente ( 43 ), a locução «ou em data anterior» constante do primeiro período, cujo aditamento no texto da diretiva foi pretendido pelo Conselho ( 44 ), parece dever ser interpretada no sentido de que os Estados‑Membros tinham a faculdade de prever, quando da transposição da referida diretiva, que as disposições nacionais que se deviam conformar com as disposições mencionadas no seu artigo 51.o, n.o 1, também se aplicassem aos pedidos de proteção internacional apresentados antes da data fixada neste último artigo. No caso de essa faculdade não ser exercida, o segundo período do primeiro parágrafo do artigo 52.o da Diretiva 2013/32 previa que as disposições de transposição da Diretiva 2005/85 continuassem a ser aplicadas.

60.

O legislador da União previu, portanto, um regime transitório específico, destinado a coordenar a aplicação no tempo das disposições da nova diretiva (a Diretiva 2013/32) e das da diretiva revogada (a Diretiva 2005/85). Por força desse regime, salvo previsão em contrário do legislador nacional, os pedidos de proteção internacional apresentados anteriormente a 20 de julho de 2015 são apreciados ao abrigo das disposições de transposição da Diretiva 2005/85.

61.

Em resposta a um pedido de esclarecimentos nos termos do artigo 101.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio esclareceu que o artigo 37.o da lei de transposição da Diretiva 2013/32, que entrou em vigor em 28 de dezembro de 2015, estabelece que os processos iniciados antes dessa data são finalizados com base nas disposições em vigor anteriormente. Conclui‑se, portanto, que, ainda que implicitamente, o legislador búlgaro decidiu não recorrer à faculdade que lhe é oferecida pelo artigo 52.o, primeiro parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2013/32, de prever a aplicação das disposições nacionais de transposição dessa diretiva igualmente aos pedidos de proteção internacional anteriores a 20 de julho de 2015.

62.

Dado que S. Alheto apresentou o seu pedido de proteção internacional em 25 de novembro de 2014, esse pedido, anterior tanto à data de entrada em vigor da lei de transposição da Diretiva 2013/32 para o direito búlgaro como à data prevista no artigo 52.o, primeiro parágrafo, primeiro período, dessa diretiva, devia, por força quer do direito nacional (artigo 37.o da lei de transposição da Diretiva 2013/32) quer do direito da União (artigo 52.o, primeiro parágrafo, segundo período, da Diretiva 2013/32), ser analisado ao abrigo das disposições de transposição da Diretiva 2005/85 para o direito búlgaro ( 45 ).

63.

Assim, a Diretiva 2013/32 não é aplicável ratione temporis aos factos do processo principal. A jurisprudência do Tribunal de Justiça, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual, enquanto não terminar o prazo de transposição de uma diretiva, os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros devem abster‑se, na medida do possível, de interpretar o direito interno de modo que poderia comprometer seriamente, depois do termo do prazo de transposição, o objetivo prosseguido por essa diretiva ( 46 ), é, em meu entender, inaplicável ao presente reenvio prejudicial. Com efeito, apesar de, como observa o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia), o legislador búlgaro não ter previsto disposições específicas para transpor o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, devendo‑se por isso considerar que as disposições anteriores à transposição dessa diretiva «se incluíam […] no seu âmbito de aplicação» ( 47 ), essa diretiva, embora tendo entrado em vigor antes de S. Alheto ter apresentado o seu pedido de asilo, dispõe expressamente que, salvo disposição nacional em contrário, esse pedido, sendo anterior a 20 de julho de 2015, deve ser examinado ao abrigo das disposições de transposição da Diretiva 2005/85.

64.

Pelas razões acima expostas, a terceira questão prejudicial deve, em meu entender, ser declarada inadmissível ( 48 ). As reflexões que em seguida exponho são apresentadas a título meramente subsidiário.

65.

Observo que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 e a definição do âmbito da fiscalização jurisdicional de decisões administrativas em matéria de asilo que introduz, suscitou um certo interesse junto dos órgãos jurisdicionais nacionais, como o comprova o facto de, em cinco outros reenvios prejudiciais, ainda pendentes no Tribunal de Justiça ( 49 ), terem sido suscitadas questões relativas à interpretação dessas disposições. Com efeito, relativamente ao artigo 39.o da Diretiva 2005/85, que se limitava a enunciar a obrigação de garantir o direito a um «recurso efetivo», deixando aos Estados‑Membros a definição do âmbito desse direito ( 50 ), o artigo 46.o da Diretiva 2013/32 traduz uma mudança de perspetiva, que reflete, aliás, o diferente nível de harmonização dos dois atos.

66.

Da terminologia utilizada nessa disposição resulta de modo evidente que, ao fixar o padrão a que, nos termos do n.o 3, os Estados‑Membros devem obedecer para satisfazer a obrigação estabelecida no n.o 1 de colocar à disposição do requerente de proteção internacional um recurso efetivo, o legislador da União adotou, como parâmetro de referência, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no contexto da aplicação conjugada dos artigos 13.o e 3.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) ( 51 ).

67.

Nos termos do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, um recurso é efetivo se incluir uma «análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito» e, «se aplicável», uma «apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE».

68.

A exigência de uma «análise exaustiva», que não se limite ao respeito das normas jurídicas aplicáveis, mas se estenda ao apuramento e à apreciação dos factos, foi afirmada há já algum tempo pelo TEDH. Segundo esse tribunal, a importância do artigo 3.o CEDH e a irreversibilidade do dano que pode ser causado em caso de violação exigem, para que um recurso possa ser considerado efetivo, uma «fiscalização atenta» ( 52 ) e um «exame independente», «rigoroso» ( 53 ) e «completo» ( 54 ) das acusações relativas ao risco de tratamentos proibidos por essa disposição. Esse exame «deve permitir afastar qualquer dúvida, por mais legítima que seja, acerca do caráter infundado do pedido de proteção, seja qual for a extensão das competências da autoridade incumbida da apreciação» ( 55 ). A exigência de um exame completo implica que a fiscalização do órgão jurisdicional vá para além da mera fiscalização do desvirtuamento dos factos ou dos elementos de prova e do erro manifesto de apreciação.

