Processo C‑646/15

Trustees of the P Panayi Accumulation & Maintenance Settlements

contra

Comissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs

[pedido de decisão prejudicial
apresentado pelo First‑tier Tribunal (Tax Chamber)]

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade direta — Liberdade de estabelecimento — Livre prestação de serviços — Livre circulação de capitais — Trust — Trustees — Outras pessoas coletivas — Conceito — Imposto sobre as mais‑valias relativas aos bens detidos em trust por transferência da residência fiscal dos trustees para outro Estado‑Membro — Determinação do montante do imposto no momento dessa transferência — Cobrança imediata do imposto — Justificação — Proporcionalidade»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 14 de setembro de 2017

  1. Livre circulação de pessoas—Liberdade de estabelecimento—Disposições do Tratado—Âmbito de aplicação—Conceito—Outras pessoas coletivas—Trust que dispõe de direitos e obrigações que lhe permitem agir como uma pessoa coletiva e exercer uma atividade económica efetiva—Inclusão

    (Artigo 54.o TFUE)

  2. Livre circulação de pessoas—Liberdade de estabelecimento—Disposições do Tratado—Âmbito de aplicação—Transferência da sede da direção efetiva de uma sociedade de direito nacional para outro Estado‑Membro—Legislação fiscal nacional aplicável aquando da transferência—Inclusão

    (Artigos 49.o TFUE e 54.o TFUE)

  3. Livre circulação de pessoas—Liberdade de estabelecimento—Restrições—Legislação fiscal—Transferência da sede da maioria dos trustees de um trust de direito nacional para outro Estado‑Membro—Legislação nacional que tributa as mais‑valias latentes relativas aos bens em trust—Inexistência de opção de cobrança diferida do imposto—Inadmissibilidade

    (Artigo 49.o TFUE)

  1.  O artigo 49.o TFUE impõe a supressão de restrições à liberdade de estabelecimento de nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro. Em conformidade com o artigo 54.o, primeiro parágrafo, TFUE, as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, a administração central ou o estabelecimento principal na União são, para efeitos da aplicação das disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento, equiparadas às pessoas singulares, nacionais dos Estados‑Membros.

    Nos termos do segundo parágrafo do artigo 54.o TFUE, entende‑se por «sociedades» as sociedades de direito civil ou comercial, incluindo as sociedades cooperativas, e as outras pessoas coletivas de direito público ou privado, com exceção das que não prossigam fins lucrativos.

    A este respeito, há que declarar que a liberdade de estabelecimento, que constitui uma das disposições fundamentais do direito da União (acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Bélgica,C‑47/08, EU:C:2011:334, n.o 77 e jurisprudência referida) e contribui para o objetivo da realização do mercado interno (v., neste sentido, acórdão de 13 dezembro de 2005, SEVIC Systems,C‑411/03, EU:C:2005:762, n.o 19), é uma noção muito ampla.

    A este propósito, como indicou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 33 e 34 das suas conclusões, este conceito de «outras pessoas coletivas» compreende uma entidade que, nos termos do direito nacional, dispõe de direitos e obrigações que lhe permitem atuar por si mesma na ordem jurídica em causa, não obstante não assumir uma particular forma jurídica, e que prossegue um fim lucrativo.

    Assim, afigura‑se que a legislação em causa no processo principal, para efeitos destas disposições, considera os trustees no seu conjunto, enquanto entidade e não individualmente, como sujeitos passivos de imposto sobre as mais‑valias latentes relativas aos bens em trust quando se entenda que este último transferiu a sede da sua administração para outro Estado‑Membro que não o Reino Unido. Essa transferência ocorre quando a maioria dos trustees deixe de viver no Reino Unido. A atividade dos trustees relativamente à propriedade e à gestão dos bens em trust está assim intrinsecamente ligada ao próprio trust e constitui, consequentemente, com este um todo indivisível. Nestas condições, este trust deveria ser considerado uma entidade que, nos termos do direito nacional, dispõe de direitos e obrigações que lhe permitem atuar por si mesma na ordem jurídica em causa.

    No que diz respeito à questão de saber se os trusts em causa no processo principal prosseguem um fim lucrativo, basta constatar que resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que estes trusts não têm finalidade caritativa ou social e que foram constituídos para que os beneficiários pudessem usufruir dos lucros gerados pelos bens em trust.

    Daqui resulta que uma entidade do género de um trust que, nos termos do direito nacional, dispõe de direitos e obrigações que lhe permitem agir por si mesma e que exerce uma atividade económica efetiva pode invocar a liberdade de estabelecimento.

