ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

2 de março de 2017 ( *1 )*

«Reenvio prejudicial — Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Artigo 3.o — Regulamento (CEE) n.o 3665/87 — Artigo 11.o — Recuperação de uma restituição à exportação indevidamente concedida — Regulamento (CEE) n.o 3002/92 — Artigo 5.o‑A — Garantia indevidamente liberada — Juros devidos — Prazo de prescrição — Início da contagem do prazo — Interrupção do prazo — Limite máximo — Prazo mais longo — Aplicabilidade»

No processo C‑584/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal administratif de Melun (Tribunal Administrativo de Melun, França), por decisão de 5 de novembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de novembro de 2015, no processo

Glencore Céréales France

contra

Établissement national des produits de l’agriculture et de la mer (FranceAgriMer),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda, K. Jürimäe (relatora) e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de junho de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Glencore Céréales France, por F. Citron e S. Le Roy, avocats,

em representação do Governo francês, por D. Colas, S. Ghiandoni e A. Daly, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Bouquet, J. Baquero Cruz e G. von Rintelen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de setembro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO 1995, L 312, p. 1), do artigo 11.o do Regulamento (CEE) n.o 3665/87 da Comissão, de 27 de novembro de 1987, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO 1987, L 351, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 495/97 da Comissão, de 18 de março de 1997 (JO 1997, L 77, p. 12) (a seguir «Regulamento n.o 3665/87»), e do artigo 5.o‑A do Regulamento (CEE) n.o 3002/92 da Comissão, de 16 de outubro de 1992, que estabelece normas de execução comuns relativas ao controlo da utilização e/ou do destino de produtos de intervenção (JO 1992, L 301, p. 17), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 770/96 da Comissão, de 26 de abril de 1996 (JO 1996, L 104, p. 13) (a seguir «Regulamento n.o 3002/92»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Glencore Céréales France (a seguir «Glencore») e o Établissement national des produits de l’agriculture et de la mer (FranceAgriMer) a respeito do pagamento de juros relativos a restituições à exportação indevidamente recebidas por essa sociedade.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 2988/95

3

O terceiro considerando do Regulamento n.o 2988/95 refere:

«[…] [I]mporta combater em todos os domínios os atos lesivos dos interesses financeiros [da União]».

4

O artigo 1.o desse regulamento dispõe:

«1.   Para efeitos da proteção dos interesses financeiros [da União], é adotada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito [da União].

2.   Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos geridos [pela União], quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta [da União], quer por uma despesa indevida.»

5

O artigo 3.o desse regulamento dispõe:

«1.   O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.o 1 do artigo 1.o Todavia, as regulamentações setoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. […]

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.o 1 do artigo 6.o

2.   O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.

Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3.   Os Estados‑Membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respetivamente nos n.os 1 e 2.»

6

O título II do Regulamento n.o 2988/95 tem a epígrafe «Medidas e sanções administrativas». Esse título inclui o artigo 4.o deste último, que, nos seus n.os 1 e 2, dispõe:

«1.   Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:

através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos,

através da perda total ou parcial da garantia constituída a favor do pedido de uma vantagem concedida ou aquando do recebimento de um adiantamento.

2.   A aplicação das medidas referidas no n.o 1 limita‑se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa.»

7

O artigo 5.o do mesmo regulamento enuncia as sanções administrativas a que as irregularidades intencionais ou causadas por negligência podem conduzir.

Regulamento n.o 3665/87

8

O Regulamento n.o 3665/87 foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 800/1999 da Comissão, de 15 de abril de 1999, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO 1999, L 102, p. 11, e — retificação — JO 1999, L 180, p. 53). Não obstante, o litígio principal continua a ser regido pelo Regulamento n.o 3665/87.

9

O artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 dispunha:

«[…] [E]m caso de pagamento indevido de uma restituição, o beneficiário será obrigado a reembolsar os montantes indevidamente recebidos — o que inclui qualquer sanção aplicável nos termos do primeiro parágrafo do n.o 1 — aumentados dos juros calculados em função do período decorrido entre o pagamento e o reembolso. […] Contudo:

a)

No caso de o pagamento estar coberto por uma garantia que ainda não tenha sido liberada, a execução da garantia em conformidade com o n.o 1 do artigo 23.o ou com o n.o 1 do artigo 33.o constituirá recuperação dos montantes devidos;

b)

No caso de a garantia ter sido liberada, o beneficiário pagará a parte da garantia que teria sido executada, aumentada dos juros calculados a partir da data da liberação até ao dia anterior à data do pagamento.

