ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

13 de junho de 2017 ( *1 )

«Desenho ou modelo comunitário — Processo de declaração de nulidade — Desenho ou modelo comunitário registado que representa três latas — Desenho ou modelo anterior — Causa de nulidade — Caráter singular — Impressão global diferente — Artigo 6.o e artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 6/2002 — Conjunto de artigos que constituem um objeto unitário — Alcance da descrição do desenho ou modelo comunitário registado — Dever de fundamentação — Substituição de uma parte no litígio»

No processo T‑9/15,

Ball Beverage Packaging Europe Ltd, com sede em Luton (Reino Unido), representada por A. Renck, advogado, autorizada a substituir a Ball Europe GmbH,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por S. Hanne, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Crown Hellas Can SA, com sede em Atenas (Grécia), representada por N. Coulson e J. Koepp, solicitors,

que tem por objeto um recurso da decisão da Terceira Câmara de Recurso do EUIPO de 8 de setembro de 2014 (processo R 1408/2012‑3), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Crown Hellas Can e a Ball Europe,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, E. Buttigieg (relator) e L. Calvo‑Sotelo Ibáñez‑Martín, juízes,

secretário: A. Lamote, administradora,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de janeiro de 2015,

vista a resposta do EUIPO apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de abril de 2015,

vista a resposta da interveniente apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de abril de 2015,

vista a réplica apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de julho de 2015,

vista a tréplica apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de outubro de 2015,

vistos o pedido de substituição, apresentado, nos termos do artigo 174.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, pela recorrente na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de outubro de 2016, e as observações do EUIPO e da Ball Europe apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 2 e 18 de novembro de 2016, respetivamente,

tendo em conta o artigo 174.o e o artigo 176.o, n.os 3 e 5, do Regulamento de Processo,

após a audiência de 28 de outubro de 2016,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

A Ball Europe GmbH é titular do desenho ou modelo comunitário registado com o n.o 2309900006, em 24 de setembro de 2004, para «latas [de bebidas]». O desenho ou modelo controvertido é representado do seguinte modo:

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2

No âmbito do pedido de registo do desenho ou modelo controvertido junto do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), a Ball Europe reivindicou a prioridade de dois desenhos ou modelos alemães de 27 de março de 2004 e de 27 de abril de 2004, respetivamente.

3

O pedido de registo do desenho ou modelo controvertido foi feito em alemão e a Ball Europe indicou o inglês como segunda língua, em conformidade com o artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1).

4

Na parte do formulário oficial de pedido de registo prevista para a descrição do desenho ou modelo cujo registo era pedido, a Ball Europe registou o seguinte texto em inglês:

«Group of cans for drink, all having a sleek but high appearance with reduced neck, preferably made of thin sheet metal, especially for filling volumes of 250 ml, 300 ml or 330 ml, respectively.» (Grupo de latas de bebidas, de aparência depurada mas elevada, com gargalo reduzido de preferência feito em folha metálica fina, especialmente para capacidades de 250 ml, 300 ml ou 330 ml, respetivamente.)

5

Em 14 de fevereiro de 2011, a interveniente, a Crown Hellas Can SA, apresentou no EUIPO um pedido de declaração de nulidade do desenho ou modelo controvertido. Invocou como causa de nulidade o artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002 por o desenho ou modelo controvertido não ser novo na aceção do artigo 5.o do referido regulamento nem ter caráter singular na aceção do artigo 6.o deste regulamento.

6

A interveniente alegou, nomeadamente, que o desenho ou modelo controvertido era idêntico às três latas a seguir reproduzidas, divulgadas ao público antes da data de prioridade do desenho ou modelo controvertido:

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7

Por decisão de 8 de junho de 2012, a Divisão de Anulação indeferiu o pedido de declaração de nulidade do desenho ou modelo controvertido por este dispor da novidade exigida e ter caráter singular.

8

Em 30 de julho de 2012, a interveniente interpôs recurso, nos termos dos artigos 55.° a 60.° do Regulamento n.o 6/2002, da decisão da Divisão de Anulação.

9

Por decisão de 8 de setembro de 2014 (a seguir «decisão impugnada»), a Terceira Câmara de Recurso do EUIPO anulou a decisão da Divisão de Anulação e declarou a nulidade do desenho ou modelo controvertido por este estar desprovido de caráter singular na aceção do artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002. Não se pronunciou sobre a novidade do referido desenho ou modelo.

10

A Câmara de Recurso examinou o objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido e concluiu que este consistia na aparência de uma lata individual representada em três tamanhos diferentes. Invocando o artigo 98.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, recusou tomar em conta a descrição em inglês do desenho ou modelo controvertido, constante do pedido de registo, por a referida descrição não ter sido apresentada na língua do demande escolhida pela Ball Europe.

11

Além disso, no âmbito da apreciação do caráter singular do desenho ou modelo controvertido, a Câmara de Recurso concluiu, em substância, que as diferenças entre o desenho ou modelo controvertido e os desenhos ou modelos anteriores eram insignificantes e sem consequências para a impressão global suscitada no utilizador informado que, in casu, foi definido como a pessoa que, na indústria de bebidas, é responsável pelo engarrafamento.

Pedidos das partes

12

A Ball Europe conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar o EUIPO e a interveniente nas despesas.

13

O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a Ball Europe nas despesas.

14

A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

confirmar a decisão impugnada;

condenar a Ball Europe nas despesas incorridas no presente recurso, no processo na Divisão de Anulação e no processo na Câmara de Recurso.

Questão de direito

15

Ouvidas as partes, há que admitir que a Ball Beverage Packaging Europe Ltd substitua a Ball Europe, em aplicação do artigo 176.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

16

Importa também recordar que, nos termos do artigo 176.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, se o pedido de substituição for deferido, o sucessor aceita o litígio no estado em que este se encontra no momento da substituição. O sucessor está vinculado pelos atos processuais entregues pela parte que substitui.