    (cf. n.os 24 a 26, 29, 32 a 34)

  2.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 36 a 39)

  3.  As disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento opõem‑se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal — em que os trustees, segundo o direito nacional, são considerados um único e contínuo conjunto de pessoas, distinto das pessoas que pontualmente podem ser trustees —, à legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que prevê a tributação das mais‑valias latentes relativas aos bens em trust quando a maioria dos trustees transfira a sua residência para outro Estado‑Membro, sem permitir a cobrança diferida do imposto devido.

    No que se refere, desde logo, ao caráter comparável das situações em causa, basta constatar que, relativamente à legislação de um Estado‑Membro que visa tributar as mais‑valias geradas no seu território, a situação de um trust que muda a sede da sua administração para outro Estado‑Membro, no que respeita à tributação das mais‑valias relativas a bens em trust, que foram geradas no primeiro Estado‑Membro antes da transferência da sede, é semelhante à de um trust que mantém a sede da sua administração nesse primeiro Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus,C‑371/10, EU:C:2011:785, n.o 38).

    Todavia, o Tribunal de Justiça precisou que o objetivo que consiste em preservar a repartição da competência fiscal entre os Estados‑Membros só pode justificar uma medida nacional quando o Estado‑Membro no território do qual os rendimentos foram gerados se veja efetivamente impedido de exercer a sua competência fiscal sobre os referidos rendimentos (acórdão de 23 de janeiro de 2014, DMC,C‑164/12, EU:C:2014:20, n.o 56).

    Conforme salientou a advogada‑geral no n.o 50 das conclusões, uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, na medida em que submete integralmente a competência fiscal que o Estado‑Membro em causa conserva ao poder discricionário dos trustees e dos beneficiários, não pode ser considerada suficiente para preservar a competência fiscal desse Estado‑Membro sobre as mais‑valias geradas no seu território.

    Em consequência, deve declarar‑se que a legislação de um Estado‑Membro que prevê, numa situação como a que está em causa no processo principal, a tributação das mais‑valias latentes relativas aos bens em trust no momento da transferência da sede da administração desse trust para outro Estado‑Membro, não obstante o facto de o primeiro Estado‑Membro ter a possibilidade de conservar uma eventual competência fiscal sobre as mais‑valias em questão, é adequada a garantir a preservação da repartição da competência fiscal entre os Estados‑Membros, uma vez que esse primeiro Estado‑Membro perde o poder de tributação sobre essas mais‑valias após a referida transferência.

    Por último, no que diz respeito à proporcionalidade da medida em causa, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, por um lado, respeita o princípio da proporcionalidade o facto de o Estado‑Membro de origem, para salvaguardar o exercício da sua competência fiscal, determinar o imposto relativo às mais‑valias latentes surgidas no seu território no momento em que deixa de existir o seu poder de tributação sobre essas mais‑valias, no caso vertente no momento da transferência da sede de administração do trust para outro Estado‑Membro (acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus,C‑371/10, EU:C:2011:785, n.o 52). Por outro lado, a legislação de um Estado‑Membro que preveja que um trust que transfere a sua sede de administração para outro Estado‑Membro pode optar entre a cobrança imediata do montante do imposto relativo àquelas mais‑valias e a cobrança diferida do montante do referido imposto, acrescido, sendo caso disso, de juros, segundo a legislação nacional aplicável, constitui uma medida menos atentatória da liberdade de estabelecimento do que uma cobrança imediata do imposto devido (v., neste sentido, acórdão de 21 de maio de 2015, Verder LabTec,C‑657/13, EU:C:2015:331, n.o 49 e jurisprudência referida).

    Por outro lado, neste contexto, importa precisar que a cobrança diferida não conduz à obrigação do Estado‑Membro de origem de ter em conta eventuais menos‑valias produzidas após a transferência da sede da administração de um trust para outro Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus,C‑371/10, EU:C:2011:785, n.o 61).

    Esta apreciação não pode ser posta em causa pelo facto de, nas circunstâncias do processo principal, as mais‑valias terem sido realizadas após a fixação do montante do imposto, mas antes de este se ter tornado exigível, dado que o caráter desproporcionado da legislação em causa no processo principal resulta do facto de a mesma não prever a possibilidade de o contribuinte diferir o momento da cobrança do imposto devido.

    (cf. n.os 49, 53, 55 a 58, 60, 61 e disp.)