ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

19 de outubro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 92/85/CEE — Artigo 4.o, n.o 1 — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Trabalhadora lactante — Avaliação dos riscos que apresenta o posto de trabalho — Contestação pela trabalhadora afetada — Diretiva 2006/54/CE — Artigo 19.o — Igualdade de tratamento — Discriminação baseada no sexo — Ónus da prova»

No processo C‑531/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza, Espanha), por decisão de 17 de julho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de outubro de 2015, no processo

Elda Otero Ramos

contra

Servicio Galego de Saúde,

Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, A. Tizzano, vice‑presidente, A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de outubro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Elda Otero Ramos, por F. López López, abogado,

em representação do Servicio Galego de Saúde, por S. Carballo Marcote, letrada,

em representação do Instituto Nacional de la Seguridad Social, por A. Lozano Mostazo e P. García Perea, letradas,

em representação do Governo espanhol, por A. Gavela Llopis e V. Ester Casas, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Guillem Carrau, C. Valero, A. Szmytkowska e I. Galindo Martín, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de abril de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 19.o da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO 2006, L 204, p. 23), bem como do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (JO 1992, L 348, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Elda Otero Ramos ao Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS) (Instituto Nacional da Segurança Social, a seguir «INSS») e ao Servicio Galego de Saúde (Serviço de Saúde da Comunidade Autónoma da Galiza, Espanha) sobre a recusa de emissão de uma declaração atestando que a execução, pela interessada, das funções inerentes ao seu posto de trabalho apresentava um risco para a amamentação do seu filho, com vista à atribuição de uma prestação pecuniária por risco durante a amamentação.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 92/85

3

O primeiro, oitavo a décimo primeiro e décimo quarto considerandos da Diretiva 92/85 enunciam:

«Considerando que o artigo 118.o‑A do Tratado prevê que o Conselho adote por meio de diretiva as prescrições mínimas destinadas a promover a melhoria, nomeadamente, das condições de trabalho, para proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores;

[…]

Considerando que as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes devem ser consideradas, sob diversos pontos de vista, como um grupo sujeito a riscos específicos e que devem ser tomadas medidas no que respeita à sua saúde e segurança;

Considerando que a proteção da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes não deve desfavorecer as mulheres no mercado de trabalho e não deve afetar as diretivas em matéria de igualdade de tratamento entre homens e mulheres;

[Considerando] que certas atividades podem apresentar um risco específico de exposição da trabalhadora grávida, puérpera ou lactante a agentes, processos ou condições de trabalho perigosos e que, por isso, estes riscos devem ser avaliados e o resultado dessa avaliação comunicado às trabalhadoras e/ou aos seus representantes;

Considerando que, por outro lado, no caso dessa avaliação revelar um risco para a segurança ou a saúde da trabalhadora, deve ser previsto um dispositivo de proteção desta;

[…]

Considerando que a vulnerabilidade da trabalhadora grávida, puérpera ou lactante torna necessário um direito a um período de licença de maternidade de pelo menos 14 semanas consecutivas, repartidas antes e/ou após o parto, e o caráter obrigatório de um período de licença de maternidade de pelo menos duas semanas, repartidas antes e/ou após o parto;

[…]»

4

O artigo 1.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 92/85 prevê:

«1.   A presente diretiva, que é a Décima Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE [do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO 1989, L 183, p. 1)], tem por objeto a adoção de medidas tendentes a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho.

2.   O disposto na [Diretiva 89/391], com exceção do n.o 2 do artigo 2.o, aplica‑se integralmente à totalidade do domínio referido no n.o 1, sem prejuízo de disposições mais restritivas e/ou específicas contidas na presente diretiva.»

5

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

c)

“trabalhadora lactante”: toda a trabalhadora lactante nos termos das legislações e/ou práticas nacionais que informe o empregador do seu estado, em conformidade com essas legislações e/ou práticas.»

6

O artigo 3.o da referida diretiva prevê:

«1.   A Comissão, em concertação com os Estados‑Membros e com a assistência do Comité Consultivo para a Segurança, a Higiene e a Proteção da Saúde no Local de Trabalho estabelecerá diretrizes relativas à avaliação dos agentes químicos, físicos e biológicos, bem como dos processos industriais que comportem riscos para a segurança ou a saúde das trabalhadoras referidas no artigo 2.o.

As diretrizes referidas no primeiro parágrafo abrangerão igualmente os movimentos e posturas, a fadiga mental e física e outras sobrecargas físicas e mentais ligadas à atividade das trabalhadoras referidas no artigo 2.o

2.   As diretrizes referidas no n.o 1 têm por objetivo servir de orientação à avaliação prevista no n.o 1 do artigo 4.o

Para o efeito, os Estados‑Membros darão a conhecer as referidas diretrizes aos empregadores e às trabalhadoras e/ou aos seus representantes no respetivo Estado‑Membro.»

7

As diretrizes mencionadas no artigo 3.o da Diretiva 92/85, na sua versão relevante para o presente processo, figuram na Comunicação da Comissão sobre as diretrizes relativas à avaliação dos agentes químicos, físicos e biológicos bem como dos processos industriais que comportem riscos para a segurança ou a saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes [COM(2000) 466 final/2] (a seguir «diretrizes»].