17

A recorrente, a Ball Beverage Packaging Europe, invoca dois fundamentos em apoio do recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 62.o, primeira frase, do Regulamento n.o 6/2002, respeitante ao dever de fundamentação, e, o segundo, à violação das disposições conjugadas do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 6.o do referido regulamento.

18

Na sequência de uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência, a recorrente alegou que, no n.o 21 da petição, se expunha igualmente um terceiro fundamento de forma implícita, fundamento que era relativo à violação dos direitos de defesa, uma vez que a Câmara de Recurso lhe devia ter dado a possibilidade de tomar posição sobre a questão relativa à definição do objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido, questão abordada pela primeira vez na decisão impugnada. O EUIPO e a interveniente contestaram conter o referido número um fundamento de direito autónomo relativo à violação dos direitos de defesa e alegaram que, tendo em conta que não tinham interpretado esse número dessa maneira, não puderam submeter observações sobre esse pretenso fundamento.

19

Nos termos do artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, a petição deve conter o objeto do litígio e uma exposição sumária dos fundamentos invocados.

20

Decorre da jurisprudência que a exposição sumária dos fundamentos invocados deve ser suficientemente clara e precisa para que o recorrente possa preparar a sua defesa e o Tribunal pronunciar‑se sobre o recurso, e se for o caso, sem ter de solicitar outras informações (v. acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.o 221 e jurisprudência referida). Resulta que o sentido e o alcance de um fundamento invocado em apoio de um recurso devem sobressair de forma unívoca da petição (acórdão de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.o 262).

21

No presente caso, a recorrente invoca claramente, na petição, os dois fundamentos acima apresentados no n.o 17. Além disso, deve notar‑se que, no n.o 21 da petição, a recorrente critica a Câmara de Recurso por ter alterado o objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido «apesar de não ter sido minimamente consultada sobre o assunto». Por outro lado, no n.o 19 da petição, a recorrente conclui que as observações da Câmara de Recurso sobre a registabilidade do desenho ou modelo controvertido à luz do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002 são desprovidas de pertinência, visto que as partes não puderam tomar posição sobre tal problemática, como exige o artigo 62.o, segunda frase, do Regulamento n.o 6/2002. Não obstante, não é possível concluir dessas alegações que a recorrente apresenta um fundamento autónomo relativo à violação dos seus direitos de defesa. Esse fundamento não foi expressamente invocado, como a recorrente o admitiu na audiência, nem suficientemente desenvolvido. Nem a estrutura ou títulos utilizados na petição, nem a parte da mesma sob a epígrafe «Resumo dos fundamentos em apoio do recurso», nem o resto do seu conteúdo demonstram que a recorrente tenha invocado um fundamento autónomo relativo à violação dos seus direitos de defesa. Em particular, cabe notar que os n.os 19 e 21 da petição integram o título «Obiter dictum sobre o artigo 3, alínea a), do Regulamento [n.o 6/2002]» e que o conteúdo da parte da petição inserida nesse título faz sobressair, de forma clara, dois argumentos, o primeiro relativo ao facto de que as considerações da Câmara de Recurso relativas à registabilidade do desenho ou modelo controvertido eram desprovidas de pertinência e o segundo relativo ao facto de que a mesma definiu de forma errada o objeto da proteção do referido desenho ou modelo. Por outro lado, nem o EUIPO nem a interveniente entenderam que as afirmações acima mencionadas constantes dos n.os 19 e 21 da petição continham um fundamento relativo à violação dos direitos de defesa, pelo que essas partes não lhe responderam minimamente nos respetivos articulados.

22

Nestas circunstâncias, há que concluir que o fundamento relativo à violação dos direitos de defesa, alegadamente exposto na petição, não obedece às exigências do artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, conforme interpretado pela jurisprudência, pelo que deve ser considerado inadmissível.

Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 62.o, primeira frase, do Regulamento n.o 6/2002

23

A recorrente sustenta que a afirmação da Câmara de Recurso, que figura no n.o 34 da decisão impugnada, segundo a qual o utilizador informado conhece a capacidade usual das latas de bebidas e não dá importância aos respetivos diferentes tamanhos, carece de fundamentação, já que não apresenta nenhum fundamento que a apoie. No seu entender, essa afirmação era decisiva para a economia da decisão impugnada, já que a mesma conduziu a Câmara de Recurso a declarar a nulidade do desenho ou modelo controvertido e, por conseguinte, a falta de fundamentação a este respeito constitui uma violação do dever de fundamentação enunciado no artigo 62.o, primeira frase, do Regulamento n.o 6/2002.

24

Na audiência, a recorrente também acusou a Câmara de Recurso de não ter «tido em conta» um artigo de uma revista especializada e outros documentos apresentados na fase do procedimento administrativo demonstrativos da importância concedida pelo utilizador informado aos diferentes tamanhos das latas de bebidas. A não «tomada em conta» desses elementos de prova constitui igualmente uma falta de fundamentação.

25

O EUIPO e a interveniente contestam a procedência do presente fundamento.

26

Recorde‑se que, nos termos do artigo 62.o, primeira frase, do Regulamento n.o 6/2002, as decisões do EUIPO devem ser fundamentadas. Este dever de fundamentação tem o mesmo alcance que o decorrente do artigo 296.o TFUE, segundo o qual o raciocínio do autor do ato deve transparecer de forma clara e inequívoca, e tem o duplo objetivo de permitir, por um lado, aos interessados conhecer as razões da medida adotada, a fim de poderem defender os seus direitos, e, por outro, ao juiz da União Europeia exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão. Todavia, não se pode exigir das Câmaras de Recurso que forneçam uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes perante elas. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, desde que permita aos interessados conhecer as razões pelas quais a decisão da Câmara de Recurso foi adotada e ao órgão jurisdicional competente dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização [acórdãos de 25 de abril de 2013, Bell & Ross/IHMI — KIN (Caixa de relógio de pulso), T‑80/10, não publicado, EU:T:2013:214, n.o 37, e de 18 de novembro de 2015, Liu/IHMI — DSN Marketing (Mala para computador portátil), T‑813/14, não publicado, EU:T:2015:868, n.o 15].

