ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

14 de novembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política agrícola comum — Artigo 42.o TFUE — Regulamento (CE) n.o 2200/96 — Regulamento (CE) n.o 1182/2007 — Regulamento (CE) n.o 1234/2007 — Práticas anticoncorrenciais — Artigo 101.o TFUE — Regulamento n.o 26 — Regulamento (CE) n.o 1184/2006 — Organizações de produtores — Associações de organizações de produtores — Missões dessas organizações e associações — Prática de fixação de preços mínimos de venda — Prática de concertação sobre as quantidades colocadas no mercado — Prática de troca de informações estratégicas — Mercado francês das endívias»

No processo C‑671/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por decisão de 8 de dezembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2015, no processo

Président de l’Autorité de la concurrence

contra

Association des producteurs vendeurs d’endives (APVE),

Comité économique régional agricole fruits et légumes de Bretagne (Cerafel),

Fraileg SARL,

Prim’Santerre SARL,

Union des endiviers, anteriormente Fédération nationale des producteurs d’endives (FNPE),

Soleil du Nord SARL,

Comité économique fruits et légumes du Nord de la France (Celfnord),

Association des producteurs d’endives de France (APEF),

Section nationale de l’endive (SNE),

Fédération du commerce de l’endive (FCE),

France endives société coopérative agricole,

Cambrésis Artois‑Picardie endives (CAP’Endives) société coopérative agricole,

Marché de Phalempin société coopérative agricole,

Primacoop société coopérative agricole,

Coopérative agricole du marais audomarois (Sipema),

Valois‑Fruits union de sociétés coopératives agricoles,

Groupe Perle du Nord SAS,

Ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, L. Bay Larsen, T. von Danwitz e J. Malenovský, presidentes de secção, E. Juhász, A. Borg Barthet, J.‑C. Bonichot, D. Šváby (relator), F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 31 de janeiro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação do président de l’Autorité de la concurrence, por H. Génin, S. Subrémon Lukasiewicz e I. de Silva, na qualidade de agentes, assistidos por J.‑P. Duhamel, avocat,

em representação do Comité économique régional agricole fruits et légumes de Bretagne (Cerafel), do Comité économique fruits et légumes du Nord de la France (Celfnord), da Association des producteurs d’endives de France (APEF), da Section nationale de l’endive (SNE) e da Fédération du commerce de l’endive (FCE), por H. Calvet, P. Morrier, Y. Chevalier e A. Bouviala, avocats,

em representação da Fraileg SARL e da Prim’Santerre SARL, por J.‑L. Fourgoux e L. Djavadi, avocats,

em representação da France endives société coopérative agricole, da Cambrésis Artois‑Picardie endives (CAP’Endives) société coopérative agricole, da Marché de Phalempin société coopérative agricole, da Primacoop société coopérative agricole, da Coopérative agricole du marais audomarois (Sipema) e da Groupe Perle du Nord SAS, por B. Néouze, V. Ledoux e S. Pasquesoone, avocats,

em representação do Governo francês, por G. de Bergues, D. Colas, S. Horrenberger, C. David e J. Bousin, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por X. Lewis, A. Bouquet e B. Mongin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de abril de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 2.o do Regulamento n.o 26 do Conselho, de 4 de abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (JO 1962, 30, p. 993; EE 08 F1 p. 29), do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 2200/96 do Conselho, de 28 de outubro de 1996, que estabelece a organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas (JO 1996, L 297, p. 1), do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1184/2006 do Conselho, de 24 de julho de 2006, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de certos produtos agrícolas (JO 2006, L 214, p. 7), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, de 22 de outubro de 2007 (JO 2007, L 299, p. 1, e retificação no JO 2008, L 155, p. 28) (a seguir «Regulamento n.o 1184/2006»), do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1182/2007 do Conselho, de 26 de setembro de 2007, que estabelece regras específicas aplicáveis ao setor das frutas e produtos hortícolas, que altera as Diretivas 2001/112/CE e 2001/113/CE e os Regulamentos (CEE) n.o 827/68, (CE) n.o 2200/96, (CE) n.o 2201/96, (CE) n.o 2826/2000, (CE) n.o 1782/2003 e (CE) n.o 318/2006 e revoga o Regulamento (CE) n.o 2202/96 (JO 2007, L 273, p. 1), bem como com do artigo 122.o, primeiro parágrafo, e do artigo 176.o do Regulamento n.o 1234/2007, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 491/2009 do Conselho, de 25 de maio de 2009 (JO 2009, L 154, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1234/2007»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o président de l’Autorité de la concurrence (presidente da Autoridade da Concorrência, França) à Association des producteurs vendeurs d’endives (APVE), ao Comité économique régional agricole fruits et légumes de Bretagne (Cerafel), à Fraileg SARL, à Prim’Santerre SARL, à Union des endiviers, anteriormente Fédération nationale des producteurs d’endives (FNPE), à Soleil du Nord SARL, ao Comité économique fruits et légumes du Nord de la France (Celfnord), à Association des producteurs d’endives de France (APEF), à Section nationale de l’endive (SNE), à Fédération du commerce de l’endive (FCE), à France endives société coopérative agricole, à Cambrésis Artois‑Picardie endives (CAP’Endives) société coopérative agricole, à Marché de Phalempin société coopérative agricole, à Primacoop société coopérative agricole, à Coopérative agricole du marais audomarois (Sipema), à Valois‑Fruits union de sociétés coopératives agricoles e à Groupe Perle du Nord SAS, bem como ao ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique (Ministro da Economia, da Indústria e do Setor Digital, França), a propósito da decisão de 6 de março de 2012, pela qual a Autorité de la concurrence (Autoridade da Concorrência), com base, nomeadamente, no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, declarou a existência e puniu financeiramente um cartel complexo e continuado no mercado francês das endívias (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

As disposições de direito derivado relativas à organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas aplicáveis aos factos no processo principal constam do Regulamento n.o 2200/96, aplicável até 31 de dezembro de 2007, do Regulamento n.o 1182/2007, revogado pelo Regulamento (CE) n.o 361/2008 do Conselho, de 14 de abril de 2008, que altera o Regulamento n.o 1234/2007 (JO 2008, L 121, p. 1), bem como do Regulamento n.o 1234/2007. Este último foi revogado, com efeitos a 1 de janeiro de 2014, pelo Regulamento (UE) n.o 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 922/72, (CEE) n.o 234/79, (CE) n.o 1037/2001 e (CE) n.o 1234/2007 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 671), que porém não é aplicável aos factos no processo principal.