O pagamento será efetuado nos 30 dias seguintes à data de receção do pedido de pagamento.

[…]»

Regulamento n.o 3002/92

10

O Regulamento n.o 3002/92 foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 1130/2009 da Comissão, de 24 de novembro de 2009, que estabelece normas de execução comuns relativas ao controlo da utilização e/ou do destino de produtos de intervenção (JO 2009, L 310, p. 5). Contudo, o litígio principal continua a reger‑se pelo Regulamento n.o 3002/92.

11

O artigo 5.o‑A, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 3002/92 tinha a seguinte redação:

«1.   Se, após a liberação, total ou parcial, da garantia a que se refere o artigo 5.o, se verificar que todos ou alguns dos produtos não tiveram a utilização e/ou o destino previstos, a autoridade competente do Estado‑Membro em que a garantia foi liberada exigirá do operador em causa, […] o pagamento de um montante igual ao da garantia que teria sido executada se o incumprimento tivesse sido tomado em conta antes da sua liberação. Esse montante será acrescido de juros contados da data da liberação até ao dia anterior ao do pagamento.

O recebimento, pela autoridade competente, do montante referido no parágrafo anterior constitui a recuperação do benefício económico indevidamente concedido.

2.   O pagamento será efetuado no prazo de 30 dias a contar da data da receção do pedido de pagamento.

[…]»

Direito francês

12

A loi no 2008‑561, du 17 juin 2008, portant réforme de la prescription en matière civile (Lei n.o 2008‑561, de 17 de junho de 2008, que aprova a reforma da prescrição em matéria civil) (JORF n.o 141, de 18 de junho de 2008, p. 9856), instituiu um novo regime de prescrição de direito comum, codificado no artigo 2224.o do Código Civil, que dispõe:

«As ações pessoais ou mobiliárias prescrevem no prazo de cinco anos contados do dia em que o titular de um direito teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento dos factos que lhe permitem exercê‑lo.»

13

O artigo 26.o dessa lei dispõe:

«I. —

As disposições da presente lei que aumentem um prazo de prescrição são aplicáveis quando o prazo de prescrição não tenha chegado ao seu termo na data da sua entrada em vigor. Nesse caso, será tido em conta o prazo já decorrido.

II. —

As disposições da presente lei que reduzam um prazo de prescrição são aplicáveis às prescrições a partir do dia da entrada em vigor da presente lei, sem que a duração total possa exceder o prazo previsto na lei anterior.

III. —

Quanto tenha sido movido um processo antes da entrada em vigor da presente lei, a ação prossegue nos termos da lei antiga. Essa lei aplica‑se igualmente em sede de recurso de segunda e terceira instâncias […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

Em 26 de maio de 1999, a Glencore obteve um certificado de exportação de 3300 toneladas de cevada a granel para fabrico de cerveja, com direito a restituições à exportação.

15

Na sequência de uma inspeção aduaneira que detetou irregularidades nas modalidades de carregamento dos cereais nos navios destinados à exportação dessa cevada, o Office national interprofessionnel des céréales emitiu uma nota de cobrança à Glencore, no montante total de 93933,85 euros, correspondente às restituições à exportação indevidamente recebidas e a uma sanção e uma penalização correspondentes, respetivamente, a 50% e a 15% do montante dessas restituições. Essa nota de cobrança foi notificada a essa sociedade em 25 de fevereiro de 2004.

16

Entre maio e setembro de 2000, a Glencore apresentou às autoridades aduaneiras declarações de exportação relativas a uma quantidade de 43630,13 toneladas de trigo mole.

17

Na sequência de uma inspeção aduaneira que detetou irregularidades nas modalidades de armazenamento desse trigo antes da exportação, o Office national interprofessionnel des céréales emitiu, em 30 de novembro de 2005, à Glencore, três notas de cobrança, respetivamente, nos montantes de 113685,40 euros, 22285,60 euros e 934598,28 euros, a título de reembolso dos montantes indevidamente recebidos por essa sociedade. Essas notas de cobrança foram‑lhe notificadas por carta de 5 de janeiro de 2006.

18

Tendo impugnado infrutiferamente no tribunal competente as notas de cobrança referidas nos n.os 15 e 17 do presente acórdão, a Glencore pagou as quantias reclamadas, em 6 de abril de 2010, no que respeita à cevada cervejeira, e, em 27 de setembro de 2010, no que respeita aos montantes relativos à exportação do trigo mole.

