CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 15 de novembro de 2016 ( 1 )

Processo C‑4/16

J.D.

contra

Prezes Urzędu Regulacji Energetyki

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de segunda instância de Varsóvia, Polónia)]

«Meio ambiente — Diretiva 2009/28/CE — Fontes de energias renováveis — Energia hidroelétrica — Conceito — Energia produzida numa central hidroelétrica situada no local de descarga das águas residuais provenientes de outra instalação»

1. 

A «energia proveniente de fontes renováveis», na aceção da Diretiva 2009/28/CE ( 2 ), inclui a energia produzida por uma central hidroelétrica que utiliza as águas residuais descarregadas por um terceiro, alheio à atividade de produção de eletricidade? Esta é, em síntese, a questão submetida ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio, que tem dúvidas quanto à limitação daquele conceito à energia obtida a partir da queda «natural» das águas superficiais.

2. 

Defenderei nestas conclusões que é possível deduzir, tanto do conteúdo da Diretiva 2009/28 como dos seus objetivos, que o caráter, natural ou artificial, do caudal através do qual corre a água cuja queda é utilizada para a produção de energia elétrica é irrelevante, desde que não se trate de água proveniente de centrais de bombagem.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

1. Diretiva 2009/28

3.

Nos termos do considerando 1:

«O controlo do consumo de energia na Europa e a utilização crescente de energia proveniente de fontes renováveis, a par da poupança de energia e do aumento da eficiência energética, constituem partes importantes do pacote de medidas necessárias para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa […]. Estes fatores têm também um importante papel a desempenhar na promoção da segurança do aprovisionamento energético, na promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação e na criação de oportunidades de emprego e desenvolvimento regional, especialmente em zonas rurais e isoladas.»

4.

De acordo com o considerando 30:

«No cálculo da contribuição da energia hidroelétrica e eólica para os fins da presente diretiva, os efeitos das variações climáticas deverão ser atenuados através da utilização de uma fórmula de normalização. Além disso, a eletricidade produzida em unidades de armazenamento por bombagem que utilizam água previamente bombeada não deverá ser considerada eletricidade produzida a partir de fontes renováveis.»

5.

Nos termos do artigo 2.o:

«Para efeitos da presente diretiva, aplicam‑se as definições da Diretiva 2003/54/CE ( 3 ). Além dessas definições, entendendo‑se por: «a) ‘Energia proveniente de fontes renováveis’: a energia proveniente de fontes não fósseis renováveis, nomeadamente eólica, solar, aerotérmica, geotérmica, hidrotérmica e oceânica, hidráulica, de biomassa, de gases dos aterros, de gases das instalações de tratamento de águas residuais e biogases;».

6.

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1:

«Cada Estado‑Membro deve assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis, calculada nos termos dos artigo 5.o a 11.°, no consumo final bruto de energia em 2020 seja, pelo menos, igual ao objetivo nacional para a quota de energia proveniente de fontes renováveis estabelecida para esse ano […] [n]o anexo I.»

7.

O artigo 5.o dispõe:

«1.   O consumo final bruto de energia proveniente de fontes renováveis em cada Estado‑Membro é calculado como a soma:

a)

Do consumo final bruto de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis;

[…]

3.   Para efeitos da alínea a) do n.o 1, o consumo final bruto de eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis é calculado como a quantidade de eletricidade produzida num Estado‑Membro a partir de fontes de energia renováveis, com exclusão da eletricidade produzida em unidades de armazenamento por bombagem a partir de água previamente bombeada.

[…]

A eletricidade produzida em centrais hidroelétricas e a partir da energia eólica é considerada nos termos das regras de normalização enunciadas no anexo II.

[…]

7.   A metodologia e as definições utilizadas no cálculo da quota de energia proveniente de fontes renováveis são as estabelecidas no Regulamento (CE) n.o 1099/2008 [ ( 4 ) ] […].»

2. Diretiva 2003/54

8.

A Diretiva 2003/54 foi revogada pela Diretiva 2009/72/CE ( 5 ), cujo artigo 48.o prevê que esta revogação produz efeitos a partir de 3 de março de 2011, e que as remissões para a diretiva revogada devem entender‑se como sendo feitas para a própria Diretiva 2009/72.

9.