4

As disposições de direito derivado que regem a aplicação das regras de concorrência da União Europeia à produção e ao comércio de produtos agrícolas do setor das frutas e produtos hortícolas foram adotadas pelo legislador da União no âmbito do Regulamento n.o 26, a que sucederam o Regulamento n.o 1184/2006 e os artigos 175.o a 182.o do Regulamento n.o 1234/2007.

Regulamento n.o 26

5

O artigo 1.o do Regulamento n.o 26 dispõe:

«A partir da entrada em vigor do presente regulamento, os artigos [101.o a 106.o TFUE], bem como as disposições tomadas em sua execução, aplicam‑se a todos os acordos, decisões e práticas referidos no n.o 1 do artigo [101.o] e no artigo [102.o TFUE] relativos à produção ou ao comércio dos produtos enumerados no anexo II do Tratado, sem prejuízo do disposto no artigo 2.o»

6

O artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento tem a seguinte redação:

«O disposto no n.o 1 do artigo [101.o TFUE] é inaplicável aos acordos, decisões e práticas referidos no artigo anterior que façam parte integrante de uma organização nacional de mercado ou que sejam necessários à realização dos objetivos enunciados no artigo [39.o TFUE]. Não se aplica em especial aos acordos, decisões e práticas dos agricultores, de associações de agricultores ou de associações destas associações pertencentes a um único Estado‑Membro, na medida em que, sem incluir a obrigação de praticar um determinado preço, digam respeito à produção ou à venda de produtos agrícolas ou à utilização de instalações comuns de armazenagem, de tratamento ou de transformação de produtos agrícolas, a menos que a Comissão verifique que, deste modo, a concorrência é excluída ou que os objetivos do artigo [39.o TFUE] são postos em perigo.»

Regulamento n.o 2200/96

7

Os considerandos 7 e 16 do Regulamento n.o 2200/96 enunciam:

«(7)

Considerando que as organizações de produtores representam os elementos de base da organização comum de mercado, cujo funcionamento descentralizado asseguram ao seu nível; que, perante uma procura cada vez mais concentrada, o agrupamento da oferta no seio de tais organizações surge mais do que nunca como uma necessidade económica para reforçar a posição dos produtores no mercado; que esse agrupamento deve realizar‑se numa base voluntária e útil, graças à amplitude e eficácia dos serviços que uma organização de produtores pode prestar aos seus associados; que não se trata de pôr em causa a entrega de produtos a organizações de produtores existentes antes da entrada em vigor do presente regulamento;

[…]

(16)

Considerando que, com vista à estabilização das cotações, é desejável que as organizações de produtores possam intervir no mercado, especialmente decidindo não pôr à venda determinadas quantidades de produtos em determinados períodos; que essas operações de retirada não podem ser consideradas um escoamento de substituição ao mercado; que, por conseguinte, o seu financiamento comunitário só deve, por um lado, ser assegurado em relação a uma determinada percentagem da produção e deve, por outro, limitar‑se a uma indemnização comunitária reduzida, sem prejuízo da utilização dos fundos operacionais para o efeito; que, por uma questão de simplificação, se justifica optar por uma indemnização comunitária única e linear para cada produto; que, para alcançar uma diminuição comparável em amplitude para o conjunto dos produtos, se revelam necessárias certas diferenciações.»

8

O artigo 11.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por “organização de produtores” qualquer pessoa coletiva:

a)

Constituída por iniciativa dos produtores das seguintes categorias de produtos referidos no n.o 2 do artigo 1.o:

[…]

iii)

produtos hortícolas;

[…]

b)

Que tenha, designadamente, por finalidade:

1)

assegurar a programação da produção e a adaptação à procura, nomeadamente em quantidade e em qualidade,

2)

promover a concentração da oferta e a colocação no mercado da produção dos associados,

3)

reduzir os custos de produção e regularizar os preços na produção,

4)

promover práticas de cultivo e técnicas de produção e de gestão dos resíduos respeitadoras do ambiente, nomeadamente para proteger a qualidade das águas, do solo e da paisagem e para preservar e/ou fomentar a biodiversidade;

[…]»

9

Sob o título «Regime de intervenções», o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2200/96 prevê que «[as] organizações de produtores ou suas associações podem não pôr à venda, nas quantidades e durante os períodos que considerarem oportunos, produtos por elas determinados de entre os referidos no n.o 2 do artigo 1.o entregues pelos associados».

Regulamento n.o 1184/2006

10

O artigo 1.o‑A do Regulamento n.o 1184/2006 dispõe:

«Os artigos [101.o a 106.o TFUE], bem como as disposições tomadas em sua execução, aplicam‑se, sob reserva do artigo 2.o do presente regulamento, a todos os acordos, decisões e práticas concertadas a que se refere o n.o 1 do artigo [101.o] e no artigo [102.o TFUE] relativos à produção ou ao comércio dos produtos a que se refere o artigo 1.o»

11

O artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento tem a seguinte redação:

«O disposto no n.o 1 do artigo [101.o TFUE] não se aplica aos acordos, decisões e práticas a que se refere o artigo 1.o‑A do presente regulamento que façam parte integrante de uma organização nacional de mercado ou que sejam necessários à realização dos objetivos enunciados no artigo [39.o TFUE].