69.

O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 dispõe igualmente que a análise exaustiva da matéria de facto e de direito deve ser efetuada ex nunc, ou seja, não com base nas circunstâncias que a autoridade que adotou a decisão impugnada conhecia ou devia conhecer no momento da decisão, mas nas existentes no momento em que o juiz decide ( 56 ). Isto implica a possibilidade, por um lado, de o requerente invocar elementos novos que não foram apresentados à autoridade que analisou o pedido de proteção internacional ( 57 ) e, por outro, de o órgão jurisdicional que examina o recurso proceder à obtenção ex officio de elementos pertinentes para a análise da situação do requerente.

70.

Quanto à análise das «necessidades de proteção internacional do requerente», igualmente incluída no padrão definido no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, implica a possibilidade de o órgão jurisdicional se pronunciar, sempre que considere estar na posse de todos os dados necessários para o efeito («se aplicável»), sobre a questão que está na base de cada uma das decisões enumeradas no artigo 46.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, ou seja, a questão de saber se o requerente tem direito ao reconhecimento do estatuto de refugiado ou do estatuto de proteção subsidiária.

71.

A este propósito, é importante recordar que o reconhecimento do estatuto de refugiado é um «ato declarativo» ( 58 ) e não constitutivo e que, como o Tribunal de Justiça esclareceu no seu Acórdão de 24 de junho de 2015, T. (C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 63) ( 59 ), isso implica que os Estados‑Membros — e, portanto, as autoridades nacionais competentes para a análise dos pedidos de asilo — são obrigados a conceder esse estatuto a uma pessoa que reúna as condições mínimas estabelecidas pelo direito da União e «não dispõem de nenhum poder discricionário a este respeito». Ao examinar um pedido de proteção internacional, essas autoridades procedem, portanto, a uma qualificação jurídica dos factos que não implica o exercício de um poder de apreciação de caráter administrativo. Se o órgão jurisdicional considerar que essa qualificação é incorreta, deve poder ele próprio proceder, nos termos do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, quando os elementos à sua disposição lho permitam, à análise das necessidades de proteção internacional do requerente, sem ser obrigado a devolver o processo à administração. Quando, com base nessa análise, chegue à conclusão de que o requerente cumpre os critérios para ser considerado refugiado ou para beneficiar da proteção subsidiária, esse órgão jurisdicional, quando não seja competente, por força do direito nacional, para tomar a decisão de concessão de proteção internacional e não possa, portanto, reformar a decisão impugnada, deverá, todavia, ter o poder de formular indicações vinculativas quanto às exigências de proteção internacional do requerente, indicações essas que a autoridade competente para tomar essa decisão é obrigada a respeitar.

72.

Com base no que precede, considero que, se o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 fosse aplicável aos factos do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio seria obrigado, na medida do possível, a interpretar as normas do APK no sentido de que, numa situação como a de S. Alheto, é competente para se pronunciar sobre o pedido de proteção internacional que esta apresentou à luz do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95 e, se essa interpretação não fosse possível, a não aplicar, de entre essas disposições, as que o impedem de proceder à referida análise.

73.

Não considero, porém, pelas razões que referi no n.o 65, supra, que se possa obter o mesmo resultado com fundamento no artigo 39.o da Diretiva 2005/85.

E.   Quanto à quinta questão prejudicial

74.

Com a quinta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se a assistência prestada pela UNRWA na sua área de operação pode ser considerada uma forma de «proteção suficiente» na aceção do artigo 35.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2013/32. Decorre do despacho de reenvio que essa questão é submetida com o objetivo de se determinar se, nas circunstâncias do processo principal, a Jordânia pode ser considerada o «primeiro país de asilo» de S. Alheto. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se essa conclusão fosse possível, o pedido de proteção internacional apresentado poderia ser considerado inadmissível por força do artigo 33.o da Diretiva 2013/32.

75.

Antes de responder a esta questão, recordo que o artigo 35.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2013/32 reproduz os termos do artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85 que precedeu a Diretiva 2013/32. Como, à luz do que se afirmou nos n.os 58 a 63 das presentes conclusões, só as disposições de direito búlgaro aprovadas ao abrigo da Diretiva 2005/85 são aplicáveis ao pedido de proteção internacional de S. Alheto, deve considerar‑se que a quinta questão prejudicial, depois de reformulada, versa sobre a interpretação do artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), dessa diretiva.

76.

O artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2005/85 — como o atual artigo 33.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 — previa que os Estados‑Membros não são obrigados a analisar o mérito de um pedido de asilo quando o pedido for considerado inadmissível com base num dos fundamentos mencionados no n.o 2. Entre esses fundamentos figurava, na alínea b) desse primeiro parágrafo, a circunstância de um país terceiro ser considerado o «primeiro país de asilo» do requerente nos termos do artigo 26.o da referida Diretiva 2005/85. Essa disposição enunciava, no primeiro parágrafo, alíneas a) e b), duas situações diversas em que um país terceiro podia ser considerado «primeiro país de asilo» do requerente. A primeira dizia respeito à situação em que este tenha sido «reconhecido nesse país como refugiado» e ainda lhe é possível beneficiar dessa proteção. A segunda diz respeito à situação em que o requerente usufrui «de outro modo, nesse país, de proteção suficiente, incluindo o benefício do princípio da não repulsão».

