DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

8 de setembro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Diretiva 2005/29/CE — Proteção dos consumidores — Práticas comerciais desleais — Redução de preço — Marcação ou fixação do preço de referência»

No processo C‑13/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (França), por decisão de 9 de setembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de janeiro de 2015, no processo penal contra

Cdiscount SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por S. Rodin, presidente de secção, A. Borg Barthet (relator) e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por meio de despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra a Cdiscount SA (a seguir «Cdiscount»), por falta de indicação do preço de referência nas vendas a preço reduzido efetuadas pela Cdiscount num sítio de venda eletrónica.

Enquadramento jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 6, 8 e 17 da diretiva relativa às práticas comerciais desleais estabelecem o seguinte:

«(6)

[…] a presente diretiva aproxima as legislações dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam diretamente os interesses económicos dos consumidores e consequentemente prejudicam indiretamente os interesses económicos de concorrentes legítimos. […] Não abrange nem afeta as legislações nacionais relativas às práticas comerciais desleais que apenas prejudiquem os interesses económicos dos concorrentes ou que digam respeito a uma transação entre profissionais; na plena observância do princípio da subsidiariedade, os Estados‑Membros continuarão a poder regulamentar tais práticas, em conformidade com a legislação comunitária, se assim o desejarem. [...]

[...]

(8)

A presente diretiva protege diretamente os interesses económicos dos consumidores das práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores. [...]

[...]

(17)

É desejável que essas práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias sejam identificadas por forma a proporcionar segurança jurídica acrescida. Por conseguinte, o anexo I contém uma lista exaustiva dessas práticas. Estas são as únicas práticas comerciais que podem ser consideradas desleais sem recurso a uma avaliação casuística nos termos dos artigos 5.° a 9.° A lista só poderá ser alterada mediante revisão da presente diretiva.»

4

O artigo 1.o desta diretiva dispõe que:

«A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva prevê que:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

[...]

d)

‘Práticas comerciais das empresas face aos consumidores’ (a seguir designadas também por ‘práticas comerciais’): qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores;

[...]»

6

O artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.»

7

Nos termos do artigo 4.o da diretiva relativa às práticas comerciais desleais:

«Os Estados‑Membros não podem restringir a livre prestação de serviços nem a livre circulação de mercadorias por razões ligadas ao domínio que é objeto de aproximação por força da presente diretiva.»

8

O artigo 5.o desta diretiva, sob a epígrafe «Proibição de práticas comerciais desleais», tem a seguinte redação:

«1.   São proibidas as práticas comerciais desleais.

2.   Uma prática comercial é desleal se:

a)

For contrária às exigências relativas à diligência profissional,

e

b)

Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.

[...]

4.   Em especial, são desleais as práticas comerciais:

a)

Enganosas, tal como definido nos artigos 6.° e 7.°,

ou

b)

Agressivas, tal como definido nos artigos 8.° e 9.°

5.   O anexo I inclui a lista das práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias. A lista é aplicável em todos os Estados‑Membros e só pode ser alterada mediante revisão da presente diretiva.»

9

O artigo 6.o da diretiva relativa às práticas comerciais desleais prevê que:

«É considerada enganosa uma prática comercial se contiver informações falsas, sendo inverídicas ou que por qualquer forma, incluindo a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor médio, mesmo que a informação seja factualmente correta, em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo:

[...]

d)

O preço ou a forma de cálculo do preço, ou a existência de uma vantagem específica relativamente ao preço;

[...]»

Direito francês

10

Nos termos do artigo L. 113‑3 do Código do Consumo, na sua versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Código do Consumo»), «qualquer vendedor de um produto ou qualquer prestador de serviços deve, por marcação, etiquetagem, colocação de anúncios ou através de qualquer outro procedimento apropriado, informar o consumidor sobre os preços, as limitações eventuais à responsabilidade contratual e as condições específicas da venda, de acordo com as modalidades fixadas pelas portarias do Ministro da Economia».

11

O artigo R. 113‑1 deste código dispõe que:

«São punidos com a pena de coima prevista para as infrações da quinta classe, a venda de bens ou produtos, ou a prestação de serviços a preços fixados que violam os decretos adotados em execução do artigo 1.o do despacho n.o 86‑1243 de 1 de dezembro de 1986 reproduzido no artigo L. 113‑1, ou as portarias com o mesmo objeto adotadas em execução do despacho n.o 45‑1483 de 30 de junho de 1945 e mantidos em vigor a título transitório pelo artigo 61.o do despacho de 1 de dezembro de 1986 acima referido, que figura em anexo ao presente código.

