CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 21 de junho de 2017 ( 1 )

Processo C‑178/16

Impresa di Costruzioni Ing. E. Mantovani S.p.A.,

Guerrato S.p.A.

contra

Provincia autonoma di Bolzano,

Agenzia per i procedimenti e la vigilanza in materia di contratti pubblici di lavori servizi e forniture (ACP),

Autorità nazionale anticorruzione (ANAC),

sendo intervenientes:

Società Italiana per Condotte d’Acqua S.p.A.,

Inso Sistemi per le Infrastrutture Sociali S.p.A

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, Itália)]

«Contratos públicos — Declaração de inexistência de decisões judiciais de condenação penal definitivas de ex‑administradores da sociedade proponente — Dever da sociedade de demonstrar, sob pena de exclusão, que se encontra total e efetivamente dissociada da conduta do ex‑administrador — Apreciação pela entidade adjudicante das exigências relativas a este dever»

1. 

A legislação italiana relativa aos contratos públicos proíbe (com os matizes que depois serão analisados) a sua adjudicação a quem tenha sido condenado por crimes graves em prejuízo do Estado «ou da Comunidade», que afetem a sua honorabilidade profissional. Esta proibição estende‑se às empresas cujos administradores sejam condenados por tais factos, exceto se essas empresas demonstrarem que se dissociaram completa e efetivamente da conduta criminosa dos seus administradores.

2. 

O Consiglio di Stato (Conselho de Estado, Itália) tem de se pronunciar sobre um recurso de uma sentença confirmatória da decisão de uma entidade adjudicante que excluiu de um concurso uma empresa proponente cujo administrador tinha sido condenado por um desses crimes. Para dirimir a controvérsia, pergunta ao Tribunal de Justiça, em síntese, se a disposição italiana por força da qual foi realizada essa exclusão é compatível com a Diretiva 2004/18/CE ( 2 ).

3. 

O reenvio prejudicial permitirá ao Tribunal de Justiça definir a sua jurisprudência no que diz respeito ao poder dos Estados‑Membros para concretizar e adaptar o conteúdo das causas facultativas de exclusão dos proponentes, previstas na Diretiva 2004/18.

I. Quadro jurídico

A.  Direito da União

Diretiva 2004/18

4.

Nos termos do artigo 45.o («Situação pessoal do candidato ou do proponente»):

«1.   Fica excluído de participar num procedimento de contratação pública o candidato ou proponente que tenha sido condenado por decisão final transitada em julgado de que a entidade adjudicante tenha conhecimento, com fundamento num ou mais dos motivos a seguir enunciados:

a)

Participação em atividades de uma organização criminosa, tal como definida no n.o 1 do artigo 2.o da Ação Comum 98/773/JAI do Conselho;

b)

Corrupção, na aceção do artigo 3.o do Ato do Conselho de 26 de maio de 1997 e do n.o 1 do artigo 3.o da Ação Comum 98/742/JAI do Conselho;

c)

Fraude, na aceção do artigo 1.o da Convenção relativa à Proteção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias;

d)

Branqueamento de capitais, na aceção do artigo 1.o da Diretiva 91/308/CEE do Conselho, de 10 de junho de 1991, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais.

Em conformidade com a sua legislação nacional e na observância do direito [da União], os Estados‑Membros especificarão as condições de aplicação do presente número.

Os Estados‑Membros poderão prever uma derrogação à obrigação referida no primeiro parágrafo por razões imperativas de interesse geral.

Para efeitos da aplicação do presente número, as entidades adjudicantes solicitarão, se for caso disso, aos candidatos ou proponentes que forneçam os documentos referidos no n.o 3, podendo, sempre que tenham dúvidas sobre a situação pessoal desses candidatos/proponentes, contactar as autoridades competentes para obter as informações relativas à sua situação pessoal que considerem necessárias. Sempre que essas informações digam respeito a um candidato ou proponente estabelecido num Estado que não seja o Estado da entidade adjudicante, esta poderá pedir a cooperação das autoridades competentes. De acordo com a legislação nacional do Estado‑Membro onde os candidatos ou proponentes estão estabelecidos, esses pedidos relacionar‑se‑ão com pessoas coletivas e/ou singulares, incluindo, se for caso disso, os dirigentes de empresas ou quaisquer pessoas que disponham de poderes de representação, decisão ou controlo do candidato ou proponente.

2.   Pode ser excluído do procedimento de contratação:

[…]

c)

Tenha sido condenado por sentença com força de caso julgado nos termos da lei do país, por delito que afete a sua honorabilidade profissional;

d)

Tenha cometido falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam evocar;

[…]

g)

Tenha prestado, com culpa grave, falsas declarações ao fornecer as informações que possam ser exigidas nos termos da presente secção ou não tenha prestado essas informações.»

5.

Nos termos do artigo 45.o, n.o 3:

«As entidades adjudicantes devem aceitar como prova bastante de que o operador económico não se encontra abrangido por nenhum dos casos referidos […] na[…] alínea[…] c) […] do n.o 2:

a)

[…] a apresentação de um certificado de registo criminal ou, na sua falta, de documento equivalente emitido pela autoridade judicial ou administrativa competente do país de origem ou de proveniência, do qual resulte que aqueles requisitos se encontram satisfeitos;

[…]».

B.  Direito italiano

6.

À luz da decisão de reenvio, o artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do Decreto Legislativo n.o 163/2006 ( 3 ), na redação aplicável ratione temporis a estes factos, prevê que a causa de exclusão dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, por ter sido objeto de uma sentença definitiva de condenação ou de aplicação de uma pena acordada entre as partes, em conformidade com o artigo 444.o do Codice di procedura penale (Código de Processo Penal), para os crimes aí especificados ( 4 ), «é também aplicável às pessoas que tenham cessado funções [diretivas] no ano anterior à data da publicação do anúncio do concurso, desde que a empresa não demonstre que houve uma completa e efetiva dissociação da conduta penalmente punível».

7.