[…]»

Regulamento n.o 1182/2007

12

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1182/2007 dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por “organização de produtores” qualquer pessoa coletiva ou parte claramente definida de uma pessoa coletiva que satisfaça os seguintes requisitos:

a)

Ser constituída por iniciativa de agricultores, na aceção da alínea a) do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1782/2003, que cultivem um ou mais dos produtos enumerados na lista do n.o 2 do artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 2200/96 e/ou dos produtos dessa lista destinados exclusivamente a transformação;

b)

Ter por objetivo o recurso a práticas de cultivo, técnicas de produção e práticas de gestão dos resíduos respeitadoras do ambiente, nomeadamente para proteger a qualidade das águas, do solo e da paisagem e para preservar ou fomentar a biodiversidade;

c)

Ter um ou mais dos seguintes objetivos:

i)

Assegurar a programação da produção e a adaptação desta à procura, nomeadamente em termos de qualidade e de quantidade,

ii)

Concentrar a oferta e colocar no mercado a produção dos membros,

iii)

Otimizar os custos de produção e estabilizar os preços na produção;

d)

Possuir estatutos que prevejam os requisitos específicos definidos no n.o 2; e

e)

Ter sido reconhecida pelo Estado‑Membro em causa, em conformidade com o artigo 4.o»

Regulamento n.o 1234/2007

13

O artigo 103.o‑C, n.o 1, do Regulamento n.o 1234/2007 prevê que os programas operacionais no setor das frutas e produtos hortícolas têm dois ou mais dos objetivos referidos na alínea c), primeiro parágrafo, do artigo 122.o deste regulamento ou dos objetivos enumerados nesse artigo 103.o‑C, designadamente o da prevenção e gestão de crises.

14

O referido artigo 103.o‑C, n.o 2, alínea a), precisa que a prevenção e gestão de crises consiste em evitar e resolver as crises nos mercados das frutas e produtos hortícolas e abrange, neste contexto, designadamente, as retiradas do mercado.

15

O artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007 dispõe:

«Os Estados‑Membros reconhecem as organizações de produtores que:

a)

Sejam compostas por produtores de um dos seguintes setores:

[…]

iii)

frutas e produtos hortícolas, no caso dos agricultores que cultivem um ou mais dos produtos desse setor e/ou desses produtos destinados exclusivamente à transformação;

[…]

b)

Sejam constituídas por iniciativa dos produtores;

c)

Persigam um objetivo específico que pode, em especial, ou deve, no caso do setor das frutas e produtos hortícolas, incluir um ou mais dos seguintes objetivos:

i)

assegurar a programação da produção e a adaptação desta à procura, nomeadamente em termos de qualidade e de quantidade,

ii)

concentrar a oferta e colocar no mercado a produção dos membros,

iii)

otimizar os custos de produção e estabilizar os preços na produção.»

16

O artigo 123.o, n.os 1 e 3, deste regulamento enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros reconhecem organizações interprofissionais que:

a)

Congreguem representantes das atividades económicas ligadas à produção, ao comércio e/ou à transformação de produtos dos seguintes setores:

i)

setor do azeite e da azeitona de mesa;

ii)

setor do tabaco;

b)

Sejam constituídas por iniciativa de todas ou algumas das organizações ou associações que as compõem;

c)

Prossigam um objetivo específico, que pode, designadamente, dizer respeito:

i)

à concentração e coordenação da oferta e comercialização dos produtos dos membros,

ii)

à adaptação conjunta da produção e da transformação aos requisitos do mercado e ao melhoramento dos produtos,

iii)

à promoção da racionalização e melhoramento da produção e da transformação,

iv)

à investigação nas áreas dos métodos de produção sustentáveis e da evolução do mercado.

[…]

3.   Para além do disposto no n.o 1, os Estados‑Membros reconhecem, no caso do setor das frutas e produtos hortícolas, e podem reconhecer, no caso do setor vitivinícola, também as organizações interprofissionais que:

[…]

c)

Realizem, numa ou mais regiões da Comunidade, uma ou mais e, no caso do setor das frutas e produtos hortícolas, duas ou mais, das atividades a seguir enunciadas, tendo em conta os interesses dos consumidores e, sem prejuízo de outros setores, no setor vitivinícola, tendo em conta a saúde pública e os interesses dos consumidores:

i)

melhoramento do conhecimento e da transparência da produção e do mercado,

ii)

contribuição para uma melhor coordenação da colocação no mercado dos produtos do setor das frutas e produtos hortícolas e do setor vitivinícola, nomeadamente através de pesquisas e de estudos de mercado,

iii)

elaboração de contratos‑tipo compatíveis com as regras comunitárias,

iv)

maior valorização do potencial das frutas e dos produtos hortícolas produzidos e do potencial de produção no setor vitivinícola,

v)

informação e realização das pesquisas necessárias à orientação da produção para produtos mais adaptados às exigências do mercado e ao gosto e expectativas dos consumidores, nomeadamente no tocante à qualidade dos produtos e à proteção do ambiente,

vi)

procura de métodos que permitam limitar a utilização de produtos fitossanitários e de outros fatores de produção e garantir a qualidade dos produtos e a preservação dos solos e das águas,

vii)

desenvolvimento de métodos e instrumentos que permitam melhorar a qualidade dos produtos em todos os estádios da produção, da comercialização e, no caso do setor vitivinícola, igualmente da vinificação,

viii)

valorização do potencial e proteção da agricultura biológica e das denominações de origem, marcas de qualidade e indicações geográficas;

ix)

promoção da produção integrada ou de outros métodos de produção respeitadores do ambiente,

x)

definição, no caso do setor das frutas e produtos hortícolas e no respeitante às regras de produção e de comercialização referidas nos pontos 2 e 3 do Anexo XVI‑A, de regras mais estritas do que as regras comunitárias ou nacionais,

[…]»

17

O artigo 125.o‑A, n.os 1 e 2, do referido regulamento prevê:

«1.   Os estatutos das organizações de produtores do setor das frutas e produtos hortícolas devem obrigar os produtores membros, nomeadamente, a:

[…]

c)

Comercializar através da organização de produtores a totalidade da sua produção em causa;

[…]

2.   Não obstante a alínea c) do n.o 1, se a organização de produtores o autorizar e desde que sejam respeitados os termos e condições por ela definidos, os produtores membros podem:

a)

Vender ao consumidor, para utilização pessoal, diretamente nas suas explorações e/ou fora delas, uma parte da sua produção e/ou dos seus produtos não superior a uma percentagem estabelecida pelos Estados‑Membros que não pode ser inferior a 10%;

b)

Comercializar, eles próprios ou por intermédio de outra organização de produtores designada pela sua própria organização, quantidades de produtos que representem um volume marginal em relação ao volume de produção comercializável por esta última organização;

c)

Comercializar, eles próprios ou por intermédio de outra organização de produtores designada pela sua própria organização, produtos que, pelas suas características, não sejam normalmente abrangidos pelas atividades comerciais da organização de produtores em causa.»

