CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 29 de março de 2017 ( 1 ) ( 2 )

Processo C‑126/16

Federatie Nederlandse Vakvereniging,

Karin van den Burg‑Vergeer,

Lyoba Tanja Alida Kukupessy,

Danielle Paase‑Teeuwen,

Astrid Johanna Geertruda Petronelle Schenk

contra

Smallsteps BV

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Centrais)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas — Artigo 5.o, n.o 1 — Exceção em caso de processo de falência ou de processo de insolvência — Pre‑pack — Continuação da exploração da empresa»

1. 

No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado pela primeira vez a analisar o pre‑pack, sob o ponto de vista do direito da União.

2. 

Embora possa assumir significados diferentes consoante o ordenamento jurídico em que é utilizado, o termo pre‑pack (proveniente do inglês pre‑packaged insolvency sale) indica, em geral, uma operação sobre os ativos de uma empresa em crise (uma cessão), que é preparada antes da abertura do processo de insolvência (tipicamente uma falência) com a colaboração de um administrador (em certos ordenamentos jurídicos, nomeado por um tribunal) e que é, normalmente, executada imediatamente após a abertura do processo de insolvência.

3. 

Tendo‑se desenvolvido inicialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, o pre‑pack expandiu‑se, em seguida, para diversos outros Estados‑Membros. Assim, há formas mais ou menos variadas de pre‑pack, por exemplo, na Alemanha e em França ( 3 ) bem como nos Países Baixos, Estado‑Membro do qual provém o pedido de decisão prejudicial no presente processo.

4. 

O sucesso do pre‑pack inscreve‑se numa tendência crescente do direito de insolvência moderno de privilegiar as abordagens que, diferentemente da clássica que visa a liquidação de uma empresa em crise, têm por objetivo a sua recuperação ou, pelo menos, a recuperação das suas unidades ainda economicamente viáveis ( 4 ). Neste contexto, o pre‑pack, que se caracteriza por elementos informais (uma fase preliminar extrajudicial) e elementos formais (uma fase que se desenrola no âmbito do processo de insolvência), dá às empresas um instrumento flexível apto para resolver rapidamente determinadas situações de crise.

5. 

O presente reenvio prejudicial, apresentado pelo Rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Centrais), levanta, todavia, a importante questão relativa ao destino dos trabalhadores da empresa (ou da parte da empresa) que é objeto de um pre‑pack. Mais especificamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se, no âmbito do pre‑pack, conforme este se desenvolveu, na prática, nos Países Baixos, o regime de proteção dos trabalhadores em caso de transferência de empresas instituído pela Diretiva 2001/23/CE ( 5 ) é ou não aplicável.

6. 

Para responder a esta questão, o Tribunal de Justiça terá de interpretar — pela primeira vez — a exceção à aplicabilidade da Diretiva 2001/23, prevista no seu artigo 5.o, n.o 1. Ao interpretar esta disposição à luz da jurisprudência que codifica, será necessário encontrar um justo equilíbrio entre, por um lado, a exigência de não comprometer a utilização de instrumentos jurídicos, como o pre‑pack, que prosseguem o objetivo «louvável» de salvar unidades económicas ainda viáveis e, por outro, a exigência de não permitir, através da utilização desses instrumentos, contornar a proteção garantida aos trabalhadores pelo direito da União.

I. Quadro jurídico

A. Direito da União

7.

Nos termos do seu considerando 3, a Diretiva 2001/23, que revogou e substituiu a antiga Diretiva 77/187/CEE ( 6 ), visa proteger os trabalhadores assegurando a manutenção dos seus direitos em caso de transferência de empresas.

8.

Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, alínea a), a Diretiva 2001/23 é aplicável à «transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão».

9.

A Diretiva 2001/23 prevê, em substância, três tipos de proteção para os trabalhadores.

10.

Em primeiro lugar, garante a continuação dos contratos de trabalho em caso de transferência de uma empresa. Assim, nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, «[o]s direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário».

11.

Em segundo lugar, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, a transferência de uma empresa «não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário». Todavia, o segundo período do mesmo número esclarece que «[e]sta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efetuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho».

12.

Em terceiro lugar, o artigo 7.o da Diretiva 2001/23 prevê obrigações de informação e de consulta dos representantes dos trabalhadores, tanto a cargo do cedente como do cessionário.

13.

Todavia, o artigo 5.o da Diretiva 2001/23 prevê uma exceção à aplicabilidade dos artigos 3.o e 4.o da mesma diretiva. O n.o 1 deste artigo 5.o dispõe:

«Salvo determinação em contrário dos Estados‑Membros, os artigos 3.o e 4.o não se aplicam a uma transferência de empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência promovido com vista à liquidação do seu património e que esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente (que pode ser um administrador de falências, autorizado por uma entidade competente).»

14.

O n.o 2 do mesmo artigo dispõe que «[q]uando os artigos 3.o e 4.o se aplicarem a uma transferência no decurso de um processo de insolvência que tenha sido instaurado em relação a um cedente (independentemente do facto de tal processo ter ou não sido instaurado com o objetivo de proceder à liquidação do seu património), e desde que esse processo esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente», o Estado‑Membro pode determinar não aplicar determinados aspetos do regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o da referida diretiva.

15.

Por último, nos termos do artigo 5.o, n.o 4, da Diretiva 2001/23, «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar o recurso abusivo a processos de insolvência de uma forma que retire aos trabalhadores os direitos previstos na presente diretiva».

B. Direito neerlandês

16.

As disposições que regulam, em direito nacional, os direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas são os artigos 7:662 a 7:666 e o artigo 7:670, n.o 8, do Burgerlijk Wetboek (Código Civil, a seguir «BW»).

17.

Mais especificamente, nos termos do artigo 7:663 do BW, «[a] transferência de uma empresa acarreta a transferência automática, para o cessionário, dos direitos e obrigações que resultam, nesse momento para o empregador dessa empresa, de um contrato de trabalho que tenha celebrado com um trabalhador ativo dessa empresa».

18.

Todavia, o artigo 7:666, n.o 1, alínea a), do BW prevê uma derrogação e dispõe que «[o]s artigos 7:662 a 7:665 e o artigo 7:670, n.o 8, não são aplicáveis à transferência de uma empresa quando […] o empregador seja declarado em insolvência e a empresa integre a massa insolvente».

19.

O processo neerlandês da insolvência está definido na Faillissementswet (Lei relativa à falência).

20.

Desde o ano de 2012, vários tribunais neerlandeses ( 7 ) fazem preceder, em determinados casos, a insolvência de uma fase preparatória com vista à celebração de uma operação sobre os ativos da empresa em causa (pre‑pack). Essa fase preparatória é sempre aberta por iniciativa da empresa em causa, que pede ao tribunal para designar um administrador da insolvência indigitado, e um juiz‑comissário indigitado. A operação sobre os ativos é preparada antes da declaração da insolvência com a colaboração do administrador da insolvência indigitado e executada por este imediatamente após a declaração de insolvência.