27

Além disso, deve recordar‑se que o dever de fundamentar as decisões constitui uma formalidade essencial que se deve distinguir da questão da procedência dos fundamentos, relevando esta da legalidade material do ato controvertido. Com efeito, a fundamentação de uma decisão consiste em exprimir formalmente as razões em que essa decisão assenta. Se esses fundamentos comportarem erros, estes afetam a legalidade material da decisão, mas não a sua fundamentação, que pode ser suficiente, embora exprimindo fundamentos errados (v. acórdão de 25 de abril de 2013, Caixa de relógio de pulso, T‑80/10, não publicado, EU:T:2013:214, n.o 38 e jurisprudência referida).

28

No presente caso, no n.o 34 da decisão impugnada, no contexto da apreciação da impressão global suscitada pelo desenho ou modelo controvertido no utilizador informado na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, a Câmara de Recurso disse o seguinte:

«As diferentes proporções invocadas pelo titular são impercetíveis. A relação entre a altura e a largura afigura‑se quase idêntica nos desenhos ou modelos a comparar. Mesmo que o utilizador informado veja diferenças nas proporções, estas não têm consequências para a impressão global. Mesmo a representação do [desenho ou modelo] controvertido em três tamanhos diferentes não justifica uma diferença pertinente. O utilizador informado conhece a capacidade usual das latas de bebidas e não dá importância aos respetivos diferentes tamanhos na impressão global.»

29

As considerações expostas na última frase do n.o 34 da decisão impugnada, e também lidas no contexto dessa decisão, não sofrem do vício de falta de fundamentação.

30

Com efeito, no n.o 25 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso definiu o utilizador informado como a pessoa que, na indústria de bebidas, é responsável pelo engarrafamento de bebidas e se informa das ofertas pertinentes através, nomeadamente, de revistas especializadas.

31

No n.o 27 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso verificou que a capacidade das latas de bebidas não excedia normalmente os 500 ml, que tal capacidade correspondia às quantidades usuais utilizadas no comércio de venda de bebidas e que a referida capacidade afetava o tamanho das latas.

32

Por último, no n.o 37 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso precisou que nem as dimensões concretas nem a capacidade se deduziam do desenho ou modelo controvertido e que, na apreciação do caráter singular, só relevava a impressão global produzida pelos desenhos ou modelos a comparar.

33

Tendo em conta, primeiro, a constatação da estandardização da capacidade das latas de bebidas, segundo, a enunciação do facto de que a capacidade afeta o tamanho das latas, terceiro, a enunciação do facto de que o utilizador informado no presente caso foi definido como o engarrafador e, quatro, as constatações segundo as quais nem as dimensões concretas nem a capacidade se deduzem do desenho ou modelo controvertido e segundo as quais só a impressão global é pertinente, a afirmação da Câmara de Recurso constante da última frase do n.o 34 da decisão impugnada, segundo a qual o utilizador informado conhece a capacidade usual das latas de bebidas e não dá importância aos respetivos diferentes tamanhos na impressão global, está suficientemente fundamentada.

34

Por outro lado, contrariamente à tese da recorrente, as considerações constantes do n.o 34 da decisão impugnada eram de ordem geral e não eram determinantes para a conclusão a que a Câmara de Recurso chegou. Essa conclusão baseava‑se na constatação de que a impressão global suscitada pelo desenho ou modelo controvertido no utilizador informado não diferia da impressão global suscitada no referido utilizador pelos desenhos ou modelos anteriores, visto que a Câmara de Recurso constatou previamente, nomeadamente, que as diferenças de conceção do gargalo e do fundo das latas eram insignificantes (n.o 33 da decisão impugnada), que as diferenças de proporções invocadas pela recorrente eram impercetíveis, que a relação entre a altura e a largura era quase idêntica (n.o 34 da decisão impugnada), e que nem as dimensões concretas nem a capacidade se deduziam do desenho ou modelo controvertido (n.o 37 da decisão impugnada).

35

Na medida em que a recorrente sustenta também que as considerações feitas no n.o 34 da decisão impugnada estão erradas, importa notar que esta acusação não diz respeito à fundamentação mas sim ao mérito do litígio e será examinada no âmbito da apreciação do segundo fundamento.

36

Por fim, importa rejeitar a acusação da recorrente, invocada na audiência, relativa à não «tomada em consideração», pela Câmara de Recurso, de um certo número de documentos apresentados na fase do procedimento administrativo (v. n.o 24, supra). Com efeito, quanto ao artigo da revista especializada, suficientemente identificado pela recorrente na sua argumentação, não se pode deixar de observar que a Câmara de Recurso menciona expressamente esse artigo no n.o 6, segundo travessão, da decisão impugnada, no âmbito da apresentação dos argumentos da recorrente na fase do procedimento administrativo. Por outro lado, dado que o referido artigo visava pôr em destaque a diferença no diâmetro entre a lata «sleek» («estilo depurado») introduzida no mercado pela recorrente e as latas preexistentes, não eram necessários desenvolvimentos adicionais sobre esse artigo para efeitos da fundamentação da decisão impugnada, tendo em conta, nomeadamente, a constatação, constante do n.o 34 da referida decisão, segundo a qual as diferenças nas proporções entre os desenhos ou modelos comparados eram impercetíveis e a constatação, constante do n.o 37 dessa decisão, segundo a qual nem as dimensões concretas nem a capacidade se deduziam do desenho ou modelo controvertido.