O artigo 2.o, n.o 30, da Diretiva 2009/72 especifica as «fontes de energia renováveis» nos mesmos termos que o artigo 2.o, n.o 30, da Diretiva 2003/54, a saber: «as fontes de energia não fósseis renováveis (energia eólica, solar, geotérmica, das ondas, das marés, hídrica, biomassa, gás de aterro, gás proveniente de estações de tratamento de águas residuais e biogás)».

3. Regulamento n.o 1099/2008

10.

No ponto 5 do anexo B do Regulamento n.o 1099/2008 define‑se a «energia hidroelétrica» como a «[e]nergia potencial e cinética da água convertida em eletricidade em centrais hidroelétricas», incluindo a produzida através de armazenamento por bombagem.

B – Direito nacional

1. Ustawa prawo energetyczne (Lei da energia elétrica) ( 6 )

11.

Na versão em vigor em 6 de novembro de 2013, o artigo 3.o dispunha:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

[…]

20)

‘fonte de energia renovável’: uma fonte em cujo processo de transformação são utilizadas as seguintes energias: energia eólica, radiação solar; aerotérmica, geotérmica ou hidrotérmica; energia das ondas, correntes marítimas e marés; dos caudais dos rios; biomassa, biogás proveniente dos aterros e biogás produzido através dos processos de derivação ou de depuração de águas residuais ou da decomposição de sedimentos de resíduos vegetais e animais. […]»

12.

Na versão em vigor desde 4 de maio de 2015, no artigo 3.o, n.o 20, a definição de «fonte de energia renovável» é feita através de remissão para a Lei das fontes de energia renováveis.

2. Ustawa o odnawialnych źródłach energii (Lei das fontes de energia renováveis) ( 7 )

13.

O artigo 2.o considera:

«[…]

12)

‘energia hidráulica’: a energia produzida pelo movimento de massas de águas superficiais interiores, com exclusão da energia obtida por bombagem em unidades de armazenamento e em centrais a fio‑de‑água;

[…]

18)

‘Pequena central’: central de uma fonte de energia renovável com capacidade total de produção de eletricidade superior a 40 kW e não superior a 200 kW, ligada a uma rede elétrica com tensão inferior a 110 kV ou com capacidade térmica combinada superior a 120 kW e não superior a 600 kW;

[…]

22)

‘fontes de energia renováveis’: fontes de energia renováveis não fósseis, energia eólica, energia proveniente de radiação solar, energia aerotérmica, energia geotérmica, energia hidrotérmica, energia hidráulica; energia das ondas, das correntes marítimas e das marés; energia obtida a partir de biomassa, biogás, biogás agrícola e biocombustíveis líquidos.

[…]»

14.

O artigo 7.o dispõe:

«A atividade industrial no setor da produção de energia elétrica a partir de fontes de energia renováveis em pequenas centrais […] constitui uma atividade regulada na aceção da Lei da liberdade de exercício de uma atividade económica (Ustawa o Swobodzie Działalności Gospodarczej) e deve ser inscrita no Registo dos produtores que exercem uma atividade económica em pequenas centrais […]».

3. Ustawa prawo wodne (Lei da Água) ( 8 )

15.

O artigo 5.o, n.o 3, dispõe:

«As massas de águas superficiais interiores subdividem‑se em:

1)

Águas correntes, que incluem as seguintes tipologias de massas de água:

a)

cursos de água naturais, canais e nascentes nos quais os cursos de água têm origem;

b)

águas de lagos ou outras bacias hidrográficas naturais, com afluxo ou refluxo natural contínuo ou periódico das massas de águas superficiais;

c)

águas das bacias hidrográficas artificiais situadas em águas correntes;

2)

águas estagnadas, que incluem as massas de águas dos lagos e de outras bacias hidrográficas naturais que não se encontram diretamente ligadas, de modo natural, às águas correntes superficiais.

[…]»

II – Matéria de Facto

16.

A J.D. é uma empresa que foi titular de uma concessão para produzir eletricidade a partir de fontes renováveis entre de 20 de novembro de 2004 e 20 de novembro de 2014. A concessão abrangia, especificamente, duas centrais de biogás e uma pequena central hidroelétrica (de 0,160 MW) situada no local de descarga de águas residuais provenientes de outra instalação (a PKN Orlen SA), alheia à produção de eletricidade.

17.

