ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

1 de junho de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Responsabilidade ambiental — Diretiva 2004/35/CE — Artigo 17.o — Aplicabilidade no tempo — Exploração de uma central hidroelétrica que entrou em funcionamento antes do termo do prazo de transposição desta diretiva — Artigo 2.o, ponto 1, alínea b) — Conceito de “dano ambiental” — Legislação nacional que exclui qualquer dano abrangido por uma autorização — Artigo 12.o, n.o 1 — Acesso à justiça em matéria de direito do ambiente — Legitimidade processual — Diretiva 2000/60/CE — Artigo 4.o, n.o 7 — Efeito direto»

No processo C‑529/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), por decisão de 24 de setembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de outubro de 2015, no processo instaurado por

Gert Folk,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, E. Regan, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e S. Rodin (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de outubro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Gert Folk, por G. Folk, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por E. White, E. Manhaeve e A. C. Becker, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de janeiro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais (JO 2004, L 143, p. 56), conforme alterada pela Diretiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009 (JO 2009, L 140, p. 114) (a seguir «Diretiva 2004/35»), e do artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (JO 2000, L 327, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito da apreciação do recurso interposto por Gert Folk da decisão do Unabhängiger Verwaltungssenat für die Steiermark (Câmara Administrativa Independente da Estíria, Áustria) de indeferimento de uma queixa em matéria ambiental.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2004/35

3

Os considerandos 24, 25 e 30 da Diretiva 2004/35 têm a seguinte redação:

«(24)

É necessário assegurar a disponibilidade de meios eficazes de aplicação e execução, salvaguardando devida e simultaneamente os legítimos interesses dos operadores e de outras partes interessadas. As autoridades competentes devem ser responsáveis por funções específicas que impliquem os poderes administrativos apropriados, nomeadamente o dever de avaliar a importância dos danos e de determinar as medidas de reparação a tomar.

(25)

As pessoas afetadas ou passíveis de o serem por um dano ambiental devem ter o direito de requerer a intervenção da autoridade competente. A proteção ambiental é, porém, um interesse difuso, em nome do qual um indivíduo nem sempre age ou está em posição de agir. Deve, pois, ser igualmente dada a organizações não governamentais ativas na proteção ambiental a oportunidade de contribuírem para uma aplicação eficaz da presente diretiva.

[…]

(30)

Os danos causados antes do termo do prazo de transposição da desta presente diretiva não serão abrangidos pelas suas disposições.»

4

Nos termos do artigo 2.o, ponto 1, alínea b), da Diretiva 2004/35, entende‑se por «danos ambientais», para efeitos desta diretiva, os «[d]anos causados à água, isto é, quaisquer danos que afetem adversa e significativamente o estado ecológico, químico e/ou quantitativo e/ou o potencial ecológico das águas em questão, definidos na Diretiva 2000/60/CE, com exceção dos efeitos adversos aos quais seja aplicável o n.o 7 do seu artigo 4.o».

5

O artigo 12.o da Diretiva 2004/35, sob a epígrafe «Pedido de intervenção», dispõe:

«1.   As pessoas singulares ou coletivas:

a)

Afetadas ou que possam vir a ser afetadas por danos ambientais;

b)

Que tenham um interesse suficiente no processo de decisão ambiental relativo ao dano ou, em alternativa;

c)

Que invoquem a violação de um direito, sempre que o direito processual administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio,

têm o direito de apresentar à autoridade competente quaisquer observações relativas a situações de danos ambientais, ou de ameaça iminente desses danos, de que tenham conhecimento e têm o direito de pedir a intervenção da autoridade competente nos termos da presente diretiva.

Compete aos Estados‑Membros determinar o que constitui “interesse suficiente” e “violação de um direito”.

Para tal e para efeitos da alínea b), considera‑se que têm interesse suficiente as organizações não governamentais ativas na proteção do ambiente e que cumpram os requisitos previstos na legislação nacional. Também se considera, para efeitos da alínea c), que essas organizações têm direitos passíveis de violação.

2.   O pedido de intervenção deve ser acompanhado dos dados e informações relevantes em apoio das observações apresentadas sobre o dano ambiental em questão.

3.   Se o pedido de intervenção e as observações que o acompanham demonstrarem de modo plausível a existência de danos ambientais, a autoridade competente deverá ter em conta esses pedidos de intervenção e observações. Nessas circunstâncias, a autoridade competente dará ao operador em causa a oportunidade de expor a sua opinião a respeito do pedido de intervenção e das observações que o acompanham.

4.   Logo que possível e, em todo o caso, nos termos das disposições aplicáveis da legislação nacional, a autoridade competente deve informar as pessoas referidas no n.o 1, que lhe tenham apresentado observações, sobre a sua decisão de deferir ou indeferir o pedido de intervenção, justificando essa decisão.