19

Por decisão de 16 de abril de 2013, que tinha em anexo uma nota de cobrança datada de 12 de abril de 2013, a FranceAgriMer reclamou da Glencore o pagamento de uma quantia de 289569,05 euros por juros relativos às ajudas e aos montantes indevidamente recebidos por essa sociedade.

20

A Glencore interpôs recurso dessa decisão no tribunal de reenvio, invocando a prescrição da cobrança desses juros, à luz do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95.

21

Nestas condições, o tribunal administratif de Melun (Tribunal Administrativo de Melun, França) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É possível deduzir dos termos [do acórdão de 29 de março de 2012, Pfeifer & Langen (C‑564/10, EU:C:2012:190)], que o artigo 3.o do [Regulamento n.o 2988/95], é aplicável a medidas destinadas ao pagamento dos juros devidos em aplicação do artigo [11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87] e do artigo 5.o‑A do [Regulamento n.o 3002/92]?

2)

Deve considerar‑se o crédito [de] juros como o resultado, por natureza, de uma irregularidade ‘[continuada] ou repetida’ que termina no dia do pagamento da dívida principal e que adia, assim, até [essa] data o ponto de partida da prescrição no que lhe diz respeito?

3)

Em caso de resposta negativa à [segunda] questão […], deve o ponto de partida da prescrição ser fixado no dia em que foi praticada a irregularidade que deu origem ao crédito principal ou apenas pode ser fixado no dia do pagamento da ajuda ou da liberação da garantia que corresponde ao ponto de partida do cálculo dos referidos juros?

4)

Para a aplicação das regras de prescrição instituídas pelo Regulamento n.o 2988/95, deve entender‑se que qualquer ato que interrompa a prescrição no que respeita ao crédito principal interrompe igualmente a prescrição em curso quanto aos juros, mesmo que não seja feita referência a estes nos atos que interrompem a prescrição do crédito principal?

5)

A prescrição produz efeitos por ser alcançado o prazo máximo previsto [no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo,] do Regulamento n.o 2988/95 se, nesse prazo, o organismo pagador pedir o reembolso da ajuda indevidamente paga sem pedir, simultaneamente, o pagamento dos juros?

6)

Pode o prazo de prescrição de direito comum de cinco anos, introduzido [no] direito nacional [pelo] artigo 2224.o do [C]ódigo [C]ivil pela Lei n.o 2008‑561 […], ter substituído, para as prescrições que ainda não produziram efeitos no dia da entrada em vigor desta lei, o prazo de prescrição de 4 anos previsto pelo Regulamento n.o 2988/95, em aplicação da derrogação prevista no artigo 3.o, n.o 3, do referido regulamento?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

22

Com a primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição previsto nessa disposição é aplicável à cobrança de créditos de juros, como os que estão em causa no processo principal, devidos nos termos do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e do artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92.

23

A título preliminar, há que recordar que, de acordo com o seu artigo 1.o e como resulta do seu terceiro considerando, o Regulamento n.o 2988/95 introduz «uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito [da União]», para «combater em todos os domínios os atos lesivos dos interesses financeiros [da União]» (acórdão de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C‑52/14, EU:C:2015:381, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

24

Neste âmbito, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 prevê um prazo de prescrição do procedimento de quatro anos contado da prática da irregularidade ou, no caso de irregularidade continuada ou repetida, contado do dia em que cessou a irregularidade. Todavia, segundo essa disposição, as regulamentações setoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

25

No caso, as regulamentações setoriais da União aplicáveis no processo principal, a saber, o Regulamento n.o 3665/87, que contém o regime das restituições à exportação de produtos agrícolas, e o Regulamento n.o 3002/92, relativo ao controlo da utilização e/ou do destino de produtos de intervenção, não preveem quaisquer disposições específicas em matéria de prescrição.

26

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o prazo de quatro anos previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 é aplicável tanto às irregularidades que levam a uma sanção administrativa, na aceção do artigo 5.o desse regulamento, como a irregularidades, como as que estão em causa no processo principal, que são sujeitas a uma medida administrativa que retire o benefício indevidamente obtido, de acordo com o artigo 4.o desse regulamento (v., neste sentido, acórdão de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C‑52/14, EU:C:2015:381, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

27

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95, qualquer irregularidade, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, desse regulamento, leva, regra geral, à retirada do benefício indevidamente obtido, nomeadamente através da obrigação de pagamento dos montantes devidos ou de reembolso dos montantes indevidamente recebidos. No artigo 4.o, n.o 2, desse regulamento, esclarece‑se ainda que a aplicação das medidas previstas no n.o 1 desse artigo é limitada à retirada do benefício obtido, acrescida, se isso estiver previsto, de juros, que podem ser determinados de forma fixa.

