CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 23 de novembro de 2017 ( 1 )

Processo C‑541/16

Comissão Europeia

contra

Reino da Dinamarca

«Incumprimento de Estado — Transporte rodoviário de mercadorias — Regulamento (CE) n.o 1072/2009 — Artigo 2.o, n.o 6 — Conceito de operação de cabotagem — Artigo 8.o, n.o 2 — Número máximo de três operações de cabotagem no prazo de sete dias a contar da última operação de descarga de um transporte internacional — Regra nacional que permite que numa operação de cabotagem existam vários pontos de carga ou vários pontos de descarga, mas não ambos — Força jurídica das “Perguntas e respostas” adotadas pela Comissão e publicadas no seu sítio Web, mas não submetidas a votação do Comité dos Transportes Rodoviários»

1.

A prestação de serviços de transporte internacional rodoviário de mercadorias na União Europeia não está sujeita a quaisquer contingentes ou restrições quanto ao volume ou à frequência dos serviços ( 2 ). Em contrapartida, a cabotagem, que pode ser definida como a prestação de serviços de transporte nacional rodoviário de mercadorias, está sujeita a restrições quando é efetuada por transportadores de mercadorias não residentes. Não obstante não serem aplicáveis contingentes à prestação de serviços de cabotagem por transportadores não residentes, de acordo com o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009, estes transportadores só estão autorizados a efetuar um máximo de três operações de cabotagem na sequência de um transporte internacional com origem num Estado‑Membro ou num país terceiro. Além disso, essas três operações têm de ser realizadas no prazo de sete dias a contar da operação de descarga do transporte internacional.

2.

O artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009, conhecido como regra «três em sete» ( 3 ), é objeto de diferentes interpretações a nível nacional ( 4 ). Em especial, têm surgido dificuldades na contagem das operações de cabotagem.

3.

As disposições nacionais em apreço no presente caso são as regras dinamarquesas que estabelecem que uma operação de cabotagem pode compreender vários pontos de carga ou vários pontos de descarga, mas não ambos.

4.

A Comissão Europeia, por sua vez, considera que uma operação de cabotagem pode compreender vários pontos de carga e vários pontos de descarga. Por conseguinte, intentou uma ação no Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 258.o, n.o 2, TFUE, com vista a obter a declaração de que o Reino da Dinamarca, ao não admitir considerar como operação de cabotagem uma operação com vários pontos de carga e vários pontos de descarga, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento n.o 1072/2009.

5.

Devo salientar que, não obstante a cabotagem representar uma quota muito pequena dos transportes nacionais rodoviários de mercadorias na Dinamarca ( 5 ) e a cabotagem ilegal ser escassa ( 6 ), a interpretação da regra «três em sete» pode, ainda assim, ser importante para esse Estado‑Membro, uma vez que a Dinamarca parece ser especialmente afetada pela chamada «cabotagem sistemática», em que «os transportadores dedicam a maior parte do seu tempo ao transporte nacional noutro Estado‑Membro». Aparentemente, tal deve‑se ao facto de os salários dos motoristas serem relativamente elevados na Dinamarca ( 7 ) e, provavelmente, à geografia desse Estado‑Membro.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

6.

O artigo 2.o do Regulamento n.o 1072/2009 dispõe:

«Para os efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

6.

“Operações de cabotagem”: transportes nacionais por conta de outrem efetuados a título temporário num Estado‑Membro de acolhimento, de acordo com o presente regulamento;

[…]»

7.

O artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009 estabelece:

«1.   Os transportadores rodoviários de mercadorias por conta de outrem que sejam titulares de uma licença comunitária e cujos motoristas, quando nacionais de país terceiro, sejam titulares de certificados de motorista, ficam autorizados, nas condições fixadas no presente capítulo, a efetuar operações de cabotagem.

2.   Uma vez efetuada a entrega das mercadorias transportadas à chegada de um transporte internacional com origem num Estado‑Membro ou de um país terceiro e com destino ao Estado‑Membro de acolhimento, os transportadores referidos no n.o 1 ficam autorizados a efetuar, com o mesmo veículo ou, tratando‑se de um conjunto de veículos acoplados, com o veículo trator desse mesmo conjunto, o máximo de três operações de cabotagem na sequência do referido transporte internacional. A última operação de descarga no quadro de uma operação de cabotagem, antes da saída do Estado‑Membro de acolhimento, deve ter lugar no prazo de sete dias a contar da última operação de descarga realizada no Estado‑Membro de acolhimento no quadro do transporte internacional com destino a este último.

No prazo referido no primeiro parágrafo, os transportadores rodoviários podem efetuar uma parte ou a totalidade das operações de cabotagem autorizadas nos termos do referido parágrafo em qualquer Estado‑Membro, na condição de se limitarem a uma operação de cabotagem por Estado‑Membro no prazo de três dias a contar da entrada sem carga no território desse Estado‑Membro.

[…]»

B.   Direito dinamarquês

8.

O ponto 3 das Orientações relativas às regras sobre cabotagem rodoviária do Regulamento n.o 1072/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias ( 8 ) (a seguir «Orientações relativas à cabotagem»), que a Trafikstyrelsen (autoridade reguladora dos transportes) publicou no seu sítio Web em 21 de maio de 2010, determina:

«Entende‑se por “operação de cabotagem” o transporte nacional de uma remessa, desde a recolha das mercadorias até à sua entrega no destino, conforme especificado na nota de expedição. Uma operação pode compreender vários pontos de carga ou várias entregas, conforme o caso.

[…]»

II. Procedimento pré‑contencioso

9.

Por cartas de 9 de setembro e de 2 de outubro de 2013, a Comissão interpelou o Reino da Dinamarca, no âmbito de um processo EU Pilot ( 9 ), para prestar informações sobre as regras nacionais em matéria de cabotagem. O Reino da Dinamarca respondeu por cartas de 18 de novembro e de 12 de dezembro de 2013.

10.

Em 11 de julho de 2014, a Comissão, insatisfeita com essas respostas, enviou ao Reino da Dinamarca uma notificação para cumprir, alegando, em especial, que esse Estado‑Membro tinha violado o artigo 2.o e o artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009. No entender da Comissão, ao determinarem que uma operação de cabotagem pode ter vários pontos de carga ou vários pontos de descarga, mas não ambos, as Orientações relativas à cabotagem eram incompatíveis com aquelas disposições, que não estabeleciam um número máximo de pontos de carga ou de descarga.

11.

Por carta de 9 de setembro de 2014, o Reino da Dinamarca apresentou observações à notificação para cumprir.

12.

Em 25 de setembro de 2015, a Comissão enviou ao Reino da Dinamarca um parecer fundamentado, afirmando, nomeadamente, que a definição de operação de cabotagem no sentido de compreender vários pontos de carga ou vários pontos de descarga era incompatível com o artigo 2.o, n.o 6, e com o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009.

13.

Por carta de 25 de novembro de 2015, o Reino da Dinamarca apresentou observações ao parecer fundamentado.

14.

Por não ter ficado convencida pela argumentação do Reino da Dinamarca, a Comissão instaurou a presente ação em 25 de outubro de 2016.

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

15.

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.o, n.o 6, e do artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009 e que condene o Reino da Dinamarca nas despesas.

16.

O Reino da Dinamarca pede ao Tribunal de Justiça que julgue a ação improcedente, uma vez que não violou as disposições do Regulamento n.o 1072/2009 relativas à cabotagem. Pede igualmente a condenação da Comissão nas despesas.

17.

Foram apresentadas observações escritas pela Comissão e pelo Reino da Dinamarca. Tanto o Reino da Dinamarca como a Comissão apresentaram alegações orais na audiência de 11 de outubro de 2017.