18

O artigo 125.o‑B, n.o 1, alíneas c) e g), do Regulamento n.o 1234/2007 prevê que os Estados‑Membros devem reconhecer como organizações de produtores (a seguir «OP») do setor das frutas e produtos hortícolas todas as pessoas coletivas ou partes claramente definidas de pessoas coletivas que o solicitem, desde que estas, designadamente, ofereçam garantias suficientes de que são capazes de desenvolver as suas atividades adequadamente, quer ao nível da duração quer em termos de eficácia e de concentração da oferta e que não detenham uma posição dominante num determinado mercado, a não ser que seja necessária para a prossecução dos objetivos previstos no artigo 39.o TFUE.

19

O artigo 125.o‑C do referido regulamento enuncia:

«As associações de [OP] do setor das frutas e produtos hortícolas são constituídas por iniciativa de [OP] reconhecidas e podem exercer qualquer das atividades de uma [OP] referida no presente regulamento. Para tal, os Estados‑Membros podem reconhecer, mediante pedido, uma associação de [OP] quando:

a)

O Estado‑Membro em causa considere que a associação é capaz de exercer eficazmente as atividades em questão; e

b)

A associação não detenha uma posição dominante num determinado mercado, a não ser que seja necessária para a prossecução dos objetivos previstos no artigo [39.o TFUE].

[…]»

20

O artigo 175.o do Regulamento n.o 1234/2007 tem a seguinte redação:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, os artigos [101.o a 106.o TFUE], bem como as disposições tomadas em sua execução, aplicam‑se, sob reserva dos artigos 176.o a 177.o do presente regulamento, a todos os acordos, decisões e práticas a que se referem o n.o 1 do artigo [101.o] e o artigo [102.o TFUE], relativos à produção ou ao comércio dos produtos abrangidos pelo presente regulamento.»

21

O artigo 176.o, n.o 1, deste regulamento tem a seguinte redação:

«O n.o 1 do artigo [101.o TFUE] não é aplicável aos acordos, decisões e práticas a que se refere o artigo 175.o do presente regulamento que sejam parte integrante de uma organização nacional de mercado ou que sejam necessários à realização dos objetivos enunciados no artigo [39.o TFUE].

O n.o 1 do artigo [101.o TFUE] não é aplicável, em especial, aos acordos, decisões e práticas dos agricultores, associações de agricultores ou associações destas associações de um único Estado‑Membro, na medida em que, sem incluir a obrigação de praticar um preço idêntico, digam respeito à produção ou à venda de produtos agrícolas ou à utilização de instalações comuns de armazenagem, de tratamento ou de transformação de produtos agrícolas, a menos que a Comissão verifique que, desse modo, é excluída a concorrência ou ficam comprometidos os objetivos do artigo [39.o TFUE].»

22

O artigo 176.o‑A, n.os 1 e 4, do referido regulamento dispõe:

«1.   O n.o 1 do artigo [101.o TFUE] não é aplicável aos acordos, decisões e práticas concertadas das organizações interprofissionais reconhecidas que tenham por objeto a realização das atividades referidas na alínea c) do n.o 3 do artigo 123.o do presente regulamento.

[…]

4.   São sempre declarados incompatíveis com as regras comunitárias os seguintes acordos, decisões e práticas concertadas:

a)

Os acordos, decisões e práticas concertadas que possam dar origem a qualquer forma de compartimentação de mercados na Comunidade;

b)

Os acordos, decisões e práticas concertadas que possam prejudicar o bom funcionamento da organização de mercado;

c)

Os acordos, decisões e práticas concertadas que possam criar distorções de concorrência e que não sejam indispensáveis para alcançar os objetivos da política agrícola comum prosseguidos pela atividade da organização interprofissional;

d)

Os acordos, decisões e práticas concertadas que conduzam à fixação de preços, sem prejuízo das atividades realizadas pelas organizações interprofissionais em aplicação de regras comunitárias específicas;

e)

Os acordos, decisões e práticas concertadas que possam criar discriminações ou eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa.»

Direito francês

23

O artigo L. 420‑1 do code de commerce (Código Comercial) dispõe:

«São proibidas as práticas concertadas, as convenções, os acordos expressos ou tácitos ou as colusões, ainda que levadas a cabo, direta ou indiretamente, através de uma sociedade do grupo sediada fora de França, que tenham por objeto ou possam ter por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado, designadamente quando visem:

1.

Limitar o acesso ao mercado ou o livre exercício da concorrência por outras empresas;

2.

Criar obstáculos à fixação de preços de acordo com o livre jogo do mercado, favorecendo artificialmente o seu aumento ou a sua diminuição;

3.

Limitar ou controlar a produção, o escoamento dos produtos, os investimentos ou o progresso técnico;

4.

Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

24

Na sequência de ações de inspeção e de apreensão efetuadas pela direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes (DGCCRF) (Direção‑Geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão de Fraudes, França), em 12 de abril de 2007, o ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique (Ministro da Economia, da Indústria e do Setor Digital) denunciou ao Conseil de la concurrence (Conselho da Concorrência, França), atual Autorité de la concurrence (Autoridade da Concorrência), a existência de práticas implementadas no setor da produção e da comercialização de endívias.