28

No caso, está assente que as notas de cobrança em causa no processo principal, emitidas pela autoridade administrativa competente com vista à recuperação das ajudas e dos montantes indevidamente recebidos pela Glencore por causa das irregularidades por ela cometidas, foram adotadas com base no artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87, no que respeita à cevada cervejeira a granel, e no artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92, no que respeita ao trigo mole de intervenção. Resulta ainda dos autos no Tribunal de Justiça que a nota de cobrança relativa à recuperação dos juros a acrescer a essas ajudas e a esses montantes acabou por ser adotada com base nessas disposições.

29

A esse respeito, refira‑se que essas disposições determinam expressamente que o reembolso das ajudas e dos montantes indevidamente recebidos pelo operador em causa é acrescido de juros, calculados com base nessas ajudas e montantes, em função do tempo decorrido entre o momento da sua receção e o momento do seu reembolso. O artigo 5.o‑A, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 3002/92 precisa, a esse respeito, que a cobrança pela autoridade competente do montante assim calculado vale como recuperação do benefício económico indevidamente concedido ao operador em causa.

30

Assim, há que qualificar as notas de cobrança em causa no processo principal de «medidas administrativas», na aceção do artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 2988/95, tanto na medida em que dizem respeito ao montante principal como aos juros, uma vez que essas notas fazem parte, em conjunto, da retirada do benefício indevidamente obtido pelo operador em causa.

31

Daí resulta que o prazo de prescrição previsto no artigo 3.o, n.o 1, desse regulamento é aplicável em circunstâncias como as do processo principal.

32

Esta conclusão não é posta em causa pela jurisprudência do acórdão de 29 de março de 2012, Pfeifer & Langen (C‑564/10, EU:C:2012:190), em que se baseia o tribunal de reenvio. Com efeito, embora, no n.o 53 desse acórdão, o Tribunal de Justiça tenha entendido que o artigo 3.o do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição aí previsto para a recuperação do crédito principal não é aplicável à recuperação dos juros gerados por esse crédito, essa interpretação dizia respeito, como resulta desse número, a uma situação em que os juros eram devidos unicamente por força do direito nacional, e não, como no caso presente, por força do direito da União.

33

Em face destas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição aí previsto é aplicável à recuperação de créditos de juros, como os que estão em causa no processo principal, devidos com base no artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e no artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92.

Quanto à segunda questão

34

Com a segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um operador ser devedor de créditos de juros, como os que estão em causa no processo principal, constitui uma «irregularidade continuada ou repetida», na aceção dessa disposição, cujo prazo de prescrição corre a contar do dia em que as ajudas ou os montantes indevidamente recebidos, constitutivos do montante principal, foram reembolsados.

35

A título preliminar, há que recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma irregularidade é «continuada ou repetida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, quando é cometida por um operador que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União (acórdão de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C‑52/14, EU:C:2015:381, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

36

À luz desta definição, nas suas observações apresentadas no Tribunal de Justiça, o Governo francês alega, em substância, que a irregularidade, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, na origem de cada um dos créditos de juros em causa no processo principal deve ser considerada distinta da irregularidade que deu origem aos créditos principais. Assim, entende existir uma irregularidade continuada na persistente falta de pagamento do crédito principal, durante todo o período em que o operador permanece devedor desse crédito.

37

Contudo, em face das considerações que constam do n.o 29 do presente acórdão, os juros, como os do processo principal, não podem ser considerados resultantes de uma irregularidade, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, distinta da que levou à recuperação das ajudas e dos montantes constitutivos do crédito principal.

38

Com efeito, recorde‑se que a realização de uma irregularidade, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, implica o preenchimento de dois pressupostos, a saber, um ato ou uma omissão de um operador económico, constitutivo de uma violação do direito da União, e de uma lesão, ou de uma lesão potencial, para o orçamento da União (v., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 2015, Firma Ernst Kollmer Fleischimport und ‑export, C‑59/14, EU:C:2015:660, n.o 24).