IV. Análise

A.   Argumentos das partes

18.

A Comissão alega que o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.o, n.o 6, e do artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009 ao permitir que uma operação de cabotagem tenha vários pontos de carga ou vários pontos de descarga, mas não ambos.

19.

Em primeiro lugar, a Comissão argumenta que o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 não prevê um número máximo de pontos de carga e/ou de descarga no âmbito da mesma operação de cabotagem. Por conseguinte, uma operação pode ter um ou vários pontos de carga e/ou de descarga. Consequentemente, as Orientações relativas à cabotagem, que determinam que uma operação de cabotagem pode ter vários pontos de carga ou vários pontos de descarga, mas não ambos, acrescentam um novo requisito aos requisitos estabelecidos no Regulamento n.o 1072/2009. Na verdade, esse regulamento limita o número de operações de cabotagem que podem ser efetuadas na sequência de um transporte internacional. Não restringe o número de pontos de carga e/ou de descarga de uma operação de cabotagem.

20.

Em segundo lugar, a Comissão alega que o artigo 2.o, n.o 6, e o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 definem de forma exaustiva o que se entende por operação de cabotagem. Consequentemente, os Estados‑Membros não gozam de nenhuma margem de apreciação nessa matéria. Só pode haver uma interpretação do conceito de operação de cabotagem. Essa interpretação consta de um documento adotado pela Comissão sob a forma de perguntas e respostas (a seguir «Perguntas e respostas») ( 10 ) e publicado no sítio Web da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão. Esse documento é vinculativo para todos os Estados‑Membros. A esse respeito, é irrelevante que o documento não tenha sido submetido à votação do Comité dos Transportes Rodoviários (composto por representantes dos Estados‑Membros), uma vez que essa votação não se impunha.

21.

Em terceiro lugar, a Comissão reconhece que o Comité dos Transportes Rodoviários tinha considerado inicialmente que uma operação de cabotagem apenas pode compreender «vários pontos de carga ou vários pontos de descarga». Porém, essa posição foi tomada na reunião de 17 de novembro de 2009 desse Comité, ou seja, antes de o Regulamento n.o 1072/2009 ser aplicável. A partir do momento em que os artigos 8.o e 9.o do Regulamento n.o 1072/2009 passaram a ser aplicáveis, em 14 de maio de 2010 ( 11 ), suscitaram‑se problemas relativamente à definição de operação de cabotagem. Consequentemente, essa questão foi novamente discutida pelo Comité dos Transportes Rodoviários na reunião de 25 de outubro de 2010. Nessa reunião, os representantes dos Estados‑Membros chegaram a um acordo, tendo concluído que uma operação de cabotagem pode compreender «vários pontos de carga, vários pontos de entrega ou até vários pontos de carga e de entrega, conforme o caso». Essa interpretação do conceito de operação de cabotagem foi posteriormente publicada pela Comissão sob a forma das «Perguntas e respostas» acima referidas.

22.

Em quarto lugar, no entender da Comissão, não é possível defender que permitir que uma operação de cabotagem tenha vários pontos de carga e vários pontos de descarga é incompatível com o objetivo do Regulamento n.o 1072/2009 e compromete o caráter temporário da cabotagem. Com efeito, esse caráter temporário é assegurado pela regra «três em sete» estabelecida no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009.

23.

Em quinto lugar, a Comissão alega que, ao contrário do que defende o Reino da Dinamarca, a interpretação do conceito de operação de cabotagem preconizada nas Orientações relativas à cabotagem é incompatível com o princípio da proporcionalidade. Impedir que os transportadores não residentes efetuem operações de cabotagem com vários pontos de carga e vários pontos de descarga limita indevidamente as oportunidades desses transportadores de efetuarem operações de cabotagem. Ao invés, permitir que os transportadores não residentes efetuem operações de cabotagem com vários pontos de carga e vários pontos de descarga evita viagens sem carga e aumenta a eficiência dos transportes.

24.

O Reino da Dinamarca sustenta que, ao permitir que uma operação de cabotagem tenha vários pontos de carga ou vários pontos de descarga, mas não ambos, não violou o artigo 2.o, n.o 6, nem o artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009.

25.

O Reino da Dinamarca alega que o Regulamento n.o 1072/2009 não regula de forma exaustiva as operações de cabotagem, uma vez que as disposições desse regulamento relativas à cabotagem não são claras. Por conseguinte, os Estados‑Membros podem adotar medidas de aplicação dessas disposições, desde que tais medidas sejam compatíveis com o princípio da proporcionalidade.

26.

Primeiro, o Reino da Dinamarca afirma que o Regulamento n.o 1072/2009 não é claro na definição das operações de cabotagem. Esse regulamento não especifica quantos pontos de carga e/ou pontos de descarga uma operação de cabotagem pode compreender. Por conseguinte, não é possível determinar quando é atingido o limite de três operações estabelecido no artigo 8.o, n.o 2, desse regulamento. A falta de clareza é ainda evidenciada pelo facto de, inicialmente, a Comissão ter sido da mesma opinião que o Reino da Dinamarca e só na reunião do Comité dos Transportes Rodoviários de 25 de outubro de 2010 ter alterado o seu entendimento, já que a própria Comissão reconheceu, num relatório de 2014 ( 12 ), que a definição de cabotagem no Regulamento n.o 1072/2009 era pouco clara e devia ser alterada; e os Estados‑Membros têm interpretações divergentes sobre esse conceito.

27.

Segundo, o Reino da Dinamarca defende que as Orientações relativas à cabotagem são adequadas para alcançar o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1072/2009. O objetivo desse regulamento é evitar que os transportadores não residentes efetuem cabotagem com caráter de permanência no Estado‑Membro de acolhimento. Se uma operação de cabotagem pudesse compreender vários pontos de carga e vários pontos de descarga, um grande número de viagens poderia ser considerado uma única operação de cabotagem. O limite de três operações estabelecido no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 ficaria esvaziado de conteúdo. A cabotagem deixaria de ser «temporária», conforme exigido pelo artigo 2.o, n.o 6, daquele regulamento.

28.

Terceiro, o Reino da Dinamarca considera que as Orientações relativas à cabotagem não vão além do necessário para prosseguir o objetivo do Regulamento n.o 1072/2009. Em especial, não exigem que uma operação de cabotagem tenha um ponto de carga e um ponto de descarga. Além disso, a legislação dinamarquesa não prevê nenhum limite ao número de expedidores e de mandantes. Logo, as Orientações relativas à cabotagem são compatíveis com o princípio da proporcionalidade.

B.   Apreciação

29.

Começarei por explicar que o artigo 2.o, n.o 6, e o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 não abordam a questão de saber se uma operação de cabotagem pode ou não ter vários pontos de carga e vários pontos de descarga. Posteriormente, determinarei se essas disposições atribuem aos Estados‑Membros margem de apreciação para adotarem medidas destinadas à sua execução. Uma vez que, no meu entender, essa resposta é afirmativa, de seguida avaliarei a proporcionalidade das Orientações relativas à cabotagem. Por último, abordarei a questão da força jurídica das «Perguntas e respostas» que a Comissão publicou no seu sítio Web e que enunciam a interpretação da Comissão do conceito de operação de cabotagem.

1. O artigo 2.o, n.o 6, e o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 não especificam se uma operação de cabotagem pode ou não ter vários pontos de carga e vários pontos de descarga

30.

Recordo que o artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009 não faz nenhuma referência a pontos de carga ou de descarga. Essa disposição limita‑se a sublinhar o caráter «temporário» das operações de cabotagem.

31.

O artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 também não faz qualquer referência a pontos de carga ou de descarga. Essa disposição estipula que pode ser efetuado um número máximo de três operações de cabotagem no prazo de sete dias a contar de um transporte internacional ( 13 ). É verdade que o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 especifica que uma operação de cabotagem pode ter vários pontos de descarga. Com efeito, de acordo com o último período do primeiro parágrafo dessa disposição, «[a] última operação de descarga no quadro de uma operação de cabotagem […] deve ter lugar no prazo de sete dias a contar da última operação de descarga […] no quadro do transporte internacional com destino [ao Estado‑Membro de acolhimento]» ( 14 ). Porém, o artigo 8.o, n.o 2, do regulamento não precisa se uma operação de cabotagem pode também ter vários pontos de carga. Consequentemente, essa disposição não indica se uma operação pode ter vários pontos de carga e vários pontos de descarga.

32.

Por outras palavras, o artigo 2.o, n.o 6, e o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 simplesmente não abordam a questão de saber se uma operação de cabotagem pode ou não ter vários pontos de carga e vários pontos de descarga.

33.

Ao invés, as Orientações relativas à cabotagem afirmam expressamente que «[u]ma operação pode compreender vários pontos de carga ou várias entregas» ( 15 ), ficando assim excluídas as operações que compreendem vários pontos de carga e vários pontos de descarga. Ao adotar as Orientações relativas à cabotagem, o Reino da Dinamarca abordou e decidiu claramente essa questão.

34.

Portanto, importa determinar se o Regulamento n.o 1072/2009 atribui ao Reino da Dinamarca margem de apreciação para adotar as Orientações relativas à cabotagem, para o efeito de clarificar a definição de operações de cabotagem e a regra «três em sete», estabelecidas no artigo 2.o, n.o 6, e no artigo 8.o, n.o 2, desse regulamento.

2. A adoção de medidas internas é necessária para a aplicação do artigo 2.o, n.o 6, e do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009?

35.

Devo salientar que o ato de direito da União cujas disposições o Reino da Dinamarca alegadamente violou é um regulamento, não uma diretiva.

36.

Ao contrário das diretivas, nos termos do segundo parágrafo do artigo 288.o TFUE, os regulamentos são obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados‑Membros. Portanto, os Estados‑Membros não podem adotar medidas internas que reproduzam o conteúdo de um regulamento ( 16 ). Também lhes está vedado adotar medidas internas que afetem o alcance de um regulamento ( 17 ) ou as suas disposições.

37.

Todavia, isto não significa que os Estados‑Membros não possam adotar nenhuma medida de aplicação dos regulamentos, porque algumas das suas disposições podem necessitar, para serem executadas, da adoção de medidas de aplicação por parte dos Estados‑Membros ( 18 ). Por outras palavras, os regulamentos podem não regular uma matéria de forma exaustiva e atribuir aos Estados‑Membros margem de apreciação para adotarem medidas destinadas à sua execução ( 19 ).

a) Os regulamentos podem necessitar de medidas de aplicação por parte dos Estados‑Membros, não obstante não preverem expressamente a adoção dessas medidas

38.

Segundo jurisprudência assente, os Estados‑Membros podem adotar medidas de aplicação de um regulamento, desde que não criem obstáculos à sua aplicabilidade direta, não dissimulem a sua natureza de ato de direito da União e precisem o exercício da margem de apreciação que lhes é conferida por esse regulamento, não deixando de respeitar os limites das suas disposições ( 20 ).

39.

É com base nas disposições aplicáveis do regulamento em causa, interpretadas à luz dos seus objetivos, que se deve determinar se estas proíbem, impõem ou permitem que os Estados‑Membros aprovem certas medidas de execução e, nomeadamente neste último caso, se essa medida está abrangida pela margem de apreciação reconhecida a cada Estado‑Membro ( 21 ).

40.

No presente processo, nem o artigo 2.o, n.o 6, nem o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 fazem referência ao direito nacional. Nenhuma dessas disposições atribui expressamente aos Estados‑Membros poderes para adotarem medidas de aplicação relativamente à definição do conceito de operação de cabotagem ou à regra «três em sete». Nem nenhuma outra disposição do Regulamento n.o 1072/2009 o faz ( 22 ).

41.

Contudo, os Estados‑Membros podem adotar medidas de aplicação de regulamentos, não obstante esse poder não lhes ser expressamente atribuído ( 23 ).

42.

Por exemplo, o artigo 3.o, segundo parágrafo, alínea g), do Regulamento (CE) n.o 1/2005 ( 24 ) estabelece que, no transporte de animais, deve ser cumprida a condição de «[ser proporcionada] aos animais […] uma altura [suficiente] tendo em conta o seu tamanho e a viagem prevista». No entanto, quanto ao transporte rodoviário de suínos, o Regulamento n.o 1/2005 não prevê requisitos quantitativos aplicáveis à altura dos compartimentos interiores em que esses animais são transportados, nem atribui expressamente aos Estados‑Membros poderes para estabelecerem tais requisitos. Todavia, já foi declarado que os Estados‑Membros podem adotar medidas de execução que estabelecem requisitos quantitativos relativos à altura interior dos compartimentos em que os suínos são transportados ( 25 ).

43.

Do mesmo modo, o artigo 5.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho ( 26 ) enumera as sanções que «podem» ser aplicadas em caso de violação das disposições do direito da União que lesem o orçamento da UE ( 27 ). O artigo 7.o do Regulamento n.o 2988/95 dispõe que essas sanções podem ser aplicadas ao agente económico que cometeu a violação ou à pessoa que tenha de responder pela violação ou evitar que ela seja praticada. No entanto, o Regulamento n.o 2988/95 não especifica a que situação ou a quem se aplica cada uma das sanções enumeradas no artigo 5.o, nem habilita expressamente os Estados‑Membros a adotarem disposições a esse respeito ( 28 ). Ainda assim, já foi afirmado que os Estados‑Membros podem, e até devem, adotar disposições neste domínio ( 29 ).

44.

Importa salientar que, conforme alegou o Reino da Dinamarca, o facto de uma disposição de um regulamento ser formulada em termos gerais ou imprecisos constitui uma indicação de que são necessárias medidas internas de aplicação. Tal como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Zerbone, «em caso de dificuldades de interpretação, pode ser necessária a adoção, por parte da administração nacional, de regras de aplicação de um regulamento [da União] e, simultaneamente, a clarificação de quaisquer dúvidas suscitadas» ( 30 ). No acórdão Danske Svineproducenter, o Tribunal de Justiça concluiu que há que reconhecer aos Estados‑Membros uma determinada margem de apreciação para fixarem os requisitos quantitativos relativos à altura dos compartimentos interiores destinados ao transporte rodoviário de suínos, dado que o regulamento aplicável não fixou «com precisão» a altura desses compartimentos, ou seja, não fixou, ele próprio, requisitos quantitativos ( 31 ). Do mesmo modo, o acórdão SGS Belgium reconheceu aos Estados‑Membros a faculdade de adotarem medidas de aplicação que estabelecem sanções, porque as disposições relevantes do Regulamento n.o 2988/95 «se limitam a estabelecer as regras gerais» e «não determinam de forma precisa qual das sanções enumeradas no artigo 5.o […] deve ser aplicada […], nem qual a categoria de atores que deve então ser objeto de tal sanção» ( 32 ).

b) O artigo 2.o, n.o 6, e o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 necessitam da adoção de medidas de aplicação pelos Estados‑Membros

45.

No presente caso, entendo que, pelas razões adiante expostas, o artigo 2.o, n.o 6, e o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 necessitam da adoção de medidas internas de aplicação, não obstante não preverem expressamente a adoção de tais medidas.