As alíneas f) e h) do artigo 38.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 163/2006 preveem também a exclusão deste tipo de concursos, respetivamente: i) de quem tenha cometido um erro grave no exercício da sua atividade profissional, comprovado por intermédio de qualquer meio de prova pela entidade adjudicante; e ii) de quem tenha apresentado uma declaração falsa ou documentos falsos relativos aos critérios e condições pertinentes para efeitos de participação em concursos públicos.

II. Factos do litígio e questão prejudicial

8.

Em 27 de julho de 2013, foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia ( 5 ) o anúncio de um procedimento de contratação pública para o financiamento, elaboração do projeto definitivo e de execução, construção e gestão do novo Estabelecimento Prisional de Bolzano. O montante do contrato ascendia a 165400000 euros.

9.

A Impresa di Costruzioni Ing. E. Mantovani S.p.A. (a seguir «Mantovani»), em nome próprio e enquanto parte integrante de um consórcio, respondeu ao anúncio por intermédio de duas declarações (de 4 e 16 de dezembro de 2013) relativas ao cumprimento dos requisitos gerais exigidos nesse anúncio.

10.

Concretamente, a Mantovani declarou (na primeira dessas declarações) que B., seu ex‑presidente do conselho de administração, administrador e representante legal, tinha cessado as suas funções em 6 de março de 2013 e que não tinha conhecimento de que tivesse sido proferida nenhuma das decisões descritas no artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do CCP. Apresentou a segunda declaração em termos semelhantes.

11.

A entidade adjudicante, na sua sessão de 9 de janeiro de 2014, admitiu sob reserva a participação da Mantovani, a aguardar esclarecimentos, uma vez que era «facto notório», segundo o publicado na imprensa local, que B., acusado num processo relativo a faturas falsas, tinha acordado uma pena de 1 ano e 4 meses de prisão.

12.

Ao verificar o cumprimento das condições, a entidade adjudicante obteve o certificado de registo criminal relativo a B., do qual constava que tinha sido condenado numa pena de um ano e dez meses de prisão por diversos crimes (sentença do Tribunale di Venezia — Tribunal de Veneza — de 5 de dezembro de 2013, definitiva desde 29 de março de 2014).

13.

Na sessão celebrada em 29 de maio de 2014, a entidade adjudicante declarou que mantinha a reserva de admissão da Mantovani, e, em 3 de junho de 2014, pediu‑lhe esclarecimentos sobre a referida sentença.

14.

Em 10 de junho de 2014 e em 17 de outubro de 2014, a Mantovani prestou por escrito os esclarecimentos pedidos e alegou que:

a sentença só foi publicada e transitou em julgado após as declarações relativas à verificação dos requisitos gerais;

tinha realizado uma série de atos que demonstravam uma tempestiva, efetiva e completa dissociação da conduta de B. Este tinha sido exonerado imediatamente de todos os cargos sociais do grupo Mantovani, tinha realizado a reestruturação dos órgãos internos de gestão, recuperou as ações detidas por B. e intentou uma ação de responsabilidade contra ele.

15.

A entidade adjudicante pediu um parecer à Autoridade Nacional Anticorrupção (a seguir «ANAC»), que o emitiu em 25 de fevereiro de 2015, afirmando, em síntese:

no caso de o proponente apresentar uma declaração atestando, no que diz respeito à causa de exclusão do artigo 38.o, n.o 2, alínea c), do CCP, relativamente às pessoas que cessaram funções no ano anterior à publicação do anúncio de concurso, a não verificação das causas de exclusão, com a fórmula «segundo o seu conhecimento», e fornecer uma identificação completa dessas pessoas, compete à entidade adjudicante proceder a essas verificações;

no caso em apreço, não existe uma falsa declaração, dado que não é suficiente a mera pendência de um processo penal, devendo antes existir uma sentença transitada em julgado;

competia à entidade adjudicante apurar a eficácia efetiva das iniciativas tomadas pela Mantovani para demonstrar que a sociedade se tinha dissociado efetiva e completamente das atividades criminosas do ex‑administrador;

essas medidas poderiam ter ficado comprometidas pela omissão da Mantovani, que, no procedimento em apreço, não declarou a sentença de condenação. De acordo com a jurisprudência, a falta de comunicação, em tempo útil, à entidade adjudicante, da evolução de um processo penal constitui, no que diz respeito às pessoas referidas no artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do CCP, um elemento revelador da inexistência de dissociação, por violação do dever de cooperação leal.

16.

A entidade adjudicante, tendo em conta o parecer da ANAC, decidiu, em 27 de fevereiro de 2015, excluir a Mantovani do concurso, pela comunicação tardia e insuficiente dos elementos de apreciação necessários para demonstrar a sua dissociação relativamente ao administrador condenado. Acrescentou que a condenação deste foi anterior ao momento em que foram apresentadas as declarações no âmbito do concurso, pelo que a Mantovani a poderia ter comunicado.

17.

A Mantovani recorreu da exclusão para o Tribunale regionale di giustizia amministrativa, Sezione autonoma di Bolzano (Tribunal Regional Administrativo, Secção autónoma de Bolzano, Itália), que, com a sentença n.o 270, de 27 de agosto de 2015, declarou inadmissível a impugnação do parecer da ANAC, ato processual, e a impugnação da adjudicação, que ainda não tinha tido lugar. Na mesma sentença, julgou improcedentes os fundamentos de recurso alegados no que diz respeito ao acesso ao conjunto dos documentos do concurso e considerou que não se tinha provado que a sociedade se tivesse dissociado da conduta criminosa do ex‑administrador.

18.

A Mantovani recorreu da referida sentença no Consiglio di Stato (Conselho de Estado) alegando, entre outros motivos, a incompatibilidade do artigo 38.o do CCP com o direito da União e pedindo a submissão de um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

19.