8

No que respeita à avaliação dos riscos e à informação dos trabalhadores sobre essa avaliação, o artigo 4.o da Diretiva 92/85 dispõe:

«1.   Para toda a atividade suscetível de apresentar um risco específico de exposição a agentes, processos ou condições de trabalho, cuja lista não exaustiva consta do anexo I, a natureza, o grau e a duração da exposição, na empresa e/ou estabelecimento em causa, das trabalhadoras referidas no artigo 2.o deverão ser avaliados pelo empregador, quer diretamente quer por intermédio dos serviços de proteção e prevenção referidos no artigo 7.o da [Diretiva 89/391], para que seja possível:

apreciar todo e qualquer risco para a segurança e/ou a saúde, bem como as repercussões sobre a gravidez ou a amamentação, das trabalhadoras referidas no artigo 2.o,

determinar as medidas a tomar.

2.   Sem prejuízo do artigo 10.o da [Diretiva 89/391], na empresa e/ou no estabelecimento, as trabalhadoras referidas no artigo 2.o e as que possam encontrar‑se numa das situações referidas no artigo 2.o e/ou os seus representantes serão informados dos resultados da avaliação referida no n.o 1, bem como de todas as medidas relativas à segurança e à saúde no local de trabalho.»

9

No que respeita às consequências da avaliação dos riscos, o artigo 5.o, n.os 1 a 3, desta diretiva prevê:

«1.   Sem prejuízo do artigo 6.o da Diretiva [89/391], se os resultados da avaliação referida no n.o 1 do artigo 4.o revelarem riscos para a segurança ou a saúde ou repercussões sobre a gravidez ou a amamentação de uma trabalhadora, na aceção do artigo 2.o, o empregador tomará as medidas necessárias para evitar a exposição dessa trabalhadora àqueles riscos, adaptando temporariamente as condições de trabalho e/ou do tempo de trabalho da trabalhadora em questão.

2.   Se a adaptação das condições de trabalho e/ou do tempo de trabalho não for técnica e/ou objetivamente possível ou não constituir uma exigência aceitável, por razões devidamente justificadas, o empregador tomará as medidas necessárias para garantir uma mudança de posto de trabalho à trabalhadora em causa.

3.   Caso a mudança de posto de trabalho não seja técnica e/ou objetivamente possível ou não constitua uma exigência aceitável, por razões devidamente justificadas, a trabalhadora em questão será dispensada do trabalho durante todo o período necessário à proteção da sua segurança ou saúde, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais.»

10

O artigo 12.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Defesa dos direitos», dispõe:

«Os Estados‑Membros introduzirão na sua ordem jurídica interna as medidas necessárias para permitir que qualquer trabalhador que se considere lesado pela não observância das obrigações decorrentes da presente diretiva exerça os seus direitos por via judicial e/ou, consoante as legislações e/ou práticas nacionais, por recurso a outras instâncias competentes.»

Diretiva 2006/54

11

O artigo 1.o da Diretiva 2006/54, sob a epígrafe «Objetivo», dispõe:

«A presente diretiva visa assegurar a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na atividade profissional.

Para o efeito, contém disposições de aplicação do princípio da igualdade de tratamento em matéria de:

1.

Acesso ao emprego, incluindo a promoção, e à formação profissional;

2.

Condições de trabalho, incluindo remuneração;

3.

Regimes profissionais de segurança social.

A presente diretiva comporta igualmente disposições para garantir maior eficácia a essa aplicação, através do estabelecimento de procedimentos adequados.»

12

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Discriminação direta”: sempre que, em razão do sexo, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

“Discriminação indireta”: sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

[…]

2.   Para efeitos da presente diretiva, o conceito de discriminação inclui:

[…]

c)

Qualquer tratamento menos favorável de uma mulher, no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, na aceção da [Diretiva 92/85].»

13

O artigo 14.o, n.o 1, da referida diretiva estende a proibição de discriminações, designadamente, às condições de trabalho e prevê o seguinte:

«Não haverá qualquer discriminação direta ou indireta em razão do sexo, nos setores público e privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

[…]

c)

Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento, bem como a remuneração, tal como estabelecido no artigo 141.o do Tratado [CE];

[…]»

14

No que respeita ao ónus da prova e ao acesso à justiça em caso de discriminação direta ou indireta, o artigo 19.o, n.os 1 e 4, da mesma diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias, em conformidade com os respetivos sistemas jurídicos, para assegurar que quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta, incumba à parte demandada provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento.

[…]

4.   Os n.os 1, 2 e 3 aplicar‑se‑ão também:

a)

Às situações abrangidas pelo artigo 141.o do Tratado [CE] e, na medida em que haja discriminação baseada no sexo, pelas Diretivas [92/85] e [96/34/CE do Conselho, de 3 de junho de 1996, relativa ao Acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICEF, pelo CEEP e pela CES (JO 1996, L 145, p. 4)];

b)

Ao processo civil ou administrativo, no setor público ou privado, cujo recurso seja previsto no direito nacional em aplicação das disposições previstas na alínea a), com exceção dos processos graciosos de natureza voluntária ou previstos no direito nacional.

[…]»

15

O artigo 28.o da Diretiva 2006/54 indica que esta última não prejudica disposições relativas à proteção das mulheres, em particular no que diz respeito à gravidez e à maternidade, e não prejudica as disposições das Diretivas 96/34 e 92/85.

