Processo T‑673/15

Guardian Europe Sàrl

contra

União Europeia, representada pela Comissão Europeia e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia

«Responsabilidade extracontratual — Representação da União — Prescrição — Nulidade dos efeitos jurídicos de uma decisão que se tornou definitiva — Precisão da petição — Admissibilidade — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Prazo razoável de julgamento — Igualdade de tratamento — Prejuízo material — Perdas sofridas — Lucros cessantes — Dano moral — Nexo de causalidade»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção alargada) de 7 de junho de 2017

  1. União Europeia — Representação perante os órgãos jurisdicionais da União — Ação de indemnização dirigida contra a União, destinada a obter a reparação do prejuízo pretensamente sofrido em razão da duração desrazoável do processo no Tribunal Geral da União — Representação da União pelo Tribunal de Justiça da União Europeia

    (Artigos 13.o TUE, 17.o, n.o 1, TUE e 19.o TUE; artigos 256.o, n.o 1, TFUE, 268.o TFUE, 335.o TFUE e 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  2. Ação de indemnização — Prazo de prescrição — Início da contagem — Responsabilidade em razão de desrespeito do prazo razoável de julgamento pelo juiz da União — Data da prolação do acórdão em causa

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigos 46.o e 53.o, primeiro parágrafo)

  3. Ação de indemnização — Prazo de prescrição — Início da contagem — Responsabilidade resultante de ato individual — Responsabilidade devido a um ato normativo

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigos 46.o)

  4. Ação de indemnização — Prazo de prescrição — Interrupção — Dano imaterial ligado a violação da reputação — Prejuízo que se produz de modo contínuo — Datas a tomar em consideração

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigos 46.o)

  5. Ação de indemnização — Autonomia relativamente ao recurso de anulação — Limites — Pedido de reparação de um prejuízo adicional que decorre de uma decisão da Comissão que foi objeto de um acórdão de anulação do juiz da União e que apresenta um caráter diferente do que pode resultar de uma má execução desse acórdão — Admissibilidade

    (Artigos 263.o TFUE, 266.o TFUE e 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  6. Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Prejuízo — Nexo de causalidade — Falta de um dos requisitos — Improcedência total da ação de indemnização

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  7. Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Prejuízo — Nexo de causalidade — Ónus da prova

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  8. Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Prejuízo — Nexo de causalidade — Conceito — Despesas de garantia bancária resultantes da escolha de uma empresa de não pagar a coima aplicada pela Comissão — Inexistência de nexo de causalidade direto

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  9. Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Prejuízo real e certo causado por um ato ilegal — Prejuízo material que resulta de uma decisão ilegal da Comissão que aplica uma coima por comportamento anticoncorrencial — Encargo ligado ao pagamento da coima que não foi suportado pelo recorrente — Inexistência de prejuízo real

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  10. Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Violação suficientemente caracterizada do direito da União — Violação, pelo juiz da União, cometida no quadro de uma decisão que pode ser objeto de recurso — Exclusão — Exceção — Existência de disfuncionamentos jurisdicionais graves

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  11. Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Regra de direito que confere direitos aos particulares — Conceito — Inobservância do prazo razoável de julgamento pelo juiz da União — Inclusão — Critérios de apreciação

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.o, segundo parágrafo)

  12. Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Nexo de causalidade — Conceito — Despesas de garantia bancária resultantes da escolha de uma empresa de não pagar a coima aplicada pela Comissão — Inobservância pelo juiz da União do prazo razoável de julgamento por ocasião da ação da referida empresa — Existência de nexo de causalidade — Requisitos

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  13. Responsabilidade extracontratual — Prejuízo — Reparação — Tomada em consideração da depreciação monetária — Juros compensatórios e moratórios — Modalidades de cálculo

    (Artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE)

  1.  V. texto da decisão.

    (cf. n.o 18)

  2.  No caso específico de uma ação de indemnização que visa a reparação de um dano pretensamente sofrido devido a uma eventual inobservância do prazo razoável de julgamento pelo juiz da União, o momento em que tem início da contagem do prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça deve ser a data na qual essa decisão tenha sido adotada. Com efeito, essa data constitui uma data certa, fixada com base em critérios objetivos. Essa data garante o respeito do princípio da segurança jurídica e permite a proteção dos direitos do demandante.