O Consiglio di Stato (Conselho de Estado), por decisão de 1 de dezembro de 2015, formulou a seguinte questão prejudicial:

«Obsta à correta aplicação do artigo 45.o, n.o 2, alíneas c) e g), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, […] e aos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e da transparência, da proibição de agravamento do processo e da livre concorrência no mercado dos contratos públicos, bem como da taxatividade e determinabilidade das previsões normativas puníveis, uma legislação nacional, como o artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do Decreto Legislativo n.o 163/2006, de 12 de abril de 2006 (Código dos contratos públicos relativos a empreitadas de obras públicas, serviços e fornecimentos, que transpõe as Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE) e subsequentes alterações, na parte em que:

torna extensivo o requisito nele previsto relativo à obrigação de declarar que não existem sentenças definitivas de condenação (incluindo as sentenças de aplicação de pena acordada entre as partes) para os crimes indicados, aos titulares de cargos nas empresas proponentes que tenham cessado funções no ano anterior à publicação do anúncio;

o configura como causa de exclusão do concurso desde que a empresa não demonstre que se dissociou de forma efetiva e completa da conduta penalmente punível dessas pessoas;

remetendo à discricionariedade da entidade adjudicante a apreciação dessa dissociação e permitindo que a entidade adjudicante imponha, de facto, sob pena de exclusão do concurso:

(i)

deveres de informação e de comunicação relativos a ações penais que ainda não tenham sido decididas por sentença definitiva (e, por conseguinte, de resultado ainda incerto), não previstos na lei nem sequer no que respeita aos titulares de cargos em exercício de funções;

(ii)

deveres de dissociação voluntária, indeterminados quanto à tipologia das condutas relevantes, ao período temporal respetivo (mesmo anterior ao trânsito em julgado da sentença penal) e à fase processual em que devem ser cumpridos;

(iii)

deveres de cooperação leal de contornos indefinidos, exceto quando assentes no princípio geral da boa‑fé?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

20.

O despacho de reenvio prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de março de 2016.

21.

Apresentaram observações escritas, no prazo previsto no artigo 23.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a Mantovani, a província de Bolzano, o Governo italiano e a Comissão Europeia.

22.

Uma vez decidida a realização de audiência, as partes foram incentivadas, em conformidade com o artigo 61.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a concentrar as suas alegações na interpretação do artigo 45.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2004/18.

23.

Em 7 de abril de 2017, teve lugar a audiência, na qual compareceram a Mantovani, a província de Bolzano, o Governo italiano e a Comissão Europeia.

IV. Síntese das observações das partes

24.

A Mantovani considera que o artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do CCP se opõe ao artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18 por estender a causa de exclusão (decorrente de uma condenação penal) a quem tenha sido administrador social até um ano antes da publicação do anúncio do concurso, e por exigir que a sociedade demonstre a dissociação efetiva desses administradores.

25.

Em sua opinião, uma vez exonerados das suas funções, os administradores deixam de ter influência na sociedade, pelo que o dever de que esta forneça informação a esse respeito, além de ser desnecessário, é desproporcionado e aponta em sentido contrário ao desígnio da máxima liberdade de concorrência no mercado dos contratos públicos.

26.

Mesmo admitindo que o direito da União não se opusesse a tal extensão, o dever adicional de demonstrar a dissociação efetiva da empresa entraria em conflito com ele, uma vez que se trata de um dever impreciso, cuja apreciação é deixada ao arbítrio da entidade adjudicante. A segurança jurídica seria particularmente afetada pela circunstância de a decisão judicial não ser definitiva, de não se especificar a forma de fazer a demonstração, o período a que devem corresponder, nem a fase do processo em que tenha de ser realizar, bem como o facto de não se especificar em que consistem os deveres de cooperação leal que impendem sobre o proponente.

27.

A província de Bolzano considera a questão prejudicial inadmissível porque:

é semelhante à já respondida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 10 de julho de 2014, Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici (C‑358/12, EU:C:2014:2063), especialmente no seu n.o 36, no que diz respeito à capacidade de os Estados‑Membros integrarem as causas facultativas de exclusão nos seus ordenamentos e adaptarem o seu conteúdo;

a rejeição da Mantovani não se verificou por ter infringido o dever de informação ou de declaração, mas sim pelo caráter tardio e inapropriado das medidas adotadas para demonstrar a sua dissociação total e efetiva da conduta criminosa do seu ex‑administrador. Nessa medida, a invocação do artigo 45.o, n.o 2, alínea g), e n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/18 carece de objeto.

28.

Quanto ao mérito, a província de Bolzano não considera que exista qualquer conflito entre as previsões do artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do CCP e a Diretiva 2004/18. O artigo 45.o desta atribui aos Estados‑Membros liberdade tanto para selecionar quais as causas de exclusão facultativa (entre as previstas no seu n.o 2) que irão vigorar no seu direito interno como para definir a forma como as entidades adjudicantes irão apreciar os factos integrantes das causas selecionadas. A disposição nacional controvertida adequa‑se a este esquema.

29.

O Governo italiano observa que a ratio legis do artigo 45.o da Diretiva 2004/18 e do artigo 38.o do CCP consiste em garantir a fiabilidade moral, económica e profissional de quem pretende celebrar contratos com a Administração. O legislador italiano adotou um regime menos rigoroso que o da diretiva, ao limitar o leque de crimes que justificam a exclusão.

30.

A exclusão de uma empresa decorrente da conduta dos seus administradores justifica‑se, precisamente, na opinião do Governo italiano, por essa mesma ratio legis: sem esta previsão, o adjudicatário poderia contornar facilmente a fiscalização da sua fiabilidade. Além disso, a empresa proponente tem a possibilidade de demonstrar à entidade adjudicante que se dissociou completamente das atividades criminosas dos seus administradores.

31.

A Comissão salienta que, embora o órgão a quo peça a interpretação do artigo 45.o, n.o 2, alíneas c) e g), e n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/18, para lhe dar uma resposta útil, há que recorrer também à alínea d) do n.o 2 desse mesmo artigo, relativa à prática de uma falta grave em matéria profissional.

32.