39

Quanto ao pressuposto da existência de uma violação do direito da União, resulta do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e do artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92 que a mesma violação de uma disposição do direito da União dá origem simultaneamente à recuperação das quantias indevidamente recebidas por causa dessa violação e à cobrança de juros a acrescer a essas quantias, que fazem parte do conjunto da recuperação do benefício económico indevidamente concedido ao operador em causa.

40

Quanto ao pressuposto da existência de uma lesão, ou de uma lesão potencial, para o orçamento da União, há que referir, como, em substância, salienta o advogado‑geral nos n.os 51 e 60 das suas conclusões, que os juros previstos no artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e no artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92 constituem juros compensatórios destinados a refletir o valor atualizado da «lesão», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, entre a data da sua realização e a data do reembolso do seu montante pelo operador em causa.

41

Daí resulta que, ao contrário do que alega o Governo francês, no caso de violação das disposições dos Regulamentos n.os 3665/87 e 3002/92, uma irregularidade, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, dá origem à recuperação do benefício económico indevidamente concedido ao operador em causa, que é constituído, nos termos do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e do artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92, pelas ajudas e pelos montantes indevidamente recebidos por esse operador, acrescidos dos juros previstos nesses artigos.

42

Assim, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um operador ser devedor de créditos de juros, como os que estão em causa no processo principal, não constitui uma «irregularidade continuada ou repetida», na aceção dessa disposição. Esses créditos devem ser considerados resultantes da mesma irregularidade, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95, que levou à recuperação das ajudas e dos montantes indevidamente recebidos, constitutivos dos créditos principais.

Quanto à terceira questão

43

Com a terceira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, nos processos que levem à aplicação de medidas administrativas de recuperação de créditos de juros, como os que estão em causa no processo principal, o prazo de prescrição previsto nesse artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo corre a partir da data em que foi praticada a irregularidade que dá origem à recuperação das ajudas e dos montantes indevidos com base nos quais são calculados esses juros ou se esse prazo corre a partir do dia correspondente ao ponto de partida do cálculo desses juros.

44

A título preliminar, recorde‑se que resulta da resposta à segunda questão que os créditos como os que estão em causa no processo principal devem ser considerados resultantes da mesma irregularidade, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, tanto no que respeita ao montante principal como aos juros.

45

Assim, de acordo com a letra do artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, o prazo de prescrição do processo de recuperação desses créditos é de quatro anos contados da data em que foi cometida essa irregularidade.

46

É à luz do desenvolvimento dos factos em causa no processo principal que deve ser determinada a data em que foi cometida essa irregularidade.

47

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, em face dos pressupostos necessários à declaração de um irregularidade, recordados no n.o 38 do presente acórdão, o início do prazo de prescriçãositua‑se na data do facto ocorrido em último lugar, a saber, a data da realização da lesão, quando esta seja posterior ao ato ou omissão constitutivos de uma violação do direito da União, ou na data desse ato ou dessa omissão, quando o benefício em causa tenha sido concedido anteriormente a esse ato ou omissão (v., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 2015, Firma Ernst Kollmer Fleischimport und ‑export, C‑59/14, EU:C:2015:660, n.o 26).

48

A esse respeito, o Tribunal de Justiça precisou que, nos casos de restituições à exportação, uma «lesão», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, realiza‑se na data em que é tomada a decisão de conceder definitivamente o benefício em causa. Com efeito, é a partir dessa data que existe efetivamente uma lesão para o orçamento da União. Essa lesão não pode ser considerada existente antes da data da concessão definitiva desse benefício, sob pena de se admitir que o prazo de prescrição para recuperar esse mesmo benefício já pode correr apesar de este ainda não ter sido concedido (v., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 2015, Firma Ernst Kollmer Fleischimport und ‑export, C‑59/14, EU:C:2015:660, n.o 32). No caso de uma garantia como a prevista no artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92, a lesão, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, realiza‑se no dia da liberação dessa garantia.

49

No caso, a cronologia dos factos em causa no processo principal, tal como exposta na decisão de reenvio, não permite determinar, por um lado, em que data a «lesão», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, se realizou e, por outro, se essa lesão se produziu antes ou depois do ato ou da omissão constitutivos da violação do direito da União.

50

De qualquer forma, incumbe ao tribunal de reenvio, que tem o pleno conhecimento dos factos em causa no processo principal, determinar se, no caso, o benefício em causa foi definitivamente concedido antes do ato ou omissão constitutivos da violação do direito da União. Se assim for, o prazo de prescrição do processo de recuperação dos créditos constituídos pelos juros em causa começa a correr a partir desse ato ou omissão. Se, pelo contrário, se verificar que esse benefício foi concedido depois desse ato ou omissão, o dies a quo corresponde à data da concessão desse benefício e, portanto, ao dia correspondente ao ponto de partida da contagem desses juros.