    (cf. n.o 26)

  3.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 32 e 35)

  4.  Em caso de um prejuízo continuado, a prescrição prevista no artigo 46.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia aplica‑se, em função da data do ato que interrompe o prazo, ao período anterior que exceda em mais de cinco anos essa data, sem afetar eventuais direitos que se tenham constituído durante os períodos posteriores. Ainda que possa revestir formas diferentes, a ofensa à reputação é geralmente um prejuízo que se renova quotidianamente e se prolonga enquanto não tiver sido posto fim à causa suposta dessa ofensa. É o caso, designadamente, quando a ofensa alegada à reputação encontra pretensamente a sua origem numa decisão da Comissão que, num primeiro momento, é adotada e tornada pública através de um comunicado de imprensa e que, num segundo momento, é publicada no Jornal Oficial da União Europeia sob a forma de um resumo.

    (cf. n.os 39, 42, 43)

  5.  A ação de indemnização fundada em responsabilidade extracontratual da Comunidade, pelos atos ou omissões das suas instituições, foi instituída como uma via autónoma em relação a outras ações judiciais, com a sua função particular no âmbito do sistema das vias de recurso e sujeita a condições de exercício concebidas com vista ao seu objeto específico.

    Quanto a uma ação de indemnização relativa a pretensos lucros cessantes em razão de uma pretensa violação suficientemente caracterizada do princípio da igualdade de tratamento cometida numa decisão da Comissão que foi objeto de anulação por parte do juiz da União, quando o demandante pede a reparação de um prejuízo que, por um lado, é diferente do que resultaria de uma má execução, pela Comissão, do acórdão de anulação e que, por outro, é adicional aos montantes reembolsados pela Comissão, a fim de executar o referidos acórdão, este pedido não tem o mesmo objeto nem o mesmo efeito que um eventual recurso de anulação interposto contra a medida tomada pela Comissão e não pode, por conseguinte, ser julgado inadmissível com base em desvio de processo.

    (cf. n.os 53, 63 e 64)

  6.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 75, 76 e 154)

  7.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 81e 82)

  8.  Quanto a um pedido de reparação de um prejuízo supostamente sofrido em razão de uma pretensa violação suficientemente caracterizada do princípio da igualdade de tratamento cometida devido a uma decisão da Comissão que aplica uma coima por comportamento anticoncorrencial, um recorrente não pode sustentar validamente que as despesas de garantia bancária por ela pagas resultam diretamente da ilegalidade desta decisão uma vez que decidiu, posteriormente à adoção da referida decisão, não executar integralmente a sua obrigação de pagar imediatamente a coima, mas constituir uma dar garantia bancária para uma parte do montante da coima em conformidade com a faculdade dada pela Comissão.

    A este respeito, o prejuízo que alega resulta diretamente de modo determinante da sua própria escolha de não executar a sua obrigação de pagar a integralidade da coima. Se a demandante tivesse optado pelo pagamento imediato da integralidade do montante da coima, teria evitado ter de pagar despesas de garantia bancária sobre o montante não pago. Consequentemente, a existência de um nexo de causalidade suficientemente direto entre a pretensa violação suficientemente caracterizada do princípio da igualdade de tratamento cometida na decisão controvertida e o pagamento de garantia bancária deve ser afastada.

    (cf. n.os 91 a 93)

  9.  Quanto a um pedido de reparação do prejuízo pretensamente sofrido devido a uma decisão ilegal da Comissão que aplica uma coima por comportamento anticoncorrencial, um recorrente que não tenha suportado pessoalmente o encargo ligado ao pagamento dessa coima não pode manifestamente afirmar que sofreu um prejuízo real e certo que consiste na diferença entre, por um lado, os juros reembolsados pela Comissão sobre a parte do montante da coima que acabou por ser declarada indevida pelo juiz da União e, por outro os rendimentos que poderia ter auferido se, em vez de pagar a quantia em causa à Comissão, a tivesse investido nas suas atividades.