As mesmas penas são aplicáveis em caso de infração às portarias previstas no artigo L. 113‑3 que fixam as modalidades de informação do consumidor sobre os preços e condições específicas de venda, assim como às portarias que têm o mesmo objeto adotadas em execução do despacho n.o 45‑1483 de 30 de junho de 1945.

Em caso de reincidência, são aplicáveis as penas de coima previstas para a reincidência das infrações da quinta classe.»

12

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Portaria de 31 de dezembro de 2008, relativa aos anúncios de redução de preço que visam o consumidor (JORF de 13 de janeiro de 2009, p. 689, a seguir «Portaria de 31 de dezembro de 2008»), adotada em execução do artigo L. 113‑3 do Código do Consumo, quando uma publicidade dirigida ao consumidor, que contém um anúncio de redução de preço, «é efetuada nos locais de venda ou nos sítios eletrónicos comerciais, a etiquetagem, a marcação ou a fixação dos preços realizadas em conformidade com as disposições em vigor devem revelar, além do preço reduzido anunciado, o preço de referência definido no artigo 2.o».

13

O artigo 2.o da referida portaria prevê que:

«1.   O preço de referência visado pela presente portaria não pode exceder o preço mais baixo efetivamente praticado pelo anunciante para um artigo ou uma prestação semelhante, no mesmo estabelecimento de venda a retalho ou sítio de venda à distância, durante os trinta dias que antecedem o início da publicidade. O preço de referência assim definido pode ser mantido em caso de reduções de preço anunciadas sucessivamente durante a mesma operação comercial, durante um mês a partir do primeiro anúncio de preço, ou durante o mesmo período de saldos ou de liquidação.

O anunciante deve poder justificar, a pedido dos agentes referidos no artigo L. 450‑1 do Código Comercial, através de notas, recibos, notas de encomenda, talões de caixa ou qualquer outro documento, todos os preços que efetivamente praticou durante este período.

2.   O anunciante pode igualmente utilizar como preço de referência o preço recomendado pelo fabricante ou pelo importador do produto ou o preço máximo resultante de uma disposição da regulamentação económica.

Neste caso, deve poder justificar, junto dos agentes referidos no artigo L. 450‑1 do Código Comercial, a efetividade destas referências e o facto de estes preços serem habitualmente praticados pelos outros distribuidores do mesmo produto.

3.   Quando um artigo semelhante não foi previamente vendido no mesmo estabelecimento de venda a retalho ou no mesmo sítio de venda à distância, e quando este artigo já não é objeto de um preço recomendado pelo fabricante ou pelo importador, os anúncios das reduções de preço visadas no artigo 1.o podem ser calculados com referência ao último preço recomendado, mas nunca a um preço anunciado há mais de três anos do início da publicidade.

Neste caso, o anúncio de redução de preço deve conter, ao lado do preço de referência, a menção «preço recomendado» acompanhado do ano a que este preço respeita.

A pedido dos agentes referidos no artigo L. 450‑1 do Código Comercial, o anunciante deve poder justificar a efetividade deste preço recomendado e o facto de ter sido praticado.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

14

Conforme resulta da decisão de reenvio, em 16 de outubro de 2009, os serviços da direction départamentale de la protection des populations da Gironde levantaram um auto de contraordenação nos termos do qual identificaram várias infrações às disposições da Portaria de 31 de dezembro de 2008.

15

Com efeito, os referidos serviços constataram que a Cdiscount, que explora um sítio de venda eletrónica, não indicou, no âmbito das propostas de compra a preços reduzidos, os preços de referência antes da redução ou os preços recomendados pelo produtor antes da redução. Ora, a falta de fixação ou de marcação do preço de referência no anúncio de preços reduzidos pelos comerciantes constitui uma infração às disposições desta portaria e do artigo L. 113‑3 do Código do Consumo, que é punida penalmente.

16

A Cdiscount foi citada no tribunal de police de Bordeaux, que, em primeira instância, não acolheu a sua argumentação relativa à desconformidade da Portaria de 31 de dezembro de 2008 com as disposições da diretiva relativa às práticas comerciais desleais e declarou a arguida culpada dos factos que lhe foram imputados.

17

A Cdiscount recorreu desta sentença na cour d’appel de Bordeaux, que confirmou esta decisão, por acórdão de 5 de julho de 2013, com fundamento no facto de que a marcação ou a fixação do preço de referência não são, por si só, uma prática comercial, mas constituem uma modalidade de execução da prática comercial de anúncio de redução de preço. Por conseguinte, esta marcação ou esta fixação não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida diretiva.