46.

Primeiro, para apurar se o limite de três operações estabelecido no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 foi atingido, é necessário determinar se um transporte que compreende vários pontos de carga e vários pontos de descarga é considerado uma operação de cabotagem, ou duas operações ou mais. Na falta dessa clarificação pelos Estados‑Membros, o limite de três operações não pode ser aplicado.

47.

Segundo, o artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009 define as operações de cabotagem em termos gerais, limitando‑se a afirmar que consistem em «transportes nacionais» e que são efetuadas «a título temporário». Tal como referido no n.o 44, supra, o facto de uma disposição ser formulada em termos imprecisos constitui uma indicação de que são necessárias medidas internas de aplicação.

48.

Terceiro, as diferentes interpretações dos Estados‑Membros acerca do conceito de operação de cabotagem ( 33 ) são reveladoras da falta de clareza e da imprecisão do artigo 2.o, n.o 6, e do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009.

49.

Alguns Estados‑Membros, como os Países Baixos ( 34 ) e a Suécia ( 35 ), partilham o entendimento da Comissão de que uma operação de cabotagem pode ter vários pontos de carga e vários pontos de descarga. Outros Estados‑Membros, como a Dinamarca ou, até recentemente, a Finlândia, consideram que uma operação não pode compreender vários pontos de carga e vários pontos de descarga ( 36 ). Segundo algumas legislações nacionais, esta última posição admite algumas exceções quando existe apenas um único contrato de transporte de mercadorias que prevê vários pontos de carga e pontos de descarga, ou quando a recolha em diferentes locais e/ou a entrega em diferentes locais é efetuada por conta do mesmo expedidor e/ou para o mesmo destinatário ( 37 ). Devo também referir a posição das autoridades do Reino Unido, que, para efeitos de contagem das operações em que existem múltiplas recolhas e múltiplas entregas, «consideram o número de recolhas efetuadas ou o número de entregas realizadas, consoante o que for mais baixo» ( 38 ).

50.

Quarto, a necessidade de clarificar o conceito de operação de cabotagem foi reconhecida pela própria Comissão no Relatório sobre a situação do mercado do transporte rodoviário da União, em que afirmou que «a revisão [do Regulamento n.o 1072/2009] destinar‑se‑ia […] a clarificar [os seus] termos problemáticos […], nomeadamente a definição de […] cabotagem» ( 39 ).

51.

Por conseguinte, não vejo por que motivo o Reino da Dinamarca deva ser criticado por adotar regras internas de execução do artigo 2.o, n.o 6, e do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009.

c) A proposta de 2017 da Comissão de alteração do artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009 não é determinante para o presente processo

52.

Por último, importa realçar que aquela conclusão não é posta em causa pelo facto de, em 2017, a Comissão ter proposto a alteração da definição de operação de cabotagem no sentido de especificar que uma operação pode ter vários pontos de carga e vários pontos de descarga ( 40 ).

53.

Com efeito, de acordo com o artigo 2.o, n.o 2, da proposta de 2017 da Comissão, o n.o 6 do artigo 2.o do Regulamento n.o 1072/2009 seria substituído pelo seguinte: «“Operações de cabotagem” transportes nacionais por conta de outrem efetuados a título temporário num Estado‑Membro de acolhimento, que envolvam o transporte desde a recolha dos produtos num ou vários pontos de embarque até à sua entrega num ou vários pontos de entrega, tal como especificado na guia de remessa» ( 41 ).

54.

O facto de a Comissão propor a alteração do artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009 no sentido de especificar que uma operação de cabotagem pode ter vários pontos de carga e vários pontos de descarga não significa que, até essa alteração ou na falta dela, os Estados‑Membros não possam permitir que uma operação de cabotagem tenha vários pontos de carga e vários pontos de descarga. Também não significa que, até essa alteração ou na falta dela, os Estados‑Membros sejam obrigados a autorizar uma operação que compreenda vários pontos de carga e vários pontos de descarga. Com efeito, como já expliquei, o atual artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009 simplesmente não aborda essa questão. A proposta de 2017 da Comissão opta por uma das interpretações e não prejudica o facto de a atual definição de operação de cabotagem estar formulada em termos muito gerais, atribuindo assim aos Estados‑Membros margem de apreciação para optarem por uma ou outra interpretação.

55.

Devo também salientar que, em 2017, a Comissão propôs igualmente abandonar a regra «três em sete». Os transportadores não residentes estão atualmente autorizados a efetuar três operações de cabotagem no prazo de sete dias a contar da última operação de descarga de um transporte internacional, ao passo que, nos termos da proposta de 2017 da Comissão, estariam autorizados a efetuar um número ilimitado de operações num prazo mais curto, ou seja, cinco dias a contar da última operação de descarga de um transporte internacional ( 42 ).

56.

Se o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 fosse alterado no sentido proposto pela Comissão, deixaria de ser necessária a contagem das operações de cabotagem, uma vez que já não existiria nenhum limite ao número de operações que poderiam ser efetuadas dentro do prazo de referência. Por conseguinte, a questão de saber se uma operação pode compreender vários pontos de carga e vários pontos de descarga tornar‑se‑ia irrelevante e a alteração proposta ao artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009, inútil.

57.

Em todo o caso, assinalo que a proposta de 2017 da Comissão está atualmente em fase de discussão e que vários Estados‑Membros expressaram a sua discordância ( 43 ). À data da elaboração das presentes conclusões, só a Comissão perfilha o entendimento de que o artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009 deve ser alterado nos termos acima referidos.

58.

Consequentemente, não é possível extrair nenhuma conclusão da proposta de 2017 da Comissão de alteração do artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009 no sentido de especificar que uma operação de cabotagem pode compreender vários pontos de carga e vários pontos de descarga.

59.

Concluo que o artigo 2.o, n.o 6, e o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 atribuem aos Estados‑Membros margem de apreciação para adotarem medidas de execução que clarifiquem o conceito de operação de cabotagem.

3. Apreciação da proporcionalidade das Orientações relativas à cabotagem

60.

No entanto, as medidas de aplicação do artigo 2.o, n.o 6, e do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 adotadas pelos Estados‑Membros têm de respeitar os princípios gerais do direito da União, nomeadamente o princípio da proporcionalidade ( 44 ).

61.

Este princípio, que se impõe, designadamente, às autoridades legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros quando estas aplicam o direito da União, exige que os meios implementados através de uma disposição sejam adequados à realização do objetivo pretendido e que não excedam o que é necessário para o atingir ( 45 ).

62.

No meu entender, as Orientações relativas à cabotagem respeitam o princípio da proporcionalidade.

63.

Em primeiro lugar, são adequadas para alcançar o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1072/2009 em matéria de cabotagem.

64.

O objetivo do Regulamento n.o 1072/2009 é, no que respeita à cabotagem, a instituição de um «regime transitório» ( 46 ). A «prossecução da abertura […] [da] cabotagem» e o reforço da liberalização devem ser realizados apenas «se for caso disso», à luz da «eficácia dos controlos e a evolução das condições de trabalho na profissão, bem como a harmonização das regras, nomeadamente nos domínios da execução e das taxas de utilização das rodovias e da legislação em matéria social e de segurança» ( 47 ). A esse respeito, o artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1072/2009 confia à Comissão a tarefa de avaliar se a harmonização nesses domínios «progrediu de modo a que se possa encarar a prossecução da abertura dos mercados dos transportes rodoviários nacionais, incluindo o mercado de cabotagem» ( 48 ).

65.