Direito espanhol

16

A prestação social associada aos riscos durante a amamentação foi integrada na ordem jurídica espanhola pela Ley Orgánica 3/2007 para la igualdad efectiva de mujeres y hombres (Lei Orgânica 3/2007 para a igualdade efetiva entre mulheres e homens), de 22 de março de 2007 (BOE n.o 71, p. 12611, de 23 de março de 2007, a seguir «Lei 3/2007»).

17

A Lei 3/2007 tem por objetivo favorecer a integração das mulheres no mundo do trabalho, permitindo‑lhes conciliar a vida profissional com a vida privada e com a vida familiar.

18

A décima segunda disposição adicional desta lei alterou o artigo 26.o da Ley 31/1995 de Prevención de Riesgos Laborales (Lei 31/1995 relativa à prevenção de riscos profissionais), de 8 de novembro de 1995 (BOE n.o 269, de 10 de novembro de 1995, p. 32590, a seguir «Lei 31/1995»), ao incluir a proteção da trabalhadora e do recém‑nascido nas situações de risco existentes durante o aleitamento materno quando as condições de um posto de trabalho são suscetíveis de ter repercussões negativas na saúde da trabalhadora ou do seu filho.

19

O artigo 26.o da Lei 31/1995 tem a seguinte redação:

«1.   A avaliação dos riscos [para a segurança ou saúde dos trabalhadores] a que se refere o artigo 16.o da presente lei deverá compreender a determinação da natureza, do grau e da duração da exposição das trabalhadoras em situação de gravidez ou parto recente a agentes, procedimentos ou condições de trabalho que possam influir negativamente na saúde das trabalhadoras ou do feto, em qualquer atividade suscetível de apresentar um risco específico. Se os resultados da avaliação revelarem um risco para a segurança ou saúde ou uma possível repercussão na gravidez ou no aleitamento das referidas trabalhadoras, a entidade empregadora adotará as medidas necessárias para evitar a exposição a esse risco, pela adaptação das condições ou do tempo de trabalho da trabalhadora afetada.

Essas medidas incluirão, se necessário, a não realização de trabalho noturno ou de trabalho por turnos.

2.   Quando a adaptação das condições ou do tempo de trabalho não seja possível ou quando, apesar de tal adaptação, as condições de um posto de trabalho possam influir negativamente na saúde da trabalhadora grávida ou do feto, e se assim for atestado pelos Serviços Médicos do [INSS] ou das associações mutualistas, consoante a entidade com a qual a entidade empregadora tenha acordado a cobertura dos riscos profissionais, com o relatório do médico do Servicio Nacional de Salud [Serviço Nacional de Saúde, Espanha] que assista a trabalhadora, esta deverá ser afetada a um posto de trabalho ou a uma função diferente e compatível com o seu estado. Para tal, a entidade empregadora deve estabelecer, após consulta dos representantes dos trabalhadores, a lista dos postos de trabalho isentos de riscos.

A mudança de posto ou função é efetuada em conformidade com as regras e critérios aplicáveis nos casos de mobilidade funcional e produzirá efeitos até ao momento em que o estado de saúde da trabalhadora permita a sua reintegração no posto anterior.

[…]

3.   Se a mudança de posto referida não for técnica ou objetivamente possível, ou não constituir uma exigência aceitável, por razões justificadas, pode declarar‑se a passagem da trabalhadora à situação de suspensão do contrato de trabalho por risco durante a gravidez, contemplada no artigo 45.o, n.o 1, alínea d), [do Real Decreto Legislativo 1/1995, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Real Decreto Legislativo 1/1995, que aprova o texto republicado do Estatuto dos Trabalhadores), de 24 de março de 1995 (BOE n.o 75, de 29 de março de 1995, p. 9654)], pelo período necessário à proteção da sua segurança e saúde e enquanto persistir a impossibilidade de ser reintegrada no seu posto anterior ou noutro posto compatível com o seu estado.

4.   O disposto nos n.os 1 e 2 do presente artigo é também aplicável no período de aleitamento materno, se as condições de trabalho influírem negativamente na saúde da trabalhadora ou do filho e se a existência dessa situação for atestada, com o relatório do médico do Serviço Nacional de Saúde que assista a trabalhadora ou o seu filho, pelos Serviços Médicos do [INSS] ou das associações mutualistas, consoante o tipo de entidade com a qual a entidade empregadora tenha acordado a cobertura dos riscos profissionais. Pode, além disso, declarar‑se a passagem da trabalhadora à situação de suspensão do contrato por risco durante a amamentação de filhos de idade inferior a nove meses, contemplada no artigo 45.o, n.o 1, alínea d), do [Real Decreto Legislativo 1/1995], se estiverem reunidas as circunstâncias previstas no n.o 3 deste artigo.

[…]»

20

A décima oitava disposição adicional da Lei 3/2007 alterou a legislação espanhola de modo a que o período de aleitamento materno seja expressamente reconhecido como uma das situações abrangidas pela Ley General de la Seguridad Social — Real Decreto Legislativo 1/1994 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General de la Seguridad Social (Real Decreto Legislativo 1/1994, que aprova o texto republicado da Lei Geral da Segurança Social), de 20 de junho de 1994 (BOE n.o 154, de 29 de junho de 1994, p. 20658, a seguir «Lei Geral da Segurança Social»).