21.

Atualmente, nos Países Baixos, nem a fase preparatória nem o pre‑pack enquanto tais são enquadrados pela lei, mas são o resultado da prática. Neste momento, está em discussão no Parlamento neerlandês um anteprojeto de proposta de lei, intitulado «Lei relativa à continuação das empresas» ( 8 ).

II. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22.

Até à sua insolvência, a Estro Groep BV (a seguir «Estro Groep») era a maior empresa de infantários nos Países Baixos. Contava com perto de 380 estabelecimentos em todo o território neerlandês empregava cerca de 3600 trabalhadores. À data dos factos em causa no órgão jurisdicional de reenvio, o acionista principal da Estro Groep era o investidor Bayside Capital.

23.

No mês de novembro de 2013, tornou‑se previsível que, na falta de um novo financiamento, a Estro Groep deixaria de poder cumprir as suas obrigações no verão do ano de 2014.

24.

À procura de tal financiamento, a Estro Groep estabeleceu, numa primeira fase, chegou a acordo com os seus principais financiadores e acionistas, bem como com outros financiadores, com vista a obter novos financiamentos. No entanto, esse acordo, chamado «Plano A» não foi frutífero.

25.

Paralelamente às negociações no âmbito do Plano A, a Estro Groep elaborou um outro plano alternativo, chamado «projeto Butterfly». Esse plano alternativo previa a reativação de uma parte importante da Estro Groep na sequência de um pre‑pack. A referida reativação devia ser feita com base em três princípios, a saber, o primeiro, reativação de 243 dos 380 centros, o segundo, manutenção do emprego para perto de 2500 trabalhadores sobre um total de 3600 e, o terceiro, continuidade do serviço em julho de 2014.

26.

Na execução do projeto Butterfly, a Estro Groep contactou apenas como potencial comprador a H.I.G. Capital, sociedade irmã do seu acionista principal, Bayside Capital. Não foi examinada nenhuma outra potencial opção.

27.

Em 5 de junho de 2014, a Estro Groep apresentou ao rechtbank Amsterdam (Tribunal de Amesterdão) um pedido de designação de um administrador da insolvência indigitado. Este foi designado em 10 de junho de 2014.

28.

Em 20 de junho de 2014, foi constituída a Smallsteps BV, sociedade por quotas, para retomar, como empresa de reativação, por conta da H.I.G. Capital, uma grande parte dos infantários da Estro Groep no âmbito do projeto Butterfly.

29.

Em 4 de julho de 2014, a Estro Groep apresentou ao rechtbank Amsterdam (Tribunal de Amesterdão) um pedido de suspensão de pagamentos.

30.

Em 5 de julho de 2014, este pedido foi transformado em pedido de declaração de insolvência da Estro Groep. A insolvência foi decretada no mesmo dia.

31.

Ainda no mesmo dia, em 5 de julho de 2014, foi assinado um contrato de venda (o pre‑pack) entre o administrador da insolvência e a Smallsteps, nos termos do qual esta última comprou a empresa que comportava cerca de 250 estabelecimentos da Estro Groep e se comprometeu a oferecer emprego a perto de 2600 trabalhadores da Estro Groep no dia da insolvência.

32.

Em 7 de julho de 2014, o administrador da insolvência despediu todos os trabalhadores da Estro Groep. A Smallsteps ofereceu um novo contrato de trabalho a cerca de 2600 trabalhadores da Estro Groep e mais de um milhar acabaram por ser despedidos.

33.

A Federatie Nederlandse Vakvereniging (a seguir «FNV»), uma organização sindical neerlandesa, e quatro codemandantes que trabalhavam em centros retomados pela Smallsteps, mas a quem, após a falência, não foi proposto novo contrato de trabalho, intentaram uma ação no órgão jurisdicional de reenvio. Nessa ação, pedem, a título principal, que seja declarado que a Diretiva 2001/23 é aplicável ao pre‑pack celebrado entre a Estro Groep e a Smallsteps e que, assim, se deve considerar que as referidas quatro codemandantes trabalham desde esse momento, de pleno direito para a Smallsteps, conservando as suas condições de trabalho. A título subsidiário, pedem que se declare que os artigos 7:662 e seguintes do BW são, contudo, aplicáveis uma vez que a transferência da empresa se verificou antes da data da insolvência. A Smallsteps rejeita os pedidos das demandantes.

34.

Nestas condições, o Rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Centrais) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

No caso da transferência de uma empresa insolvente cuja insolvência foi precedida de um processo especial designado de pre‑pack, supervisionado pelo tribunal, e que visa expressamente a continuidade (de partes) da empresa, o processo de insolvência nos Países Baixos é compatível com a finalidade e o âmbito da Diretiva 2001/23/CE e, nesta perspetiva, o artigo 7:666, n.o 1, alínea a), do BW [Burgerlijk Wetboek (código civil)] (ainda) está em conformidade com a diretiva?

2)

A Diretiva 2001/23 é aplicável no caso de um ‘administrador da insolvência indigitado’, nomeado pelo tribunal, já se ter informado, ainda antes da insolvência, sobre a situação do devedor e sobre as possibilidades de uma eventual recuperação das atividades da empresa por um terceiro, e já ter preparado operações que devem ser efetuadas logo a seguir à declaração de insolvência para se poder realizar essa recuperação através de uma transação de ativos na qual a empresa do devedor, ou parte dela, é transferida à data da declaração de insolvência ou logo a seguir, e essas atividades forem total ou parcialmente continuadas de forma (quase) ininterrupta?

3)

Neste contexto, é relevante que a continuidade da empresa seja o objetivo primário do pre‑pack, ou que o administrador da insolvência (indigitado), através do pre‑pack e da venda dos ativos sob a forma de uma ‘going concern’ [empresa em funcionamento] logo após a declaração de insolvência, pretenda maximizar os resultados para o conjunto de credores, ou que, no âmbito do pre‑pack, se tenha alcançado um acordo de vontades para a transferência de ativos (continuidade da empresa) antes da declaração de insolvência e que esse acordo seja formalizado e/ou concretizado depois da declaração de insolvência? Como se deverá encarar esta questão se o objetivo for tanto a continuidade da empresa como a maximização dos resultados?

4)

Para efeitos da aplicação da Diretiva 2001/23/CE e dos artigos 7:662 e seguintes do BW, o momento da transferência da empresa no âmbito de um pre‑pack que precede a declaração de insolvência é determinado pelo efetivo acordo de vontades sobre a transferência da empresa alcançado antes da declaração de insolvência, ou esse momento é determinado pelo momento em que a responsabilidade do empresário que explora a entidade em causa é efetivamente transferida do alienante para o adquirente?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

35.

A decisão de reenvio deu entrada na secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de fevereiro de 2016. A FNV, a Smallsteps, o Governo neerlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações e intervieram na audiência, que teve lugar em 18 de janeiro de 2017.

IV. Análise

A. Quanto à primeira, segunda e terceira questões prejudiciais

1.   Observações preliminares

36.