Por outras palavras, o objetivo do Regulamento n.o 1072/2009 não consiste, no tocante à cabotagem, na abertura plena dos mercados nacionais aos transportadores não residentes. É por esse motivo que, nos termos do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009, a cabotagem só é autorizada na sequência de um transporte internacional e está limitada a três operações no prazo de sete dias a contar da operação de descarga desse transporte internacional. Observo, a esse respeito que, na elaboração da proposta do que viria a ser o Regulamento n.o 1072/2009, a Comissão considerou e rejeitou a hipótese de os transportadores não residentes serem autorizados a efetuar um número ilimitado de operações de cabotagem durante o prazo de um mês ( 49 ). É também por isso que o considerando 13 e o artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009 sublinham o caráter «temporário» da cabotagem, e que o considerando 15 desse regulamento salienta que a cabotagem não deve ser «permanente» ou «contínua».

66.

Autorizar os transportadores não residentes a efetuarem três operações de cabotagem com um número ilimitado de pontos de carga e um número ilimitado de pontos de descarga poderia desprover de sentido o limite de três operações estabelecido no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009. Por exemplo, um transportador não residente poderia proceder ao carregamento de mercadorias no ponto A, descarregar algumas mercadorias no ponto B, carregar outras mercadorias no ponto C, descarregar algumas mercadorias no ponto D, carregar outras mercadorias no ponto E, depois descarregar todas as mercadorias no ponto F e, ainda assim, ter efetuado apenas uma operação de cabotagem. Portanto, o caráter temporário da cabotagem seria assegurado apenas pelo limite de sete dias.

67.

Sublinho que, conforme referido no n.o 65, supra, a hipótese de autorizar um número ilimitado de operações de cabotagem dentro de um determinado prazo (supostamente um mês, não sete dias) foi rejeitada pela Comissão na sua proposta do que viria a ser o Regulamento n.o 1072/2009. Essa hipótese só recentemente foi avançada (com um prazo mais curto, de cinco dias) na proposta de 2017 da Comissão ( 50 ).

68.

Por conseguinte, parece‑me que autorizar operações de cabotagem com um número ilimitado de pontos de carga e um número ilimitado de pontos de descarga contraria o caráter da cabotagem previsto no artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1072/2009, o limite de três operações estabelecido no artigo 8.o, n.o 2, e o objetivo do Regulamento n.o 1072/2009 no tocante à cabotagem.

69.

Em contrapartida, impedir os transportadores não residentes de efetuarem operações de cabotagem com vários pontos de carga e vários pontos de descarga visa assegurar o caráter temporário da cabotagem e alcançar uma liberalização limitada da cabotagem.

70.

Portanto, as Orientações relativas à cabotagem são adequadas para alcançar o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1072/2009 em matéria de cabotagem.

71.

Em segundo lugar, as Orientações relativas à cabotagem não excedem o necessário para alcançar esse objetivo.

72.

Com efeito, como alegado pelo Reino da Dinamarca, as Orientações relativas à cabotagem não excluem as operações que compreendem vários pontos de carga e um ponto de descarga, nem as operações que compreendem um ponto de carga e vários pontos de descarga. Excluem apenas as operações que compreendem vários pontos de carga e vários pontos de descarga, porque, segundo o Reino da Dinamarca, as Orientações relativas à cabotagem não limitam o número de expedidores ou de mandantes.

73.

Concluo que o Reino da Dinamarca dispunha de margem de apreciação para adotar as Orientações relativas à cabotagem, que essas orientações são compatíveis com o princípio da proporcionalidade e que, por conseguinte, o Reino da Dinamarca não faltou ao cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.o, n.o 6, e do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009.

4. As «Perguntas e respostas» publicadas no sítio Web da Comissão não são vinculativas para os Estados‑Membros

74.

Aquela conclusão não é posta em causa pelo facto de a Comissão ter adotado as «Perguntas e respostas» ( 51 ) que foram publicadas no sítio Web da sua Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes e onde se afirma que «uma operação de cabotagem pode compreender vários pontos de carga, vários pontos de entrega ou até vários pontos de carga e de entrega, conforme o caso» ( 52 ).

75.

A esse respeito, a Comissão alega que a sua interpretação do conceito de operação de cabotagem, tal como enunciada nas «Perguntas e respostas», é vinculativa para os Estados‑Membros porque os representantes desses Estados a discutiram e aceitaram na reunião de 25 de outubro de 2010 do Comité dos Transportes Rodoviários, e porque foi publicada no sítio Web da Comissão ( 53 ).

76.

No meu entender, esse argumento não pode ser aceite. As «Perguntas e respostas» não podem ser consideradas vinculativas para os Estados‑Membros pelas seguintes razões.

77.

Em primeiro lugar, refiro que, não obstante (como refere a Comissão) as «Perguntas e respostas» terem sido publicadas no sítio Web da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes, não foram publicadas no Jornal Oficial.

78.

Em segundo lugar, sublinho que (ao contrário do que alega a Comissão) os representantes dos Estados‑Membros não chegaram a acordo quanto à interpretação do conceito de operação de cabotagem constante das «Perguntas e respostas».

79.

A esse respeito, importa salientar que nem o artigo 2.o, n.o 6, nem o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 habilitam a Comissão a adotar um ato que clarifique o conceito de operação de cabotagem ou a regra «três em sete». Nem nenhuma outra disposição desse regulamento o faz.

80.

Em contrapartida, o artigo 4.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1072/2009 estabelece que a Comissão «adapta» em função do progresso técnico o prazo de validade da licença comunitária entregue aos transportadores. Do mesmo modo, o artigo 4.o, n.o 4, segundo parágrafo, e o artigo 5.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1072/2009 dispõem que a Comissão «adapta» ao progresso técnico os anexos I e II e o anexo III, respetivamente ( 54 ). Tanto o artigo 4.o, n.o 2, terceiro parágrafo, como o artigo 4.o, n.o 4, segundo parágrafo, e o artigo 5.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1072/2009 exigem à Comissão que, quando «adapta» os elementos em causa ao progresso técnico, respeite o procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 2 do artigo 15.o De acordo com esse procedimento, previsto no artigo 5.o‑A, n.os 1 a 4, da Decisão 1999/468/CE do Conselho ( 55 ), conforme alterada pela Decisão 2006/512/CE do Conselho ( 56 ), é exigida a votação do comité relevante (no presente caso, o Comité dos Transportes Rodoviários ( 57 )).

81.

Uma vez que nenhuma disposição do Regulamento n.o 1072/2009 habilita a Comissão a adotar atos que clarifiquem o conceito de operação de cabotagem ou a regra «três em sete», nenhuma disposição desse regulamento exige que tais atos sejam submetidos a votação no Comité dos Transportes Rodoviários. É incontestável que o procedimento de regulamentação com controlo, ou qualquer outro procedimento que imponha a votação daquele comité ( 58 ), não se aplica à adoção das «Perguntas e respostas». A própria Comissão o reconheceu nas suas observações escritas ( 59 ).

82.

Além disso, o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento interno do Comité dos Transportes Rodoviários ( 60 ) dispõe que a ordem de trabalhos determinada para cada reunião «deve fazer a distinção» entre, por um lado, «os projetos de medidas a tomar em relação aos quais é pedido um parecer ao comité, de acordo com o procedimento de regulamentação com controlo» e, por outro, «as outras questões sujeitas ao exame do comité para informação ou simples troca de impressões».

83.

Parece resultar dos autos que a interpretação do conceito de operação de cabotagem fazia parte da ordem de trabalhos de duas reuniões do Comité dos Transportes Rodoviários. Essas reuniões foram realizadas em 17 de novembro de 2009 e em 25 de outubro de 2010. Em qualquer delas, o assunto foi apenas discutido ( 61 ); não foi submetido a votação ( 62 ). Isto sugere que, tal como alegado pelo Reino da Dinamarca na audiência oral, esse assunto era uma «[d]as outras questões» referidas no artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento interno do Comité dos Transportes Rodoviários, que são sujeitas ao exame do comité «para informação ou simples troca de impressões».