51

Em face destas considerações, há que responder à terceira questão que o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de processos que levem à adoção de medidas administrativas de recuperação de créditos de juros, como as que estão em causa no processo principal, o prazo de prescrição previsto nesse artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, corre a partir da data em que foi praticada a irregularidade que dá origem à recuperação das ajudas e dos montantes indevidos com base nos quais são calculados esses juros, isto é, a data do elemento constitutivo dessa irregularidade, a saber, o ato ou omissão ou a lesão, que ocorra em último lugar.

Quanto à quarta e quinta questões

52

Com a quarta e quinta questões, a analisar em conjunto, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um processo que leve à adoção de medidas administrativas de recuperação de juros, como as que estão em causa no processo principal, se verifica a prescrição por ter corrido o prazo previsto nesse artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, quando, nesse prazo, a autoridade competente, tendo embora pedido o reembolso das ajudas ou dos montantes indevidamente recebidos pelo operador em causa, não adotou qualquer decisão quanto a esses juros.

53

Resulta tanto da redação como da sistemática do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 que essa disposição impõe, no seu quarto parágrafo, um limite absoluto aplicável à prescrição do procedimento contra uma irregularidade, verificando‑se essa prescrição no máximo no dia em que chegue ao seu termo um prazo igual ao dobro do prazo previsto no primeiro parágrafo dessa mesma disposição, sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, salvo nos casos de suspensão do procedimento administrativo nos termos do artigo 6.o, n.o 1, desse regulamento (acórdão de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C‑52/14, EU:C:2015:381, n.o 63).

54

À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, há que observar que esse limite absoluto se aplica igualmente à adoção de medidas administrativas, na aceção do artigo 4.o desse regulamento (acórdão de 3 de setembro de 2015, Sodiaal International, C‑383/14, EU:C:2015:541, n.o 33).

55

Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que esse limite contribui para reforçar a segurança jurídica dos operadores económicos ao impedir que a prescrição de processos relativos a uma irregularidade possa ser indefinidamente retardada por repetidos atos interruptivos (v., neste sentido, acórdão de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C‑52/14, EU:C:2015:381, n.o 64).

56

Assim, fora dos casos de suspensão do procedimento administrativo, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95, os atos de instrução ou de procedimento praticados pela autoridade competente e levados ao conhecimento da pessoa em causa, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, terceiro parágrafo, desse regulamento, não têm efeito interruptivo do prazo previsto no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, desse regulamento (v., neste sentido, acórdão de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C‑52/14, EU:C:2015:381, n.o 72).

57

Daí resulta que, seja como for, nos casos de irregularidades como as que estão em causa no processo principal, a autoridade competente tem de adotar as medidas administrativas de recuperação do benefício económico indevidamente concedido dentro do prazo previsto no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95.

58

Em face das considerações que figuram nos n.os 30 e 45 do presente acórdão, esse prazo aplica‑se tanto às medidas de recuperação dos montantes previstos no artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e no artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92 como às medidas relativas aos juros previstos nessas disposições, começando a correr a partir da data em que foi praticada a irregularidade, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, constitutiva da violação das disposições dos Regulamentos n.os 3665/87 e 3002/92.

59

Portanto, numa situação como a do processo principal, em que a autoridade competente pediu, num primeiro momento, o reembolso dos créditos principais, antes de pedir, num segundo momento, o reembolso dos juros, mesmo admitindo que tivessem sido praticados atos interruptivos da prescrição desses juros, essa autoridade tinha de adotar a sua decisão relativa ao reembolso desses juros no prazo previsto no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95.

60

Daí resulta que, tendo sido cometidas, como no processo principal, respetivamente em 1999 e 2000, irregularidades relativas aos Regulamentos n.os 3665/87 e 3002/92, o artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 não permitia que a autoridade competente adotasse, em 2013, uma decisão relativa aos juros devidos por força do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 3665/87 e do artigo 5.o‑A do Regulamento n.o 3002/92, uma vez que, nessa data e sem prejuízo de verificação pelo tribunal de reenvio, os créditos relativos a esses juros estavam prescritos. Em face do caráter absoluto do limite previsto no artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, esta conclusão impõe‑se igualmente quando, no prazo previsto nessa disposição, essa autoridade adotou uma decisão relativa ao reembolso dos montantes constitutivos do crédito principal.