77.

Ora, resulta do despacho de reenvio ( 60 ) que a versão do artigo 13.o, n.o 2, segundo parágrafo, da ZUB, aplicável ao pedido de S. Alheto, não contemplava a segunda hipótese prevista no artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85. Quando da transposição desta disposição, de acordo com o exposto pelo órgão jurisdicional de reenvio, o legislador búlgaro decidiu limitar a possibilidade de um pedido de asilo, nos termos do artigo 25.o, n.o 2, alínea b), da referida diretiva, ser declarado inadmissível apenas ao caso de o requerente beneficiar do estatuto de refugiado num país terceiro seguro. Foi apenas no momento da transposição da Diretiva 2013/32 que o legislador, segundo resulta do despacho de reenvio, introduziu no artigo 13.o, n.o 2, segundo parágrafo, da ZUB o fundamento de inadmissibilidade do pedido que decorre do facto de o requerente beneficiar, num país terceiro, de uma «proteção efetiva que inclua o respeito pelo princípio da não repulsão». Todavia, essa versão do artigo 13.o, n.o 2, segundo parágrafo, da ZUB não é aplicável aos factos do processo principal.

78.

Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2005/85, os Estados‑Membros podiam «adotar ou manter normas mais favoráveis em matéria de procedimentos de concessão ou retirada do estatuto de refugiado, desde que essas normas [fossem] compatíveis com a [referida] diretiva». Da letra do artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2005/85 resulta que os Estados‑Membros tinham a possibilidade, não a obrigação, de prever, no que respeita aos seus próprios procedimentos nacionais de análise dos pedidos de asilo, os fundamentos de inadmissibilidade constantes do n.o 2 dessa disposição, enquanto do considerando 22 dessa diretiva se infere que o artigo 25.o desse diploma constitui uma exceção à regra segundo a qual todos os pedidos de asilo devem ser analisados quanto ao mérito pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros ( 61 ).

79.

Daqui decorre que, ao transpor a Diretiva 2005/85, o legislador búlgaro podia legitimamente decidir, como fez, não transpor todos os fundamentos de inadmissibilidade do pedido de asilo previstos no artigo 25.o, n.o 2, da Diretiva 2005/85, especialmente o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 25.o, n.o 2, alínea b), e 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), dessa diretiva ( 62 ).

80.

Nestas circunstâncias, dado que, nos termos do direito búlgaro aplicável à análise do pedido de proteção internacional de S. Alheto, esse pedido, pelos motivos expostos, nunca poderia ser declarado inadmissível com fundamento nas disposições conjugadas do artigo 25.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85, a quinta questão prejudicial, uma vez que incide, após ter sido reformulada, sobre a interpretação dessas disposições, tem natureza hipotética e é, portanto, inadmissível ( 63 ).

81.

É, portanto, a título meramente subsidiário que, em seguida, procederei a uma breve análise dessa questão prejudicial.

82.

O artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85 deve ser interpretado à luz do referido considerando 22 dessa diretiva, nos termos da qual os Estados‑Membros podem eximir‑se a apreciar um pedido de proteção internacional quanto ao mérito quando se possa «razoavelmente presumir que outro país […] proporcionaria proteção suficiente», em especial «caso um primeiro país de asilo tenha concedido ao requerente o estatuto de refugiado ou outra forma de proteção suficiente e o requerente vá ser readmitido nesse país».

83.

Ora, desse considerando resulta claramente que só uma proteção concedida pelo país que for considerado o primeiro país de asilo para o requerente pode ser pertinente para efeitos da aplicação do fundamento de inadmissibilidade decorrente da conjugação do disposto no artigo 25.o, n.o 2, alínea b), com o artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85. E não poderia ser de outra forma, dado que a proteção contra a repulsão, que faz parte do conteúdo da proteção a que se refere o artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85, só pode ser garantida pelo país para onde o requerente regressa, desde que aí seja readmitido, caso o seu pedido seja considerado inadmissível com base no fundamento previsto no artigo 25.o, segundo parágrafo, alínea b), dessa diretiva. Se um organismo como a UNRWA pode prestar assistência e disponibilizar serviços essenciais parcialmente equiparáveis aos prestados pelas autoridades estatais no âmbito de um regime de proteção internacional ou humanitária, não pode, no entanto, oferecer aos sujeitos que ficam sob a sua esfera de ação a garantia de que, caso abandonem por motivos independentes da sua vontade o território onde têm a sua residência habitual para se deslocarem para outro país situado no interior da área de operação desse organismo, não serão repelidos desse país para o território de onde partiram.

84.

Além disso, a articulação entre a alínea a) e a alínea b) do primeiro parágrafo do artigo 26.o da Diretiva 2005/85 induz a que se considere que só uma proteção que se traduza no reconhecimento ao requerente, pelo país considerado primeiro país de asilo, de um estatuto específico que, embora não tendo o conteúdo do estatuto de refugiado como definido nos instrumentos internacionais pertinentes, o proteja, de forma eficaz ( 64 ), em especial contra a repulsão ( 65 ), pode constituir uma «proteção suficiente» na aceção do artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), dessa diretiva. Por outras palavras, assim como a simples possibilidade de o requerente pedir e obter o reconhecimento do estatuto de refugiado não basta para que o país em questão seja qualificado de primeiro país de asilo na aceção da alínea a) dessa disposição, também a simples previsão de um regime de proteção a que o requerente poderia ter acesso se permanecesse nesse país não basta para que se aplique a alínea b) dessa disposição e para que se considere inadmissível o seu pedido de proteção internacional ao abrigo do artigo 25.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2005/85.

85.