5.   Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar os n.os 1 e 4 aos casos de ameaça iminente de danos.»

6

O artigo 13.o da Diretiva 2004/35, sob a epígrafe «Recursos», tem a seguinte redação:

«1.   As pessoas referidas no n.o 1 do artigo 12.o devem poder recorrer a um tribunal ou outro organismo público, independente e imparcial, competente para controlar a legalidade processual e substantiva das decisões, dos atos ou das omissões da autoridade competente, nos termos da presente diretiva.

2.   A presente diretiva não prejudica as disposições de direito nacional que regulem o acesso à justiça nem as que imponham o esgotamento dos recursos graciosos antes do recurso a um processo judicial.»

7

O artigo 17.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Aplicação temporal», estabelece:

«A presente diretiva não é aplicável a:

danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes que tenham ocorrido antes da data referida no n.o 1 do artigo 19.o,

danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes que tenham ocorrido depois da data referida no n.o 1 do artigo 19.o, quando derivem de uma atividade específica que tenha tido lugar e tenha terminado antes da referida data,

danos, desde que hajam decorrido mais de 30 anos desde a emissão, acontecimento ou incidente que lhes tenha dado origem.»

8

Nos termos do artigo 19.o, n.o 1, da mesma diretiva:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva, o mais tardar em de 30 de abril de 2007 e informar imediatamente a Comissão desse facto.

Quando os Estados‑Membros aprovarem essas disposições, estas devem incluir uma referência à presente diretiva ou ser dela acompanhadas aquando da sua publicação oficial. As modalidades dessa referência serão aprovadas pelos Estados‑Membros.»

Diretiva 2000/60

9

O artigo 4.o da Diretiva 2000/60, sob a epígrafe «Objetivos ambientais», dispõe, no seu n.o 7:

«Não se considerará que os Estados‑Membros tenham violado o disposto na presente diretiva quando:

o facto de não se restabelecer o bom estado das águas subterrâneas, o bom estado ecológico ou, quando aplicável, o bom potencial ecológico, ou de não se conseguir evitar a deterioração do estado de uma massa de águas de superfície ou subterrâneas, resultar de alterações recentes das características físicas de uma massa de águas de superfície ou de alterações do nível de massas de águas subterrâneas, ou

o facto de não se evitar a deterioração do estado de uma massa de água de excelente para bom resultar de novas atividades humanas de desenvolvimento sustentável,

e se encontrarem preenchidas todas as seguintes condições:

a)

Sejam tomadas todas as medidas exequíveis para mitigar o impacto negativo sobre o estado da massa de água;

b)

As razões que explicam as alterações estejam especificamente definidas e justificadas no plano de gestão de bacia hidrográfica exigido nos termos do artigo 13.o e os objetivos sejam revistos de seis em seis anos;

c)

As razões de tais modificações ou alterações sejam de superior interesse público e/ou os benefícios para o ambiente e para a sociedade decorrentes da realização dos objetivos definidos no n.o 1 sejam superados pelos benefícios das novas modificações ou alterações para a saúde humana, para a manutenção da segurança humana ou para o desenvolvimento sustentável; e

d)

Os objetivos benéficos decorrentes dessas modificações ou alterações da massa de água não possam, por motivos de exequibilidade técnica ou de custos desproporcionados, ser alcançados por outros meios que constituam uma opção ambiental significativamente melhor.»

Direito austríaco

10

A Bundes‑Umwelthaftungsgesetz (Lei federal sobre a responsabilidade ambiental, a seguir «B‑UHG»), adotada a fim de transpor a Diretiva 2004/35, prevê, no seu § 4, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente lei federal, entende‑se por:

(1)

Dano ambiental:

a)

qualquer dano significativo que afete as águas, ou seja, qualquer dano que afete de maneira grave e negativa o estado ecológico, químico ou quantitativo ou o potencial ecológico das águas em causa, na aceção da Wasserrechtsgesetz 1959 [Lei relativa ao direito das águas de 1959; a seguir “WRG”] e que não esteja abrangido por uma autorização concedida nos termos da WRG e

[…]»

11

O § 11 da B‑UHG, sob a epígrafe «Queixas ambientais», tem a seguinte redação:

«(1)   As pessoas singulares ou coletivas que possam ser prejudicadas nos seus direitos devido a um dano ambiental podem, através de uma queixa escrita, requerer à autoridade administrativa local da jurisdição em que ocorreu o dano ambiental alegado, que atue nos termos do § 6 e do § 7, n.o 2 […]

(2)   São considerados direitos na aceção do n.o 1, primeira frase:

[…]

2.

no que respeita às águas: os direitos existentes na aceção do § 12, n.o 2, da WRG e

[…]»

12

O § 18 da B‑UHG, sob a epígrafe «Disposições transitórias», dispõe:

«A presente lei federal não é aplicável:

1.

aos danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes que tenham ocorrido antes da entrada em vigor da presente lei federal,

2.

aos danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes que tenham ocorrido após a entrada em vigor da presente lei federal sempre que resultarem de uma atividade que, indubitavelmente, foi concluída antes da entrada em vigor da presente lei federal,

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13

A Wasserkraftanlagen Mürzzuschlag GmbH explora uma central hidroelétrica no rio Mürz, na Áustria, com uma área de derivação de 1455 m. Por seu lado, G. Folk é titular de uma licença de pesca nesse rio numa extensão de aproximadamente 12 km, a jusante da barragem.