A J.D. solicitou que fosse prorrogada a concessão, tendo sido recusada a concessão relativa à central hidroelétrica por decisão do presidente da Entidade Reguladora da Energia (Urzędu Regulacji Energetyki, a seguir «URE») de 6 de novembro de 2013, com o fundamento de que «apenas as centrais hidroelétricas que utilizam a energia das ondas, das correntes marítimas e das marés e dos caudais dos rios podem ser consideradas produtoras de energia a partir de fontes renováveis» ( 9 ).

18.

A decisão do presidente da URE foi confirmada por sentença de 5 de novembro de 2014 do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal de Comarca de Varsóvia, Polónia), que se baseou na definição das fontes de energias renováveis constante do artigo 3.o, n.o 20, da Lei da energia, na versão em vigor na data de adoção da decisão impugnada.

19.

A J.D. interpôs recurso da sentença acima referida no Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de segunda instância de Varsóvia, Polónia). Invocou, em apoio do seu pedido, a incompatibilidade do artigo 3.o, n.o 20, da Lei da energia com a Diretiva 2009/28.

20.

É neste contexto que o Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de segunda instância de Varsóvia, Polónia) submete a questão prejudicial.

III – Questão prejudicial

21.

A questão prejudicial, submetida em 4 de janeiro de 2016, tem a seguinte redação:

«Deve o conceito de energia hidráulica, enquanto fonte de energia renovável, conforme consta do artigo 2.o, alínea a), conjugado com o artigo 5.o, n.o 3, e com o considerando 30 da Diretiva 2009/28[…] ser interpretado no sentido de que se refere exclusivamente à energia produzida nas centrais hidroelétricas que utilizam o caudal das águas superficiais inter[iore]s, incluindo o caudal dos rios, ou também à energia produzida numa central hidroelétrica (que não é uma unidade de armazenamento por bombagem, nem uma central [a fio‑de‑água]), situada no local de descarga das águas residuais industriais de outra fábrica?»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça e posições das partes

22.

Compareceram e apresentaram observações escritas a J.D., os Governos polaco e italiano e a Comissão. O Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, decidiu não realizar a audiência de alegações.

23.

A J.D. alega que, de acordo com a Diretiva 2009/28, a única energia produzida em centrais hidroelétricas que não se considera proveniente de fontes renováveis é a que tem origem em unidades de armazenamento por bombagem. Em sua opinião, a Diretiva 2009/28 permite qualificar de energia proveniente de fontes renováveis a energia obtida a partir da utilização das águas descarregadas, previamente, por um terceiro, que procede à sua descarga depois de as ter utilizado.

24.

O Governo polaco alega que os conceitos «energia proveniente de fontes renováveis» [artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2009/28] e «fontes de energia renováveis» [artigo 2.o, n.o 30, da Diretiva 2009/72] se referem às fontes de energia não fósseis que se caracterizam pela sua renovação natural, sem intervenção humana, num espaço de tempo relativamente curto, ou que se caracterizam por não se esgotarem e cuja utilização contribui para obter os benefícios ambientais estabelecidos na Diretiva 2009/28.

25.

Assim, para o Governo polaco, o conceito de «energia hidroelétrica produzida a partir de fontes renováveis» diz respeito à energia obtida a partir da queda natural de águas superficiais interiores, incluindo a das águas fluviais.

26.

Além disso, o Governo polaco alega ainda que a Diretiva 2009/28 exclui que a energia elétrica proveniente de fontes renováveis possa ser obtida a partir de energia produzida em unidades de armazenamento por bombagem. Partindo desta premissa, deduz que a atividade das centrais hidroelétricas que, embora não sejam unidades de armazenamento por bombagem, utilizam a água bombeada previamente por outras unidades não se baseia na utilização de fontes renováveis que se encontram de forma natural no meio ambiente.

27.

Segundo o Governo italiano, a energia produzida pela exploração das correntes de água de natureza gravitacional em instalações artificiais deve ser incluída no conceito de «energia proveniente de fontes renováveis», desde que as referidas instalações tenham sido construídas com finalidades economicamente alheias à produção de energia elétrica.

28.