21

O artigo 135.o bis da Lei Geral da Segurança Social dispõe:

«Situação protegida. — Para efeitos da prestação pecuniária por risco durante o aleitamento materno, considera‑se como situação protegida o período de suspensão do contrato de trabalho nos casos em que, devendo a trabalhadora mudar de posto de trabalho para outro compatível com a sua situação, nos termos do artigo 26.o, n.o 4, da Lei 31/1995, essa mudança não for técnica ou objetivamente possível, ou não constituir uma exigência aceitável, por razões justificadas.»

22

O artigo 135.o ter da Lei Geral da Segurança Social prevê:

«Prestações pecuniárias. — A prestação pecuniária por risco durante o aleitamento materno é concedida à mulher trabalhadora nos termos e condições previstos na presente lei para a prestação pecuniária por risco durante a gravidez, e extingue‑se no momento em que o filho complete nove meses de idade, salvo se a beneficiária tiver sido entretanto reintegrada no seu posto de trabalho anterior ou noutro compatível com a sua situação.»

23

No que respeita ao direito processual, o artigo 96.o, n.o 2, da Ley 36/2011, reguladora de la jurisdicción social (Lei 36/2011, relativa ao processo de trabalho), de 10 de outubro de 2011 (BOE n.o 245, p. 106584, de 11 de outubro de 2011), prevê:

«Ónus da prova em caso de discriminação e de acidentes de trabalho

[…]

2.   Nos processos relativos a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, compete aos responsáveis pela segurança e aos que contribuem para a produção da situação lesiva a prova de que foram tomadas as medidas necessárias para prevenir ou evitar o risco, bem como de quaisquer outros fatores que excluam ou atenuem a sua responsabilidade. As responsabilidades não podem ser elididas com base numa falta leve do trabalhador ou numa falta imputável ao exercício habitual do trabalho em causa ou à confiança que este inspira.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

24

Resulta da decisão de reenvio que E. Otero Ramos trabalha como enfermeira no serviço de urgências do Centro Hospitalario Universitario de A Coruña (Centro Hospitalar Universitário, Corunha, Espanha, a seguir «CHU»), hospital público que depende do Serviço de Saúde da Comunidade Autónoma da Galiza.

25

Em 22 de dezembro de 2011, E. Otero Ramos deu à luz uma criança, que, posteriormente, recebeu aleitamento materno.

26

Em 19 de março de 2012, E. Otero Ramos comunicou à entidade empregadora que amamentava o seu filho e que as funções exigidas pelo seu posto de trabalho poderiam ter repercussões negativas nessa amamentação e expô‑la a riscos para a sua saúde e segurança, devido, designadamente, à complexidade do ritmo de trabalho com base em equipas rotativas, às radiações ionizantes, às infeções nosocomiais e ao stress. Por conseguinte, apresentou um pedido de adaptação das condições de trabalho e de aplicação de medidas preventivas.

27

Em 10 de abril de 2012, a direção do CHU emitiu um relatório que indicava que o posto de trabalho de E. Otero Ramos não apresentava quaisquer riscos para a amamentação do seu filho e indeferiu o pedido apresentado por esta última.

28

Em 8 de maio de 2012, E. Otero Ramos pediu à Dirección Provincial del Instituto Nacional de la Seguridad Social de A Coruña (Direção regional do INSS da Corunha, Espanha) um atestado médico que declarasse que existia um risco para a amamentação do seu filho, para efeitos da atribuição de uma prestação pecuniária por risco durante a amamentação.

29

A Direção regional do INSS da Corunha tomou em consideração, para a apreciação do pedido, por um lado, uma declaração do diretor dos recursos humanos do CHU, que atestava que o posto de trabalho de E. Otero Ramos, concretamente, de enfermeira no serviço de urgências, figurava na lista dos postos de trabalho isentos de risco estabelecida pelo CHU após consulta dos representantes dos trabalhadores. Por outro lado, teve em conta o relatório de um médico do departamento de medicina preventiva e de prevenção dos riscos profissionais, que confirmava que E. Otero Ramos tinha sido examinada e que declarava que esta estava apta para o desempenho das tarefas inerentes ao seu posto de trabalho.

30

Com base nesses documentos, o INSS, por decisão de 10 de maio de 2012, considerou que não tinha ficado demonstrado que o posto de trabalho de E. Otero Ramos apresentava um risco para a amamentação do seu filho e, consequentemente, indeferiu o seu pedido.

31

Em 11 de julho de 2012, E. Otero Ramos interpôs recurso dessa decisão para o Juzgado de lo Social n.o 2 de A Coruña (Tribunal do Trabalho n.o 2 da Corunha, Espanha) alegando que o seu posto de trabalho a expunha a um risco para a amamentação do seu filho. Em apoio da sua contestação, apresentou uma carta assinada pela sua superiora hierárquica direta, a chefe de serviço da unidade de urgências do CHU, que indicava, em substância, que o trabalho de enfermeira nesta unidade apresentava riscos físicos, químicos, biológicos e psicossociais para a trabalhadora lactante e para o seu filho.

32

Por decisão de 24 de outubro de 2013, o referido órgão jurisdicional negou provimento ao recurso interposto por E. Otero Ramos com o fundamento de que não estava demonstrado que o posto de trabalho desta última apresentava o risco alegado. Esse órgão jurisdicional considerou, além disso, que o litígio que era chamado a julgar era semelhante a outros processos em que tanto o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) como o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza, Espanha), tinham adotado um critério rigoroso em matéria de apreciação da prova da existência de um risco relevante para a concessão do benefício, e que, no caso em apreço, nenhum elemento novo justificava que dele se afastasse.