Importa analisar em conjunto as três primeiras questões prejudiciais. Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva 2001/23 é aplicável no caso da transferência de uma empresa efetuada no âmbito de um pre‑pack, conforme este se desenvolveu na prática nos Países Baixos (segunda questão) e se, nesse contexto, o processo de insolvência neerlandês, e especificamente o artigo 7:666 do BW, tal como aplicado na prática, está em conformidade com o objetivo e a finalidade desta diretiva (primeira questão). Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a resposta a estas questões deve ser diferente consoante o objetivo principal visado pelo pre‑pack seja a continuidade da empresa e/ou a maximização do produto da cessão.

37.

Estas questões prejudiciais suscitam previamente a questão da aplicabilidade da exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 às transferências de empresas que tenham lugar no âmbito de um pre‑pack.

38.

As partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça têm posições opostas a este respeito. Por um lado, a FNV e a Comissão entendem que o processo no âmbito do qual é celebrado um pre‑pack não é abrangido pela derrogação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. Daqui resulta que, na medida em que o direito da insolvência neerlandês não prevê a aplicação das garantias previstas nesta diretiva aos trabalhadores em caso de cessão da empresa no âmbito de um pre‑pack, esse direito não está em conformidade com a referida diretiva.

39.

Por outro lado, a Smallsteps e o Governo neerlandês sustentam, em contrapartida, que uma insolvência precedida de uma fase preliminar com vista à celebração de um pre‑pack, como a que teve lugar no caso da Estro Groep, é efetivamente abrangida pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, pelo que o artigo 7:666, n.o 1, do BW, tal como aplicado na prática nos Países Baixos, está em conformidade com esta diretiva.

40.

Já salientei que o presente processo constitui a primeira ocasião que tem o Tribunal de Justiça para interpretar o artigo 5.o da Diretiva 2001/23 e que o aditamento, no n.o 1 deste artigo, de uma exceção explícita à aplicabilidade da referida diretiva representa a codificação de uma jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça. Nestas condições, entendo que, para poder apreender plenamente o alcance desta disposição, importa analisar os princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça nessa jurisprudência, a qual respeita à antiga Diretiva 77/187, subsequentemente revogada pela Diretiva 2001/23 ( 9 ).

2.   Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à aplicabilidade do regime de proteção dos trabalhadores em caso de transferência de uma empresa efetuada no âmbito de um processo previsto para a crise da empresa

41.

O Tribunal de Justiça foi confrontado pela primeira vez com a questão da aplicabilidade das garantias previstas pela Diretiva 77/187 num caso de cessão de uma empresa efetuada no âmbito de um processo de insolvência, especificamente de falência, no processo que deu origem ao acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels ( 10 ).

42.

Nesse acórdão, depois de ter recordado que o objetivo da Diretiva 77/187 era impedir que a reestruturação no interior do mercado único se efetuasse em prejuízo dos trabalhadores ( 11 ), o Tribunal de Justiça destacou a especificidade do direito da falência. Assim, salientou que esse direito se caracteriza por processos especiais que têm por objeto ponderar diversos interesses, especialmente, os das diferentes categorias de credores, e que implicam uma derrogação, pelo menos parcial, de outras disposições, de natureza geral, como as disposições do direito social ( 12 ).

43.

Foi em razão dessa especificidade que o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 77/187 não era aplicável «às transferências de empresas […] efetuadas no âmbito de um processo de falência que tenham em vista, sob controlo da autoridade judicial competente, a liquidação do património do cedente» ( 13 ), deixando, no entanto, aos Estados‑Membros a liberdade de aplicar, no todo ou em parte, os princípios da referida diretiva baseando‑se unicamente no direito nacional ( 14 ).

44.

Em contrapartida, no mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 77/187 era aplicável a um processo como a suspensão de pagamentos, apesar de determinadas características comuns deste processo com o da falência. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que as razões que justificavam a inaplicabilidade da referida diretiva no caso dos processos de falência não eram válidas para um processo, que tem lugar numa fase anterior à falência, que comporta uma fiscalização do juiz de alcance mais restrito e que contribui, em primeiro lugar, para a salvaguarda do património e, eventualmente, para a continuação da atividade da empresa no futuro ( 15 ).

45.

Subsequentemente, no acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. ( 16 ), o Tribunal de Justiça declarou explicitamente que o critério determinante a tomar em consideração para estabelecer a aplicabilidade da Diretiva 77/187 à transferência de uma empresa que se realiza no âmbito de um processo de concurso de credores era o do objetivo prosseguido pelo processo em causa ( 17 ).

46.

Com base neste fundamento, considerou que, no caso de o processo em causa ( 18 ) se destinar à liquidação dos bens do devedor com vista à satisfação coletiva dos credores, então as transferências realizadas nesse quadro jurídico estavam excluídas do âmbito de aplicação da Diretiva 77/187. Em contrapartida, quando o decreto que determinava a aplicação do referido processo decidisse igualmente a prossecução da atividade da empresa, sob direção de um administrador, o objetivo deste processo era, em primeiro lugar, assegurar a continuação da atividade da empresa. Nesse caso, o objetivo económico e social assim prosseguido não podia explicar nem justificar que, quando a empresa em causa é objeto de uma transferência, os seus trabalhadores sejam privados dos direitos que lhes são reconhecidos pela referida diretiva ( 19 ).

47.

O Tribunal de Justiça confirmou esta abordagem num acórdão ulterior de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. ( 20 ). Chamado a determinar se a Diretiva 77/187 era aplicável à transferência de uma empresa na qual tinha sido declarado o estado de crise nos termos da legislação italiana pertinente, o Tribunal de Justiça confirmou, antes de mais, que critério determinante para estabelecer a aplicabilidade da referida diretiva era o objetivo prosseguido pelo processo em causa. Em seguida, salientou que o ato pelo qual, segundo a legislação italiana, uma empresa era declarada em estado de crise era destinado a permitir o restabelecimento da situação económica e financeira da empresa, mas sobretudo a manutenção do emprego. Assim, na medida em que o processo em causa visava favorecer a manutenção da atividade da empresa com o objetivo de uma retoma posterior e, ao contrário dos processos de falência, não comportava nenhuma fiscalização judicial, nem nenhuma medida de administração do património da empresa, nem de suspensão de pagamentos, o Tribunal de Justiça declarou que o objetivo económico e social desse processo não justificava que, em caso de transferência, os trabalhadores da empresa fossem privados dos direitos que a Diretiva 77/187 lhes reconhecia ( 21 ).

48.