25

Pela decisão controvertida, de 6 de março de 2012, a Autorité de la concurrence declarou que a APVE, o Cerafel, a FNPE, o Celfnord, a APEF, a SNE, a FCE e o Groupe Perle du Nord, bem como as OP Fraileg, Prim’Santerre, Soleil du Nord, France endives, CAP’Endives, Marché de Phalempin, Primacoop, Sipema e Valois‑Fruits, tinham formado no mercado das endívias um cartel complexo e continuado proibido pelo artigo L. 420‑1 do code de commerce e pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE, que consistiu numa concertação sobre os preços das endívias, através de diferentes mecanismos como a difusão semanal de um preço mínimo, a fixação de um preço de referência, a implementação de uma bolsa de trocas, a fixação de um preço de controlo e a utilização indevida do mecanismo dos preços de retirada do mercado, numa concertação relativa às quantidades de endívias colocadas no mercado e num sistema de troca de informações estratégicas, que serviram para implementar uma política de preços, tendo estas práticas tido por objetivo a fixação concertada de um preço mínimo de venda na produção de endívias e permitido aos produtores e a várias das suas organizações profissionais manterem preços mínimos de venda, durante um período que teve início em janeiro de 1998 e perdurava ainda na data da decisão controvertida. Consequentemente, aplicou‑lhes sanções pecuniárias num montante total de 3970590 euros.

26

Na decisão controvertida, a Autorité de la concurrence rejeitou, designadamente, o argumento dos produtores de que os acordos em causa deviam ser considerados necessários à realização dos objetivos da política agrícola comum, pelo facto de os regimes derrogatórios previstos no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1184/2006 e no artigo 176.o do Regulamento n.o 1234/2007 não serem aplicáveis no caso em apreço.

27

Diversas sociedades e organismos punidos intentaram na cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) uma ação para anulação e, subsidiariamente, reforma da decisão controvertida.

28

Por acórdão de 15 de maio de 2014, esse órgão jurisdicional reformou todas as disposições da decisão controvertida e declarou que não tinha ficado provado que o disposto no artigo L. 420‑1 do code de commerce e no artigo 101.o, n.o 1, TFUE tinha sido infringido. A este respeito, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) declarou, nomeadamente, que, perante as dificuldades de interpretação da regulamentação relativa à organização comum dos mercados sobre o âmbito exato e os limites da missão de regulação de preços atribuída aos organismos em causa no quadro do regime derrogatório do direito da concorrência decorrente da aplicação das regras da política agrícola comum, não tinha ficado provado que a fixação de orientações de preços mínimos era, em qualquer circunstância, necessária e definitivamente proibida, de forma que não estava indiscutivelmente provado que os organismos em causa tinham ultrapassado os limites das missões que lhes estavam legalmente atribuídas em matéria de regulação de preços.

29

O président de l’Autorité de la concurrence interpôs recurso de cassação desse acórdão. Em apoio do recurso, alega, nomeadamente, em substância, que, para além da aplicação das derrogações expressas à aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE instituídas pelos regulamentos sobre a aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas, o exercício das missões atribuídas às OP e às associações de OP (a seguir «AOP») só podia ser concebido no respeito das regras de concorrência.

30

No âmbito desse processo, a Comissão apresentou observações na Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), ao abrigo do artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1). Nessas observações, declarou que, em relação à aplicabilidade das regras de concorrência da União no setor agrícola, há não só derrogações gerais adotadas com fundamento no artigo 2.o dos Regulamentos n.os 26 e 1184/2006 e no artigo 176.o do Regulamento n.o 1234/2007 mas também, em conformidade com o artigo 175.o do mesmo regulamento, derrogações especiais constantes de diversos regulamentos relativos à organização comum dos mercados e que impõem às organizações que operam no domínio da produção e da comercialização de frutas e produtos hortícolas determinadas missões específicas normalmente suscetíveis de serem proibidas pelas regras de concorrência. Neste caso, trata‑se, quanto ao período decorrido até final de 2007, do Regulamento n.o 2200/96 e, quanto ao período a partir de 1 de janeiro de 2008, do Regulamento n.o 1182/2007 incorporado no Regulamento n.o 1234/2007. Todavia, considera que os principais comportamentos em causa no processo principal, a saber, os mecanismos de preços mínimos acordados entre as principais AOP, não se enquadram nas missões específicas previstas pela organização comum do mercado em causa e não podem ser considerados abrangidos por essas derrogações especiais.

31

A este respeito, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) salienta que, nos acórdãos de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, EU:C:2003:429), e de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou (C‑373/11, EU:C:2013:567), o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 42.o TFUE estabelece o princípio da aplicabilidade das regras europeias de concorrência no setor agrícola e que a preservação de uma concorrência efetiva nos mercados de produtos agrícolas faz parte dos objetivos da política agrícola comum, embora considerasse que, mesmo no que toca às regras do Tratado FUE em matéria de concorrência, essa disposição dá primazia aos objetivos da política agrícola comum relativamente aos da política em matéria de concorrência.

32

Todavia, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) considera que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou quanto à existência das «derrogações específicas» referidas pela Comissão nem esclareceu, sendo caso disso, a sua articulação com as «derrogações gerais» enunciadas pelos regulamentos relativos à aplicação das regras de concorrência no setor agrícola.

33

Consequentemente, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Podem os acordos, decisões ou práticas de [OP], [AOP] e organizações profissionais, suscetíveis de serem considerados anticoncorrenciais à luz do artigo 101.o TFUE, estar excluídos da proibição prevista por esta disposição unicamente por poderem estar relacionados com as missões conferidas a essas organizações no âmbito da organização comum do mercado [em causa], apesar de não corresponderem a nenhuma das derrogações gerais previstas sucessivamente pelo artigo 2.o do Regulamento [n.o 26], pelo artigo 2.o do Regulamento [n.o 1184/2006] e pelo artigo 176.o do Regulamento [n.o 1234/2007]?