33

E. Otero Ramos interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

34

Esse órgão jurisdicional pergunta‑se, em substância, sobre se é possível aplicar as regras do ónus da prova estabelecidas no artigo 19.o da Diretiva 2006/54 para demonstrar a existência de uma situação de risco durante o aleitamento materno, na aceção do artigo 26.o, n.o 3, da Lei 31/1995, que transpõe para o direito interno o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 92/85.

35

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as referidas regras são aplicáveis a essa questão, na medida em que a dispensa de trabalho prevista no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 92/85 pode ser qualificada de «condições de emprego e de trabalho», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/54. A circunstância de, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, a discriminação abranger qualquer tratamento menos favorável de uma mulher, no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, na aceção da Diretiva 92/85, milita igualmente a favor dessa interpretação.

36

No pressuposto de que o artigo 19.o da Diretiva 2006/54 seja aplicável num processo como o principal, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se de que modo essas regras devem ser aplicadas e, designadamente, como deve o ónus da prova ser repartido entre as partes. Concretamente, este tribunal pretende saber, por um lado, se um relatório, escrito pela superiora hierárquica direta da trabalhadora em questão, que refere riscos para a amamentação, constitui um indício suficiente que permita presumir que existe discriminação baseada no sexo, na aceção da referida disposição, e, por outro, se uma lista de postos de trabalho isentos de risco, elaborada pela entidade empregadora, conjugada com um relatório emitido pelo serviço de prevenção e que declara, sem apresentar mais explicações, que a referida trabalhadora está apta para o trabalho, são suficientes para provar que não houve nenhuma violação do princípio da igualdade de tratamento.

37

Na hipótese de existirem indícios suscetíveis de demonstrar o risco alegado, coloca‑se igualmente a questão de saber quem é que deve provar, se a trabalhadora lactante ou se a entidade empregadora, que a adaptação das condições ou do tempo de trabalho da primeira não é possível ou que, apesar dessa adaptação, as condições do posto de trabalho da trabalhadora lactante podem influir negativamente na sua saúde ou na do seu filho, na aceção do artigo 26.o, n.o 2, da Lei 31/1995, que transpõe o artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 92/85, e que a mudança de posto não é técnica ou objetivamente possível ou não pode ser razoavelmente exigida à entidade empregadora por razões devidamente justificadas, na aceção do artigo 26.o, n.o 3, dessa lei, que transpõe o artigo 5.o, n.o 3, da referida diretiva.

38

Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Tribunal Superior de Justiça da Galiza) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

São aplicáveis as regras do ónus da prova estabelecidas no artigo 19.o da Diretiva [2006/54] à situação de risco durante o aleitamento natural prevista no artigo 26.o, n.o 4, conjugado com o n.o 3, da [Lei 31/1995], que transpõe para o direito interno espanhol o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva [92/85]?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode a existência de riscos para o aleitamento natural no exercício da profissão de enfermeira colocada num serviço de urgências hospitalares, demonstrados num relatório fundamentado elaborado por um médico que por sua vez é o chefe do serviço de urgência do hospital onde a trabalhadora presta os seus serviços, ser considerada um elemento de facto constitutivo da presunção de discriminação direta ou indireta na aceção do artigo 19.o da [Diretiva 2006/54]?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, pode o facto de o posto de trabalho ocupado pela trabalhadora figurar como isento de risco na lista de postos de trabalho elaborada pela entidade empregadora, após consulta dos representantes dos trabalhadores, e de o serviço de medicina preventiva/prevenção de riscos profissionais do hospital em causa ter emitido um atestado de aptidão, sem mais pormenores sobre como se chegou a essas conclusões nesses documentos, ser considerados elementos de prova, em qualquer caso e sem poder ser postos em causa, de que não houve violação do princípio da igualdade na aceção do referido artigo 19.o?

4)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão e de resposta negativa à terceira questão, qual das partes — trabalhadora recorrente ou entidade empregadora recorrida — tem, por força do artigo 19.o da [Diretiva 2006/54], o ónus de provar, uma vez provada a existência de riscos para a mãe ou para o filho lactente devido à realização do trabalho […] que a adaptação das condições ou do tempo de trabalho não é possível ou, apesar dessa adaptação, que as condições do posto de trabalho podem influir negativamente na saúde da trabalhadora grávida ou do lactente — artigo 26.o, n.o 2, conjugado com o n.o 4, da [Lei 31/1995], que transpõe o artigo 5.o, n.o 2, da [Diretiva 92/85] —, e […] que a mudança de posto não é técnica ou objetivamente possível ou não constitui uma exigência aceitável, por razões justificadas — artigo 26.o, n.o 3, conjugado com o n.o 4, da [Lei 31/1995], que transpõe o artigo 5.o, n.o 3, da [Diretiva 92/85]?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

39

Segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação judicial entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituída pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, compete ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram apresentadas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir dos litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (acórdãos de 19 de setembro de 2013, Betriu Montull, C‑5/12, EU:C:2013:571, n.o 40 e jurisprudência referida, e de 13 de fevereiro de 2014, TSN e YTN, C‑512/11 e C‑513/11, EU:C:2014:73, n.o 32).