Para o Governo italiano, o considerando 30 da Diretiva 2009/28 contempla duas hipóteses: a) a energia hidroelétrica obtida a partir da exploração de quedas de água artificiais concebidas precisamente com esse objetivo; ou b) a energia obtida a partir de quedas artificiais construídas com objetivos distintos da produção de energia. No primeiro caso não se trata de «energia proveniente de fontes renováveis» uma vez que, visto ser necessária outra fonte de energia para o arranque da bombagem, o saldo global da energia utilizada relativamente à energia obtida será praticamente nulo, o que elimina o benefício ambiental. Pelo contrário, no segundo caso, são utilizadas instalações e infraestruturas já existentes, o que permite maximizar os benefícios ambientais e o investimento económico.

29.

Para além disso, acrescenta o Governo italiano, uma vez que a Diretiva 2009/28 apenas exclui expressamente do conceito de «eletricidade proveniente de energia hidráulica renovável» a produção de eletricidade por bombagem, a exceção não abrange as situações em que a eletricidade seja obtida a partir de descargas também artificiais, mas efetuadas com finalidades económicas distintas da da obtenção de eletricidade.

30.

A Comissão argumenta que, na medida em que não existe uma definição de energia hidroelétrica na Diretiva 2009/28, deve atender‑se à definição de hidroeletricidade constante do ponto 5.1.1 do anexo B do Regulamento n.o 1099/2008, para a qual remete o artigo 5.o, n.o 7, da Diretiva 2009/28.

31.

Baseando‑se nesta definição e no método de cálculo do consumo final bruto de eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis (artigo 5.o, n.o 3, da mesma diretiva), a Comissão acrescenta que, para o legislador da União, a «eletricidade proveniente de fontes renováveis» é a eletricidade produzida por uma central hidráulica a partir da conversão da energia potencial ou cinética da água, com exclusão da produzida por sistemas de armazenamento por bombagem a partir de água previamente bombeada. Por último, a Comissão salienta que o legislador não procedeu a uma distinção entre os tipos de água utilizados, consoante tenham origem em cursos de água naturais ou artificiais.

V – Apreciação

32.

No presente pedido de decisão prejudicial não está em causa determinar o que são, em abstrato, «fontes renováveis», nem em que condições se pode considerar que a energia hidráulica tem origem nesse tipo de fontes. A questão do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de segunda instância de Varsóvia) é muito mais específica, porque o que é relevante para este órgão jurisdicional é saber se se pode qualificar de «energia proveniente de fontes renováveis», na aceção da Diretiva 2009/28, um tipo muito concreto de energia hidráulica: a produzida numa pequena central hidroelétrica a partir da água descarregada por outra instalação que a utilizou previamente com finalidades próprias, alheias à produção de eletricidade.

33.

Pretendi salientar a referência à Diretiva 2009/28 uma vez que é fácil resvalarmos para os conceitos gerais extrajurídicos e esquecer que o debate que pode ser mediado pelos tribunais, incluindo pelo Tribunal de Justiça, é o do debate que diz respeito às categorias jurídicas.

34.

Digo isto porque me parece que não se pode argumentar, neste caso, com base numa noção preconcebida de «fontes de energia renovável», entendidas enquanto tais, de acordo com a posição assumida pelo Governo polaco ( 10 ), como as energias que se renovam de forma natural, sem intervenção humana. Partindo desta prenoção é inevitável que se torne problemático qualificar de «energia proveniente de fontes renováveis», por exemplo, a energia produzida a partir do aproveitamento dos cursos de água artificiais.

35.

Pelo contrário, o conceito relevante é apenas o da própria Diretiva 2009/28, que para efeitos da sua aplicação delimita nos seguintes termos a «energia proveniente de fontes renováveis»: «a energia proveniente de fontes não fósseis renováveis» [artigo 2.o, alínea a)] ( 11 ). Pelo seu lado, a disposição não contém uma definição de «fontes não fósseis renováveis», embora enumere com precisão quais são essas fontes, a saber: a energia «eólica, solar, aerotérmica, geotérmica, hidrotérmica e oceânica, hidráulica, biomassa, gases dos aterros, de gases das instalações de tratamento de águas residuais e biogases». Em suma, para o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2009/28, falar de «fontes não fósseis renováveis» equivale a falar das fontes que ali são enumeradas, sendo que é para este efeito que é utilizada a expressão «nomeadamente» ( 12 ).

36.