Ora, do despacho de reenvio não resulta que S. Alheto, que transitou pela Jordânia antes de embarcar para a Bulgária aí tendo permanecido 23 dias, beneficie, nesse país, de um estatuto específico que lhe permita, em particular, ficar protegida de uma eventual repulsão para a Faixa de Gaza ( 66 ). O simples facto de S. Alheto fazer parte de um grupo de pessoas (refugiados palestinianos registados na UNRWA) que goza de um estatuto internacional especial, reconhecido pela Jordânia ( 67 ) não basta para efeitos da aplicação do artigo 25.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2005/85, pois as condições a que essa disposição subordina a possibilidade de os Estados‑Membros declararem inadmissível um pedido de proteção internacional devem ser controladas por referência à situação individual do requerente.

86.

Do mesmo modo, não existem, no despacho de reenvio, indicações que permitam concluir que, uma vez regressada à Jordânia, S. Alheto terá acesso à proteção ou à assistência prestada pela UNRWA nesse país.

87.

A este propósito, recordo que, nas suas orientações de dezembro de 2017 sobre a aplicação do artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra aos refugiados palestinianos ( 68 ), a UNHCR esclareceu que «nenhum Estado pode presumir, com segurança, que um refugiado palestiniano está em condições de aceder à proteção ou à assistência da UNRWA numa área de operação [dessa agência] em que nunca residiu ou diferente daquela em que anteriormente residia» ( 69 ). Uma tal presunção implicaria, segundo a UNHCR, «obstáculos irrazoáveis e inultrapassáveis para o requerente» e desprezava a realidade das relações internacionais, baseada no princípio da soberania dos Estados. Por outras palavras, o facto de um requerente de asilo registado na UNRWA ter beneficiado da proteção e da assistência dessa agência no território onde habitualmente residia antes de entrar na União não garante que poderá continuar a beneficiar dessa proteção ou assistência num outro país no interior da área de operação da UNRWA, com o qual não tenha qualquer vínculo anterior. No caso de S. Alheto, o despacho de reenvio não faz referência a nenhum vínculo, nem familiar nem de outro tipo, com a Jordânia.

88.

Com base em tudo o que precede, considero que, nas circunstâncias do processo principal, não existem garantias suficientes de que S. Alheto teria acesso à assistência da UNRWA na Jordânia, caso permanecesse nesse Estado, nem de que aí beneficiaria de «proteção suficiente» na aceção do artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85.

89.

Concluo sublinhando que, embora a Convenção de Genebra não preveja nem exclua expressamente o recurso a medidas destinadas a reconhecer a «proteção externa» (através da aplicação de conceitos como «primeiro país de asilo» ou «país terceiro seguro»), essas medidas só podem ser consideradas compatíveis com essa convenção se garantirem a aplicação, às pessoas que integram a definição de refugiado a que se refere o artigo 1.o da referida convenção, dos direitos que esta consagra. É, portanto, necessário que, caso pretendam recorrer ao conceito de «primeiro país de asilo» na aceção do artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85, e ora do artigo 35.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2013/32, as autoridades do Estado‑Membro competente para analisar o pedido de proteção internacional se certifiquem do caráter efetivo da proteção concedida por esse país ao requerente, especialmente se, como é o caso da Jordânia, o referido país já alberga uma grande população de refugiados ( 70 ).

F.   Quanto à quarta e à sexta questão prejudicial

90.

Com a quarta questão prejudicial, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) interroga‑se, em substância, sobre se o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 permite ao órgão jurisdicional que conhece do recurso interposto de uma decisão de recusa, quanto ao mérito, de um pedido de proteção internacional decidir pela primeira vez: i) sobre a admissibilidade desse pedido ao abrigo do artigo 33.o, n.o 2, alíneas a) a c), da Diretiva 2013/32, mesmo que a entrevista pessoal prevista no artigo 34.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 não se tenha realizado; ii) sobre a repulsão do requerente para o país de origem ou em que residia habitualmente.

91.

Esta questão prejudicial é, em meu entender, inadmissível na sua integralidade pelas razões apontadas nos n.os 57 a 63 das presentes conclusões. A parte i) da referida questão prejudicial é igualmente inadmissível pelas razões expostas nos n.os 76 a 80 das presentes conclusões ( 71 ).

92.

No que respeita à parte ii), limito‑me, a título subsidiário, a observar que a análise de um pedido de proteção internacional implica a tomada em consideração dos riscos a que o requerente estaria exposto caso fosse reenviado para o país de origem ou para o país onde tinha a sua residência habitual antes de apresentar esse pedido, com o objetivo de verificar se os critérios para o reconhecimento do estatuto de refugiado ou do estatuto de proteção internacional se encontram cumpridos, e o princípio da não repulsão respeitado. Consequentemente, desde que a autoridade competente tenha avaliado corretamente os referidos riscos no quadro de uma análise levada a cabo no respeito dos princípios fundamentais e das garantias definidas no capítulo II da Diretiva 2013/32, o simples facto de essa autoridade não ter, na decisão de denegação da proteção internacional, tomado posição sobre a questão de saber se o requerente pode ser imediatamente expulso do território do Estado‑Membro interessado para ser reenviado para o país de origem ou de residência habitual, não constitui uma omissão suscetível de conduzir à anulação dessa decisão. No âmbito dos poderes que lhe são conferidos por força do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, o órgão jurisdicional competente para apreciar o recurso interposto dessa decisão pode, caso o considere oportuno, pronunciar‑se pela primeira vez sobre essa questão. É claro que, de qualquer modo, para que seja garantido o respeito pelo princípio da não repulsão, a situação do requerente deverá ser tomada em consideração pela administração competente no momento em que é decidida a sua expulsão e antes que seja executada.

93.