Por último, no acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement ( 22 ), o Tribunal de Justiça — chamado a determinar se a Diretiva 77/187 se aplicava à transferência de uma empresa em situação de liquidação judicial, nos termos da lei belga — desenvolveu ulteriormente a sua abordagem. Primeiramente, esclareceu que, além do critério do objetivo do processo, importava ter igualmente em conta as regras do processo em causa, nomeadamente na medida em que estas impliquem que a atividade da empresa prossiga ou cesse, assim como as finalidades da Diretiva 77/187 ( 23 ). Nesse caso, o Tribunal de Justiça declarou que, embora o processo em causa visasse a liquidação dos bens, a situação de uma empresa em liquidação judicial apresentava diversas diferenças consideráveis em relação à de uma empresa em falência ( 24 ), nomeadamente no que respeita à nomeação e às funções do liquidatário. Em particular, no processo de liquidação judicial belga, ao contrário da falência, o liquidatário, embora nomeado pelo juiz, era um órgão da sociedade que procedia à venda do ativo sob a tutela da assembleia geral. Nestas condições, o Tribunal de Justiça considerou que as razões que o tinham levado a excluir a aplicação da Diretiva 77/187 em caso de falência podiam não existir no caso de uma empresa em liquidação judicial, particularmente num caso como o pendente perante o juiz nacional, no qual a continuidade da exploração tinha sido assegurada quando a empresa tinha sido objeto da transferência ( 25 ).

3.   Quanto à exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23

49.

No seguimento dos acórdãos que acabei de analisar, o legislador da União Europeia, em 1998 ( 26 ), aditou à Diretiva 77/187 a disposição que está atualmente contida no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

50.

Esta disposição prevê que, salvo determinação em contrário dos Estados‑Membros, o regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 não é aplicável às transferências de empresas efetuadas quando o cedente seja objeto de um processo de falência ou de um processo de insolvência análogo promovido com vista à liquidação do património do cedente e este esteja sob o controlo de uma entidade oficial.

51.

Quando se refere a um processo «promovido com vista à liquidação do seu património» e «que esteja sob o controlo de uma entidade oficial», esta disposição retoma claramente a linguagem utilizada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Abels e d’Urso e o. ( 27 ) para a falência ( 28 ).

52.

Nestas condições, não há dúvida que, como aliás confirmaram todas as partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, a exceção contida no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretada à luz dos princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos analisados nos n.os 41 a 48 das presentes conclusões.

53.

Ora, resulta da análise desses acórdãos que, para determinar se o regime de proteção dos trabalhadores previsto na Diretiva 77/187 — e atualmente previsto pela Diretiva 2001/23 — era ou não aplicável a uma transferência efetuada no âmbito de um processo previsto para situações de crise da empresa, o Tribunal de Justiça considerou dois critérios, a saber, o objetivo prosseguido pelo processo em causa e as regras desse processo, tendo em conta as finalidades desta diretiva. Mais especificamente, resulta da análise da jurisprudência que a exclusão do referido regime de proteção só se justifica se o processo em causa, considerando os seus objetivos e as suas regras, visar a liquidação dos bens da empresa. Em contrapartida, se, tendo em conta os seus objetivos e as suas modalidades, o processo em causa visar a continuação da exploração da empresa, o seu objetivo económico e social não justifica que, em caso de transferência da empresa, os seus trabalhadores sejam privados dos direitos que a referida diretiva lhes reconhece ( 29 ).

54.

Esta distinção entre os processos que visam a liquidação e os processos que visam a continuação da empresa não decorre apenas da jurisprudência do Tribunal de Justiça, mas, como salienta a Comissão com razão, encontra atualmente fundamento na própria redação do artigo 5.o da Diretiva 2001/23. Com efeito, este artigo estabelece uma distinção entre, por um lado, os processos de insolvência que visam, como a falência, a liquidação do património do cedente (estes processos são mencionados expressamente no n.o 1 do referido artigo e são excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23) e, por outro, os processos de insolvência (mencionados no n.o 2 do referido artigo) que, não tendo sido instaurados com o objetivo da liquidação do património do cedente, implicam a continuação da empresa.

55.

Ora, determinar, in concreto, se uma cessão tem lugar no âmbito de um processo de insolvência que visa a liquidação dos bens do cedente ou de um processo que visa a continuação da empresa pode não ser evidente.

56.

Com efeito, por um lado, é perfeitamente possível que uma cessão das partes viáveis de uma empresa em estado de insolvência tenha lugar no âmbito de um processo que, como a falência, visa a liquidação dos bens do cedente. Por outro lado, essa determinação pode revelar‑se complicada nos casos de processos «atípicos» como, por exemplo, o que se desenvolve nos Países Baixos para a celebração de um pre‑pack, que se desenrola, pelo menos parcialmente, fora do quadro legal e que tem uma natureza híbrida na medida em que mistura elementos informais e elementos que pertencem a um processo formal (a saber, o da insolvência conforme regulamentado pela Lei da insolvência).

57.

A este respeito, entendo que, em geral, se pode considerar que uma transferência se realiza no âmbito de um processo que visa a continuação da empresa quando esse processo é desenhado ou aplicado precisamente com o objetivo de salvaguardar o caráter operacional da empresa (ou das suas unidades válidas) de maneira a permitir conservar o valor que decorre da continuação, sem interrupção, da exploração desta. Em contrapartida, os processos que se destinam à liquidação dos bens não são concebidos para prosseguir especificamente esse objetivo, mas preocupam‑se apenas em maximizar a satisfação coletiva dos credores.

58.

Bem entendido, pode haver alguma sobreposição entre o objetivo de salvaguardar o caráter operacional da parte da empresa cedida e o de maximizar a satisfação coletiva dos credores. Com efeito, o valor de uma empresa que ainda é normalmente operacional é, em geral, claramente mais elevado, tanto em termos do valor dos seus ativos considerados isoladamente, como do valor que a mesma empresa teria se a sua situação de grave crise financeira fosse divulgada ( 30 ). Assim, a salvaguarda do caráter operacional da parte viável da empresa em situação de crise que permite potencialmente obter um preço mais elevado pela sua cessão pode maximizar a satisfação dos interesses dos credores ( 31 ). No entanto, nos processos que visam a continuação da empresa, a salvaguarda desta constitui o elemento central, o objetivo último do processo enquanto tal ou da sua aplicação in concreto. Em contrapartida, nos processos que visam a liquidação, a referida salvaguarda é puramente funcional à satisfação dos interesses dos credores.

59.

Por conseguinte, é neste sentido que, no meu ponto de vista, importa interpretar o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 à luz da jurisprudência que este codificou.

60.

Antes de verificar a aplicabilidade desta disposição ao caso de uma transferência efetuada, como no caso em apreço, no âmbito de um processo que conduz à celebração de um pre‑pack conforme este se desenvolveu nos Países Baixos, parecem‑me, todavia, ainda oportunas duas observações.

61.

Em primeiro lugar, enquanto derrogação ao objetivo principal prosseguido pela Diretiva 2001/23, a saber, a proteção dos trabalhadores, e à aplicação das garantias nela previstas a favor destes, a exceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser objeto de uma interpretação restrita.

62.