40

Por conseguinte, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado as suas questões à interpretação do artigo 19.o da Diretiva 2006/54 e do artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 92/85, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, e nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, acórdãos de 19 de setembro de 2013, Betriu Montull, C‑5/12, EU:C:2013:571, n.o 41 e jurisprudência referida, e de 13 de fevereiro de 2014, TSN e YTN, C‑512/11 e C‑513/11, EU:C:2014:73, n.o 33).

41

No caso vertente, resulta da decisão de reenvio e dos elementos do processo submetidos ao Tribunal de Justiça que E. Otero Ramos impugna, perante o órgão jurisdicional de reenvio, a avaliação dos riscos que apresenta o seu posto de trabalho, na qual se baseia a decisão do INSS, na medida em que não foi efetuada em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85.

42

Tendo em conta estas considerações, há que reformular as questões submetidas no sentido de que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal, na qual uma trabalhadora impugna, perante um tribunal nacional ou qualquer outra instância competente do Estado‑Membro em causa, a avaliação dos riscos que apresenta o seu posto de trabalho, na medida em que não foi efetuada em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85.

43

Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, com a segunda a quarta questões, quais são as modalidades de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 a uma situação como a que está em causa no processo principal.

Quanto à primeira questão

44

Para dar uma resposta útil a esta questão, conforme reformulada no n.o 42 do presente acórdão, importa, em primeiro lugar, recordar as exigências a que a avaliação dos riscos apresentados pelo posto de trabalho de uma trabalhadora lactante deve responder, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85.

45

Neste contexto, importa salientar que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85 exige à entidade empregadora que avalie, quer diretamente quer por intermédio dos serviços de proteção e prevenção, a natureza, o grau e a duração da exposição das trabalhadoras, na aceção do artigo 2.o desta diretiva, a agentes, processos ou condições de trabalho, cuja lista não exaustiva consta do anexo I da referida diretiva, para toda a atividade suscetível de apresentar um risco específico neste domínio. Essa avaliação é efetuada para possibilitar a apreciação de todo e qualquer risco para a segurança ou saúde, bem como de quaisquer repercussões designadamente na gravidez ou na amamentação, e determinar as medidas a tomar.

46

Para efeitos da interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85, há que tomar em consideração as diretrizes, dado que estas têm por objetivo, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, da mesma diretiva, servir de orientação à avaliação prevista no referido artigo 4.o, n.o 1.

47

Ora, resulta das páginas 6 e 7 das diretrizes que a avaliação dos riscos é um «exame sistemático de todos os aspetos do trabalho» que compreende pelo menos três fases.

48

A primeira fase consiste na identificação dos perigos (agentes físicos, químicos e biológicos; processos industriais; movimentos e posturas; fadiga mental e física; outras sobrecargas físicas e mentais). A segunda fase prevê a identificação das categorias de trabalhadoras (trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes expostas) que se encontram expostas a um ou vários desses perigos. A terceira fase, que corresponde à avaliação dos riscos, tanto em termos qualitativos como quantitativos, constitui «a fase mais delicada do processo, uma vez que a pessoa que procede à avaliação deve ser competente e ter em devida conta as informações pertinentes […] na aplicação de métodos adequados para poder decidir se o perigo detetado acarreta uma situação de risco para as trabalhadoras».

49

As diretrizes especificam, nas páginas 11 e 12, que «podem existir riscos diferentes consoante se trate de uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante». No que respeita, especificamente, às mulheres lactantes, as entidades empregadoras devem, durante todo o aleitamento materno, proceder regularmente a uma avaliação dos riscos para evitar ou reduzir, na medida do possível, a exposição destas trabalhadoras a riscos para a saúde ou a segurança, designadamente, a exposição a substâncias como o chumbo, os solventes orgânicos, os pesticidas e os antimitóticos. Com efeito, algumas destas substâncias encontram‑se no leite materno e a criança é considerada particularmente sensível às mesmas. Estas diretrizes indicam igualmente que, em casos especiais, pode ser necessário aconselhamento profissional por especialistas de medicina do trabalho.

50

Além disso, as referidas diretrizes contêm, nas páginas 13 a 35, dois quadros pormenorizados. O primeiro é relativo à avaliação dos riscos, das situações e dos perigos gerais a que estão expostas a maior parte das mulheres grávidas, puérperas ou lactantes. O segundo, intitulado «Perigos específicos», refere, na introdução, que, sendo a gravidez um estado dinâmico que implica transformações e desenvolvimentos constantes, as mesmas condições de trabalho podem colocar problemas de saúde e segurança diferentes para mulheres diferentes e nas diversas fases da gravidez, bem como quando a interessada retoma o trabalho após o parto ou durante a amamentação. Alguns destes problemas são previsíveis e têm caráter geral, outros dependem das circunstâncias individuais e do historial médico pessoal.

51

Resulta assim das diretrizes que, para observar as exigências do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85, a avaliação dos riscos que apresenta o posto de trabalho de uma trabalhadora lactante deve incluir um exame específico que tome em consideração a situação individual da trabalhadora em causa para determinar se a sua saúde ou segurança ou as do seu filho estão expostas a um risco.

52

Em segundo lugar, importa recordar que, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias, em conformidade com os respetivos sistemas jurídicos, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela inobservância, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento e apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta, incumba à parte demandada provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento.