84.

Consequentemente, a definição do conceito de operação de cabotagem enunciada nas «Perguntas e respostas», longe de ter sido acordada pela maioria dos Estados‑Membros, não é mais do que a interpretação da Comissão acerca desse conceito.

85.

Além disso, sublinho que, caso o procedimento de regulamentação com controlo tivesse sido aplicado, a votação do Comité dos Transportes Rodoviários a favor da interpretação da Comissão do conceito de operação de cabotagem não teria, só por si, tornado essa interpretação vinculativa para os Estados‑Membros. Isto porque, de acordo com o artigo 5.o‑A, n.o 3, da Decisão 1999/468, conforme alterada pela Decisão 2006/512, outros passos se lhe teriam de seguir para esse efeito ( 63 ).

86.

Em terceiro lugar, friso que, na avaliação de impacto da sua proposta de 2017, a própria Comissão reconheceu que as «Perguntas e respostas»«não têm caráter juridicamente vinculativo» ( 64 ). O mesmo foi reiterado na audiência oral pelo representante da Comissão ( 65 ).

87.

Por conseguinte, as «Perguntas e respostas» não podem, no meu entender, ser consideradas vinculativas para os Estados‑Membros.

88.

Daqui resulta que a Comissão não demonstrou que o Reino da Dinamarca tenha faltado ao cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.o, n.o 6, e do artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009.

V. Conclusão

89.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça se digne:

1)

julgar a ação improcedente; e

2)

condenar a Comissão Europeia nas despesas.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) A prestação desses serviços depende apenas da titularidade de uma licença da União, emitida pelo Estado‑Membro de estabelecimento do transportador e, caso o motorista seja nacional de um país terceiro, de um certificado de motorista emitido por um Estado‑Membro. V. artigos 3.o e 5.o do Regulamento (CE) n.o 1072/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias (reformulação) (JO 2009, L 300, p. 72).

( 3 ) V. p. 31 do contrato de estudo para avaliação ex post do Regulamento (CE) n.o 1071/2009 e do [Regulamento n.o 1072/2009], de dezembro de 2015 (a seguir «estudo da Ricardo de 2015»), disponível no sítio Web da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão.

( 4 ) V. p. 21 da avaliação ex post do Regulamento (CE) n.o 1071/2009 relativo ao acesso à atividade de transportador rodoviário e do [Regulamento n.o 1072/2009], de 28 de outubro de 2016 (a seguir «avaliação ex post do Regulamento n.o 1072/2009») [SWD(2016) 350 final], no âmbito do programa REFIT da Comissão, disponível no sítio Web da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão.

( 5 ) Em 2015, a quota da cabotagem na Dinamarca excedeu ligeiramente 3% de todas as operações nacionais de transporte rodoviário de mercadorias, o que é consentâneo com a média da União (v. p. 10 do estudo de maio de 2017, An Overview of the EU Road Transport Market in 2015, disponível no sítio Web da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão).

( 6 ) A cabotagem ilegal na Dinamarca cifra‑se em menos de 1% da atividade de cabotagem [v. p. 33 do estudo intitulado «Study to the support the impact assessment for the revision of Regulation (EC) No 1071/2009 and [Regulation No 1072/2009]», de abril de 2017, disponível no sítio Web da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão; e p. 11 da avaliação ex post do Regulamento n.o 1072/2009].

( 7 ) V. p. 28 da avaliação ex post do Regulamento n.o 1072/2009; e p. 302 do estudo da Ricardo de 2015, segundo o qual, não obstante «ser difícil identificar dados concretos, acredita‑se geralmente que o nível salarial dos motoristas na Dinamarca está entre os mais elevados da Europa».

( 8 ) Cabotagevejledning gældende fra den 14. maj 2010. En vejledning om cabotagereglerne i Europaparlamentets of Rådets forordning nr. 1072/2009 om fælles regler for adgang til markedet for international godskørsel.

( 9 ) Processo EU Pilot n.o 5703/13.

( 10 ) O título desse documento é o seguinte: «The new cabotage regime under [Regulation No 1072/2009] — Questions & Answers» («O novo regime de cabotagem instituído pelo Regulamento n.o 1072/2009 — Perguntas e respostas»). Está disponível no seguinte endereço: https://ec.europa.eu/transport/modes/road/haulage_en.

( 11 ) V. artigo 19.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1072/2009.

( 12 ) V. p. 18 do Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a situação do mercado do transporte rodoviário da União, de 14 de abril de 2014 (a seguir «Relatório sobre a situação do mercado do transporte rodoviário da União») [COM(2014) 222 final].

( 13 ) As operações de cabotagem só podem ser efetuadas no Estado‑Membro de acolhimento depois de todas as mercadorias transportadas num transporte internacional terem sido entregues e de o veículo estar vazio. Efetivamente, o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 dispõe que «[u]ma vez efetuada a entrega das mercadorias transportadas à chegada de um transporte internacional […], os transportadores […] ficam autorizados a efetuar, com o mesmo veículo […], o máximo de três operações de cabotagem» (o sublinhado é meu).

( 14 ) O sublinhado é meu.

( 15 ) O sublinhado é meu.

( 16 ) Isso deve‑se ao facto de a entrada em vigor e a aplicação de um regulamento não dependerem de nenhuma medida de receção no direito nacional (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de outubro de 1973, Fratelli Variola Spa/Amministrazione delle finanze dello Stato, 34/73, EU:C:1973:101, n.o 10).

( 17 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de novembro de 2012, Al‑Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al‑Aqsa, C‑539/10 P e C‑550/10 P, EU:C:2012:711, n.o 86.

( 18 ) Acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 1979, Eridania, 230/78, EU:C:1979:216, n.o 34; de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.o 40; e de 25 de outubro de 2012, Ketelä, C‑592/11, EU:C:2012:673, n.o 35.

( 19 ) V. Adam, R., e Tizzano, A., Manuale di diritto dell’Unione europea, 4.a edição, Giappichelli, 2016, p. 167; Isaac, G., e Blanquet, M., Droit général de l’Union européenne, 10.a edição, Sirey, 2012, p. 447; e Kovar, R., «Le règlement est directement applicable dans tout État membre: certes mais encore», in De Grove‑Valdeyron, N., e Blanquet, M. (EE.), Mélanges en l’honneur du Professeur Joël Molinier, L.G.D.J., 2012, pp. 355 a 372 (p. 362).

( 20 ) Acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.o 41; de 25 de outubro de 2012, Ketelä, C‑592/11, EU:C:2012:673, n.o 36; e de 30 de março de 2017, Lingurár, C‑315/16, EU:C:2017:244, n.o 18.

( 21 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de março de 2017, Lingurár, C‑315/16, EU:C:2017:244, n.o 19.

( 22 ) No que se refere à cabotagem, as referências ao direito nacional no Regulamento n.o 1072/2009 prendem‑se com as condições do contrato de transporte, com os pesos e dimensões dos veículos rodoviários, com os requisitos relativos ao transporte de determinadas categorias de mercadorias, com o tempo de condução e os períodos de repouso, e com o imposto sobre o valor acrescentado aplicável aos serviços de transporte (artigo 9.o), bem como com as sanções (artigo 16.o e capítulo IV). Essas referências ao direito nacional não dizem respeito à definição ou à contagem das operações de cabotagem.