Em segundo lugar, o artigo 5.o da Diretiva 2001/23, designadamente os seus n.os 1 e 2, deixa uma ampla margem de manobra aos Estados‑Membros na definição do âmbito de aplicação das exceções que aí são previstas. Com efeito, por um lado, o primeiro período do n.o 1 deste artigo deixa expressamente aos Estados‑Membros a possibilidade de, «determina[ndo] em contrário», decidir aplicar integralmente os artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 em caso de falência ou de processo análogo. Por outro lado, o n.o 2 do artigo 5.o, n.o 2, da referida diretiva permite que os Estados‑Membros apliquem parcialmente os referidos artigos 3.o e 4.o às transferências de empresas efetuadas no decurso de um processo de insolvência que tenha sido instaurado contra um cedente (e isso, independentemente de tal processo ter ou não sido instaurado com o objetivo de proceder à liquidação dos seus bens).

63.

O reconhecimento aos Estados‑Membros de uma tão ampla margem de manobra está não só em consonância com o acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels ( 32 ), mas é coerente com o amplo poder de ação reconhecido em geral aos Estados‑Membros no âmbito da execução e da aplicação da Diretiva 2001/23, que se baseia no facto de esta diretiva visar apenas uma harmonização parcial da matéria que esta regula e não pretender instaurar um nível de proteção uniforme para toda a União em função de critérios comuns ( 33 ).

64.

No entanto, no caso em apreço, há que constatar que o Reino dos Países Baixos não utilizou a margem de manobra que o artigo 5.o da Diretiva 2001/23 lhe reconheceu expressamente. Na audiência, na sequência de uma questão específica do Tribunal de Justiça, o Governo neerlandês confirmou explicitamente que o Reino dos Países Baixos não adotou uma disposição específica que, para utilizar os termos da referida diretiva, dispusesse «em contrário» do referido artigo 5.o, n.o 1. Por conseguinte, é efetivamente a exceção conforme prevista nesta disposição que é pertinente neste caso.

4.   Quanto à aplicabilidade do regime de proteção dos trabalhadores previsto nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 em caso de transferência de uma empresa efetuada no âmbito de um pre‑pack

65.

À luz de todas as considerações que precedem, importa analisar se uma transferência efetuada no âmbito de um pre‑pack, como o relativo no caso em apreço às unidades da Estro Groep, é abrangida ou não pela exceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 e, por conseguinte, se o regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o desta diretiva a favor dos trabalhadores é ou não aplicável no caso de tal transferência.

66.

A este propósito, resulta das informações constantes dos autos do Tribunal de Justiça que o processo que conduz à celebração de um pre‑pack, como o que se desenvolveu na prática nos Países Baixos, se desenrola em duas fases, a saber, uma fase preparatória, anterior à declaração de insolvência, e uma fase simultânea ou imediatamente sucessiva à declaração de falência.

67.

A fase preparatória começa sempre por iniciativa da empresa em dificuldade, que pede ao tribunal para designar um administrador da insolvência indigitado e um juiz‑comissário indigitado. O tribunal é livre de proceder ou não a essa designação consoante considere que esse processo é ou não oportuno.

68.

A ideia que subjaz a essa designação antecipada é a de permitir ao administrador da insolvência indigitado, antes de ser formalmente designado administrador da insolvência, informar‑se sobre a empresa, bem como analisar a sua situação financeira e as possíveis soluções equacionadas, de maneira a poder muito rapidamente após a declaração de insolvência, pedir ao juiz‑comissário autorização para executar a cessão pre‑pack.

69.

Para o efeito, o administrador da insolvência indigitado entra em contacto com a empresa em causa, estuda a contabilidade e outros dados pertinentes desta e recebe informações sobre as soluções equacionadas. O administrador pode, eventualmente, ser igualmente associado às negociações relativas à cessão da empresa ou das suas unidades viáveis.

70.

Nessa fase preparatória, que se desenrola antes da declaração de insolvência, a cessão da empresa é preparada nos seus menores detalhes. Assim, o contrato de venda é materialmente celebrado nesta fase preparatória. Tudo é preparado para uma execução imediata da transferência concomitantemente à declaração de insolvência, sem interrupção da atividade da empresa.

71.

Uma vez declarada a insolvência, o Tribunal nomeia o administrador da falência indigitado como administrador da falência ( 34 ) e o juiz‑comissário indigitado torna‑se juiz‑comissário. Uma vez que todos os elementos da cessão foram acordados durante a fase preparatória, muito rapidamente após o início da insolvência (para não dizer no mesmo dia, como se verificou no caso Estro Groep), o administrador da insolvência pede e recebe a autorização do juiz‑comissário para a cessão pre‑pack ( 35 ). Para poder estar em condições de dar a sua autorização de maneira tão rápida, o juiz‑comissário deve, evidentemente, ter recebido informações completas e detalhadas sobre a operação durante a fase preparatória.

72.

Resulta da decisão de reenvio, e das observações de todas as partes que participaram no processo do Tribunal de Justiça, que o objetivo da estruturação do processo que acabo de descrever, e especificamente da fase preparatória com vista à elaboração da cessão nos seus mínimos detalhes, é evitar a rutura que resultaria da cessação brutal das atividades da empresa no momento da insolvência, rutura que acarretaria uma importante perda de valor da empresa ou das unidades viáveis que são o objeto da cessão. É por esta mesma razão que a fase preparatória se desenrola geralmente em sigilo, para não tornar pública a situação de dificuldade em que a empresa em causa se encontra.

73.

Quanto aos poderes do administrador da insolvência indigitado e do juiz‑comissário indigitado durante a fase preparatória, uma vez que essa fase não está regulamentada pela lei, nenhum deles dispõe formalmente de poder. Ora, na medida em que, uma vez iniciado o processo de insolvência, devem, respetivamente, pedir e dar autorização para a operação, é evidente que, durante a fase preparatória, tanto o administrador da insolvência indigitado como o juiz‑comissário indigitado dispõem ainda assim de um certo poder de natureza «informal» suscetível de influenciar o desenrolar da transferência. Todavia, trata‑se, é certo, de um poder informal desprovido de base legal. Além disso, como salientaram a Smallsteps e o Governo neerlandês, o administrador da falência indigitado não procede a administração e o juiz‑comissário não pode dar nenhuma autorização antes da declaração formal de insolvência.

74.

Para verificar a aplicabilidade da Diretiva 2001/23 à transferência de uma empresa efetuada no âmbito de tal processo, há que aplicar os critérios mencionados no n.o 53 das presentes conclusões.

75.

A este respeito, há que, em primeiro lugar, considerar o objetivo do processo e causa. Ora, parece‑me inegável que, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, esse processo considerado no seu todo visa a transferência da empresa (ou das suas unidades ainda viáveis) a fim de realizar a reativação desta, sem interrupção, imediatamente após a declaração de insolvência. O objetivo desse processo é garantir a continuação da empresa preservando a mais valia que decorre da continuidade da exploração desta. A fase preparatória está, na sua totalidade, direcionada para alcançar este objetivo, o qual é definitivamente alcançado com a transferência concomitante à declaração de insolvência.

76.