Embora o despacho de reenvio se centre na falta de caráter definitivo da sentença quando a Mantovani apresentou as suas declarações, as atividades do seu administrador (emissão de faturas falsas em montante superior a nove milhões de euros e associação criminosa) poderiam qualificar‑se de faltas graves em matéria profissional. E embora o administrador tivesse sido exonerado das suas funções no momento do concurso, o artigo 45.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2004/18 refere‑se, também, ao comportamento precedente de um operador económico e abrange qualquer comportamento culposo com incidência na sua honorabilidade profissional ( 6 ). Portanto, o comportamento dos administradores exonerados recentemente pode afetar a apreciação dessa honorabilidade pela entidade adjudicante.

33.

Para a Comissão, é irrelevante que a condenação do administrador tenha transitado em julgado no momento de apresentação das declarações. A jurisprudência do Tribunal de Justiça declarou que as causas de exclusão previstas no artigo 45.o, n.o 2, alíneas d) e g), da Diretiva 2004/18 não exigem que o operador económico tenha sido objeto de uma condenação definitiva ( 7 ). Tanto o direito da União como o direito nacional admitem que se possa comprovar uma falta grave em matéria profissional por qualquer meio, pelo que a mera existência de um processo penal poderia ser suficiente.

34.

A Comissão acrescenta que, ao apreciar se se verificava uma falta grave em matéria profissional, a entidade adjudicante deve tomar em consideração as medidas que tivesse adotado para se dissociar do comportamento criminoso do seu administrador.

35.

O facto de a Mantovani não se ter apercebido do processo penal em que o seu administrador estava envolvido poderia também integrar a causa de exclusão do artigo 45.o, n.o 2, alínea g), da Diretiva 2004/18. O dever do proponente de declaração da existência de uma falta grave em matéria profissional é independente dos poderes de fiscalização e verificação conferidos à entidade adjudicante pelos artigos 45.o, n.o 3, e 51.o da Diretiva 2004/18, uma vez que estes se limitam a uma verificação puramente formal ou à confirmação dos resultados já conhecidos.

36.

Por último, a Comissão afirma que, nas circunstâncias do litígio, a aplicação dessas causas de exclusão não se opõe ao princípio da proporcionalidade.

V. Análise

A.  Observação preliminar

37.

As questões que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado) submete ao Tribunal de Justiça dizem respeito à compatibilidade de uma disposição do direito italiano [o artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do CCP] com a Diretiva 2004/18. Contudo, a controvérsia estendeu‑se, tanto na discussão nesse tribunal como nas observações de algumas das partes no pedido de decisão prejudicial, à forma de interpretar (e de aplicar) a disposição nacional, matéria relativamente à qual o Tribunal de Justiça não tem competência para decidir.

38.

A resposta do Tribunal de Justiça tem de limitar‑se à interpretação da Diretiva 2004/18, para esclarecer o tribunal de reenvio quanto à questão de saber se a disposição interna, tal como este a expõe, é contrária ao direito da União. Confirmando‑se a sua compatibilidade, compete ao tribunal nacional clarificar como deverão ser interpretados e aplicados os diversos números do artigo 38.o do CCP.

39.

Tal como analisarei a seguir, o legislador italiano beneficia de um amplo poder de apreciação para integrar as causas facultativas de exclusão dos proponentes previstas na Diretiva 2004/18 e para especificar o seu conteúdo. Sempre que não se oponha a essa diretiva, compete aos Estados‑Membros fixar, em conformidade com as suas próprias opções de política legislativa, o conteúdo das disposições nacionais correspondentes.

40.

O facto de o Tribunal de Justiça já se ter pronunciado quanto a questões prejudiciais relativas às causas de exclusão facultativas não constitui motivo suficiente para declarar inadmissível — como sugere a província de Bolzano — a que ora submete o órgão de reenvio, uma vez que tem elementos próprios que a diferenciam de outras questões precedentes ( 8 ).

B.  Formulação da questão prejudicial

41.

Deduz‑se da descrição efetuada pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado) que a Mantovani foi afastada do concurso por ter comunicado tardia e insuficientemente os elementos de apreciação necessários para demonstrar a sua dissociação relativamente à conduta do seu administrador, que tinha sido condenado antes de a referida empresa ter apresentado as suas declarações à entidade adjudicante.

42.

A descrição dos factos permite, desde já, limitar a incidência que a primeira das três disposições da União a que se refere o artigo 45.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2004/18 poderia ter para o reenvio prejudicial.

43.

Essa disposição refere‑se ao operador económico que «[t]enha sido condenado por sentença com força de caso julgado […] por delito que afete a sua honorabilidade profissional». A decisão da entidade adjudicante não parece fundamentar‑se, à primeira vista, nesta disposição, talvez porque a sentença condenatória do administrador se tenha tornado definitiva em 29 de março de 2014, depois de a Mantovani ter apresentado as suas declarações relativas aos requisitos gerais exigidos no anúncio do concurso (4 e 16 de dezembro de 2013).

44.

Com efeito, a leitura dos fundamentos da decisão administrativa de exclusão revela que a entidade adjudicante não se baseou diretamente na condenação penal de B., mas sim na comunicação tardia e insuficiente (pela Mantovani) dos elementos de apreciação necessários para demonstrar que a empresa se tinha dissociado da conduta punível do seu administrador. O determinante foi, portanto, o facto de a proponente não ter comunicado oportunamente a existência da condenação penal de B., enquanto dado demonstrativo, de acordo com a jurisprudência nacional, da dissociação entre a empresa e o seu administrador.

45.

Esta circunstância, tal como argumenta a Comissão, poderia levar a pensar que a causa de exclusão realmente aplicada não se enquadrava na alínea c) do n.o 2 do artigo 45.o da Diretiva 2004/18, embora esteja relacionado com esta disposição. Ora, deveria considerar‑se que a conduta da Mantovani pode ser abrangida pela alínea d) daquele número, isto é, na prática de «falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam evocar».

46.

Contudo, é certo que, embora o direito italiano tenha incorporado a causa de exclusão por «falta grave» no artigo 38.o, n.o 1, alínea f), do CCP, não é sobre esta causa que incide a questão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado). Ainda assim, nada obsta a que a resposta à questão prejudicial inclua também a sua análise ( 9 ).

47.