Com a sexta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça quais são os poderes de que dispõe, nos termos do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, o órgão jurisdicional competente para conhecer de um recurso interposto de uma decisão de denegação da proteção internacional e, em particular, se esse órgão jurisdicional se deve limitar a um controlo da legalidade da decisão impugnada ou se se pode pronunciar sobre as necessidades de proteção internacional do requerente, mesmo quando, ao abrigo do seu direito nacional, essa proteção apenas possa ser concedida por decisão da autoridade administrativa.

94.

Também esta questão prejudicial é inadmissível pelas razões indicadas nos n.os 57 a 63 das presentes conclusões. Quanto ao mérito, remeto para as observações expostas a título subsidiário nos n.os 74 e 75 das presentes conclusões.

IV. Conclusão

95.

À luz do conjunto das considerações que precedem, sugiro ao Tribunal de Justiça que declare inadmissíveis as terceira, quarta, quinta e sexta questões prejudiciais submetidas pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária) e responda nos seguintes termos à primeira e à segunda questão prejudicial:

«A Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretada no sentido de que o pedido de proteção internacional apresentado por um apátrida de origem palestiniana registado na UNRWA, cuja residência habitual se situa na área de operação desse organismo, deve ser analisado com base no disposto no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), dessa diretiva.

O artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 contém uma disposição suficientemente precisa e incondicional para poder ser invocada pelos interessados no órgão jurisdicional nacional. A circunstância de uma disposição de direito da União dotada de efeito direto não ter sido invocada em juízo pela parte interessada não obsta a que o órgão jurisdicional nacional a aplique diretamente, caso considere necessário.»


( 1 ) Língua original: italiano.

( 2 ) Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (reformulação) (JO 2011, L 337, p. 9).

( 3 ) Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (reformulação) (JO 2013, L 180, p. 60).

( 4 ) A Convenção de Genebra foi completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, aprovado em 31 de janeiro de 1967 e entrado em vigor em 4 de outubro de 1967.

( 5 ) V. sítio Internet da UNRWA no endereço https://www.unrwa.org/who‑we‑are. Todavia, a UNRWA não possui nem gere campos de refugiados, estando estes sob a responsabilidade exclusiva das autoridades anfitriãs, https://www.unrwa.org/palestine‑refugees.

( 6 ) V. https://www.unrwa.org/who‑we‑are/frequently‑asked‑questions. Sobre o papel da UNRWA, v., por último, Resolução 72/82 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 7 de dezembro de 2017.

( 7 ) V. Acórdão de 17 de junho de 2010, Bolbol (C‑31/09, EU:C:2010:351, n.o 44).

( 8 ) Trata‑se, respetivamente, das disposições complementares que modificam e completam a ZUB, publicadas no DV n.o 80 de 2015, e das disposições complementares que modificam e completam a ZUB, publicadas no DV n.o 101 de 2015.

( 9 ) A atual versão do artigo 12.o, n.o 1, da ZUB, que reproduz de forma quase literal o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, diverge desta última na medida em que utiliza a formulação negativa «não tenha cessado» em vez da positiva «tenha cessado».

( 10 ) Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12). A lei que transpôs para direito búlgaro esta diretiva foi publicada no DV n.o 52 de 2007.

( 11 ) O artigo 75.o, n.o 2, da ZUB, na versão anterior à transposição das Diretivas 2011/95 e 2013/32, incluía disposições substancialmente idênticas às referidas supra.

( 12 ) Noutra passagem do despacho de reenvio, pode ler‑se que S. Alheto alega ter apresentado o documento da UNRWA quando da entrevista com a DAB, mas essa autoridade recusou juntá‑lo ao processo.

( 13 ) V. Acórdão de 1 de março de 2016, Alo (C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 28). V., igualmente, no que respeita à Diretiva 2004/83, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 42).

( 14 ) V. Acórdão de 1 de março de 2016, Alo (C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 30).

( 15 ) V. Acórdão de 1 de março de 2016, Alo (C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 29). V. igualmente, no que respeita à Diretiva 2004/83, Acórdão Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 43).

( 16 ) V. Note on UNHCR’s Interpretation of Article 1D of the 1951 Convention relating to the Status of Refugees and Article 12(1)(a) of the EU Qualification Directive in the context of Palestinian refugees seeking international protection, maio de 2013, acessível na página Internet http://www.refworld.org/docid/518cb8c84.html. Nesse documento (pp. 2 e 3), esclarece‑se que, o ponto D do artigo 1.o da Convenção de Genebra abrange dois grupos de refugiados palestinianos e os seus descendentes: 1) os palestinianos reconhecidos como «refugiados da Palestina», na aceção da Resolução 194(III) da Assembleia Geral das Nações Unidas de 11 de dezembro de 1948 e das resoluções posteriores dessa Assembleia, que, na sequência do conflito árabe ‑ israelita de 1948, foram deslocados sob o mandato britânico da Palestina, que se veio a tornar no Estado de Israel, sem aí poderem regressar e 2) os palestinianos que não fazem parte da categoria anterior mas que são deslocados na aceção da Resolução 2252 (ES‑V) da Assembleia Geral das Nações Unidas de 4 de julho de 1967 e das resoluções posteriores dessa Assembleia e que, na sequência do conflito a israelo‑árabe de 1967, foram deslocados dos territórios palestinianos ocupados por Israel no início de 1967 sem aí poderem regressar. V. igualmente UNHCR, Guidelines on International protection n.o 13, Applicability of article 1D of the 1951 Convention relating to the status of refugees to Palestinian refugees, dezembro de 2017, acessível na página Internet http://www.refworld.org/publisher,UNHCR,THEMGUIDE,5a1836804,0.html, n.o 8.

( 17 ) V., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2010, Bolbol (C‑31/09, EU:C:2010:351, n.os 47 e 48).