Resulta das observações do órgão jurisdicional de reenvio que, no caso do pre‑pack, nos Países Baixos, a insolvência é na realidade utilizada como um meio para reativar a empresa. Trata‑se, em substância, não de uma verdadeira insolvência, mas do que se poderia definir de «falência técnica». Isto é, aliás, confirmado pelo facto, exposto pela Smallsteps na audiência, de que no âmbito do pre‑pack, nem sequer é sempre necessária uma insolvência, uma vez que a fase preliminar, por vezes, não conduz necessariamente a uma declaração de insolvência.

77.

De resto, o juiz de reenvio salientou ele próprio que, na prática, o processo de insolvência é muito utilizado para efeitos de reorganização e que, nesses casos, não visa a liquidação da empresa. Assim, embora o processo que conduz à celebração de um pre‑pack possa ter lugar, em parte, no âmbito de um processo de insolvência, não há dúvida que esse processo não pode ser classificado entre os processos clássicos que visam a liquidação da empresa ( 36 ).

78.

Nesta fase da análise, devo, todavia, sublinhar que o objetivo prosseguido pelo pre‑pack — a saber, a continuação da exploração das partes viáveis da empresa evitando a perda de valor que decorre de uma interrupção brusca da atividade desta, — é certamente louvável. A questão que o presente processo suscita não é a da admissibilidade do pre‑pack enquanto tal no direito da União, mas antes a da interação entre o pre‑pack e a Diretiva 2001/23. Ora, embora se devam ter em conta os benefícios, para os investidores ( 37 ), para os credores, para os próprios trabalhadores e, mais genericamente, para a sociedade, que decorrem da existência de processos que visam a sobrevivência das empresas e a manutenção do seu valor, a aplicação in concreto desses processos deve, no entanto, ter lugar no respeito das garantias que o direito da União prevê para os trabalhadores.

79.

Em segundo lugar, importa considerar as modalidades concretas do desenrolar do processo que conduz à celebração de um pre‑pack nos Países Baixos. Ora, resulta da descrição feita nos n.os 66 a 73 das presentes conclusões que esse processo se diferencia em vários elementos do processo de falência «clássico».

80.

Antes de mais, o processo que conduz a um pre‑pack é sempre iniciado pela própria sociedade em causa, ao passo que o processo de insolvência pode ser desencadeado por diferentes intervenientes, como, por exemplo, os credores ( 38 ).

81.

Em seguida, a fase preparatória, na qual abam por ser decididos todos os detalhes da transferência, tem uma natureza completamente informal. Por um lado, esta fase é gerida pela direção da empresa, que conduz as negociações e adota as decisões relativas à venda da empresa ( 39 ). No caso em apreço, a celebração do pre‑pack relativo às unidades viáveis da Estro Groep constitui um exemplo evidente disso ( 40 ).

82.

Por outro lado, salientei que, nesta fase, o administrador da insolvência indigitado e o juiz‑comissário indigitado não têm formalmente nenhum poder. Assim, o administrador da insolvência não tem nenhumas funções de administração ( 41 ) nem há um procedimento formal de apuramento do passivo ( 42 ). Além disso, salientei que, para poder dar autorização à cessão tão rapidamente, o juiz‑comissário deve ter sido informado e, em substância, não ter manifestado oposição à operação, antes da declaração de insolvência de forma a que a aprovação possa ser simplesmente oficializada após a insolvência. Ora, esta maneira de proceder é suscetível de esvaziar quase totalmente do seu conteúdo o controlo oficial que deve ter lugar durante o processo formal da insolvência.

83.

Por conseguinte, há muitas diferenças em relação ao processo de insolvência. Nomeadamente, verifica‑se, com clareza, que a influência do administrador e do tribunal é muito menos importante no caso do processo «especial» que leva à celebração de um pre‑pack do que no caso de um processo de insolvência «clássico» que visa a liquidação dos bens do cedente.

84.

À luz da análise que precede, há que concluir que, considerando o objetivo que prossegue e as suas modalidades de aplicação, e embora se possa desenrolar, em parte, no âmbito de um processo de insolvência, um processo como o que se desenvolveu nos Países Baixos que conduz à celebração de um pre‑pack não pode ser considerado um processo de falência ou de um processo de insolvência análogo promovido com vista à liquidação do património do cedente e que está sob o controlo de uma entidade oficial competente na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23. Por conseguinte, tal processo não é abrangido pela exceção prevista nesta disposição. Daqui decorre que o regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 é efetivamente aplicável à transferência de uma empresa ou das suas partes ainda viáveis efetuada no âmbito de um pre‑pack. Com efeito, da circunstância de que, na sequência dessa transferência, a atividade da empresa ou das suas partes viáveis tenha prosseguido decorre que, não se explica nem justifica que os trabalhadores dessa empresa ou das suas unidades transferidas sejam privados dos direitos que a referida diretiva lhes reconhece ( 43 ).

85.

A este propósito, importa ainda salientar que tal interpretação da Diretiva 2001/23 não pode ser posta em causa por um eventual argumento segundo o qual essa interpretação pode dissuadir potenciais cessionários de adquirirem a empresa em dificuldade (ou as partes viáveis desta). Com efeito, por um lado, o Tribunal de Justiça já rejeitou por diversas vezes um argumento desse tipo ( 44 ). Por outro lado, importa recordar que, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, segundo período, da mesma diretiva, esta não constitui obstáculo aos «despedimentos efetuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho». Todavia, esses despedimentos devem verificar‑se dentro do respeito de todas as garantias previstas pelas disposições pertinentes do direito nacional.

86.

Por último, no que se refere à disposição da Diretiva 2001/23, mencionada pelo Governo neerlandês e evocada na audiência, a saber, o seu artigo 5.o, n.o 4, relativo ao recurso abusivo a processos de insolvência, não creio que tal disposição seja pertinente neste caso. Com efeito, resulta da análise que acabo de efetuar que o pre‑pack, tal como este se desenvolveu nos Países Baixos, não configura um recurso abusivo a uma insolvência para privar os trabalhadores dos direitos que decorrem da Diretiva 2001/23. Pelo contrário, o regime de proteção previsto por esta diretiva é efetivamente aplicável no caso de uma transferência efetuada no âmbito de um pre‑pack.

5.   Conclusão relativa às três primeiras questões prejudiciais

87.

À luz de tudo o que precede, importa, antes de mais, responder à segunda questão prejudicial no sentido de que um processo que conduz à celebração de um pre‑pack, como o que teve lugar no processo principal, embora se possa desenrolar em parte no âmbito de um processo de insolvência, não é abrangido pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, de forma que o regime de proteção dos trabalhadores previsto nos artigos 3.o e 4.o desta diretiva é aplicável em caso de transferência de uma empresa ou de parte desta no âmbito desse pre‑pack.

88.

Em seguida, a resposta à primeira questão prejudicial decorre da solução que proponho para a segunda questão. Com efeito, na medida em que, em caso de transferência de uma empresa efetuada no âmbito de um pre‑pack, o processo de insolvência neerlandês, conforme aplicado por alguns tribunais nos Países Baixos, não prevê a aplicação aos trabalhadores da empresa cedente (ou das suas partes que são o objeto da transferência) do regime de proteção previsto a favor destes nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23, esse processo não está em conformidade com a referida diretiva.