( 23 ) V. Hartley, T. C., The Foundations of European Union Law. An Introduction to the Constitutional and Administrative Law of the European Union, 8.a edição, Oxford University Press, 2014, p. 217: «podem existir situações em que, apesar de o regulamento não exigir expressamente a sua execução, a autorize tacitamente. É o que acontece quando os termos do regulamento são algo vagos e é desejável que seja prevista a sua aplicação circunstanciada. Afigura‑se que, em tais situações, as medidas nacionais sejam admissíveis, desde que não sejam incompatíveis com as disposições do regulamento.»

( 24 ) Regulamento de 22 de dezembro de 2004 relativo à proteção dos animais durante o transporte e operações afins e que altera as Diretivas 64/432/CEE e 93/119/CE e o Regulamento (CE) n.o 1255/97 (JO 2005, L 3, p. 1).

( 25 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.os 48 e 50; comparar acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de maio de 2008, Danske Svineproducenter, C‑491/06, EU:C:2008:263, n.os 38 a 40.

( 26 ) Regulamento de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO 1995, L 312, p. 1).

( 27 ) Tais sanções podem consistir no «[p]agamento de multa administrativa», no «[p]agamento de montante superior às quantias indevidamente recebidas ou elididas» e na «[p]rivação total ou parcial da vantagem concedida pela regulamentação da [União]».

( 28 ) Muito pelo contrário, o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95 estipula que «[a]s disposições do direito [da União] determinam a natureza e o âmbito das medidas e sanções administrativas necessárias à aplicação correta da regulamentação considerada […]» (o sublinhado é meu).

( 29 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C‑367/09, EU:C:2010:648, n.os 36 e 40 a 43. Uma vez que, conforme referido supra, o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95 estabelece que as disposições do direito da União fixam as sanções aplicáveis, os Estados‑Membros apenas podem adotar disposições em matéria de sanções na medida em que o legislador da União não tenha, ele próprio, previsto disposições nesse domínio. Recordo que essa obrigação dos Estados‑Membros decorre do artigo 325.o TFUE, que impõe que os Estados‑Membros combatam as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, e do artigo 4.o, n.o 3, TUE, relativo ao princípio da cooperação leal.

( 30 ) Acórdão de 31 de janeiro de 1978, Zerbone, 94/77, EU:C:1978:17, n.o 27 (o sublinhado é meu).

( 31 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.o 48 (o sublinhado é meu). V. n.o 42, supra.

( 32 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C‑367/09, EU:C:2010:648, n.o 36 (o sublinhado é meu). V. n.o 43, supra.

( 33 ) V. pp. 9 e 21 da avaliação ex post do Regulamento n.o 1072/2009.

( 34 ) V. p. 228 do estudo da Ricardo de 2015; e p. 60 de um relatório elaborado pela AECOM em 5 de fevereiro de 2014, Task B: Analyse the State of the European Road Haulage Market, Including an Evaluation of the Effectiveness of Controls and the Degree of Harmonisation (a seguir «relatório da AECOM»), disponível no sítio Web da Direção‑Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão.

( 35 ) V. pp. 100 e 101 do estudo da Ricardo de 2015.

( 36 ) V. nota 32 da avaliação ex post do Regulamento n.o 1072/2009, segundo a qual «na Finlândia, cada operação de carga ou de descarga corresponde a uma operação de cabotagem». Porém, na sequência da adoção de um parecer fundamentado da Comissão, a Finlândia alterou a sua legislação sobre esta matéria. V. nota 80 da parte 1 da Avaliação de impacto de 31 de maio de 2017 que acompanha a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1071/2009 e o [Regulamento n.o 1072/2009] com vista à sua adaptação à evolução no setor (a seguir «avaliação de impacto da proposta de 2017 da Comissão») [SWD(2017) 194 final].

( 37 ) V. p. 228 do estudo da Ricardo de 2015, no tocante à situação da Alemanha, da Bélgica e da Polónia.

( 38 ) V. p. 61 do relatório da AECOM.

( 39 ) V. p. 19 do Relatório sobre a situação do mercado do transporte rodoviário da União.

( 40 ) V. Proposta da Comissão, de 31 de maio de 2017, de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 1071/2009 e o [Regulamento n.o 1072/2009] com vista à sua adaptação à evolução no setor (a seguir «proposta de 2017 da Comissão») [COM(2017) 281 final]. Até ao momento, essa proposta não conduziu à alteração do Regulamento n.o 1072/2009.

( 41 ) O sublinhado é meu.

( 42 ) Segundo o artigo 2.o, n.o 5, alínea a), da proposta de 2017 da Comissão, o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009 passaria a ter a seguinte redação: «Após a entrega das mercadorias transportadas no decurso de um transporte internacional proveniente de um Estado‑Membro ou de um país terceiro para um Estado‑Membro de acolhimento, os transportadores de mercadorias referidos no n.o 1 ficam autorizados a efetuar, com o mesmo veículo ou, tratando‑se de um conjunto de veículos a motor, com o respetivo veículo a motor, operações de cabotagem no território do Estado‑Membro de acolhimento ou em Estados‑Membros contíguos. A última operação de descarga no quadro de uma operação de cabotagem deve ter lugar no prazo de 5 dias a contar da última operação de descarga realizada no Estado‑Membro de acolhimento no quadro do transporte internacional com destino a este último.» (O sublinhado é meu.)

( 43 ) A Tweede Kamer der Staten‑Generaal (Assembleia dos Deputados do Parlamento Neerlandês, Países Baixos) declarou que alguns grupos parlamentares «suscitaram objeções de fundo à […] atual proposta de um número ilimitado de paragens durante o período de cabotagem, que tem um efeito de alargamento e não de restrição da cabotagem». Observou ainda que «cinco dias consecutivos de cabotagem produzem uma “cadeia de cabotagem” [que] pode ser evitada através de um período de espera» (v. p. 11 do Documento do Conselho n.o 11446/17, de 20 de julho de 2017, Parecer da Assembleia dos Deputados do Parlamento Neerlandês sobre a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade). Do mesmo modo, o Senato della Repubblica (Senado da República, Itália) sugeriu que o prazo durante o qual os transportadores não residentes podem efetuar operações de cabotagem sem limitações fosse reduzido de cinco para um máximo de três dias (v. p. 10 do Documento do Conselho n.o 12024/17, de 12 de setembro de 2017, Parecer do Senado italiano sobre a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade). Além disso, o Bundesrat (Conselho Federal, Áustria) afirmou que «rejeita veementemente uma regra que não limita o número de transportes a efetuar, estabelecendo apenas uma limitação temporal, uma vez que daqui resultaria uma cabotagem quase contínua, […] possível através de uma simples deslocação para fora do mercado nacional e de uma reentrada com carga nesse mercado» (v. p. 6 do Documento do Conselho n.o 12600/17, de 28 de setembro de 2017, Parecer do Conselho Federal austríaco sobre a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade). Todos esses documentos estão disponíveis no sítio Web EUR‑LEX, juntamente com a proposta de 2017 da Comissão.

( 44 ) Acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 2004, Comissão/Países Baixos, C‑113/02, EU:C:2004:616, n.o 19; de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C‑367/09, EU:C:2010:648, n.o 40; de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.o 51; e de 30 de março de 2017, Lingurár, C‑315/16, EU:C:2017:244, n.o 29.