53

O artigo 19.o, n.o 4, alínea a), desta diretiva precisa, designadamente, que as regras de inversão do ónus da prova previstas pelo n.o 1 do mesmo artigo são igualmente aplicáveis às situações abrangidas pela Diretiva 92/85, na medida em que haja discriminação baseada no sexo.

54

Importa, pois, determinar se uma situação como a que está em causa no processo principal constitui uma discriminação baseada no sexo, na aceção da Diretiva 2006/54.

55

A este respeito, importa salientar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/54, a discriminação inclui «qualquer tratamento menos favorável de uma mulher, no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, na aceção da Diretiva [92/85]».

56

Conforme prevê expressamente o artigo 1.o da Diretiva 92/85, esta tem por objeto a adoção de medidas tendentes a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho.

57

Como o Tribunal de Justiça já salientou, o objetivo prosseguido pelas regras do direito da União que regulam a igualdade entre homens e mulheres no domínio dos direitos das mulheres grávidas, puérperas ou lactantes consiste em protegê‑las antes e depois do parto (acórdão de 11 de novembro de 2010, Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.o 68 e jurisprudência referida).

58

Além disso, resulta do décimo quarto considerando e do artigo 8.o da Diretiva 92/85 que «a vulnerabilidade da trabalhadora grávida, puérpera ou lactante torna necessário um direito a um período de licença de maternidade de pelo menos 14 semanas consecutivas, repartidas antes e/ou após o parto, e o caráter obrigatório de um período de licença de maternidade de pelo menos duas semanas, repartidas antes e/ou após o parto». Assim, a licença de maternidade visa proteger a trabalhadora grávida, a trabalhadora puérpera e a trabalhadora lactante.

59

Daqui resulta que, uma vez que a condição de mulher lactante está estreitamente associada à maternidade, e especialmente à «gravidez ou [à] licença de maternidade», as trabalhadoras lactantes devem ser protegidas do mesmo modo que as trabalhadoras grávidas ou puérperas.

60

Por conseguinte, qualquer tratamento menos favorável de uma trabalhadora em razão da sua condição de lactante deve ser considerado abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/54 e constitui, portanto, uma discriminação direta baseada no sexo.

61

Importa salientar, neste contexto, que, no que se refere à proteção da gravidez e da maternidade, o Tribunal de Justiça já afirmou reiteradamente que, ao reservar aos Estados‑Membros o direito de manterem ou de introduzirem disposições destinadas a assegurar essa proteção, o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2006/54 reconhece a legitimidade, à luz do princípio da igualdade de tratamento entre os sexos, por um lado, da proteção da condição biológica da mulher durante a gravidez e na sequência desta e, por outro, da proteção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período subsequente ao parto (acórdão de 30 de setembro de 2010, Roca Álvarez, C‑104/09, EU:C:2010:561, n.o 27 e jurisprudência referida).

62

Como salientou a advogada‑geral no n.o 57 das suas conclusões, quando os riscos apresentados pelo posto de trabalho de uma trabalhadora lactante não foram avaliados em conformidade com os requisitos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85, a trabalhadora em causa e o seu filho ficam privados da proteção de que devem beneficiar ao abrigo dessa diretiva, dado que podem estar expostos aos riscos potenciais cuja existência não foi corretamente determinada quando da avaliação dos riscos que apresenta o posto de trabalho da trabalhadora em causa. A este propósito, uma trabalhadora lactante não pode ser tratada da mesma maneira que qualquer outro trabalhador, dado que a sua situação específica requer imperativamente um tratamento especial pela entidade empregadora.

63

Por conseguinte, o facto de não avaliar o risco que apresenta o posto de trabalho de uma trabalhadora lactante, em conformidade com as exigências do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85, deve ser considerado como um tratamento menos favorável de uma mulher relacionado com a gravidez ou com a licença de maternidade, na aceção desta diretiva, e constitui, como resulta do n.o 60 do presente acórdão, uma discriminação direta baseada no sexo, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/54.

64

Ora, em conformidade com o artigo 14.o da Diretiva 2006/54, essa discriminação é abrangida pela proibição prevista pela mesma diretiva, na medida em que diz respeito às condições de emprego e de trabalho da trabalhadora em causa, na aceção do n.o 1, alínea c), deste artigo. Com efeito, resulta do artigo 5.o da Diretiva 92/85 que a constatação, no final da avaliação prevista no artigo 4.o da mesma diretiva, de um risco para a saúde ou segurança dessa trabalhadora ou de repercussões na amamentação terá como consequências uma adaptação das condições de trabalho e/ou do tempo de trabalho, uma mudança de posto de trabalho, ou mesmo uma dispensa do trabalho durante todo o período necessário à proteção da sua segurança ou saúde.

65

Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal, na qual uma trabalhadora impugna, perante um tribunal nacional ou qualquer outra instância competente do Estado‑Membro em causa, a avaliação dos riscos que apresenta o seu posto de trabalho, na medida em que não foi efetuada em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85.

Quanto à segunda a quarta questões

66

Com a segunda a quarta questões, conforme reformuladas no n.o 43 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, quais são as modalidades de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 a uma situação como a que está em causa no processo principal.

67

Importa precisar, a este propósito, que as regras previstas nessa disposição não são aplicáveis no momento em que a trabalhadora em causa pede uma adaptação das suas condições de trabalho ou, como no processo principal, uma prestação pecuniária por risco durante o aleitamento materno, exigindo a realização de uma avaliação dos riscos apresentados pelo seu posto de trabalho, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85. Só numa fase posterior, em que uma decisão relativa a essa avaliação dos riscos é impugnada pela trabalhadora em causa perante um tribunal nacional ou qualquer outra instância competente, é que essas regras se destinam a ser aplicadas.