37

Com base nas considerações anteriores, há, portanto, que julgar o presente fundamento improcedente.

Quanto ao fundamento relativo à violação das disposições conjugadas do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002

38

O presente fundamento divide‑se, em substância, em duas partes.

39

A primeira parte é relativa à apreciação errada, pela Câmara de Recurso, do alcance da proteção conferida ao desenho ou modelo controvertido por não ter recusado considerar que este representa um grupo de três latas de tamanhos diferentes, a saber, um objeto unitário.

40

A segunda parte é relativa à apreciação errada, pela Câmara de Recurso, do caráter singular do desenho ou modelo controvertido.

Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à apreciação errada do alcance da proteção conferida ao desenho ou modelo controvertido

41

Cabe recordar que, na decisão impugnada, a Câmara de Recurso definiu, a título preliminar, o objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido. Neste contexto, precisou que, de acordo com o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002, o objeto de um desenho ou modelo só pode ser um objeto unitário e que a conjugação de vários produtos não associados entre si só pode ser apreciada como um artigo se esses produtos forem esteticamente harmonizados, apresentarem uma relação funcional e forem habitualmente comercializados como um produto unitário. Deu como exemplo o dos talheres compostos por uma faca, um garfo e uma colher e o de um conjunto composto por um tabuleiro de xadrez e peças de xadrez.

42

A Câmara de Recurso considerou que, no presente caso, o desenho ou modelo controvertido não preenchia essas condições e não podia ser considerado um objeto unitário na forma de um grupo de três latas, mas que, para efeitos da apreciação da novidade e do seu caráter singular, era preciso ter por base a aparência da lata individual representada em três tamanhos diferentes.

43

Por outro lado, a Câmara de Recurso, ao apoiar‑se no artigo 98.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, recusou ter em conta a descrição em inglês do desenho ou modelo controvertido, constante do pedido de registo, por essa descrição não ter sido apresentada na língua do pedido escolhida pela recorrente.

44

A recorrente deduz três acusações a respeito da análise da Câmara de Recurso em causa.

45

Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter recusado proteger o desenho ou modelo controvertido como grupo de latas apesar de ter sido registado como tal.

46

Em segundo lugar, a recorrente contesta a consideração da Câmara de Recurso de que o desenho ou modelo controvertido não constitui «um produto» na aceção do artigo 3, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002.

47

Em terceiro lugar, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de não ter tido em conta a descrição em inglês do desenho ou modelo controvertido.

48

O EUIPO e a interveniente contestam a procedência dessas acusações.

49

Quanto à primeira acusação da recorrente, importa examinar, a título preliminar, a premissa da sua argumentação segundo a qual o desenho ou modelo controvertido foi registado como grupo de latas. A este respeito, a recorrente sustenta que decorre da correspondência trocada entre si e o EUIPO durante o processo de registo do desenho ou modelo controvertido que o EUIPO aceitou o registo desse desenho ou modelo como grupo de latas.

50

Como decorre dos autos, por carta de 18 de novembro de 2004, o EUIPO informou a recorrente, no processo de registo, que o desenho ou modelo controvertido, conforme reproduzido no pedido de registo, continha mais do que um desenho ou modelo. O EUIPO convidou a recorrente a suprir «essas insuficiências» até 18 de janeiro de 2005, sem o que o pedido de registo seria indeferido.

51

Por carta de 14 de dezembro de 2004, a recorrente pediu que a objeção do EUIPO fosse retirada, pois as três latas representadas no desenho ou modelo controvertido formavam um grupo e constituíam assim um só e mesmo desenho ou modelo.

52

Na sequência dessa carta, o desenho ou modelo controvertido foi finalmente registado como «latas [de bebidas]», como decorre do respetivo certificado de registo.

53

Decorre desses elementos factuais que é possível que o pedido da recorrente relativo ao registo do desenho ou modelo controvertido como grupo de latas tenha sido tomado em conta, sem que isso seja certo.

54

Não obstante, mesmo que o EUIPO tenha decidido no processo de registo registar o desenho ou modelo controvertido como grupo de latas, essa posição não vincula a Câmara de Recurso em sede da apreciação do pedido de declaração de nulidade do referido desenho ou modelo.

55

Com efeito, importa precisar que o processo de registo dos desenhos ou modelos comunitários instituído pelo Regulamento n.o 6/2002 consiste num controlo expedito de natureza essencialmente formal, que, como indicado no décimo oitavo considerando do mesmo regulamento, não exige um exame de mérito para determinar previamente ao registo se o desenho ou modelo satisfaz as condições de obtenção da proteção e que, por outro lado, diversamente do processo de registo previsto no Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da [União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1), não inclui uma fase que permita ao titular de um desenho ou modelo registado anterior opor‑se ao registo [acórdãos de 16 de fevereiro de 2012, Celaya Emparanza y Galdos International,C‑488/10, EU:C:2012:88, n.os 41 e 43, e de 27 de junho de 2013, Beifa Group/IHMI — Schwan‑Stabilo Schwanhäußer (Instrumentos de escrita), T‑608/11, não publicado, EU:T:2013:334, n.o 77].

56

No presente caso, a Câmara de Recurso devia proceder a um exame de mérito do registo do desenho ou modelo controvertido para determinar se o mesmo preenchia a condição prevista no artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002, relativa ao caráter singular. No âmbito desse exame, a Câmara de Recurso devia apreciar a impressão global suscitada pelos desenhos ou modelos comparados no utilizador informado. A questão da definição do objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido era uma questão prévia que havia que decidir, visto que estava incontestavelmente ligada à apreciação da impressão global e, ao fim ao cabo, à apreciação do caráter singular. Segue‑se que, dado que a definição do objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido fazia parte do exame do mérito do registo do referido desenho ou modelo, uma eventual tomada de posição do EUIPO sobre essa questão no processo de registo não vincularia a Câmara de Recurso tendo em conta a natureza essencialmente formal e expedita do controlo efetuado pelo EUIPO no processo de registo.