Tal como o Tribunal de Justiça afirmou de forma reiterada, «o facto de um órgão jurisdicional de reenvio ter formulado uma questão prejudicial e de ter feito referência apenas a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, independentemente de ter ou não feito essas referências no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio» ( 10 ).

48.

Neste sentido, e no âmbito específico da Diretiva 2004/18, o Tribunal de Justiça entendeu ser conveniente, no acórdão Croce Amica One Italia ( 11 ), esclarecer o tribunal de reenvio relativamente ao facto de que, embora esta parecesse ligar «o comportamento do representante legal […] unicamente às causas de exclusão relacionadas com o direito penal e que implicam uma sentença condenatória transitada em julgado, […] as causas de exclusão previstas no artigo 45.o, n.o 2, alíneas d) e g), desta diretiva também conferem às entidades adjudicantes o poder de excluir qualquer operador económico que tenha cometido uma falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes possam evocar […] sem que seja necessário que o operador económico tenha sido condenado por sentença transitada em julgado».

49.

Poderia ser útil, portanto, que a resposta do Tribunal de Justiça abordasse não apenas a causa de exclusão prevista no artigo 45.o, n.o 2, alíneas c) e g), da Diretiva 2004/18 (relativamente à qual se submete a questão prejudicial) mas também a prevista na alínea d). Tratar‑se‑ia, em suma, de esclarecer se uma disposição de direito nacional como a controvertida se opõe a estas disposições da Diretiva 2004/18.

50.

Insisto no facto de que, em caso de resposta afirmativa à dúvida relativa à compatibilidade da lei italiana com a Diretiva 2004/18, caberá ao tribunal nacional decidir se, dadas as circunstâncias do caso, a entidade adjudicante podia legitimamente excluir a Mantovani do contrato, por não a ter informado da condenação penal aplicada a um ex‑administrador, exonerado das suas funções menos de um ano antes da publicação do anúncio do concurso.

C.  Causas facultativas de exclusão

51.

Quanto à margem de que as entidades adjudicantes beneficiam no que diz respeito às causas facultativas de exclusão previstas no artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18, recordei nas minhas conclusões no processo Connexxion Taxi Services ( 12 ) o que o Tribunal de Justiça tinha já salientado no acórdão La Cascina e o. ( 13 ), sob a vigência da Diretiva 92/50/CEE ( 14 ) (cujo artigo 29.o tinha uma redação semelhante à do artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18): que a aplicação de todos esses casos de exclusão é deixada ao critério dos Estados‑Membros, como atesta a expressão «podem ser excluídos da participação num processo de adjudicação», que figurava no início do artigo 29.o Os Estados‑Membros não podem acrescentar causas de exclusão às previstas na disposição, mas o referido artigo 29.o da Diretiva 92/50 não prevê uma aplicação uniforme dessas causas de exclusão.

52.

O Tribunal de Justiça, já durante a vigência da Diretiva 2004/18, seguiu esta mesma linha no acórdão Consorcio Stabile Libor Lavori Publicci ( 15 ), cujo n.o 35 reproduz os argumentos do acórdão La Cascina e o. ( 16 ). Reitera que os Estados‑Membros especificarão, em conformidade com a sua legislação nacional e na observância do direito da União, as condições de aplicação do n.o 2 do artigo 45.o da Diretiva 2004/18. O Tribunal de Justiça volta, portanto, a apoiar a liberdade dos Estados‑Membros para integrarem e, se o entenderem, flexibilizarem os critérios de exclusão, afirmação que reiterou no acórdão de 14 de dezembro de 2016, Connexxion Taxi Services ( 17 ).

53.

Tal como também salientei nas referidas conclusões ( 18 ), decorre do acórdão Consorcio Stabile Libor Lavori Publicci ( 19 ) que o exercício desta faculdade pelos Estados‑Membros não é, no entanto, incondicionado. Por um lado, a União atribui grande importância à liberdade de estabelecimento e de livre prestação de serviços, o que a leva a impulsionar para que a abertura dos concursos seja o mais ampla possível, desígnio relativamente ao qual a aplicação das causas facultativas de exclusão pode constituir um obstáculo. Por outro lado, é legítimo justificar as causas de exclusão com objetivos de interesse geral, como as garantias de fiabilidade, de diligência, de integridade profissional e de seriedade do proponente. Para a apreciação desse conflito de interesses, o Tribunal recorre ao princípio da proporcionalidade.

D.  Repercussão, sobre a empresa proponente, dos factos criminosos dos seus administradores [artigo 45.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2004/18]

54.

O elemento definidor da (falta de) fiabilidade da empresa proponente deste processo decorre da conduta criminosa de um ex‑administrador, quando estava sob a sua gestão. Pode esse crime projetar as suas consequências sobre a sociedade que o administrador dirige? A resposta afirmativa é dada pelo próprio direito da União, partindo da premissa de que pessoas coletivas atuam apenas por intermédio dos seus gestores. É lógico, portanto, que se avalie a sua falta de credibilidade sob a perspetiva dos atos criminosos cometidos pelos responsáveis pela sua direção.

55.

O artigo 45.o, n.o 1, in fine, da Diretiva 2004/18 permite que os pedidos de informação relativas à causa de exclusão (necessária, não facultativa) por determinados crimes graves se refiram a «pessoas coletivas e/ou singulares, incluindo, se for caso disso, os dirigentes de empresas ou quaisquer pessoas que disponham de poderes de representação, decisão ou controlo do candidato ou proponente».

56.

A disposição revela, portanto, que determinados atos criminosos praticados por quem dirige uma pessoa coletiva são relevantes para excluir, obrigatoriamente, da participação num contrato público. Nada obsta, na minha opinião, a que, sob a perspetiva do direito da União, este mesmo princípio seja extensível (agora, de modo facultativo) a outro tipo de crimes e inclusivamente a comportamentos irregulares dos administradores das pessoas coletivas, na medida em que as suas repercussões afetem a honorabilidade profissional destas últimas.

57.

É certo que o artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18, não contém, ao contrário do n.o 1, uma previsão expressa neste sentido. Contudo, não creio que esta omissão seja determinante para impedir que a lei nacional ligue a ocorrência de qualquer das causas de exclusão facultativa das pessoas coletivas ao comportamento irregular dos seus administradores.