89.

Todavia, a este propósito, há que recordar que o princípio de interpretação conforme exige que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena eficácia do direito da União e alcançar uma solução conforme com o objetivo por este prosseguido ( 45 ).

90.

Por conseguinte, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, tomando em consideração o direito interno, na sua totalidade, e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, alcançar uma solução conforme com a finalidade prosseguida pela Diretiva 2001/23 e, por conseguinte, garantir que, em caso de transferência de uma empresa ou de algumas das partes desta no âmbito de um pre‑pack, seja assegurada a aplicação do regime de proteção previsto pela Diretiva 2001/23 a favor dos trabalhadores das partes da empresa cedidas.

91.

No que se refere à terceira questão prejudicial, resulta dos n.os 57 e 58 e 75 a 77 das presentes conclusões que, tendo em consideração que o processo que conduz à celebração de um pre‑pack visa o prosseguimento da exploração da empresa (ou das suas partes viáveis que são o objeto da cessão), a circunstância de a aplicação desse processo poder comportar igualmente a maximização da satisfação dos credores não pode ter como consequência que o regime de proteção previsto pela Diretiva 2001/23 a favor dos trabalhadores não seja aplicado em caso de transferência de uma empresa efetuada no âmbito de um pre‑pack ( 46 ).

B. Quanto à quarta questão prejudicial

92.

Com a sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio submete uma questão relativa ao momento exato em que se verifica a transferência da empresa.

93.

Todavia, há que constatar que esta questão é submetida em relação aos pedidos apresentados pela FNV e pelas suas codemandantes a título subsidiário no órgão jurisdicional de reenvio ( 47 ). Ora, como salientou a Comissão, essa questão só é pertinente no caso de se dever declarar que o regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 não é aplicável no caso de uma transferência de uma empresa efetuada no âmbito de um pre‑pack.

94.

Nestas condições e à luz da resposta proposta para as três primeiras questões prejudiciais, entendo que não é necessário que o Tribunal de Justiça responda à quarta questão.

V. Conclusão

95.

Tendo em conta todas as considerações que precedem, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Centrais) nos seguintes termos:

1)

Considerando o objetivo que prossegue e as suas modalidades de aplicação, e embora se possa desenrolar em parte no âmbito de um processo de insolvência, um processo como o que se desenvolveu nos Países Baixos, que conduz à celebração de um pre‑pack, não pode ser considerado um processo de falência ou um processo por insolvência análogo, promovido com vista à liquidação do património do cedente e que está sob o controlo de uma entidade oficial competente na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos. Por conseguinte, tal processo não é abrangido pela exceção prevista nesta disposição de forma que o regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23 é aplicável à transferência de uma empresa ou das suas partes ainda viáveis efetuada no âmbito de um pre‑pack.

2)

Na medida em que, em caso de transferência de uma empresa efetuada no âmbito de um pre‑pack, o processo de insolvência neerlandês, conforme aplicado por alguns tribunais nos Países Baixos, não prevê a aplicação aos trabalhadores da empresa cedente (ou das partes desta que são objeto da transferência) do regime de proteção previsto a seu favor nos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2001/23, esse processo não está em conformidade com a referida diretiva. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, alcançar uma solução, conforme com a finalidade prosseguida pela Diretiva 2001/23 e, por conseguinte, garantir que, em caso de transferência de uma empresa ou de algumas das partes desta no âmbito de um pre‑pack, seja assegurada a aplicação do regime de proteção previsto pela Diretiva 2001/23 a favor dos trabalhadores das partes cedidas da empresa.

3)

Tendo em consideração que o processo que conduz à celebração de um pre‑pack visa o prosseguimento da exploração da empresa (ou das partes viáveis desta que são o objeto da cessão), a circunstância da aplicação desse processo poder comportar igualmente a maximização da satisfação dos credores não pode ter como consequência que o regime de proteção previsto pela Diretiva 2001/23 a favor dos trabalhadores não é aplicável no caso da transferência de uma empresa efetuada no âmbito de um pre‑pack.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Os n.os 18, 19, 20, 21, 22, 27, 30, 31, 32, 33, 36, 38, 39, 56, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 73, 75, 76, 77, 80, 82, 83, 84, 86, 87, 88 e 95, pontos 1 e 2, e as notas de pé de página 28 e 35 foram objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.

( 3 ) Em relação à República Federal da Alemanha, v. «Schutzschirmverfahren», previsto no § 270b do l’Insolvenzordnung (regulamento relativo à insolvência). Em França, o prepack cession foi aditado ao artigo L611‑7 do code du commerce (Código Comercial).

( 4 ) Esta tendência foi refletida no recente Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (JO 2015, L 141, p. 19). V., nomeadamente, considerando 10 deste regulamento.

( 5 ) Diretiva do Conselho de 12 de março de 2001 relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 2001, L 82, p. 16).

( 6 ) Diretiva do Conselho de 14 de fevereiro de 1977 relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO 1977, L 61, p. 26), conforme alterada pela Diretiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO 1998, L 201, p. 88) (a seguir «Diretiva 77/187»).

( 7 ) Resulta da decisão de reenvio que, atualmente, o pre‑pack só é tido em consideração nos tribunais de Amesterdão, de Roterdão, de Overijssel, de Zeeland‑West‑Brabant, de Gelderland, de Oost‑Brabant, de Haia e de Noord‑Nederland e que o órgão jurisdicional de reenvio não o toma em consideração.

( 8 ) V. https://zoek.officielebekendmakingen.nl/kst‑34218‑1.html. Resulta da decisão de reenvio que este anteprojeto de proposta de lei visa, por um lado, contribuir para a eficácia do regulamento da insolvência e, por outro, favorecer a rápida recuperação das unidades viáveis da empresa após a insolvência de forma a poder preservar o valor da empresa e os empregos.

( 9 ) A Diretiva 77/187 previa para os trabalhadores as mesmas formas de proteção que as previstas pela Diretiva 2001/23, mas não previa uma exceção expressa à aplicabilidade da referida diretiva em caso de transferência da empresa efetuada no âmbito de um processo de insolvência.

( 10 ) 135/83, EU:C:1985:55.

( 11 ) Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.os 14 e 18). A este propósito, v., igualmente, acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 23).

( 12 ) Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.os 15 a 17).

( 13 ) Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.os 23 e 30). V., igualmente, acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 23).

( 14 ) Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.o 24).

( 15 ) Acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55, n.os 28 e 29).

( 16 ) C‑362/89, EU:C:1991:326.

( 17 ) Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 26). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça também esclareceu que, tendo em conta as diferenças entre os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, o critério do alcance da fiscalização feita pelo juiz sobre o processo não permite, por si só, determinar o âmbito de aplicação da Diretiva 77/187 (n.o 25).