57

Por outro lado, cabe notar que a recusa da Câmara de Recurso em definir o objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido como grupo de latas não resultou num questionamento ilegal da validade do desenho ou modelo controvertido, como alega a recorrente. Com efeito, no n.o 19 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso, embora considerando que o desenho ou modelo controvertido não preenche as condições previstas no artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002, por não constituir um objeto unitário, precisou, com razão, que, visto que a interveniente não tinha invocado a causa de nulidade do artigo 25.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002, tal facto, [a saber, a falta de preenchimento das condições previstas no artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002] não justificava a nulidade do desenho ou modelo controvertido.

58

Segue‑se que a primeira acusação da recorrente deve ser considerada inoperante, uma vez que, mesmo que o EUIPO tivesse aceitado registar o desenho ou modelo controvertido como grupo de latas, essa tomada de posição não vincularia a Câmara de Recurso.

59

No âmbito da segunda acusação suscitada pela recorrente, cabe apreciar o mérito da recusa da Câmara de Recurso em definir o desenho ou modelo controvertido como grupo de latas ou, por outras palavras, conceber as três latas de tamanhos diferentes representadas no desenho ou modelo controvertido como objeto unitário. O interesse da recorrente na definição do desenho ou modelo controvertido como grupo de latas reside no facto de os desenhos ou modelos anteriores invocados pela interveniente não representarem grupos de latas mas uma só lata. Assim, a definição do desenho ou modelo controvertido como grupo de latas constitui um elemento de diferenciação do mesmo relativamente aos desenhos ou modelos anteriores, como, aliás, evocou a Divisão de Anulação no n.o 17 da sua decisão de 8 de junho de 2012.

60

Como a Câmara de Recurso nota com razão, no n.o 18 da decisão impugnada, o objeto de um desenho ou modelo só pode ser um objeto unitário, posto que o artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002 evoca expressamente a aparência «de um produto». Por outro lado, a Câmara de Recurso não comete nenhum erro ao precisar, no n.o 18 da decisão impugnada, que um conjunto de artigos pode constituir «um produto» na aceção da disposição citada se forem esteticamente harmonizados, apresentarem uma relação funcional e forem habitualmente comercializados como um produto unitário.

61

Partindo dessas premissas, que, de resto, não são contestadas pelas partes, a Câmara de Recurso concluiu, no n.o 19 da decisão impugnada, que o desenho ou modelo controvertido não preenchia as três condições acima apresentadas no n.o 60 e que, por conseguinte, não podia ser concebido como um objeto unitário. No seu entender, quando são propostos conjuntos de latas de bebidas, trata‑se sempre de latas com o mesmo tamanho, o que se compreende, nomeadamente, tendo em conta o transporte e o armazenamento.

62

A conclusão da Câmara de Recurso relativa à falta, no presente caso, de um objeto unitário também não padece de erros. Com efeito, independentemente da questão da maneira como as latas de bebidas são comercializadas, é manifesto que as três latas representadas no desenho ou modelo controvertido não desempenham uma função comum, pois não desempenham uma função que não possa ser exercida por cada uma delas individualmente, como sucede, por exemplo, com os talheres ou o tabuleiro de xadrez e as peças de xadrez, invocados pela Câmara de Recurso [v., neste sentido, acórdão de 25 de outubro de 2013, Merlin e o./IHMI — Dusyma (Jogos), T‑231/10, não publicado, EU:T:2013:560, n.o 32].

63

Decorre dos desenvolvimentos constantes acima dos n.os 59 a 62 que a segunda acusação da recorrente deve ser considerada improcedente.

64

Recorde‑se que, no âmbito da terceira acusação, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter recusado, no n.o 20 da decisão impugnada, tomar em conta a descrição em inglês do desenho ou modelo controvertido, uma vez que não tinha sido apresentada na língua do pedido de registo por ela escolhida, ou seja, o alemão. Esse erro viciou a decisão impugnada, visto que a Câmara de Recurso, ao não ter em conta essa descrição, definiu de forma inexata o desenho ou modelo controvertido como lata individual representada em três tamanhos diferentes e não como grupo de latas.

65

Essa acusação da recorrente deve ser considerada inoperante.

66

Com efeito, decorre, por um lado, do artigo 36.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002 que a função da descrição que pode constar do pedido de registo de um desenho ou modelo é explicar a representação ou o exemplar e, por outro, do artigo 36.o, n.o 6, do referido regulamento que essa descrição não pode prejudicar o alcance da proteção do desenho ou modelo como tal. O artigo 10.o, n.o 1, deste regulamento, sob a epígrafe «Âmbito da proteção», precisa que a proteção conferida pelo desenho ou modelo comunitário abrange qualquer desenho ou modelo que não suscita no utilizador informado uma impressão global diferente.

67

Daqui resulta que a descrição eventualmente constante do pedido de registo não pode influenciar a apreciação de mérito relativa à novidade ou ao caráter singular do desenho ou modelo em causa. Tal é, aliás, confirmado pelo artigo 1.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 2245/2002 da Comissão, de 21 de outubro de 2002, de execução do Regulamento n.o 6/2002 (JO 2002, L 341, p. 28), que prevê nomeadamente que a descrição deve referir‑se apenas aos elementos que apareçam nas reproduções do desenho ou modelo ou no exemplar e não deverá conter menções referentes à eventual novidade, à singularidade ou ao valor técnico do desenho ou modelo.

68

Daqui resulta igualmente que essa descrição também não pode influenciar a questão de saber qual é o objeto da proteção do desenho ou modelo em causa que está incontestavelmente ligada às apreciações relativas à novidade ou ao caráter singular (v. n.o 56, supra).