68

Assim, em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54, incumbe à trabalhadora que se considere lesada pela inobservância, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, factos ou elementos de prova que permitam presumir a existência de discriminação direta ou indireta (v., neste sentido, acórdão de 21 de julho de 2011, Kelly, C‑104/10, EU:C:2011:506, n.o 29).

69

Numa situação como a que está em causa no processo principal, isso significa que a trabalhadora em causa deve apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente do Estado‑Membro em causa, factos ou elementos de prova que permitam demonstrar que a avaliação dos riscos apresentados pelo seu posto de trabalho não foi efetuada em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85 e que, consequentemente, foi discriminada.

70

Só no caso de a trabalhadora em causa ter demonstrado esses factos ou apresentado elementos de prova é que há inversão do ónus da prova e que compete à parte demandada provar que não houve violação do princípio da não discriminação (v., neste sentido, acórdão de 21 de julho de 2011, Kelly, C‑104/10, EU:C:2011:506, n.o 30).

71

No caso em apreço, importa salientar que a carta apresentada por E. Otero Ramos, assinada pela sua superior hierárquica direta, a saber, a chefe de serviço da unidade das urgências do CHU, parece indicar, de maneira fundamentada, que o posto de trabalho desta última apresenta riscos físicos, químicos, biológicos e psicossociais para a amamentação, e parece, assim, contradizer os resultados da avaliação dos riscos apresentados pelo seu posto de trabalho em que se baseia a decisão do INSS e que a referida trabalhadora impugna.

72

Ora, como salientou a advogada‑geral nos n.os 46 e 47 das suas conclusões, os documentos em que se baseia essa avaliação não contêm uma explicação fundamentada sobre o modo como se chegou a essas conclusões.

73

Nestas condições, importa salientar que, a priori, a carta apresentada por E. Otero Ramos constitui um elemento de prova suscetível de demonstrar que a avaliação dos riscos que o seu posto de trabalho apresenta não incluía um exame específico que tomasse em consideração a sua situação individual e que, conforme resulta do n.o 51 do presente acórdão, essa avaliação não era, pois, conforme com as exigências do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85. Incumbirá, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio — único competente para apreciar em conformidade com as normas processuais nacionais os factos e os elementos de prova relevantes — verificar se é esse efetivamente o caso.

74

Caberá, portanto, à parte demandada provar que a avaliação dos riscos previstos no artigo 4.o da Diretiva 92/85 foi feita em conformidade com as exigências dessa disposição, entendendo‑se que documentos como uma declaração da entidade empregadora, segundo a qual um posto é classificado como «isento de risco», conjugada com uma declaração segundo a qual a trabalhadora em causa estava «apta» para o trabalho, sem explicações suscetíveis de sustentar essas conclusões, não podem, por si só, constituir uma presunção inilidível de que é esse o caso. Se assim não fosse, tanto a referida disposição como as regras de prova previstas no artigo 19.o da Diretiva 2006/54 seriam desprovidas de qualquer efeito útil.

75

Além disso, importa salientar que são aplicáveis as mesmas regras de prova no âmbito do artigo 5.o da Diretiva 92/85. Em particular, na medida em que uma trabalhadora lactante solicita uma dispensa de serviço para todo o período necessário à proteção da sua segurança ou da sua saúde e apresenta elementos de prova suscetíveis de indicar que as medidas de proteção previstas nos n.os 1 e 2 deste artigo, concretamente, uma adaptação das condições de trabalho da trabalhadora em causa ou uma mudança de posto de trabalho, não eram exequíveis, incumbe à entidade empregadora demonstrar que essas medidas eram técnica ou objetivamente possíveis e podiam ser razoavelmente exigidas.

76

Resulta das considerações precedentes que há que responder à segunda a quarta questões que o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, cabe à trabalhadora em causa demonstrar factos que possam sugerir que a avaliação dos riscos que apresenta o seu posto de trabalho não foi efetuada em conformidade com as exigências do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85 e que permitam assim presumir que existe uma discriminação direta baseada no sexo, na aceção da Diretiva 2006/54, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Por consequência, caberá à parte demandada provar que a referida avaliação dos riscos foi efetuada em conformidade com as exigências desta disposição e que não houve, portanto, violação do princípio da não discriminação.

Quanto às despesas

77

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal, na qual uma trabalhadora impugna, perante um tribunal nacional ou qualquer outra instância competente do Estado‑Membro em causa, a avaliação dos riscos que apresenta o seu posto de trabalho, na medida em que não foi efetuada em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho.

 

2)

O artigo 19.o, n.o 1, de la Diretiva 2006/54 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, cabe à trabalhadora em causa demonstrar factos que possam sugerir que a avaliação dos riscos que apresenta o seu posto de trabalho não foi efetuada em conformidade com as exigências do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85 e que permitam assim presumir que existe uma discriminação direta baseada no sexo, na aceção da Diretiva 2006/54, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Por consequência, caberá à parte demandada provar que a referida avaliação dos riscos foi efetuada em conformidade com as exigências desta disposição e que não houve, portanto, violação do princípio da não discriminação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.