( 18 ) O litígio no processo principal respeitava à aplicabilidade da proteção prevista pela Diretiva 77/187 no caso de uma transferência de uma empresa sujeita a um processo de administração extraordinária das grandes empresas em crise previsto pela legislação italiana aplicável à época. O Tribunal de Justiça declarou que a legislação italiana na matéria apresentava características diferentes consoante o decreto que ordena a liquidação coerciva administrativa decidisse ou não o prosseguimento da atividade da empresa. V. acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 30).

( 19 ) Acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.os 31 e 32).

( 20 ) C‑472/93, EU:C:1995:421.

( 21 ) Acórdão de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. (C‑472/93, EU:C:1995:421, n.os 24 a 30).

( 22 ) C‑319/94, EU:C:1998:99.

( 23 ) Acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99, n.o 25). V., igualmente, acórdão de 12 de novembro de 1998, Europièces (C‑399/96, EU:C:1998:532, n.o 26).

( 24 ) Essas diferenças estão resumidas em detalhe o n.o 9 do acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99).

( 25 ) Acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99, n.os 26 a 31). V., igualmente, acórdão de 12 de novembro de 1998, Europièces (C‑399/96, EU:C:1998:532, n.os 31 e 32). Neste último acórdão, o Tribunal de Justiça aplicou os critérios desenvolvidos no acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99), ao processo de liquidação voluntária em direito belga.

( 26 ) V. artigo 4.o‑A da Diretiva 98/50 referida em nota de rodapé n.o 5 das presentes conclusões.

( 27 ) V. n.o 23 do acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55), e n.o 23 do acórdão de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326), e v. n.o 43 das presentes conclusões.

( 28 ) Daqui decorre que deve ser rejeitada a tese defendida pela Smallsteps quer no órgão jurisdicional de reenvio quer no Tribunal de Justiça, segundo a qual a exigência prevista no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 de que o processo seja «promovido com vista à liquidação do seu património» e que esteja «sob o controlo de uma entidade oficial competente» é exclusivamente aplicável aos processos análogos à falência e não à falência enquanto tal. Com efeito, tal interpretação choca claramente com o conteúdo dos números dos acórdãos de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55), e de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326), mencionadas na nota de rodapé da página precedente.

( 29 ) Daqui decorre que a interpretação proposta pelo Governo neerlandês, segundo a qual o elemento decisivo para determinar a aplicabilidade da Diretiva 2001/23 a uma transferência é o que diz respeito às atividades industriais ou comerciais de uma empresa em insolvência, não tem fundamento. Com efeito, não é a situação em que se encontram as atividades que são objeto da transferência que conta na jurisprudência, mas o objetivo (continuação ou liquidação da empresa) prosseguido pelo processo no âmbito do qual se realiza a transferência, uma vez que o objetivo deve ser apreendido à luz das regras desse processo.

( 30 ) Com efeito, o conhecimento da existência de uma situação de grave crise financeira da empresa é suscetível de ter consequências prejudiciais na atitude dos seus clientes, dos seus fornecedores e dos seus investidores em relação à empresa, o que pode comportar consequências negativas significativas nas suas atividades e, assim, no seu valor.

( 31 ) Para um exemplo concreto de processo em que os dois objetivos supramencionados se sobrepõem, v. n.o 32 das conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1996:291).

( 32 ) V. n.os 23 e 24 do acórdão de 7 de fevereiro de 1985, Abels (135/83, EU:C:1985:55).

( 33 ) V. acórdão de 11 de setembro de 2014, Österreichischer Gewerkschaftsbund (C‑328/13, EU:C:2014:2197, n.o 22 e jurisprudência referida).

( 34 ) Só em casos excecionais e por razões graves é que o administrador da insolvência indigitado não é nomeado administrador da insolvência.

( 35 ) A intervenção judicial no âmbito do processo que conduziu ao pre‑pack tem como consequência que o acordo de cessão da empresa adquire o valor e a força de uma decisão judicial, em vez de ser um simples acordo de natureza contratual que seria suscetível de ser alterado ou de não ser executado.

( 36 ) Neste contexto, afigura‑se singular a tese avançada pelo Governo neerlandês que sustentou que, tendo em conta o facto de que se inscreve no âmbito da insolvência, o processo que leva à celebração de um pre‑pack visa a liquidação dos bens do cedente. A este propósito, saliento que o próprio título do projeto de lei em discussão no Parlamento neerlandês e que deve regulamentar o pre‑pack nos Países Baixos é «Lei relativa à continuação das empresas» (v. n.o 21 e nota de rodapé n.o 7 das presentes conclusões).

( 37 ) Elemento a ter certamente em consideração num contexto económico caracterizado pela existência de práticas de insolvency forum shopping.

( 38 ) Em relação à pertinência deste elemento de diferenciação na análise, v. conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1996:291, n.o 46).

( 39 ) Para um exemplo no qual o Tribunal de Justiça tomou esse elemento em consideração na sua análise, v. n.o 29 do acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99, n.o 29), e n.o 50 das conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1996:291).

( 40 ) Assim, resulta do relatório do administrador judicial da Estro Groep, mencionado na decisão do órgão jurisdicional de reenvio, que a própria Estro Groep escolheu a H.I.G. Capital como comprador sem contactar seriamente outros potenciais compradores e que o administrador da insolvência indigitado teve, em substância, de aceitar essa situação.

( 41 ) A este propósito, v. acórdão de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. (C‑472/93, EU:C:1995:421, n.o 29).

( 42 ) V. acórdão de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99, n.o 29), e n.o 47 das conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz relativas ao mesmo processo (C‑319/94, EU:C:1996:291).

( 43 ) Neste sentido, v. acórdãos de 25 de julho de 1991, d’Urso e o (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.o 32); de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. (C‑472/93, EU:C:1995:421, n.o 30), e de 12 de março de 1998, Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1998:99, n.o 31).

( 44 ) A este propósito, v. acórdãos de 25 de julho de 1991, d’Urso e o. (C‑362/89, EU:C:1991:326, n.os 18 e 19), e de 7 de dezembro de 1995, Spano e o. (C‑472/93, EU:C:1995:421, n.os 34 e 35).

( 45 ) Acórdão de 13 de julho de 2016, Pöpperl (C‑187/15, EU:C:2016:550, n.os 43), e, neste sentido, acórdãos de 24 de janeiro de 2012, Dominguez (C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 27 e jurisprudência referida), e de 11 de novembro de 2015, Klausner Holz Niedersachsen (C‑505/14, EU:C:2015:742, n.o 34).

( 46 ) A este respeito, saliento que, no processo Dethier Équipement (acórdão de 12 de março de 1998, C‑319/94, EU:C:1998:99), o Tribunal de Justiça declarou que o regime de proteção dos trabalhadores era aplicável no caso de uma liquidação judicial, embora esse processo prosseguisse os dois objetivos. V. n.o 32 das conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Dethier Équipement (C‑319/94, EU:C:1996:291).

( 47 ) V. n.o 33 das presentes conclusões.