58.

Tal como já afirmei, o artigo 45.o, n.o 2, último parágrafo, da Diretiva 2004/18 concede aos Estados‑Membros uma ampla discricionariedade para fixar as «condições de aplicação» das causas de exclusão facultativa. No uso dessa liberdade, as disposições nacionais que refletem os perfis específicos de algumas causas (por exemplo, as relativas à probidade da empresa proponente) podem integrar, como fator relevante, o comportamento dos administradores da sociedade contrário à honorabilidade profissional.

59.

Nessa medida, e com base na liberdade de configuração de que beneficiam os Estados‑Membros, nada obsta a que, para apreciar as causas de exclusão facultativa, a lei interna tome em consideração a falta de dissociação da empresa relativamente ao comportamento criminoso do seu administrador, quando «afete a sua honorabilidade profissional». Cabe também ao legislador nacional e, se for o caso, ao órgão jurisdicional que seja chamado a pronunciar‑se sobre o litígio apreciar que indícios ou fatores de relevância podem ser utilizados para esclarecer se se verificou, ou não, a referida dissociação.

60.

Entre esses fatores encontram‑se os que o órgão de reenvio especifica, a saber, o caráter voluntário da dissociação, a maior ou menor «determinação das condutas relevantes», o período temporal respetivo e a fase processual em que devem ser cumpridos. Cabe, repito, aos tribunais nacionais delimitar o alcance destes elementos, que na realidade não são mais do que «especificações» introduzidas pelo legislador nacional para definir os contornos da causa de exclusão facultativa e das provas com as quais se realizará ( 20 ).

61.

O Consiglio di Stato (Conselho de Estado), ao formular a sua questão, salienta que o artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do CCP, por um lado, «estende» o dever de informação relativo às sentenças condenatórias, alargando‑o à situação em que estas tenham sido aplicadas aos titulares de altos cargos nas empresas proponentes, e, por outro lado, «configura como causa de exclusão» o facto de a «empresa não demonstrar» a sua dissociação da conduta criminosa dessas pessoas.

62.

Ora, os argumentos que acabo de expor levam‑me a afirmar que nada obsta, na Diretiva 2004/18, a que o legislador nacional especifique, nos termos em que o fez o CCP, esta causa de exclusão facultativa. Não vejo como poderia prejudicar as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços. Além disso, trata‑se de uma cláusula de exclusão que tende a preservar o interesse geral subjacente às exigências de fiabilidade, de diligência e de honestidade profissional dos proponentes.

63.

Neste sentido, parece‑me que não acrescenta nada de significativo ao debate o apelo do órgão de reenvio (de forma bem mais genérica e de modo não suficientemente fundamentado) aos «princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e da transparência, da proibição de agravamento do processo e da livre concorrência no mercado dos contratos públicos […]».

64.

Finalmente, o facto de o artigo 45.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2004/18 não se referir expressamente à dissociação da empresa relativamente aos crimes dos seus administradores não significa que o legislador nacional não possa integrar este fator na disposição correspondente do CCP. Tal como já reiterei, cabe aos Estados‑Membros definir as «condições de aplicação» do artigo 45.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2004/18 no seu direito interno.

65.

É, portanto, compatível com o direito da União uma disposição como o artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do CCP, nos termos da qual se pode recusar a participação no contrato das empresas que não demonstrem ter‑se dissociado completa e efetivamente de certos crimes ( 21 ) cometidos previamente pelos seus responsáveis diretivos.

E.  Exclusão de um operador económico por não ter fornecido a informação devida à entidade adjudicante [artigo 45.o, n.o 2, alínea g), da Diretiva 2004/18]

66.

O tribunal a quo salienta a «discricionariedade da entidade adjudicante», que lhe permitiria «que imponha, de facto» deveres de informação (das empresas proponentes) «não previstos na lei». Essa entidade teria previsto, também, «deveres de cooperação leal de contornos indefinidos, exceto quando assentes no princípio geral da boa‑fé».

67.

Na medida em que estas observações do Consiglio di Stato (Conselho de Estado) ponham em causa a atuação de um órgão administrativo sujeito à sua fiscalização jurisdicional, cabe a esse tribunal supremo retirar as consequências no seu direito interno ( 22 ). A resposta prejudicial não deve interferir no âmbito de competência próprio dos tribunais nacionais.

68.

Devo recordar, também, que a questão prejudicial é formulada para aferir a incompatibilidade de uma lei interna com a Diretiva 2004/18. E sob esta perspetiva, a resposta deveria analisar o conteúdo do artigo 38.o, n.o 1, alínea h), do CCP, desta vez em conjugação com o artigo 45.o, n.o 2, alínea g), da Diretiva 2004/18.

69.

Contudo (tal como salientam as observações da província de Bolzano), a exclusão não se baseou nesta causa, mas sim no facto de o silêncio do proponente constituir um indício da sua falta de dissociação com a conduta criminosa do administrador. Não parece, portanto, que seja estritamente necessário interpretar o artigo 45.o, n.o 2, alínea g), da Diretiva 2004/18 quando a disposição nacional por intermédio da qual se efetuou a transposição dessa disposição concreta da referida diretiva não foi aplicada ao caso dos autos.

70.

Ainda assim, creio que não haveria nenhuma crítica de incompatibilidade a fazer à disposição nacional neste ponto, uma vez que o seu conteúdo coincide, no essencial, com o da disposição da União que transpõe. Ambas exigem aos proponentes que a informação que fornecem à entidade adjudicante seja isenta de falsidades. O artigo 45.o, n.o 2, alínea g), da Diretiva 2004/18 acrescenta que a exclusão dos referidos proponentes pode ser decidida não apenas perante as suas falsas declarações mas também quando não forneçam as informações relativas aos «critérios de seleção qualitativa» (secção II do capítulo VII do título II da diretiva).

71.