61

Em face destas considerações, há que responder à quarta e quinta questões que o artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um processo que leve à adoção de medidas administrativas de recuperação de juros, como as que estão em causa no processo principal, verifica‑se a prescrição por ter corrido o prazo previsto nesse artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, quando, nesse prazo, a autoridade competente, tendo embora pedido o reembolso das ajudas ou dos montantes indevidamente recebidos pelo operador em causa, não adotou qualquer decisão quanto a esses juros.

Quanto à sexta questão

62

Com a sexta questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a do processo principal, um prazo de prescrição previsto no direito nacional, mais longo do que o prazo previsto no artigo 3.o, n.o 1, desse regulamento, pode ser aplicado à recuperação de créditos de juros constituídos antes da entrada em vigor desse prazo e ainda não prescritos nos termos desta última disposição.

63

Há que recordar que, de acordo com o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, os Estados‑Membros podem aplicar prazos de prescrição mais longos que o prazo mínimo de quatro anos previsto no artigo 3.o, n.o 1, desse regulamento (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.o 54).

64

A esse respeito, os Estados‑Membros conservam um amplo poder de apreciação quanto à fixação de prazos de prescrição mais longos que tencionem aplicar num caso de irregularidade que lese os interesses financeiros da União (acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.o 55 e jurisprudência aí referida).

65

Resulta ainda da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, de acordo com o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, os Estados‑Membros podem, por um lado, continuar a aplicar prazos de prescrição mais longos existentes à data da adoção desse regulamento e, por outro, introduzir posteriormente a essa data novas regras de prescrição que prevejam prazos de prescrição mais longos (acórdão de 29 de janeiro de 2009, Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 42).

66

Quanto ao processo principal, resulta da decisão de reenvio que, à data da prática das irregularidades em causa, não existia qualquer regime de prescrição no direito nacional, que pudesse ser aplicado em vez do regime previsto no Regulamento n.o 2988/95.

67

O tribunal de reenvio precisa, porém, que a Lei n.o 2008‑561, cujas disposições transitórias são descritas no n.o 13 do presente acórdão, introduziu um novo regime de prescrição de direito comum, que fixa o prazo dessa prescrição em cinco anos.

68

Nestas condições, a questão colocada pelo tribunal de reenvio é saber se o direito da União se opõe à aplicação de um prazo de prescrição mais longo, na aceção do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, na medida em que tenha o efeito de prolongar por um ano o prazo de prescrição em princípio aplicável a créditos ainda não prescritos.

69

Há que recordar, desde logo, que só se pode prever a possibilidade de aplicação de um prazo de prescrição mais longo do que o prazo previsto no artigo 3.o, n.o 1, desse regulamento se, à data da entrada em vigor desse prazo, os créditos em causa não estiverem prescritos à luz do primeiro ou do quarto parágrafo dessa disposição, que constitui um limite absoluto, conforme resulta dos n.os 53 e 59 do presente acórdão.

70

Por outro lado, se os Estados‑Membros previrem prazos de prescrição mais longos, nos termos do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, não são obrigados, no contexto dessa disposição, a prever prazos de prescrição mais longos nas regulamentações específicas e/ou setoriais (v., neste sentido, acórdão de 29 de janeiro de 2009, Josef Vosding Schlacht‑, Kühl‑ und Zerlegebetrieb e o., C‑278/07 a C‑280/07, EU:C:2009:38, n.o 46). Também podem adotar disposições legislativas que instituam um prazo de prescrição de caráter geral (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.os 57, 63 e jurisprudência aí referida).

71

Em qualquer caso, se for aplicado um prazo de prescrição mais longo nos termos do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, a prescrição constitui‑se, independentemente da adoção de um ato interruptivo da prescrição, no máximo no dia em que expira o prazo igual ao dobro desse prazo de prescrição mais longo.

72

Além disso, embora, como resulta do n.o 64 do presente acórdão, os Estados‑Membros conservem um amplo poder de apreciação quanto à fixação de prazos de prescrição mais longos, esses Estados devem respeitar os princípios gerais do direito da União, em particular os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.

73

Quanto ao princípio da segurança jurídica, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria penal, os Estados‑Membros podem, em princípio, proceder a um aumento dos prazos de prescrição quando os factos imputados nunca tenham prescrito (v., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o., C‑105/14, EU:C:2015:555, n.o 57).