18

Tendo sido confirmada em segunda instância a condenação da Cdiscount, esta interpôs recurso.

19

O órgão jurisdicional de reenvio observa, por um lado, que a proibição imposta pelas disposições nacionais em causa é aplicável em quaisquer circunstâncias e, por outro, que a diretiva relativa às práticas comerciais desleais estabelece uma lista limitativa de práticas desleais em quaisquer circunstâncias e prevê, nos seus artigos 5.° a 9.°, que, excetuando estas práticas, uma prática comercial só pode ser considerada desleal depois de efetuada uma avaliação casuística.

20

Considerando que a resolução do processo principal depende da interpretação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições dos artigos 5.° a 9.° da [diretiva relativa às práticas comerciais desleais], opõem‑se à proibição, em todas as circunstâncias, independentemente do seu eventual impacto na decisão do consumidor médio, das reduções de preços que não sejam calculadas em relação a um preço de referência fixado por via regulamentar?»

Quanto à questão prejudicial

21

Nos termos do artigo 99.o do seu Regulamento de Processo, quando a resposta a uma questão prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

22

No presente processo deve aplicar‑se este artigo.

23

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a diretiva relativa às práticas comerciais desleais deve ser interpretada no sentido de que se opõe a disposições nacionais, como as que estão em causa no processo principal, que preveem um proibição geral dos anúncios de redução de preço que não revelam o preço de referência na marcação ou na fixação dos preços.

24

Para responder a esta questão, importa determinar, a título preliminar, se os artigos 1.°, n.o 2, e 2.° da Portaria de 31 de dezembro de 2008, aplicáveis aos factos do processo principal, prosseguem finalidades relacionadas com a proteção dos consumidores, suscetíveis de serem abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais.

25

Com efeito, em conformidade com o seu considerando 8, a referida diretiva «protege diretamente os interesses económicos dos consumidores das práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores» e garante, como estabelece, nomeadamente, o seu artigo 1.o, «um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores» (despacho INNO, C‑126/11, EU:C:2011:851, n.o 27 e jurisprudência referida).

26

Em contrapartida, são excluídos do âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, em conformidade com o considerando 6 desta, as legislações nacionais relativas às práticas comerciais desleais que «apenas» prejudiquem os interesses económicos dos concorrentes ou que digam respeito a uma transação entre profissionais (despacho INNO, C‑126/11, EU:C:2011:851, n.o 28 e jurisprudência referida).

27

A este respeito, importa observar que o órgão jurisdicional de reenvio não se pronuncia com clareza sobre as finalidades da Portaria de 31 de dezembro de 2008.

28

Ora, deve recordar‑se que não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se, no âmbito de um reenvio prejudicial, sobre a interpretação do direito interno, uma vez que essa missão incumbe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, incumbe ao Tribunal de Justiça ter em conta, no âmbito da repartição de competências entre as jurisdições da União e nacionais, o contexto factual e regulamentar no qual se inserem as questões prejudiciais, conforme definido na decisão de reenvio (despachos Koukou, C‑519/08, EU:C:2009:269, n.o 43 e jurisprudência referida, assim como Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 27).

29

Assim, compete ao órgão jurisdicional de reenvio e não ao Tribunal de Justiça estabelecer se as disposições nacionais em causa no processo principal, ou seja, os artigos 1.°, n.o 2, e 2.° da Portaria de 31 de dezembro de 2008, prosseguem efetivamente finalidades respeitantes à proteção dos consumidores a fim de verificar se tais disposições podem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva relativa às práticas comerciais desleais (despacho Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 28).

30

Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio chegar a tal conclusão, importa ainda determinar se os anúncios de redução de preços que não revelam o preço de referência na marcação ou na fixação dos preços, objeto da proibição em causa no processo principal, constituem práticas comerciais na aceção do artigo 2.o, alínea d), da diretiva relativa às práticas comerciais desleais, estando, assim sujeita às disposições previstas nesta última (v., neste sentido, despacho Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 29).

31

A este respeito, há que observar que o artigo 2.o, alínea d), da diretiva relativa às práticas comerciais desleais define, utilizando uma formulação particularmente ampla, o conceito de «prática comercial» como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores» (despacho Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 30 e jurisprudência referida).