    (cf. n.o 103)

  10.  A responsabilidade da União não pode ser declarada em razão do conteúdo de uma decisão jurisdicional que não tenha sido proferida por um órgão jurisdicional da União que se tenha pronunciado em última instância e que podia, portanto, ser objeto de recurso. Essa declaração não prejudica a possibilidade de uma parte demandante procurar, em casos excecionais, responsabilizar a União em razão de disfuncionamentos jurisdicionais graves, designadamente de natureza processual ou administrativa, que afetem a atividade de uma jurisdição da União.

    (cf. n.os 122 e 124)

  11.  Viola o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais, na medida em que ultrapassou em 26 meses o prazo razoável de julgamento, o que constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito da União que tem por objetivo conferir direitos aos particulares, a tramitação seguida num processo em matéria de concorrência no Tribunal Geral.

    Com efeito, o caráter razoável deste período depende, em particular, da complexidade do litígio, do comportamento das partes e da superveniência de incidentes processuais. Quanto à complexidade do litígio, em primeiro lugar, uma duração de 15 meses entre o fim da fase escrita da tramitação e a abertura da fase oral da tramitação constitui, em princípio, uma duração adequada para tratar os processos que dizem respeito à aplicação do direito da concorrência. Seguidamente, o tratamento paralelo de processos conexos não pode justificar, no caso vertente, que seja prolongado o período compreendido entre o fim da fase escrita da tramitação a abertura da fase oral desta. Por último, o grau de complexidade factual, jurídica e processual do processo em causa não justifica que uma duração mais longa seja de admitir no caso vertente. A este propósito, refira‑se, designadamente, que, entre o fim da fase escrita da tramitação e a abertura da fase oral da tramitação, a tramitação não foi interrompida nem atrasada pela adoção, pelo Tribunal Geral, de qualquer medida de organização desta. No que se refere ao comportamento das partes e à superveniência de incidentes processuais, o tempo que decorreu entre o fim da fase escrita da tramitação processual e a abertura da fase oral da tramitação não foi, de modo nenhum, influenciado por tal comportamento ou por tais incidentes.

    Por conseguinte, o período de 41 meses que decorreu entre o fim da fase escrita da tramitação e a abertura da fase oral desta revela um período de inatividade injustificada de 26 meses.

    (cf. n.os 133 a 137 e 139)

  12.  No âmbito de um processo que tem por objeto uma decisão da Comissão que aplica uma coima por comportamento anticoncorrencial, existe um nexo de causa a efeito entre a violação do prazo razoável de julgamento pelo juiz da União e a superveniência do prejuízo que a demandante sofreu em razão do pagamento que fez de despesas de garantia bancária durante o período que corresponde à ultrapassagem desse prazo razoável de julgamento. Com efeito, em primeiro lugar, no momento em que a demandante interpôs o seu recurso no processo em causa, e no momento em que esta constituiu uma garantia bancária, a violação do prazo razoável de julgamento era imprevisível. Além disso, a demandante podia legitimamente esperar que o seu recurso fosse tramitado num prazo razoável. Em segundo lugar, a ultrapassagem do prazo razoável de julgamento no processo em causa verificou‑se posteriormente à escolha inicial da demandante de constituir uma garantia bancária. Assim, o nexo entre a ultrapassagem do prazo razoável de julgamento e o pagamento de despesas de garantia bancária ao longo do período que corresponde a essa ultrapassagem não pode ter sido interrompido pela escolha inicial da demandante de não pagar imediatamente uma parte da coima aplicada pela da Comissão e de constituir uma garantia bancária.

    (cf. n.o 160)

  13.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 167 a 169)