2)

Em caso afirmativo, devem o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 2200/96], o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1182/2007] e o artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento [n.o 1234/2007], que fixam, entre os objetivos atribuídos às [OP e às AOP], a regulação dos preços na produção e a adaptação da produção à procura, designadamente quanto à quantidade, ser interpretados no sentido de que as práticas de fixação coletiva de um preço mínimo, de concertação sobre as quantidades colocadas no mercado ou de troca de informações estratégicas, implementadas por essas organizações ou pelas suas associações, estão excluídas da proibição de concertações anticoncorrenciais na medida em que se destinam à realização desses objetivos?»

Quanto às questões prejudiciais

34

Com as suas questões, que importa tratar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 2.o do Regulamento n.o 26, o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2200/96, o artigo 2.o do Regulamento n.o 1184/2006, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1182/2007, bem como com o artigo 122.o, primeiro parágrafo, e os artigos 175.o e 176.o do Regulamento n.o 1234/2007, deve ser interpretado no sentido de que práticas como as que estão em causa no processo principal, através das quais as OP, as AOP e as organizações profissionais que operam no setor das endívias procedem à fixação coletiva de preços mínimos de venda, acordam as quantidades colocadas no mercado e trocam informações estratégicas, estão excluídas do âmbito de aplicação da proibição de cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

35

A título preliminar, importa salientar que as endívias integram a categoria dos «produtos hortícolas, plantas, raízes e tubérculos alimentares» prevista no anexo I do Tratado FUE, pelo que, por força do artigo 38.o TFUE, estão sujeitas às disposições dos artigos 39.o a 44.o TFUE relativas à política agrícola comum.

36

O artigo 42.o TFUE enuncia que as disposições do capítulo relativo às regras de concorrência só são aplicáveis à produção e ao comércio dos produtos agrícolas na medida em que tal seja determinado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, no âmbito do disposto no n.o 2 do artigo 43.o TFUE e em conformidade com o processo aí previsto, tendo em conta os objetivos definidos no artigo 39.o TFUE. A este respeito, o artigo 43.o, n.o 2, TFUE prevê que o Parlamento e o Conselho estabelecem, nomeadamente, as disposições necessárias à prossecução dos objetivos da política agrícola comum.

37

Assim, no âmbito da prossecução dos objetivos da instauração de uma política agrícola comum e do estabelecimento de um regime de concorrência não falseada, o artigo 42.o TFUE reconhece o primado da política agrícola comum em relação aos objetivos do Tratado no domínio da concorrência e o poder do legislador da União de decidir em que medida as regras de concorrência se aplicam no setor agrícola (v., neste sentido, acórdãos de 5 de outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, EU:C:1994:367, n.o 61, e de 12 de dezembro de 2002, França/Comissão, C‑456/00, EU:C:2002:753, n.o 33).

38

Daí decorre, como assinalou o advogado‑geral nos n.os 51 e 56 das suas conclusões, que o objetivo das intervenções do legislador da União a este respeito não é prever derrogações ou justificações para a proibição das práticas previstas no artigo 101.o, n.o 1, e no artigo 102.o TFUE, mas sim excluir do âmbito de aplicação dessas disposições práticas que, se sobreviessem num setor diferente do da política agrícola comum, integrariam essas disposições.

39

Quanto, em especial, ao setor das frutas e produtos hortícolas, e quanto aos períodos em causa no processo principal, o legislador da União precisou a articulação da política agrícola comum com as regras de concorrência, sucessivamente, no artigo 1.o do Regulamento n.o 26, no artigo 1.o‑A do Regulamento n.o 1184/2006 e, depois, no artigo 175.o do Regulamento n.o 1234/2007.

40

No que se refere a esta última disposição, que reproduz em substância a forma como essa articulação foi precisada nos Regulamentos n.os 26 e 1184/2006, a mesma prevê que, salvo disposição em contrário do Regulamento n.o 1234/2007, os artigos 101.o a 106.o TFUE, bem como as disposições tomadas em sua execução, aplicam‑se, sob reserva dos artigos 176.o a 177.o deste regulamento, a todos os acordos, decisões e práticas a que se referem o n.o 1 do artigo 101.o, n.o 1, e o artigo 102.o TFUE, relativos à produção ou ao comércio dos produtos abrangidos pelo referido regulamento.

41

No setor das frutas e produtos hortícolas, os artigos 101.o a 106.o TFUE aplicam‑se às práticas a que esses artigos se referem, por um lado, com exclusão das práticas referidas nos artigos 176.o e 176.o‑A do Regulamento n.o 1234/2007 e, por outro, salvo disposição em contrário deste regulamento, como prevê o artigo 175.o do mesmo.

42

Importa salientar que, nos termos do artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1234/2007, que sucedeu ao artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2200/96, e do artigo 125.o‑C do Regulamento n.o 1234/2007, as OP ou as AOP que operam no setor das frutas e produtos hortícolas são responsáveis por assegurar a programação da produção e a adaptação desta à procura, nomeadamente em termos de qualidade e de quantidade, por concentrar a oferta e colocar no mercado a produção dos membros ou ainda por otimizar os custos de produção e estabilizar os preços na produção.

43

Ora, as OP ou as AOP poderão, a fim de alcançarem os objetivos referidos nessas disposições, ter de recorrer a meios diferentes dos que governam o funcionamento normal dos mercados, em especial a certas formas de coordenação e de concertação entre produtores agrícolas.

44

Assim, a não ser que se prive as OP e as AOP dos meios que lhes permitem alcançar os objetivos que lhe são confiados no âmbito da organização comum de mercado de que fazem parte — e de que são o elemento de base, como recordado no considerando 7 do Regulamento n.o 2200/96 — e, por conseguinte, que se ponha em causa o efeito útil dos regulamentos relativos à organização comum dos mercados no setor das frutas e produtos hortícolas, as práticas dessas entidades necessárias para alcançar um ou vários desses objetivos devem escapar, nomeadamente, à proibição de cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

45

Daí decorre que, nesse setor, os casos de inaplicabilidade do artigo 101.o, n.o 1, TFUE não se limitam às práticas referidas nos artigos 176.o e 176.o‑A do Regulamento n.o 1234/2007, mas cobrem também as práticas mencionadas no número anterior.