Contudo, negar à entidade adjudicante o conhecimento das ações penais do ex‑administrador poderia ser também — como analisarei a seguir — um elemento de ponderação em poder do juiz nacional, para apreciar se se verificou uma falta grave em matéria profissional.

F.  Exclusão de um operador económico por falta grave em matéria profissional [artigo 45.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2004/18]

72.

Embora a questão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado) não incida, propriamente, sobre esta causa de exclusão, nada obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça as reflexões que lhe correspondem, de acordo com o que antes expus. As alegações das partes na audiência centraram‑se, precisamente, nesta questão, a pedido do próprio Tribunal de Justiça.

73.

A «falta em matéria profissional» a que se refere o artigo 45.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2004/18 abrange qualquer comportamento culposo que tenha incidência na honorabilidade profissional do operador económico ( 23 ). O conceito de «falta grave» refere‑se a um comportamento que denota uma intenção culposa ou uma negligência de determinada entidade ( 24 ). Uma sentença condenatória, mesmo não sendo definitiva ( 25 ), constitui um indicador adequado para que os factos com relevância penal sejam aferidos de acordo com o padrão da falta grave em matéria profissional ( 26 ). A própria sentença constitui um meio adequado de comprovação objetiva da forma como foi efetuada a gestão do proponente.

74.

Com base nestas premissas, e dada a natureza dos crimes pelos quais o seu administrador foi condenado, sem dúvida reveladores de falta de honorabilidade empresarial no exercício das suas atividades profissionais, a inexistência de dissociação da Mantovani relativamente a esse comportamento poderia, legitimamente, ser integrada nesta causa de exclusão.

75.

É necessário, para este efeito, distinguir o plano substantivo do que diz respeito à prova dos factos. Relativamente a esta última, o artigo 45.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18 ajuda a delinear a lógica e a sistemática dos meios de informação que a entidade adjudicante pode utilizar para apreciar a fiabilidade do proponente.

76.

A disposição referida exige às entidades adjudicantes que aceitem como prova os meios que enumera, nas hipóteses do n.o 1 e do n.o 2, alíneas a), b), c), e) e f), do artigo 45.o São situações em que existe uma possibilidade de verificação oficial (relativamente fácil) da conduta, através de registos ou de certificados emitidos pelas instituições públicas.

77.

Em contrapartida, nas restantes situações (a saber, as correspondentes às alíneas d) e g) do artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18), não existe esse condicionalismo documental. É lógico que assim seja, uma vez que, no que diz respeito a essas causas de exclusão (a falta grave em matéria profissional e as declarações falsas ou a não disponibilização da informação exigível), as possibilidades de comprovação são mais variáveis. Dificilmente se poderia encontrar nos diferentes Estados‑Membros um nível homogéneo que permitisse estabelecer de forma unificada os instrumentos ou mecanismos de registo oficial destas circunstâncias.

78.

No que diz respeito às causas facultativas de exclusão relativamente às quais não se encontre previsto um meio oficial de registo, como acontece com a falta grave em matéria profissional, a margem de manobra da entidade adjudicante não está sujeita a nenhum documento ou certificado predeterminado. Tal falta poderá ser apreciada com base no conhecimento que a entidade adjudicante tenha, por qualquer via, dos factos pertinentes.

79.

No que diz respeito à prova, importa não esquecer que, neste processo, ninguém pôs em causa a existência, devidamente documentada, da condenação (com o seu acordo) aplicada ao administrador social da Mantovani pela prática de crimes que afetavam a honorabilidade profissional, durante o período em que desempenhava funções de direção dessa sociedade.

80.

Com base nesta circunstância incontestada, cabe aos órgãos jurisdicionais internos, perante os quais é suscitada a pretensão da Mantovani, determinar se a sociedade proponente se tinha dissociado, ou não, efetiva e completamente, do comportamento criminoso do seu gestor. O debate transfere‑se neste ponto, portanto, para o plano que denominei substantivo, afastando‑se do plano meramente processual.

81.

Nesse debate, terá de ser apreciado o comportamento da Mantovani não apenas sob o ponto de vista da tipificação do facto mas também sob a perspetiva da proporcionalidade da resposta da entidade adjudicante. Um elemento que, para estes efeitos, poderia ter relevância consiste no tempo que medeia entre a conduta criminosa, o comportamento da empresa e a data do anúncio da adjudicação.

82.

Ora, parece‑me que o prazo previsto no CCP (o ano anterior à data do anúncio do concurso) é razoável para ponderar a ligação entre a conduta do administrador e a empresa, no que diz respeito às atividades imediatamente anteriores ao concurso. Além disso, esse prazo não implica uma presunção absoluta da conivência da sociedade com as atividades do administrador, uma vez que lhe é permitido comprovar a sua efetiva e completa dissociação relativamente a este.

83.

Não creio, por último, que os poderes de apreciação que a disposição interna atribui à entidade adjudicante conduzam necessariamente a um resultado desproporcionado. Pelo contrário, considero que o artigo 38.o, n.o 1, alínea c), do CCP respeita a harmonia necessária entre os meios utilizados e a finalidade visada, que consiste em afastar destes processos de seleção os proponentes que não são dignos de confiança, precisamente por não se terem dissociado da conduta criminosa anterior dos seus administradores dentro de determinados limites temporais.

84.

Por último, a exclusão do proponente não é automática ( 27 ), mas sim o resultado de uma prudente apreciação ad casum, que a entidade adjudicante terá de realizar. O proponente também não é colocado numa situação comprometedora no que diz respeito à defesa da sua posição jurídica, uma vez se mantém inalterada a possibilidade de uma fiscalização efetiva, por parte dos órgãos jurisdicionais, relativa ao exercício, pela administração, do seu poder de apreciação do cumprimento dos deveres profissionais do operador.

85.

Em suma, não encontro base para fundamentar a incompatibilidade da disposição nacional, relativamente à qual o órgão de reenvio formula a sua questão, com o direito da União.

VI. Conclusão

86.