( 18 ) Trata‑se da Resolução 194 (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 11 de dezembro de 1948, e das resoluções ulteriores. A Assembleia Geral das Nações Unidas verifica periodicamente o estado de execução das medidas tomadas em relação aos refugiados palestinianos e, se necessário, adequa‑as à evolução da situação nos territórios em causa. Cronologicamente, a última resolução n.o 72/80, de 7 de dezembro de 2017, relativa à assistência aos refugiados palestinianos, em que a Assembleia Geral das Nações Unidas, no n.o 1, «[l]amenta registar que ainda não se tenha procedido ao repatriamento e à indemnização dos refugiados, previstos no n.o 11 da sua Resolução n.o 194 (III), e que, por essa razão, a situação dos refugiados da Palestina continue a ser motivo de grave preocupação».

( 19 ) Importa referir que, embora o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, da Diretiva 2011/95 se refira, no final, de um modo geral, aos «benefícios» dessa diretiva, a cláusula de inclusão, como a cláusula de exclusão inscrita no primeiro período dessa mesma disposição, diz apenas respeito ao «estatuto de refugiado», v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 67).

( 20 ) Esta interpretação não é partilhada pela UNCHR, que a considera fundada numa leitura excessivamente formalista e restritiva do ponto D do artigo 1.o da Convenção de Genebra. Segundo esse organismo, o âmbito de aplicação deste artigo abrange não só quem tenha beneficiado efetivamente da proteção ou da assistência da UNRWA, mas todos os que, embora nunca tendo delas beneficiado, têm direito a essa proteção ou assistência por estarem abrangidos pelo mandato da UNRWA; v., neste sentido, UNHCR, Guidelines on International protection n.o 13, Applicability of article 1D of the 1951 Convention relating to the status of refugees to Palestinian refugees, já referido, n.os 12 e 13 e nota 27.

( 21 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 56).

( 22 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 65 e ponto 1 do dispositivo).

( 23 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 81 e ponto 2 do dispositivo).

( 24 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 80).

( 25 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 62).

( 26 ) V. UNHCR, Guidelines on International protection n.o 13, Applicability of article 1D of the 1951 Convention relating to the status of refugees to Palestinian refugees, já referido, n.os 6 e 7.

( 27 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 79)

( 28 ) V., no que respeita ao artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra, UNHCR, Guidelines on International protection n.o 13, Applicability of article 1D of the 1951 Convention relating to the status of refugees to Palestinian refugees, já referido, n.o 11.

( 29 ) V., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2010, Bolbol (C‑31/09, EU:C:2010:351, n.o 54).

( 30 ) Em conformidade com o disposto no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32.

( 31 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.os 61 e 64).

( 32 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 63; v., igualmente, n.o 65 e n.o 1 da parte decisória).

( 33 ) V. Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826, n.o 64), em que o Tribunal de Justiça afirmou que o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2004/83 (atual artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95) é aplicável por analogia ao exame individual a efetuar em conformidade com o artigo 12.o, n.o 1, alínea a), segundo período, dessa diretiva.

( 34 ) V., no que respeita ao artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra, UNHCR, Guidelines on International protection n.o 13, Applicability of article 1D of the 1951 Convention relating to the status of refugees to Palestinian refugees, já referido, n.o 22.

( 35 ) V. Acórdão de 17 de junho de 2010, Bolbol (C‑31/09, EU:C:2010:351, n.o 52). V., igualmente, UNHCR, Guidelines on International protection n.o 13, Applicability of article 1D of the 1951 Convention relating to the status of refugees to Palestinian refugees, já referido, n.o 42, bem como a versão consolidada das instruções para a candidatura e registo (Consolidated Eligibility and Registration Instructions) da UNRWA, 1 de janeiro de 2009, ponto III.A.1, p. 3, que pode ser consultada no endereço Internet http://www.refworld.org/docid/520cc3634.html CERI 2009. Todavia, a inscrição na UNRWA não constitui uma condição necessária para que se considere que a pessoa em questão é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1.o, ponto D, da Convenção de Genebra e do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/95, nesse sentido, v. Acórdão de 17 de junho de 2010, Bolbol (C‑31/09, EU:C:2010:351, n.os 46 e 52).

( 36 ) A este propósito, limito‑me a recordar que S. Alheto abandonou a Faixa de Gaza em 15 de julho de 2014, ou seja, alguns dias após o início da operação israelita «Margem Protetora» (8 de julho de 2014), a que se seguiram 51 dias de guerra que, segundo os dados das Nações Unidas, causaram a morte de milhares de civis; v. a resolução aprovada, durante o conflito, pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU em 23 de julho de 2014.

( 37 ) Nesse sentido, v., a contrario, o n.o 77 do Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Abed El Karem El Kott e o. (C‑364/11, EU:C:2012:826). V. UNHCR, Guidelines on International protection n.o 13, Applicability of article 1D of the 1951 Convention relating to the status of refugees to Palestinian refugees, já referido, n.o 22, alínea k). A este propósito, remeto, igualmente, para as observações apresentadas no n.o 87 das seguintes conclusões.

( 38 ) Na realidade, o artigo 12.o da Diretiva 2011/95 não requeria a adoção de medidas de transposição, pois era, no essencial, idêntico ao artigo 12.o da Diretiva 2004/83 (de facto, não figura entre os mencionados no artigo 39.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 relativamente aos quais se exige aos Estados‑Membros a adoção de um ato de transposição), todavia, o legislador búlgaro quis obviamente aproveitar a transposição da Diretiva 2011/95 para corrigir o texto do artigo 12.o, n.o 1, ponto 4, da ZUB que tinha transposto incorretamente o artigo 12.o da Diretiva 2004/83.