( 45 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2011, Danske Svineproducenter, C‑316/10, EU:C:2011:863, n.o 52. Quanto a saber se o critério para a apreciação da proporcionalidade pode compreender uma terceira fase que determina que, quando existe uma opção entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes gerados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos que se pretendem alcançar (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de março de 2017, Euro‑Team, C‑497/15 e C‑498/15, EU:C:2017:229, n.o 40), v. Martinico, G., e Simoncini, M., «An Italian Perspective on the Principle of Proportionality’, in Vogenauer, S., e Weatherill, S. (EE.), General Principles of Law. European and Comparative Perspectives, Hart Publishing, 2017, pp. 221‑241. Segundo Martinico e Simoncini, «o [Tribunal de Justiça] raramente chega à terceira fase do critério, o que significa que “a questão é resolvida através da análise dos níveis de adequação (aptidão) e de necessidade”» (p. 227).

( 46 ) V. considerando 5 do Regulamento n.o 1072/2009.

( 47 ) V. considerando 6 do Regulamento n.o 1072/2009.

( 48 ) Em 2014, essa avaliação revestiu a forma do Relatório sobre a situação do mercado do transporte rodoviário da União (v. p. 1).

( 49 ) V. p. 19 da Avaliação de impacto que acompanha a Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias (reformulação), apresentada pela Comissão em 6 de julho de 2007 [SEC(2007) 635]. Essa hipótese não foi aprovada porque «equivaleria a um alargamento substancial do mercado de cabotagem, aproximando‑se sobremaneira da liberalização plena da cabotagem», com a consequente redução dos custos de transporte, aumento do volume da cabotagem e transferência de postos de trabalho para os Estados‑Membros com custos de mão de obra mais baixos. Essa hipótese poderia ter «repercussões importantes» e, consequentemente, impunha «uma análise mais aprofundada» que excedia o âmbito do «exercício de simplificação» efetuado pela Comissão (p. 32).

( 50 ) V. n.o 55, supra.

( 51 ) V. nota 10, supra. Interrogada na audiência, a Comissão referiu que as «Perguntas e respostas» foram publicadas no seu sítio Web alguns dias depois da reunião de 25 de outubro de 2010 do Comité dos Transportes Rodoviários.

( 52 ) O sublinhado é meu.

( 53 ) Segundo as observações escritas da Comissão, «os serviços da Comissão publicaram a sua interpretação [do conceito] de operação de cabotagem, que é vinculativa para todos os Estados‑Membros, há mais de seis anos, depois de debatida com estes Estados. Portanto, era evidente que a Comissão instauraria uma ação por incumprimento contra qualquer Estado‑Membro que se afastasse [dessa interpretação].» Ainda de acordo com as observações escritas da Comissão, «o [Comité dos Transportes Rodoviários] chegou a um acordo» quanto à interpretação do conceito de operação de cabotagem enunciado nas «Perguntas e respostas».

( 54 ) O Anexo I do Regulamento n.o 1072/2009 respeita aos elementos de segurança da licença da União e do certificado de motorista, enquanto o Anexo II desse regulamento estabelece o modelo da licença da União e o Anexo III do mesmo regulamento estabelece o modelo do certificado de motorista.

( 55 ) Decisão de 28 de junho de 1999 que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO 1999, L 184, p. 23).

( 56 ) Decisão de 17 de julho de 2006 que altera a [Decisão 1999/468] (JO 2006, L 200, p. 11). Importa referir que o Regulamento (UE) n.o 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão (JO 2011, L 55, p. 13) revogou e substituiu a Decisão 1999/468. Todavia, o Regulamento n.o 182/2011 não é aplicável, por ter sido adotado depois de as «Perguntas e respostas» terem sido publicadas no sítio Web da Comissão, alguns dias depois da reunião de 25 de outubro de 2010 do Comité dos Transportes Rodoviários. Em todo o caso, de acordo com o segundo parágrafo do artigo 12.o do Regulamento n.o 182/2011, «[o] artigo 5.o‑A da [Decisão 1999/468] continua a produzir efeitos no que diz respeito aos atos de base em vigor que para ele remetam», como o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1072/2009.

( 57 ) O Comité dos Transportes Rodoviários foi instituído pelo artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 3821/85 do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários (JO 1985, L 370, p. 8; EE 07 F4 p. 28). O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1072/2009, precisa que esse comité assiste a Comissão. V. também, a esse propósito, o Registo da Comitologia da Comissão, disponível no seguinte endereço: http://ec.europa.eu/transparency/regcomitology/index.cfm?do=List.list&page=20&CLX=pt

( 58 ) Tais como o procedimento de gestão e o procedimento de regulamentação previstos, respetivamente, no artigo 4.o e no artigo 5.o da Decisão 1999/468, conforme alterada pela Decisão 2006/512. Nenhuma disposição do Regulamento n.o 1072/2009 faz referência a qualquer desses procedimentos.

( 59 ) Segundo as observações escritas da Comissão, a interpretação do conceito de operação de cabotagem «não foi submetida a votação formal (que, em todo o caso, não era legalmente exigida)» (o sublinhado é meu).

( 60 ) O referido regulamento interno está disponível no Registo da Comitologia da Comissão, no seguinte endereço: http://ec.europa.eu/transparency/regcomitology/index.cfm?do=List.list&page=20&CLX=pt

( 61 ) Com efeito, a ata da reunião de 17 de novembro de 2009 do Comité dos Transportes Rodoviários revela que esse comité «discutiu» diferentes questões relativas ao artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009, que viria a ser aplicável em 14 de maio de 2010, tais como a regra «três em sete». Do mesmo modo, a ata da reunião de 25 de outubro de 2010 do Comité dos Transportes Rodoviários refere que o comité «discutiu» questões que tinham sido suscitadas depois de o artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009 se ter tornado aplicável (em especial, a questão do número de pontos de carga e de pontos de descarga que uma operação de cabotagem pode compreender).

( 62 ) Devo também referir que, caso o Comité dos Transportes Rodoviários tivesse votado na reunião de 17 de novembro de 2009, teria aprovado uma interpretação do conceito de operação de cabotagem diferente da que é enunciada nas «Perguntas e respostas». Com efeito, está anexa à ata dessa reunião uma primeira versão das «Perguntas e respostas» segundo a qual «uma operação [de cabotagem] pode compreender vários pontos de carga ou várias entregas, conforme o caso» (o sublinhado é meu). Por outras palavras, só depois de o artigo 8.o do Regulamento n.o 1072/2009 se ter tornado aplicável, em 14 de maio de 2010, a Comissão entendeu que, tal como afirmado na ata da reunião de 25 de outubro de 2010 do Comité dos Transportes Rodoviários e nas «Perguntas e respostas», «uma operação de cabotagem pode compreender vários pontos de carga, vários pontos de entrega ou até vários pontos de carga e de entrega, conforme o caso» (o sublinhado é meu).

( 63 ) A Comissão teria de apresentar o projeto de «Perguntas e respostas» ao Parlamento Europeu e ao Conselho, e cada um deles se poderia ter oposto à aprovação do referido projeto. Só se, depois de esgotado um prazo de três meses, nem o Parlamento Europeu nem o Conselho se tivessem pronunciado contra o projeto de «Perguntas e respostas», este poderia ter sido aprovado pela Comissão.

( 64 ) V. p. 25 da avaliação de impacto da proposta de 2017 da Comissão.

( 65 ) Na audiência oral, esse representante afirmou que, uma vez que as «Perguntas e respostas» foram publicadas no sítio Web da Comissão na sequência de negociação com os Estados‑Membros, a Comissão esperava que todos os Estados‑Membros adotassem a interpretação de operação de cabotagem enunciada nas «Perguntas e respostas». Esse representante declarou ainda que, não obstante essa interpretação não ser «juridicamente vinculativa», a Comissão tinha‑se comprometido a assegurar que fosse aplicada e, consequentemente, a instaurar uma ação por incumprimento contra qualquer Estado‑Membro que aplicasse uma interpretação diferente do conceito de operação de cabotagem.