Assim, independentemente daquilo que as energias provenientes de fontes renováveis representarem para outras áreas do conhecimento, e independentemente do facto de ser ou não correta, nessas outras áreas, a sua identificação com as energias provenientes de «fontes não fósseis renováveis», o certo é que, em termos jurídicos — concretamente, nos termos da Diretiva 2009/28 — a energia hidráulica é uma destas energias provenientes de fontes não fósseis renováveis. Em conformidade com o Regulamento n.o 1099/2008 ( 13 ), este tipo de energia define‑se, do ponto de vista estatístico, como a «energia potencial e cinética da água convertida em eletricidade em centrais hidroelétricas», incluindo a energia que se obtém através da armazenamento por bombagem.

37.

Assim sendo, em princípio, toda a «energia hidráulica» deve ser qualificada, para efeitos da Diretiva 2009/28, de «energia proveniente de fontes renováveis», independentemente de ter origem na queda de água em cursos artificiais ou do aproveitamento da água que corre em cursos de água naturais ( 14 ). Assim, não é compatível com a Diretiva 2009/28 uma regulamentação nacional que recorra à distinção entre o caráter natural ou artificial do caudal das águas que servem para produzir energia elétrica, como critério para a inclusão desta no elenco de energias provenientes de fontes renováveis.

38.

A única exceção a esta regra é a prevista, de forma expressa, na própria Diretiva 2009/28, cujo considerando 30 afirma que «a eletricidade produzida em unidades de armazenamento por bombagem que utilizam água previamente bombeada não deverá ser considerada eletricidade produzida a partir de fontes renováveis». Em sintonia com esta explicação, o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2009/28 determina que a eletricidade obtida nessas condições não será tida em conta para calcular o consumo final bruto da proveniente de fontes de energia renováveis.

39.

De acordo com a informação facultada pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 15 ), a pequena central hidroelétrica objeto dos presentes autos «não pertence à categoria das unidades de armazenamento por bombagem nem das centrais a fio‑de‑água» ( 16 ). Se for este o caso (o que, em último análise, cabe àquele órgão jurisdicional determinar), a central não se encontra na situação prevista no considerando 30 e no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2009/28, pelo que a energia hidroelétrica nela produzida corresponde à qualificação de «proveniente de fontes renováveis».

40.

A exceção consagrada na Diretiva 2009/28 relativamente às instalações de bombagem decorre de uma decisão do legislador que, embora reconheça noutra disposição ( 17 ) (é certo que para efeitos estatísticos) que aquele sistema de aproveitamento dá origem a «energia hidroelétrica», optou por recusar que se trate de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. Independentemente de quais forem as razões desta opção de política energética ( 18 ), a exceção consagrada na Diretiva 2009/28, relativamente às instalações de bombagem, não oferece dúvidas. Mas, repito, não é esta a situação da instalação hidroelétrica dos presentes autos.

41.

De acordo com a informação que consta do pedido de decisão prejudicial, a central hidroelétrica objeto de litígio utiliza as águas residuais descarregadas por um terceiro que é alheio à atividade daquela e que não tem nenhuma relação com a produção de energia elétrica. Não se trata, assim, de uma instalação de bombagem (na aceção acima referida), mas sim de uma central que, para produzir eletricidade, utiliza águas que, de outra forma, seguiriam o seu curso sem posterior aproveitamento económico ou ambiental.

42.

Assim, a central em apreço neste caso utiliza águas residuais que não teriam outro destino que não a sua descarga, pelo que a sua utilização adicional para a produção de eletricidade constitui um benefício em termos ambientais. Além disso, pode afirmar‑se que, com este processo, a produção de energia elétrica «limpa» compensa, de certa forma, o eventual dano que pode ser causado o meio ambiente, ocasionado tanto pela forma como a água foi originalmente obtida como pela construção do curso artificial ao qual é conduzida.

43.

Se, adicionalmente, como a Comissão adverte ( 19 ), as águas utilizadas pela central hidroelétrica tiverem origem numa empresa de tratamento de águas residuais, a eletricidade assim obtida completará um ciclo «virtuoso» de reparação ambiental: a atividade dessa empresa não apenas descontamina as águas residuais, como também dá origem a um excedente hídrico que, por sua vez, permite a produção de energia elétrica sem necessidade de recorrer a outras fontes de emissão de gases com efeito de estufa.

44.

Por conseguinte, atendendo à redação aos artigos 2.°, alínea a), e 5.°, n.o 3, da Diretiva 2009/28, bem com aos objetivos desta última, sou de opinião de que se deve responder ao órgão jurisdicional de reenvio que o conceito de energia hidráulica proveniente de fontes de energia renováveis inclui a energia produzida em centrais hidroelétricas que aproveitam águas residuais descarregadas por um terceiro alheio à atividade da central e que não tem nenhuma relação com a produção de energia elétrica.