( 39 ) A decisão da DAB que rejeitou o pedido de proteção internacional apresentado por S. Alheto foi adotada em 12 de maio de 2015, ao passo que a lei de transposição da Diretiva 2011/95 entrou em vigor em 16 de outubro de 2015 e, nos termos do direito búlgaro, não é aplicável retroativamente.

( 40 ) O artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/83 tinha o mesmo teor que o segundo período da alínea a) do n.o 1 do artigo 12.o da Diretiva 2011/95.

( 41 ) V. Acórdão de 11 de novembro de 2015, Klausner Holz Niedersachsen (C‑505/14, EU:C:2015:742, n.o 34). V., também, neste sentido, Acórdão Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 27 e jurisprudência referida).

( 42 ) V., inter alia, Acórdão de 7 de setembro de 2017, H. (C‑174/16, EU:C:2017:637, n.o 69).

( 43 ) Com efeito, as duas disposições parecem contradizer‑se, na medida em que a primeira autoriza uma aplicação das disposições nacionais de transposição da Diretiva 2013/32 aos pedidos de proteção internacional apresentados antes de 20 de julho de 2015, enquanto a segunda determina que esses pedidos devem ser examinados ao abrigo das disposições nacionais de transposição da Diretiva 2005/85.

( 44 ) V. Posição (UE) n.o 7/2013 do Conselho, de 6 de junho de 2013 (JO 2013, C 179 E, p. 27).

( 45 ) Esta conclusão é, aliás, partilhada, no que respeita ao direito búlgaro, com o órgão jurisdicional de reenvio que sublinhou o facto de uma aplicação retroativa da lei de transposição da Diretiva 2013/32 a S. Alheto ser contrária à Constituição búlgara.

( 46 ) V., inter alia, Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o. (C‑212/04, EU:C:2006:443, n.os 122 e 123), e de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea (C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.o 37). O órgão jurisdicional de reenvio refere igualmente as Conclusões do advogado‑geral no processo Kadzoev (C‑357/09 PPU, EU:C:2009:691, n.os 32 a 35).

( 47 ) V. Acórdão de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea (C‑261/07 e C‑299/07, EU:C:2009:244, n.o 37)

( 48 ) V., no entanto, Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko (C‑348/16, EU:C:2017:591), no qual o Tribunal de Justiça respondeu à questão prejudicial submetida pelo Tribunale di Milano (Tribunal de Milão) sem examinar previamente a questão da aplicação ratione temporis da Diretiva 2013/32 ao processo de análise do pedido de proteção internacional de M. Sacko (apresentado antes de 20 de julho de 2015, mas indeferido depois dessa data).

( 49 ) Trata‑se de dois outros reenvios prejudiciais provenientes do Administrativen Sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) (processos C‑652/16 e C‑56/17), de um reenvio prejudicial do Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal de Justiça da República Eslovaca) num contexto caracterizado pela adoção sucessiva de decisões de recusa de proteção internacional, que foram sempre anuladas na sequência de recurso interposto pelo requerente e em que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre se é possível considerar‑se que o direito a uma proteção jurisdicional efetiva foi respeitado (C‑113/17), de um reenvio prejudicial húngaro (C‑556/17) e de um reenvio prejudicial do Raad van State (Conselho de Estado dos Países Baixos) (fundamentos de asilo novos) (C‑586/17).

( 50 ) O segundo período do considerando 27 da Diretiva 2005/85 enuncia que «[a] eficácia do recurso, também no que respeita à apreciação dos factos pertinentes, depende do sistema administrativo e judicial de cada Estado‑Membro no seu todo».

( 51 ) Como se sabe, o artigo 3.o CEDH enuncia a proibição de torturas e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, ao passo que o artigo 13.o consagra o direito a um recurso efetivo em caso de violação dos direitos e liberdades reconhecidos por essa convenção.

( 52 ) V. TEDH, 12 de abril de 2005, Chamaïev e o. c. Geórgia e Rússia (CE:ECHR:2005:0412JUD003637802, § 448).

( 53 ) TEDH, 11 de julho de 2000, Jabari c. Turquia (CE:ECHR:2000:0711JUD004003598, § 50), e 21 de janeiro de 2011, M.S.S c. Bélgica (ECLI:CE:ECHR:2011:0121JUD003069609, §§ 293 e 388).

( 54 ) V., neste sentido, TEDH, 2 de outubro de 2012, Singh e o. c. Bélgica (CE:ECHR:2012:1002JUD003321011, § 103). V., igualmente, Acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de julho de 2011, Samba Diouf (C‑69/10, EU:C:2011:524, n.o 56), e de 31 de janeiro de 2013, D. e A. (C‑175/11, EU:C:2013:45, n.o 75).

( 55 ) TEDH, 2 de outubro de 2012, Singh e o. c. Bélgica (CE:ECHR:2012:1002JUD003321011, § 103). No mesmo sentido, no Acórdão de 28 de julho de 2011, Samba Diouf (C‑69/10, EU:C:2011:524, n.o 56), o Tribunal de Justiça afirmou que «as razões que levaram a autoridade competente a indeferir o pedido de asilo por este ser infundado [devem poder] ser objeto de um exame aprofundado por parte do juiz nacional».

( 56 ) Neste sentido, v. TEDH, 2 de outubro de 2012, Singh e o. c. Bélgica (CE:ECHR:2012:1002JUD003321011, § 91).

( 57 ) V., neste sentido, TEDH, 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica (CE:ECHR:2011:0121JUD003069609, § 389).

( 58 ) V. considerando 21 da Diretiva 2011/95. Logicamente, também o reconhecimento do estatuto de proteção subsidiária deveria ter a mesma natureza.