32

Ora, reduções de preços, como as que estão em causa no processo principal, que têm por objetivo incentivar os consumidores a comprar produtos num sítio de venda eletrónica, inscrevem‑se claramente no quadro da estratégia comercial de um operador e visam diretamente a promoção e o escoamento das suas vendas. Daqui resulta que estas reduções constituem práticas comerciais na aceção do artigo 2.o, alínea d), da diretiva relativa às práticas comerciais desleais e, por consequência, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação material desta (v., neste sentido, despacho Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 31).

33

Dito isto, há que verificar se a diretiva relativa às práticas comerciais desleais se opõe a uma proibição dos anúncios de redução de preços que não revelam o preço de referência na marcação ou na fixação dos preços, como a prevista nos artigos 1.°, n.o 2, e 2.° da Portaria de 31 de dezembro de 2008.

34

A este respeito, há que recordar, antes de mais, que, uma vez que a diretiva relativa às práticas comerciais desleais procede a uma harmonização completa das regras em matéria de práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, os Estados‑Membros, como prevê expressamente o artigo 4.o da diretiva, não podem adotar medidas mais restritivas do que as definidas pela referida diretiva, mesmo com a finalidade de assegurar um grau mais elevado de proteção dos consumidores (despacho Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 33 e jurisprudência referida).

35

Em seguida, deve igualmente observar‑se que o artigo 5.o da mesma diretiva estabelece os critérios que permitem determinar as circunstâncias em que uma prática comercial deve ser considerada desleal e, por conseguinte, proibida.

36

Assim, em conformidade com o disposto no n.o 2 desse artigo, uma prática comercial é desleal se for contrária às exigências relativas à diligência profissional e distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor médio em relação a um produto.

37

Além disso, o artigo 5.o, n.o 4, da diretiva relativa às práticas comerciais desleais define duas categorias precisas de práticas comerciais desleais, isto é, as «práticas enganosas» e as «práticas agressivas», correspondentes aos critérios especificados, respetivamente, nos artigos 6.° e 7.° assim como nos artigos 8.° e 9.° dessa diretiva.

38

Por último, a mesma diretiva estabelece, no seu anexo I, uma lista exaustiva de 31 práticas comerciais que, em conformidade com o disposto no artigo 5.o, n.o 5, desta diretiva, são consideradas desleais «em quaisquer circunstâncias». Por conseguinte, como precisa expressamente o considerando 17 da referida diretiva, apenas essas práticas comerciais são suscetíveis de ser consideradas desleais sem serem objeto de uma avaliação casuística ao abrigo das disposições dos artigos 5.° a 9.° da diretiva relativa às práticas comerciais desleais (despacho Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 37 e jurisprudência referida).

39

Relativamente às disposições nacionais em causa no processo principal, é pacífico que as práticas que consistem em anunciar reduções de preços aos consumidores que não revelam o preço de referência na marcação ou na fixação dos preços não figuram no anexo I da diretiva relativa às práticas comerciais desleais. Por conseguinte, não podem ser proibidas em quaisquer circunstâncias, mas apenas na sequência de uma análise específica que permita demonstrar o seu caráter desleal (v., neste sentido, despacho Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 38).

40

Contudo, há que reconhecer que os artigos 1.°, n.o 2, e 2.° da Portaria de 31 de dezembro de 2008 proíbem, de uma maneira geral, os anúncios de redução de preço que não revelam o preço de referência na marcação ou na fixação dos preços, sem que seja necessário determinar, tendo em conta o contexto factual de cada caso concreto, se a operação comercial em causa tem caráter «desleal» à luz dos critérios enunciados nos artigos 5.° a 9.° da diretiva relativa às práticas comerciais desleais (v., neste sentido, despacho Wamo, C‑288/10, EU:C:2011:443, n.o 39 e jurisprudência referida).

41

Nestas condições, há que responder à questão submetida que a diretiva relativa às práticas comerciais desleais deve ser interpretada no sentido de que se opõe a disposições nacionais, como as que estão em causa no processo principal, que preveem uma proibição geral, sem avaliação casuística que permita estabelecer o caráter desleal dos anúncios de redução de preços que não revelam o preço de referência na marcação ou na fixação dos preços, na medida em que estas disposições prosseguem finalidades relacionadas com a proteção dos consumidores. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se é esse o caso no processo principal.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva relativa às práticas comerciais desleais»), deve ser interpretada no sentido de que se opõe a disposições nacionais, como as que estão em causa no processo principal, que preveem uma proibição geral, sem avaliação casuística que permita estabelecer o caráter desleal dos anúncios de redução de preços que não revelam o preço de referência na marcação ou na fixação dos preços, na medida em que estas disposições prosseguem finalidades relacionadas com a proteção dos consumidores. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se é esse o caso no processo principal.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.