VI – Conclusão

45.

Atendendo a todas as considerações efetuadas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão submetida pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de segunda instância de Varsóvia, Polónia) nos seguintes termos:

«O conceito de energia hidráulica proveniente de fontes de energia renováveis, constante do artigo 2.o, alínea a), lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 3, e com o considerando 30 da Diretiva 2009/28/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE, deve ser interpretado no sentido de que inclui a energia produzida em centrais hidroelétricas que utilizam as águas residuais descarregadas por um terceiro alheio à atividade da central e que não tem nenhuma relação com a produção de energia elétrica.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 16).

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO 2003, L 176, p. 37).

( 4 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativo às estatísticas da energia (JO 2008, L 304, p. 1).

( 5 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55).

( 6 ) Lei da energia elétrica, de 10 de abril de 1997 (Dziennik Ustaw de 2012, posição 1059, versão consolidada, com alterações; Dziennik Ustaw de 2015, posição 478).

( 7 ) Lei das fontes de energia renováveis, de 20 de fevereiro de 2015 (Dziennik Ustaw de 2015, posição 478), que entrou em vigor em 4 de maio de 2015.

( 8 ) Lei da Água de 18 de julho de 2011 (Ustawa z 18 lipca 2011 r. prawo wodne, Dziennik Ustaw de 2015, posição 469).

( 9 ) Despacho de reenvio, ponto I, n.o 2.

( 10 ) N.o 13 das observações do Governo polaco.

( 11 ) O artigo 2.o, n.o 30, da Diretiva 2009/72 e o artigo 2.o, n.o 30, da Diretiva 2003/54 utilizam as mesmas expressões.

( 12 ) «À savoir», na versão francesa; «namely», no texto inglês; «das heißt», na tradução alemã; «vale a dire», em italiano; «nomeadamente», na versão portuguesa.

( 13 ) Ponto 5 do anexo B.

( 14 ) A produção de energia hidroelétrica pode ser efetuada ou com recurso a centrais a fio de água (que captam parte do caudal de um rio ou de um canal de irrigação, para o turbinar, devolvendo a água a jusante) ou com recurso a centrais de albufeira, isto é, as que são construídas para regular os caudais através de um reservatório (artificial) a partir do qual se utiliza a queda de água para a movimentação das turbinas.

( 15 ) Despacho de reenvio, ponto III, n.o 1. A central situa‑se no local de descarga artificial de águas residuais tratadas por um terceiro com finalidades industriais alheias às finalidades hidroelétricas.

( 16 ) Uma central de bombagem funciona com dois reservatórios localizados em níveis diferentes. A água contida que se encontra no nível inferior é bombeada para o nível superior durante as horas de menor consumo de energia elétrica, para ser turbinada posteriormente, de modo a que se disponha, assim, de eletricidade de «reserva» nas horas de maior consumo.

( 17 ) Anexo B, ponto 5, do Regulamento n.o 1099/2008.

( 18 ) A operação de bombagem de água para um reservatório situado numa cota superior, a partir do qual será aproveitada a posterior queda para se produzir nova energia elétrica, exige, obviamente, a utilização de energia para acionar as turbinas que impulsionem a água da barragem, ou da cota, inferior, para a superior. Talvez se tenha pensado que o benefício ambiental obtido com este processo não tenha uma relevância tal que mereça o mesmo tratamento que a regulamentação da União dispensa às energias renováveis. Em todo o caso, a contribuição das centrais hidroelétricas de bombagem para o sistema energético como um todo é inquestionável: ao transferir durante a noite (ou nas horas de menor consumo) a água para o depósito superior, com a concomitante utilização de eletricidade, para além de tornar mais fácil evitar sobrecargas na rede em situações excedentárias, cria uma «reserva» ou uma acumulação de águas com as quais se pode injetar energia elétrica no sistema durante as horas de maior consumo, em função das necessidades de cada momento. Trata‑se, assim, de uma tecnologia que, para além de aproveitar um recurso natural (a água), pode servir de apoio para outras fontes renováveis de caráter intermitente (eólica, solar) quando a sua ativação seja necessária.

( 19 ) N.o 27 das observações da Comissão.