69

Neste caso, como já foi observado, a Câmara de Recurso definiu, sem cometer erros, o objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido como consistindo na forma de uma lata individual representada em três tamanhos diferentes e recusou definir esse objeto como grupo de latas. Tendo em conta as considerações acima constantes dos n.os 66 a 68, resulta que, em todo o caso, a tomada em consideração hipotética pela Câmara de Recurso da descrição em inglês do desenho ou modelo controvertido não pode pôr em causa a definição do objeto da proteção do desenho ou modelo controvertido dada pela Câmara de Recurso. Também não põe em causa o resto das apreciações relativas ao caráter singular feitas pela Câmara de Recurso. Neste sentido, a presente acusação da recorrente deve ser considerada inoperante.

70

Atendendo a que a recorrente acusa igualmente, de forma implícita, a Câmara de Recurso de não ter tido em conta as descrições dos desenhos ou modelos alemães cuja prioridade foi reivindicada (v. n.o 2, supra), essa acusação deve ser considerada improcedente, já que não existem regras jurídicas que, no presente caso, imponham à Câmara de Recurso a tomada em consideração das referidas descrições. Em todo o caso, por razões idênticas às acima expostas nos n.os 66 a 69, essa acusação também é inoperante.

71

Tendo em conta as considerações anteriores, a primeira parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto à segunda parte do fundamento, relativa à apreciação errada do caráter singular do desenho ou modelo controvertido

72

A recorrente deduz, em substância, duas acusações contra a conclusão da Câmara de Recurso relativa à inexistência de caráter singular do desenho ou modelo controvertido.

73

Em primeiro lugar, a recorrente contesta a constatação da Câmara de Recurso, que figura no n.o 34 da decisão impugnada, segundo a qual a relação entre a altura e a largura (a saber, as proporções) se revela quase idêntica nos desenhos ou modelos a comparar. Ao fazer essa constatação, a Câmara de Recurso ignorou o facto de que o desenho ou modelo controvertido representa um grupo de três latas com proporções diferentes e é manifesto que os desenhos ou modelos anteriores não podem simultaneamente suscitar a mesma impressão global em relação a cada uma das três latas.

74

Em segundo lugar, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter considerado, no n.o 34 da decisão impugnada, que o utilizador informado não daria importância aos diferentes tamanhos das latas de bebidas, e de não ter tido em conta o estado do conhecimento desse utilizador informado.

75

Resulta da redação do artigo 6, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002 que o caráter singular deve ser apreciado, no caso de um desenho ou modelo comunitário registado, à luz da impressão global que suscita no utilizador informado. A impressão global que suscita no utilizador informado deve ser diferente da suscitada por qualquer desenho ou modelo divulgado junto do público antes da data de depósito do pedido de registo ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade.

76

A impressão global evocada diz respeito a uma impressão global visual produzida pelas características visíveis do desenho ou modelo em causa. Esta constatação decorre do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 6/2002, que define «desenho ou modelo» como «a aparência da totalidade ou de uma parte de um produto resultante das suas características, nomeadamente, das linhas, contornos, cores, forma, textura e/ou materiais do próprio produto e/ou da sua ornamentação». Esta constatação decorre igualmente do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, que, em todas as versões linguísticas, se refere a uma impressão global, a qual, como o Tribunal Geral já afirmou, só pode ser visual [v. acórdão de 18 de março de 2010, Grupo Promer Mon Graphic/IHMI — PepsiCo (Representação de um suporte promocional circular), T‑9/07, EU:T:2010:96, n.o 50].

77

O artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 precisa que, na apreciação do caráter singular, deverá ser tido em consideração o grau de liberdade do criador na realização do desenho ou modelo.

78

Em conformidade com a jurisprudência, o caráter singular de um desenho ou modelo resulta de uma impressão global de diferença, ou de inexistência de «déjà vu», do ponto de vista do utilizador informado, relativamente ao património dos desenhos ou modelos existente, não tendo em conta diferenças que continuem a ser insuficientemente marcadas para afetar a referida impressão global, apesar de serem mais do que pormenores insignificantes, mas tendo em conta diferenças suficientemente marcadas para criar impressões globais distintas [acórdãos de 7 de novembro de 2013, Budziewska/IHMI — Puma (Felino a saltar), T‑666/11, não publicado, EU:T:2013:584, n.o 29, e de 29 de outubro de 2015, Roca Sanitario/IHMI — Villeroy & Boch (Torneira monocomando), T‑334/14, não publicado, EU:T:2015:817, n.o 16].

79

A comparação das impressões globais produzidas pelos desenhos ou modelos deve ser sintética e não se pode limitar à comparação analítica de uma enumeração de similitudes e diferenças. Essa comparação deve incidir apenas em elementos efetivamente protegidos, sem ter em conta as características excluídas da proteção (acórdão de 7 de novembro de 2013, Felino a saltar, T‑666/11, não publicado, EU:T:2013:584, n.o 30).

80

Na apreciação do caráter singular de um desenho ou modelo, há que ter igualmente em conta o ponto de vista do utilizador informado. Segundo a jurisprudência, o conceito de «utilizador informado» na aceção do artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002 não visa um fabricante nem um vendedor dos produtos nos quais os desenhos ou modelos em causa se destinam a ser incorporados ou aplicados. O utilizador informado é uma pessoa que está particularmente atenta e que dispõe de certos conhecimentos sobre a anterior área de conhecimento em causa, ou seja, sobre o acervo dos desenhos ou modelos relativos ao produto em causa que foram divulgados no momento do depósito do desenho ou modelo controvertido ou, sendo caso disso, no momento da prioridade reivindicada [acórdãos de 18 de março de 2010, Representação de um suporte promocional circular, T‑9/07, EU:T:2010:96, n.o 62, e de 29 de outubro de 2015, Torneira monocomando, T‑334/14, não publicado, EU:T:2015:817, n.os 18 e 23].