74

Quanto ao princípio da proporcionalidade, refira‑se que a aplicação de um prazo nacional de prescrição mais longo, conforme previsto no artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, num processo contra irregularidades na aceção desse regulamento, não deve ir manifestamente além do necessário para se atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.o 59 e jurisprudência aí referida). No caso de um prazo de prescrição de cinco anos, como o prazo previsto no artigo 2224.o do Código Civil, na sua redação resultante da Lei n.o 2008‑561, refira‑se que só é superior em um ano ao previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95. Assim, esse prazo não vai além do necessário para permitir que as autoridades nacionais procedam contra as irregularidades que lesem o orçamento da União e respeita a exigência de proporcionalidade.

75

No que respeita, mais em particular, à situação em causa no processo principal, cabe ao tribunal de reenvio, tendo em conta a resposta dada à segunda e terceira questões e as considerações que constam do n.o 58 do presente acórdão sobre o ponto de partida do prazo de prescrição aplicável a créditos de juros como os do processo principal, verificar se, à data da entrada em vigor da Lei n.o 2008‑561, que institui um prazo de prescrição de cinco anos, esses créditos estavam prescritos à luz do primeiro parágrafo e do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95. Caso não estivesse constituída a prescrição nessa data, afigura‑se, por força do artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, que, de qualquer forma, o prazo igual ao dobro do prazo de cinco anos previsto nessa lei tinha expirado na data em que a autoridade competente tinha adotado a sua decisão a respeito dos juros em causa no processo principal, em abril de 2013, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

76

Em face destas considerações, há que responder à sexta questão que o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a do processo principal, um prazo de prescrição previsto no direito nacional, mais longo do que o prazo previsto no artigo 3.o, n.o 1, desse regulamento, pode ser aplicado à recuperação de créditos de juros constituídos antes da data da entrada em vigor desse prazo e ainda não prescritos nos termos desta última disposição.

Quanto às despesas

77

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 3. o , n. o 1, do Regulamento (CE, Euratom) n. o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição aí previsto é aplicável à recuperação de créditos de juros, como os que estão em causa no processo principal, devidos com base no artigo 11. o , n. o 3, do Regulamento (CEE) n. o 3665/87 da Comissão, de 27 de novembro de 1987, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n. o 495/97 da Comissão, de 18 de março de 1997, e no artigo 5. oA do Regulamento (CEE) n.o 3002/92 da Comissão, de 16 de outubro de 1992, que estabelece normas de execução comuns relativas ao controlo da utilização e/ou do destino de produtos de intervenção, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 770/96 da Comissão, de 26 de abril de 1996.

 

2)

O artigo 3. o , n. o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n. o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um operador ser devedor de créditos de juros, como os que estão em causa no processo principal, não constitui uma «irregularidade continuada ou repetida», na aceção dessa disposição. Esses créditos devem ser considerados resultantes da mesma irregularidade, na aceção do artigo 1. o , n. o 1, do Regulamento n. o 2988/95, que levou à recuperação das ajudas e dos montantes indevidamente recebidos, constitutivos dos créditos principais.

 

3)

O artigo 3. o , n. o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n. o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de processos que levem à adoção de medidas administrativas de recuperação de créditos de juros, como as que estão em causa no processo principal, o prazo de prescrição previsto nesse artigo 3. o , n. o 1, primeiro parágrafo, corre a partir da data em que foi praticada a irregularidade que dá origem à recuperação das ajudas e dos montantes indevidos com base nos quais são calculados esses juros, isto é, a data do elemento constitutivo dessa irregularidade, a saber, o ato ou omissão ou a lesão, que ocorra em último lugar.

 

4)

O artigo 3. o , n. o 1, quarto parágrafo, do Regulamento n. o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um processo que leve à adoção de medidas administrativas de recuperação de juros, como as que estão em causa no processo principal, verificase a prescrição por ter corrido o prazo previsto nesse artigo 3.o, n.o 1, quarto parágrafo, quando, nesse prazo, a autoridade competente, tendo embora pedido o reembolso das ajudas ou dos montantes indevidamente recebidos pelo operador em causa, não adotou qualquer decisão quanto a esses juros.

 

5)

O artigo 3. o , n. o 3, do Regulamento n. o 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a do processo principal, um prazo de prescrição previsto no direito nacional, mais longo do que o prazo previsto no artigo 3. o , n. o 1, desse regulamento, pode ser aplicado à recuperação de créditos de juros constituídos antes da data da entrada em vigor desse prazo e ainda não prescritos nos termos desta última disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.