46

No entanto, o alcance dessas exclusões deve ser objeto de interpretação estrita.

47

Conforme o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de referir, as organizações comuns dos mercados de produtos agrícolas não constituem um espaço sem concorrência (acórdão de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union, C‑137/00, EU:C:2003:429, n.o 61).

48

Pelo contrário, a preservação de uma concorrência efetiva nos mercados de produtos agrícolas faz parte dos objetivos da política agrícola comum e da organização comum de mercados (v., neste sentido, acórdão de 9 de setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union, C‑137/00, EU:C:2003:429, n.os 57 e 58).

49

Importa ainda sublinhar que, de acordo com o princípio da proporcionalidade, as práticas em questão não devem exceder o estritamente necessário ao alcance do ou dos objetivos atribuídos às OP ou às AOP em causa, em conformidade com a regulamentação relativa à organização comum do mercado em questão.

50

É à luz destas considerações que importa apreciar se as práticas como as que estão em causa no processo principal, através das quais as OP, as AOP e as organizações profissionais que operam no setor das endívias procedem à fixação coletiva de preços mínimos de venda, acordam as quantidades colocadas no mercado e trocam informações estratégicas, estão excluídas do âmbito de aplicação da proibição de cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

51

A este respeito, recordou‑se no n.o 44 do presente acórdão que as OP e as AOP constituem os elementos de base que, a seu nível, asseguram o funcionamento descentralizado das organizações comuns de mercado.

52

Assim, o artigo 122.o, primeiro parágrafo, alínea c), e o artigo 125.o‑C do Regulamento n.o 1234/2007 preveem que, no setor das frutas e produtos hortícolas, os Estados‑Membros devem reconhecer as OP ou as AOP que, nomeadamente, têm precisamente a seu cargo um dos objetivos definidos pelo legislador da União e enumerados nos pontos i) a iii) desta primeira disposição.

53

Daí decorre que a inaplicabilidade das regras de concorrência da União, devido ao facto de a prática em questão ser necessária para alcançar um ou vários dos objetivos da organização comum do mercado em causa, pressupõe que essa prática seja implementada por uma entidade efetivamente habilitada para o efeito, em conformidade com a regulamentação relativa à organização comum desse mercado, e que, por conseguinte, tenha sido reconhecida por um Estado‑Membro.

54

Assim, a prática adotada por uma entidade não reconhecida por um Estado‑Membro para prosseguir um desses objetivos não pode escapar à proibição das práticas previstas no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

55

O mesmo deveria valer para as práticas de organizações profissionais como, no processo principal, a APVE, a SNE e a FCE, em relação às quais não decorre dos autos nem das respostas às questões do Tribunal de Justiça que tenham sido reconhecidas pelas autoridades francesas enquanto OP, AOP ou ainda organização profissional na aceção do artigo 123.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1234/2007, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

56

Quanto às práticas implementadas por OP ou AOP, importa salientar que tais práticas devem permanecer internas a uma só OP ou a uma só AOP.

57

Com efeito, de acordo nomeadamente com o artigo 122.o, primeiro parágrafo, alínea c), e com o artigo 125.o‑B, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1234/2007, as missões de programação da produção, de concentração da oferta e de colocação no mercado, de otimização dos custos de produção e de regulação dos preços de produção, de que uma OP ou uma AOP pode ser encarregada pela regulamentação aplicável à organização comum do mercado em causa, só podem respeitar exclusivamente à produção e à comercialização dos produtos dos membros da OP ou da AOP em causa. Consequentemente, só podem justificar certas formas de coordenação ou de concertação entre produtores membros de uma mesma OP ou de uma mesma AOP reconhecida por um Estado‑Membro.

58

Daqui decorre que os acordos ou práticas concertadas acordados, não numa mesma OP ou numa mesma AOP, mas entre OP ou entre AOP, excedem o que é necessário ao cumprimento dessas missões.

59

Decorre das considerações expostas nos n.os 51 a 58 do presente acórdão que as práticas verificadas entre tais OP ou AOP e, a fortiori, as práticas que envolvem, além dessas OP ou AOP, entidades não reconhecidas por um Estado‑Membro no âmbito da implementação da política agrícola comum no setor em causa não podem escapar à proibição das práticas previstas no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

60

Se as práticas em causa no processo principal não tiverem sido adotadas numa mesma OP ou numa mesma AOP, mas sim entre várias OP, várias AOP e várias entidades não reconhecidas no âmbito da organização comum do mercado das endívias, as mesmas não podem ser excluídas do âmbito de aplicação da proibição de cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

61

Em seguida, quanto às práticas acordadas entre produtores membros de uma mesma OP ou de uma mesma AOP reconhecida por um Estado‑Membro, cabe recordar que, no âmbito da política agrícola comum no setor das frutas e produtos hortícolas, as OP ou as AOP reconhecidas devem precisamente ser responsáveis por, pelo menos, um dos três objetivos referidos no artigo 122.o, primeiro parágrafo, alínea c), do Regulamento n.o 1234/2007, recordados no n.o 42 do presente acórdão.

62

Daí decorre que a inaplicabilidade das regras de concorrência da União, no setor das frutas e produtos hortícolas, às práticas não referidas nos artigos 176.o e 176.o‑A do Regulamento n.o 1234/2007 pressupõe a inscrição efetiva e estrita da prática acordada na OP ou na AOP em causa na prossecução do ou dos objetivos a que está adstrita em conformidade com a regulamentação relativa à organização comum do mercado em causa.