81

Quanto ao nível de atenção do utilizador informado, o juiz da União precisou que, não sendo este o consumidor médio normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, que apreende habitualmente um desenho ou modelo como um todo e não examina os seus diferentes detalhes, também não será o perito ou o homem do ramo, capaz de observar ao pormenor as diferenças mínimas que possam existir entre os modelos ou desenhos em conflito. Assim, o adjetivo «informado» sugere que, sem ser um criador ou um perito técnico, o utilizador conhece diferentes desenhos ou modelos existentes no setor em causa, dispõe de um certo grau de conhecimentos quanto aos elementos que estes desenhos ou modelos normalmente incluem e, devido ao seu interesse nos produtos em causa, demonstra um grau de atenção relativamente elevado quando os utiliza (acórdão de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic,C‑281/10 P, EU:C:2011:679, n.o 59).

82

É à luz destes princípios que importa apreciar a legalidade da decisão impugnada.

83

Em primeiro lugar, note‑se que, no n.o 25 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso definiu o utilizador informado como a pessoa que, na indústria de bebidas, é responsável pelo engarrafamento de bebidas e que se informa das ofertas pertinentes através de revistas especializadas e de catálogos e vai a feiras especializadas. As partes não contestaram esta definição de utilizador informado nem decorre dos autos que a mesma seja errada.

84

Em segundo lugar, a Câmara de Recurso considerou, no n.o 27 da decisão impugnada, que, quanto às latas de bebidas, o grau de liberdade do criador apenas estava limitado quanto à forma de base cilíndrica, que foi definida como um standard, e quanto à forma redonda da tampa e do fundo, que era imposta por essa forma de base. Além disso, constatou que da capacidade das latas, que normalmente não excedia os 500 ml e correspondia às quantidades normais utilizadas no comércio na venda de bebidas, resultavam limitações ao tamanho. No seu entender, não há outras limitações e a recorrente não expôs outras existentes. Concluiu, no n.o 27 da decisão impugnada, que a liberdade do criador era ilimitada quanto à configuração da forma de base cilíndrica, do gargalo da lata e do fundo da lata. Para corroborar esta conclusão, referiu‑se à reprodução de uma lata utilizada para a cerveja da marca Heineken submetida pela interveniente.

85

Estas considerações da Câmara de Recurso, que, aliás, não foram contestadas pelas partes, devem ser aprovadas.

86

Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso procedeu à comparação do desenho ou modelo controvertido com os desenhos ou modelos anteriores.

87

Neste contexto, no n.o 29 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso constatou, com razão, que o desenho ou modelo controvertido mostrava três latas de bebidas, sem texto impresso, a preto e branco e que não era possível determinar claramente, a partir da representação, se as latas tinham tampa. A Câmara de Recurso concluiu, com razão, que, visto que a comparação só se podia basear nas características divulgadas no desenho ou modelo controvertido, a configuração da tampa da lata não devia ser tomada em consideração na apreciação da impressão global.

88

No n.o 32 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso constatou, com razão, que os desenhos ou modelos comparados mostravam todos uma lata cilíndrica de paredes lisas, ligeiramente biselada tanto para o fundo como para a tampa, de forma que o diâmetro do fundo e do gargalo da lata era ligeiramente mais pequeno.

89

No n.o 33 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que as diferenças na conceção do gargalo e do fundo da lata invocadas pela recorrente eram, na melhor da hipóteses, insignificantes e impercetíveis a olho nu. No seu entender, mesmo que os desenhos ou modelos comparados apresentassem diferenças na conceção do perfil do fundo, estas eram desprovidas de consequências para a impressão global.

90

No n.o 34 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que as diferenças nas proporções das latas, que eram invocadas pela recorrente, não eram percetíveis e que a relação entre a altura e a largura era mais ou menos idêntica nos desenhos ou modelos comparados. No seu entender, mesmo que o utilizador informado visse diferenças nas proporções, estas não teriam consequências para a impressão global. Além disso, considerou que a representação em três tamanhos do desenho ou modelo controvertido não demonstrava a existência de uma diferença pertinente, dado que o utilizador informado conhecia a capacidade normal das latas de bebidas e não dava importância às respetivas diferenças de tamanhos na impressão global.

91

A Câmara de Recurso concluiu assim, no n.o 35 da decisão impugnada, que o desenho ou modelo controvertido era desprovido de caráter singular.

92

As apreciações e a conclusão em causa da Câmara de Recurso não padecem de erros. As mesmas não são, nomeadamente, postas em causa pelas duas acusações deduzidas pela recorrente.

93

Quanto à primeira acusação (v. n.o 73, supra), há que precisar, a título preliminar, que a comparação pertinente não é a efetuada entre as três latas, embora de tamanhos (a saber, com capacidades) diferentes, representadas no desenho ou modelo controvertido, mas sim a efetuada entre essas três latas e as latas representadas nos desenhos ou modelos anteriores. Além disso, recorde‑se que essa comparação é efetuada entre a impressão global produzida pelas três latas representadas no desenho ou modelo controvertido e a impressão global produzida pelas latas representadas nos desenhos ou modelos anteriores e não é efetuada entre características isoladas. Há ainda que constatar que nem as dimensões nem a capacidade concreta se deduzem da representação das latas que figuram no desenho ou modelo controvertido, como, aliás, nota a Câmara de Recurso, com razão, no n.o 37 da decisão impugnada.