( 59 ) O Tribunal de Justiça baseou‑se, então, no considerando 14 da Diretiva 2004/83, que, com idêntica terminologia, afirmava que «[o] reconhecimento do estatuto de refugiado é um ato declarativo».

( 60 ) N.o 49 desse despacho.

( 61 ) O mesmo se pode dizer, atualmente, do artigo 33.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 (v. considerando 43, que tem o mesmo teor que o considerando 22 da Diretiva 2005/85). Sublinho, porém, que a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui um procedimento comum de proteção internacional na União Europeia e que revoga a Diretiva 2013/32/UE (COM/2016/0467 final), introduz, no seu artigo 36.o, n.o 1, alínea), a obrigação de os Estados‑Membros procederem à apreciação da admissibilidade do pedido de proteção internacional ao abrigo do fundamento relativo ao conceito de «primeiro país de asilo», definido no artigo 44.o dessa proposta.

( 62 ) No entanto, resulta de um estudo comparativo levado a cabo pela UNCHR que não só a Bulgária não transpôs o artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85 como também, na prática, pelo menos até ao final de 2010, não aplicava o conceito de «primeiro país de asilo», e que o fato de beneficiar, num país terceiro, do estatuto de refugiado é mais considerado um fundamento de rejeição atinente ao mérito do pedido de asilo do que um fundamento para o declarar inadmissível; v. UNHCR, Improving asylum procedures: comparative analysis and reccomendations for la and practice, detailed research on key asylum procedures, março 2010, p. 285, acessível no endereço Internet http://www.unhcr.org/4c7b71039.pdf.

( 63 ) V., inter alia, Despacho de 22 de junho de 2017, Fondul Proprietatea (C‑556/15 e C‑22/16, não publicado, EU:C:2017:494, n.os 20 e 21).

( 64 ) Segundo o recomendado pelo UNHCR, os Estados‑Membros que aplicam o conceito de «primeiro país de asilo» deveriam interpretar o conceito de «proteção suficiente» na aceção do artigo 26.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2005/85, e ora do artigo 35.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2013/32, no sentido de proteção «efetiva e disponível em concreto», v. UNHCR, Improving asylum procedures: comparative analysis and reccomendations for la and practice, detailed research on key asylum procedures, março de 2010, p. 282 e 291, acessível na página Internet http://www.unhcr.org/4c7b71039.pdf; V., igualmente, UNHCR, Summary Conclusions on the Concept of “Effective Protection” in the Context of Secondary Movements of Refugees and Asylum‑Seekers Directive (Lisbon Expert Roundtable, 9 e 10 de dezembro de 2002), fevereiro de 2003, acessível na página Internet http://www.unhcr.org/protection/globalconsult/3e5f323d7/lisbon‑expert‑roundtable‑summary‑conclusions‑concept‑effective‑protection.html.

( 65 ) Recordo que a transferência de um requerente de asilo para um Estado em que corra o risco de repulsão para o seu Estado de origem integra una hipótese de repulsão indireta em violação do artigo 33.o da Convenção de Genebra. O primeiro país de asilo deve, portanto, oferecer garantias reais quanto ao respeito efetivo desse princípio relativamente ao requerente. A este propósito, sublinho que a Jordânia, apesar de acolher um grande número de refugiados palestinianos, não faz parte dos países signatários da Convenção de Genebra.

( 66 ) A este propósito, sublinho que há vários casos de repulsão de refugiados palestinianos, especialmente provenientes da Síria, que foram registados pela Human Rights Watchl in Giordania; v., a este respeito, Global Detention Project (GDP), Immigration Detention in Jordan, março de 2015, acessível no endereço Internet: http://www.refworld.org/docid/556738404.html, p. 11. Quanto ao respeito do princípio da não repulsão pela Jordânia v., igualmente, Human Rights Watch, World Report, 2018, p. 307.

( 67 ) A Jordânia concedeu aos palestinianos que abandonaram a Faixa de Gaza em 1967 um passaporte temporário, uma espécie de salvo‑conduto que certifica a residência em território jordano. Sobre o funcionamento do passaporte temporário v. estudo de A. Tiltnes e H. Zhang, Progress, challenges, diversity, Insights into the socio‑economic conditions of Palestinan refugees in Jordan, acessível no endereço Internet https://www.unrwa.org/sites/default/files/insights_into_the_socio‑economic_conditions_of_palestinian_refugees_in_jordan.pdf, p. 32. Esse estudo evidencia as condições de grande pobreza e as restrições no acesso aos serviços sociais, educativos e sanitários dos palestinianos provenientes da Faixa de Gaza privados da cidadania jordana, malgrado serem titulares do referido passaporte; v. especialmente pp. 258 e segs. O registo na UNRWA não parece ter impacto significativo na acessibilidade dessas pessoas a determinados serviços essenciais; v., no que respeita à cobertura sanitária, especialmente pp. 99 e segs.

( 68 ) Referida na nota 16 das presentes conclusões.

( 69 ) V. n.o 22, ponto IV, alínea k), dessas orientações.

( 70 ) A Jordânia alberga cerca de dois milhões de refugiados e desalojados palestinianos. Sobre a situação dessas pessoas, v. o estudo de A. Tiltnes e H.Zhang, Progress, challenges, diversity, Insights into the socio‑economic conditions of Palestinian refugees in Jordan, já referida.

( 71 ) Malgrado uma referência feita no corpo do despacho de reenvio ao conceito de país terceiro seguro na aceção do artigo 38.o da Diretiva 2013/32, da letra da quarta questão prejudicial não resulta que o Administrativen sad Sofia (Tribunal Administrativo de Sófia) ‑ pretenda também interrogar o Tribunal de Justiça sobre o fundamento de inadmissibilidade constante do artigo 33.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2013/32.