ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

22 de março de 2017 (*)

«Incumprimento de Estado — Transportes — Carta de condução — Rede de cartas de condução da União Europeia — Utilização e ligação à rede da União»

No processo C‑665/15,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, que deu entrada em 14 de dezembro de 2015,

Comissão Europeia, representada por J. Hottiaux, M. M. Farrajota e P. Guerra e Andrade, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e C. Guerra Santos, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: E. Juhász (relator), presidente de secção, C. Vajda e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo efetuado a ligação à rede de cartas de condução da União Europeia (a seguir «Resper»), a República Portuguesa não deu cumprimento aos deveres que lhe incumbem por força do artigo 7.°, n.° 5, alínea d), da Diretiva 2006/126/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativa à carta de condução (JO 2006, L 403, p. 18).

  Quadro jurídico

2        O artigo 7.° da Diretiva 2006/126, sob a epígrafe «Emissão, validade e renovação», dispõe, no seu n.° 5:

«a)      Ninguém pode ser titular de mais do que uma carta de condução;

b)      Um Estado‑Membro recusar‑se‑á a emitir uma carta de condução se comprovar que o candidato já é titular de uma carta de condução;

c)      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias nos termos da alínea b). Tais medidas, no que se refere à emissão, substituição, renovação ou troca de uma carta de condução, serão constituídas pela verificação, com outros Estados‑Membros, da existência de razões para suspeitar que o candidato é já titular de outra carta de condução;

d)      Para facilitar os controlos nos termos da alínea b), os Estados‑Membros utilizarão a [Resper] quando estiver operacional.

[...]»

3        O artigo 16.° desta diretiva, sob a epígrafe «Transposição», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros adotarão e publicarão, o mais tardar até 19 de janeiro de 2011, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento [...] aos n.os 1, alíneas b), c) e d), 2, 3 e 5 do artigo 7.° [...]. Os Estados‑Membros comunicarão imediatamente à Comissão o texto das referidas disposições.

2.      Os Estados‑Membros aplicarão essas disposições a partir de 19 de janeiro de 2013.

[...]»

 Procedimento pré‑contencioso

4        Em 7 de agosto de 2013, a Comissão solicitou à República Portuguesa esclarecimentos sobre a ligação do seu sistema de emissão de cartas de condução à Resper. Com efeito, essa ligação deveria ocorrer a partir do momento em que a Resper estivesse operacional, concretamente, em 19 de janeiro de 2013, em conformidade com o disposto no artigo 7.°, n.° 5, alínea d), e no artigo 16.° da Diretiva 2006/126. Em 18 de novembro de 2013, este Estado‑Membro respondeu que os trabalhos de ligação à rede estavam em curso e que a ligação seria feita em breve.

5        Em 11 de julho de 2014, a Comissão dirigiu à República Portuguesa uma notificação para cumprir, nos termos da qual a censurou pelo incumprimento das disposições do artigo 7.°, n.° 5, alínea d), da Diretiva 2006/126 e, consequentemente, lhe pediu que apresentasse as suas observações no prazo de dois meses.

6        Em 23 de setembro de 2014, a República Portuguesa confirmou à Comissão que os seus serviços de emissão de cartas de condução não estavam ainda ligados à Resper. Argumentou, no entanto, que estavam em curso as diligências necessárias para implementar essa ligação, prevista para março de 2015.

7        Em 27 de fevereiro de 2015, a Comissão dirigiu à República Portuguesa um parecer fundamentado, nos termos do qual declarou que este Estado‑Membro não estava ligado à Resper, em conformidade com o disposto no artigo 7.°, n.° 5, alínea d), da Diretiva 2006/126, o que o impedia de efetuar os controlos previstos no artigo 7.°, n.° 5, alínea b), desta diretiva. Esta instituição convidou a República Portuguesa a adotar as medidas necessárias para se conformar com o parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da sua receção.

8        Em 14 de setembro de 2015, a República Portuguesa informou que a ligação entre o seu sistema nacional de emissão de cartas de condução e a Resper seria efetuada até março de 2016.

9        Nestas condições, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

 Quanto ao incumprimento


 Argumentos das partes

10      Na sua réplica, a Comissão alega que decorre incontestavelmente das informações prestadas pela República Portuguesa que, à data de apresentação deste articulado, ou seja, em 4 de abril de 2016, e pelo menos durante o prazo fixado no parecer fundamentado, este Estado‑Membro não tinha ainda procedido à ligação dos seus serviços de emissão de cartas de condução à Resper, conforme exigido pelo artigo 7.°, n.° 5, da Diretiva 2006/126.

11      A este respeito, a Comissão recorda que, em aplicação do artigo 7.°, n.° 5, e do artigo 16.°, n.° 2, da Diretiva 2006/126, a implementação desta ligação devia ter sido efetuada a partir de 19 de janeiro de 2013, uma vez que, nessa data, a Resper estava operacional e que as disposições que transpõem o referido artigo 7.°, n.° 5, deviam ter sido aplicadas pelos Estados‑Membros.

12      A República Portuguesa alega que as dificuldades internas com que foi confrontada e que se mantêm, no caso, uma reestruturação interna dos serviços da sua Administração Central e dificuldades financeiras, constituem as causas do seu atraso na transposição da Diretiva 2006/126. Na sua tréplica, salienta que, na sequência da Lei do Orçamento entrada em vigor em março de 2016, pôde lançar um concurso público para proceder à ligação à Resper e, assim, poderá dar cumprimento aos seus deveres muito em breve.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

13      Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v. acórdão de 5 de outubro de 2016, Comissão/Polónia, C‑23/16, não publicado, EU:C:2016:742, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

14      No caso em apreço, resulta da tréplica da República Portuguesa de 17 de maio de 2016 que, em abril de 2016, ou seja, após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a República Portuguesa não tinha ainda procedido à ligação exigida, impedindo assim que não apenas ela mas também os demais Estados‑Membros se assegurassem de que uma pessoa que pedisse a emissão de uma carta de condução não era já titular dessa licença noutro Estado‑Membro.

15      Quanto às dificuldades referidas pela República Portuguesa para se desculpar do atraso na ligação à Resper, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que um Estado‑Membro não pode invocar disposições, práticas nem situações da sua ordem jurídica interna para justificar o incumprimento das obrigações e dos prazos resultantes do direito da União (acórdão de 11 de setembro de 2014, Comissão/Portugal, C‑277/13, EU:C:2014:2208, n.° 59 e jurisprudência aí referida).

16      Nestas condições, há que constatar que a ligação à Resper exigida pela Diretiva 2006/126 não tinha sido ainda estabelecida no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e que, assim, a alegação da Comissão relativa à violação do artigo 7.°, n.° 5, alínea d), da Diretiva 2006/126 é procedente.

17      Consequentemente, há que declarar que, ao não ter efetuado a ligação à Resper, a República Portuguesa não deu cumprimento aos deveres que lhe incumbem por força do artigo 7.°, n.° 5, alínea d), da Diretiva 2006/126.

 Quanto às despesas

18      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) decide:

1)      Não tendo efetuado a ligação à rede de cartas de condução da União Europeia, a República Portuguesa não deu cumprimento aos deveres que lhe incumbem por força do artigo 7.°, n.° 5, alínea d), da Diretiva 2006/126/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativa à carta de condução.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.


Juhász

Vajda

Jürimäe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de março de 2017.

O secretário

 

      O presidente da Nona Secção

A. Calot Escobar

 

      E. Juhász


*      Língua do processo: português.