94

Neste contexto, a primeira acusação da recorrente é inoperante, dado que, mesmo que a relação entre a altura e a largura não se revele mais ou menos idêntica nos desenhos ou modelos comparados, como afirmou a Câmara de Recurso no n.o 34 da decisão impugnada, essa circunstância não demonstra a existência de uma diferença na impressão global suscitada no utilizador informado. A própria Câmara de Recurso assinalou o caráter inoperante dessa argumentação, afirmando, no n.o 34 da decisão impugnada, que, mesmo que o utilizador informado visse diferenças nas proporções (a saber, nas relações entre a altura e a largura), as mesmas não teriam consequências na impressão global. Esta afirmação deve ser aprovada, tendo em conta, nomeadamente, as considerações da Câmara de Recurso, que não padecem de erros, constantes dos n.os 32 e 33 da decisão impugnada.

95

A segunda acusação da recorrente (v. n.o 74, supra) também deve ser rejeitada.

96

Com efeito, o n.o 34 da decisão impugnada, em que a Câmara de Recurso afirma que o utilizador informado conhece a capacidade normal das latas de bebidas e não dá importância às diferenças nos correspondentes tamanhos na impressão global, deve ser lido conjugadamente com o n.o 27 da referida decisão, em que a Câmara de Recurso afirma, o que não é contestado, que a capacidade das latas de bebidas, que determina a respetivo tamanho, não excede normalmente os 500 ml e corresponde às quantidades normais utilizadas no comércio na venda de bebidas. Por outro lado, recorde‑se que o critério determinante da apreciação do caráter singular do desenho ou modelo controvertido é a impressão global visual por ele suscitada no utilizador informado comparada com a impressão visual global no mesmo suscitada pelos desenhos ou modelos anteriores e que essa impressão global resulta de um conjunto de características do desenho ou modelo e não de uma característica isolada.

97

Neste contexto, tendo em conta as explicações da Câmara de Recurso constantes do n.o 27 da decisão impugnada, mas também as suas explicações constantes dos n.os 32 e 33 da referida decisão, a segunda acusação da recorrente deve ser rejeitada. Com efeito, embora o engarrafador, que, neste caso, é o utilizador informado, tenha em conta o tamanho, ou seja, a capacidade, de uma lata no exercício da sua atividade, essa tomada em consideração não influencia, no presente caso, a comparação das impressões globais produzidas pelos desenhos ou modelos comparados, tendo em conta que todas as latas têm características semelhantes, como decorre dos n.os 32 e 33 dessa decisão, e que a capacidade das latas (que influencia o respetivo tamanho) é, em certa medida, estandardizada, como decorre do n.o 27 da mesma decisão.

98

Para contestar as considerações da Câmara de Recurso constantes do n.o 34 da decisão impugnada, a recorrente baseia‑se essencialmente num artigo de revista especializada. É da opinião de que esse artigo mostra que, antes da introdução da «lata sleek» representada no desenho ou modelo controvertido, só existiam «latas standard» e «latas slim» e que, assim, essa introdução constituía uma inovação. O referido artigo demonstra também que o tamanho e a forma de uma lata têm particular importância para um utilizador informado.

99

O artigo em causa descreve a génese da lata «sleek» e evoca a diferença entre o diâmetro dessa lata e o das latas existentes no mercado, a saber, as latas «standard» e «slim». Não obstante, o referido artigo não põe em causa a consideração da Câmara de Recurso, que figura n.o 34 da decisão impugnada, segundo a qual o utilizador informado conhece a capacidade normal das latas de bebidas e não dá importância às diferenças nos correspondentes tamanhos na impressão global. Por outro lado, ainda que esse artigo acentue a diferença no diâmetro que caracteriza a lata «sleek» relativamente às latas «standard» e «slim», há que recordar o caráter inoperante da primeira acusação da recorrente, relativa às diferentes proporções das latas comparadas (v. n.o 94, supra). Com efeito, mesmo que as referidas latas tenham diâmetros diferentes, o que, aliás, não se deduz da aparência, esta circunstância não demonstra uma diferença na impressão global produzida no utilizador informado. Por último, ainda que a recorrente acentue, na sua argumentação, o caráter «sleek» das latas representadas no desenho ou modelo controvertido, esse caráter não pode ser deduzido da aparência dessas latas e corresponde mais a um conceito com um objetivo de marketing, como também decorre do artigo em questão. Daqui resulta que esse caráter «sleek» também não constitui uma característica suscetível de contribuir para a formação da impressão global no utilizador informado.

100

Com base nas considerações expostas, há que julgar improcedente a segunda parte do presente fundamento e, por conseguinte, o fundamento no seu todo. Consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

101

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e o EUIPO e a interveniente pedido a sua condenação, há que condená‑la nas despesas.

102

Além disso, a interveniente pediu que a recorrente fosse condenada nas despesas que efetuou no âmbito do processo na Divisão de Anulação e do processo na Câmara de Recurso. A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 190.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, as despesas indispensáveis efetuadas pelas partes para efeitos do processo na Câmara de Recurso são consideradas despesas recuperáveis. O mesmo não sucede, porém, com as despesas para efeitos do processo na Divisão de Anulação (v., neste sentido, acórdão de 25 de abril de 2013, Caixa de relógio de pulso, T‑80/10, não publicado, EU:T:2013:214, n.o 164). Consequentemente, o pedido da interveniente relativo às despesas que efetuou no âmbito do processo no EUIPO só pode ser acolhido no que respeita às despesas indispensáveis, efetuadas para efeitos do processo na Câmara de Recurso.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

 

1)

É admitida a substituição da Ball Europe GmbH pela Ball Beverage Packaging Europe Ltd como recorrente.

 

2)

É negado provimento ao recurso.

 

3)

A Ball Beverage Packaging Europe Ltd é condenada nas despesas, incluindo as despesas indispensáveis efetuadas pela Crown Hellas Can SA para efeitos do processo na Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO).

 

Kanninen

Buttigieg

Calvo‑Sotelo Ibáñez‑Martín

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de junho de 2017.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.