Atendendo às considerações efetuadas, proponho que se responda ao Consiglio di Stato (Conselho de Estado, Itália) da seguinte forma:

«O artigo 45.o, n.o 2, alíneas c), d) e g), e n.o 3, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, não se opõe a uma disposição de direito nacional que permite à entidade adjudicante:

tomar em consideração uma condenação penal aplicada ao administrador de uma empresa proponente por um crime que afete a sua honorabilidade profissional, quando o referido administrador tenha cessado funções no ano anterior à publicação do anúncio do concurso, mesmo que a condenação não fosse definitiva nesse momento;

excluir a referida empresa proponente da participação no contrato, por não se ter dissociado completa e efetivamente da conduta do administrador punida penalmente.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).

( 3 ) Decreto Legislativo de 12 de abril de 2006, n.o 163, Codice dei contratti pubblici relativi a lavori, servizi e forniture in attuazione delle direttive 2004/17/CE e 2004/18/CE (GURI n.o 100, de 2 de maio de 2006) (a seguir «CCP»).

( 4 ) Crimes de «participação nas atividades de uma organização criminosa, corrupção, fraude e branqueamento de capitais, tal como previstos nas disposições referidas no artigo 45.o, n.o 1, da Diretiva 2004/18».

( 5 ) S 145‑251280.

( 6 ) Refere, neste sentido, o acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact (C‑465/11, EU:C:2012:801, n.o 27).

( 7 ) Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Croce Amica One Italia (C‑440/13, EU:C:2014:2435, n.o 28).

( 8 ) A circunstância, salientada pela província de Bolzano na audiência e destacada também no parecer da ANAC de 25 de fevereiro de 2015, de o Consiglio di Stato (Conselho de Estado) ter já proferido acórdão num caso semelhante, confirmando a exclusão da Mantovani de outro contrato público por motivos análogos, também não obsta à admissão do pedido de decisão prejudicial. Nesse acórdão (número 6284), proferido em 22 de dezembro de 2014 pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado) numa formação jurisdicional (Quarta Secção) diferente da que formula a questão prejudicial (Sexta Secção), declarou‑se que era legítimo excluir a Mantovani no procedimento de adjudicação por não ter demonstrado a dissociação efetiva da conduta criminosa dos seus administradores, ao omitir a comunicação das condenações que lhes tinham sido aplicadas.

( 9 ) Segundo as observações realizadas na audiência, não existiriam obstáculos processuais no direito interno para que o órgão jurisdicional a quo tome em consideração esta parte da resposta à questão prejudicial para resolver finalmente o recurso.

( 10 ) Acórdão de 22 de outubro de 2015, Impresa Edilux e SICEF (C‑425/14, EU:C:2015:721, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

( 11 ) Acórdão de 11 de dezembro de 2014 (C‑440/13, EU:C:2014:2435, n.o 28).

( 12 ) Processo C‑171/15, EU:C:2016:506, n.os 41 e seguintes.

( 13 ) Acórdão de 9 de fevereiro de 2006 (C‑226/04 e C‑228/04, EU:C:2006:94, n.os 21 e 23).

( 14 ) Diretiva do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO 1992, L 209, p. 1).

( 15 ) Acórdão de 10 de julho de 2014 (C‑358/12, EU:C:2014:2063).

( 16 ) Acórdão de 9 de fevereiro de 2006 (C‑226/04 e C‑228/04, EU:C:2006:94).

( 17 ) C‑171/15, EU:C:2016:948, n.o 29.

( 18 ) Processo Connexxion Taxi Services (C‑171/15, EU:C:2016:506, n.o 44).

( 19 ) Acórdão de 10 de julho de 2014 (C‑358/12, EU:C:2014:2063, n.os 29, 31 e 32).

( 20 ) Farei referência aos elementos de prova, no que diz respeito ao artigo 45.o, n.o 3, da Diretiva 2004/18, ao analisar a causa de exclusão por faltas profissionais nos n.os 75 e seguintes das presentes conclusões.

( 21 ) V. a sua enumeração na nota 4. Todas elas afetam a honorabilidade profissional dos seus autores.

( 22 ) Na audiência, algumas das partes invocaram o n.o 2 do artigo 38.o e o artigo 46.o do CCP como manifestações do dever de os proponentes revelarem, nas suas declarações à entidade adjudicante, as sentenças nas quais tivessem sido condenados. O Consiglio di Stato (Conselho de Estado) referiu‑se a essas disposições no acórdão de 22 de dezembro de 2014, referido na nota 8.

( 23 ) A Mantovani defende que, no direito interno, as únicas faltas graves que podem preencher as condições do artigo 38.o, n.o 1, alínea f), do CCP são as que se verificam no contexto das suas relações prévias com as entidades adjudicantes (embora admita que se poderiam estender a outros âmbitos, como o das infrações em matéria de concorrência). Mesmo que assim fosse (e essa alegação é rejeitada pela província de Bolzano), esta circunstância não afetaria a resposta prejudicial, limitada à interpretação do artigo 45.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2004/18, nos termos do qual é claro que não se verifica essa eventual restrição. Atenda‑se, também, ao facto de o Consiglio di Stato (Conselho de Estado) ter salientado que a redação do artigo 38.o, n.o 1, alínea f), do CCP «reproduz a comunitária e, consequentemente, torna relevantes todas as faltas profissionais cometidas» (acórdão da Quinta Secção de 20 de novembro de 2015, n.o 5299, proferido no recurso n.o 7974 de 2012).

( 24 ) Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact (C‑465/11, EU:C:2012:801, n.os 27, 30 e 31).

( 25 ) No n.o 28 do acórdão de 11 de dezembro de 2014, Croce Amica One Italia (C‑440/13, EU:C:2014:2435), o Tribunal de Justiça afirmou que, no que diz respeito à falta grave em matéria profissional, não é necessário que o operador económico tenha sido condenado por sentença transitada em julgado.

( 26 ) Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact (C‑465/11, EU:C:2012:801, n.o 28).

( 27 ) Resulta do acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact (C‑465/11, EU:C:2012:801, n.o 31), que o automatismo (no que diz respeito à exclusão do proponente responsável por faltas graves) poderia exceder a margem de apreciação conferida aos Estados‑Membros pelo artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18.