63

Quanto aos objetivos referidos nos n.os 42 e 61 do presente acórdão, cabe salientar que tanto o objetivo de assegurar a programação da produção e sua adaptação à procura como o objetivo de concentrar a oferta e colocar no mercado a produção dos membros e o objetivo de regulação dos preços de produção implicam necessariamente a troca de informações estratégicas entre os produtores individuais membros da OP ou da AOP em causa, no intuito, nomeadamente, de dar a conhecer as características da respetiva produção. Assim, as trocas de informações estratégicas entre produtores de uma mesma OP ou de uma mesma AOP podem ser proporcionadas se efetivamente ocorrerem para efeitos do objetivo ou dos objetivos atribuídos a essa OP ou a essa AOP e se se limitarem às informações estritamente necessárias para o efeito.

64

O objetivo de regulação dos preços de produção, com o fim de assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola, também pode justificar uma coordenação entre produtores agrícolas de uma mesma OP ou de uma mesma AOP em relação aos volumes de produtos agrícolas colocados no mercado, como decorre do considerando 16 do Regulamento n.o 2200/96 e do regime das intervenções, cujo princípio de funcionamento foi fixado no artigo 23.o desse regulamento e foi alterado pelo artigo 103.o‑C, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1234/2007.

65

Além disso, o objetivo de concentrar a oferta, com o fim de reforçar a posição dos produtores face a uma procura cada vez mais concentrada, também pode justificar uma certa forma de coordenação da política de preços dos produtores agrícolas individuais numa OP ou numa AOP. O mesmo sucede nomeadamente quando os membros da OP ou da AOP em causa a encarregam de comercializar a totalidade da sua produção, como exige, salvo casos especiais, o artigo 125.o‑A, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1234/2007, lido em conjugação com o artigo 125.o‑C desse regulamento.

66

Em contrapartida, não é possível considerar a fixação coletiva de preços mínimos de venda numa OP ou numa AOP, enquanto prática necessária ao cumprimento das missões que lhes foram confiadas no âmbito da organização comum do mercado em causa, proporcional aos objetivos de regulação dos preços ou de concentração da oferta, quando não permite aos produtores que escoam a sua própria produção nos casos referidos no artigo 125.o‑A, n.o 2, do Regulamento n.o 1234/2007 praticar um preço inferior a esses preços mínimos, porquanto tem por efeito enfraquecer o nível já reduzido de concorrência existente nos mercados de produtos agrícolas devido, nomeadamente, à faculdade reconhecida aos produtores de se agruparem em OP e em AOP para concentrarem a sua oferta.

67

Atendendo ao exposto, há que responder às questões submetidas que o artigo 101.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 2.o do Regulamento n.o 26, o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2200/96, o artigo 2.o do Regulamento n.o 1184/2006, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1182/2007, bem como com o artigo 122.o, primeiro parágrafo, e os artigos 175.o e 176.o do Regulamento n.o 1234/2007, deve ser interpretado no sentido de que:

as práticas de fixação coletiva de preços mínimos de venda, de concertação relativa às quantidades colocadas no mercado ou de troca de informações estratégicas, como as que estão em causa no processo principal, não podem subtrair‑se à proibição de cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando acordadas entre diferentes OP ou AOP, bem como com entidades não reconhecidas por um Estado‑Membro para efeitos da realização de um objetivo definido pelo legislador da União no âmbito da organização comum do mercado em causa, como as organizações profissionais que não dispõem do estatuto de OP, de AOP ou de organização interprofissional na aceção da regulamentação da União; e

as práticas de concertação relativa aos preços ou às quantidades colocadas no mercado ou de troca de informações estratégicas, como as que estão em causa no processo principal, podem subtrair‑se à proibição de cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando acordadas entre membros de uma mesma OP ou de uma mesma AOP reconhecida por um Estado‑Membro e quando estritamente necessárias à prossecução do ou dos objetivos atribuídos à OP ou à AOP em causa em conformidade com a regulamentação da União.

Quanto às despesas

68

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 101.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 2.o do Regulamento n.o 26 do Conselho, de 4 de abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas, o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 2200/96 do Conselho, de 28 de outubro de 1996, que estabelece a organização comum de mercado no setor das frutas e produtos hortícolas, o artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1184/2006 do Conselho, de 24 de julho de 2006, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de certos produtos agrícolas, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, de 22 de outubro de 2007, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1182/2007 do Conselho, de 26 de setembro de 2007, que estabelece regras específicas aplicáveis ao setor das frutas e produtos hortícolas, que altera as Diretivas 2001/112/CE e 2001/113/CE e os Regulamentos (CEE) n.o 827/68, (CE) n.o 2200/96, (CE) n.o 2201/96, (CE) n.o 2826/2000, (CE) n.o 1782/2003 e (CE) n.o 318/2006 e revoga o Regulamento (CE) n.o 2202/96, bem como com o artigo 122.o, primeiro parágrafo, e os artigos 175.o e 176.o do Regulamento n.o 1234/2007, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 491/2009 do Conselho, de 25 de maio de 2009, deve ser interpretado no sentido de que:

 

as práticas de fixação coletiva de preços mínimos de venda, de concertação relativa às quantidades colocadas no mercado ou de troca de informações estratégicas, como as que estão em causa no processo principal, não podem subtrair‑se à proibição de cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando acordadas entre diferentes organizações de produtores ou associações de organizações de produtores, bem como com entidades não reconhecidas por um Estado‑Membro para efeitos da realização de um objetivo definido pelo legislador da União Europeia no âmbito da organização comum do mercado em causa, como as organizações profissionais que não dispõem do estatuto de organização de produtores, de associação de organizações de produtores ou de organização interprofissional na aceção da regulamentação da União Europeia; e

 

as práticas de concertação relativa aos preços ou às quantidades colocadas no mercado ou de troca de informações estratégicas, como as que estão em causa no processo principal, podem subtrair‑se à proibição de cartéis prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando acordadas entre membros de uma mesma organização de produtores ou de uma mesma associação de organizações de produtores reconhecida por um Estado‑Membro e quando estritamente necessárias à prossecução do ou dos objetivos atribuídos à organização de produtores ou à associação de organizações de produtores em causa em conformidade com a regulamentação da União Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.