14

A exploração desta centra hidroelétrica foi autorizada por decisão do Landeshauptmann von Steiermark (Governador da Estíria, Áustria) de 20 de agosto de 1998. Esta entrou em funcionamento em 2002, ou seja, numa data anterior à entrada em vigor da Diretiva 2004/35.

15

Segundo o recorrente no processo principal, a exploração da referida central hidroelétrica provoca prejuízos graves ao ambiente que comprometem a reprodução natural dos peixes e provocam uma mortalidade massiva destes em longos troços do rio Mürz. Com efeito, devido às rápidas mas substanciais flutuações do nível da água, as zonas habitualmente submersas secam muito repentinamente de modo que os alevins e os peixes jovens ficam presos em zonas aquíferas separadas da massa de água corrente sem poder aceder à mesma. Estas flutuações repetidas afetam um troço relativamente longo do rio e explicam‑se, por um lado, pela ausência de uma conduta de derivação a nível da central e, por outro, pelo seu modo de funcionamento.

16

A queixa relativa a este dano ambiental apresentada pelo recorrente no processo principal, baseada no § 11 da B‑UHG, foi indeferida por decisão de 15 de maio de 2012 da Câmara Administrativa Independente da Estíria.

17

Este órgão jurisdicional considerou, em substância, que a exploração da central hidroelétrica em causa no processo principal tinha sido autorizada por uma decisão conforme com a legislação sobre as águas do Governador da Estíria, de 20 de agosto de 1998, que continha indicações quanto à quantidade de água residual. O dano alegado por G. Folk estaria, assim, abrangido por essa decisão, nos termos do § 4, n.o 1, alínea a), da B‑UHG. Consequentemente, esse dano não podia ser qualificado de dano ambiental na aceção dessa disposição.

18

G. Folk interpôs recurso da decisão da Câmara Administrativa Independente da Estíria de 15 de maio de 2012 no Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), no qual alega que a B‑UHG é contrária à Diretiva 2004/35, na medida em que a sua aplicação leva a que qualquer autorização conforme com a legislação sobre as águas exclua a existência de um dano ambiental.

19

Nestas condições, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo) suspendeu a instância e decidiu submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É a [Diretiva 2004/35] aplicável também aos danos que, embora tenham ocorrido depois da data referida no artigo 19.o, n.o 1, da [Diretiva 2004/35], são causados por uma instalação (central hidroelétrica) autorizada e em atividade antes dessa data e estão abrangidos por uma autorização nos termos da legislação sobre as águas?

2)

Opõe‑se a [Diretiva 2004/35], em especial os seus artigos 12.° e 13.°, a uma disposição nacional que proíbe os titulares de uma licença de pesca de interpor um recurso nos termos do artigo 13.o da [Diretiva 2004/35], em relação a um dano ambiental na aceção do artigo 2.o, [ponto] 1, alínea b), da mesma diretiva?

3)

Opõe‑se a [Diretiva 2004/35], em especial o seu artigo 2.o, [ponto] 1, alínea b), a uma disposição nacional que exclui do conceito de “dano ambiental” um dano que produz efeitos significativos adversos no estado ecológico, químico ou quantitativo ou no potencial ecológico das águas afetadas, quando o referido dano estiver abrangido por uma autorização concedida em aplicação de uma disposição legal nacional?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão:

Se, ao ser concedida a autorização nos termos da legislação nacional, não tiverem sido verificados os critérios do artigo 4.o, n.o 7, da [Diretiva 2000/60] (ou os da sua transposição nacional), para examinar se existe um dano ambiental na aceção do artigo 2.o, [ponto] 1, alínea b), da [Diretiva 2004/35], é o artigo 4.o, n.o 7, da [Diretiva 2000/60] diretamente aplicável e há que verificar se os critérios desta disposição estão preenchidos?»

Quanto às questões prejudiciais

20

Há que responder à primeira, terceira e quarta questões antes de responder à segunda questão, cujo exame requer que a Diretiva 2004/35 seja aplicável e que exista um dano ambiental abrangido por esta.

Quanto à primeira questão

21

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o da Diretiva 2004/35 deve ser interpretado no sentido de que esta se aplica ratione temporis aos danos ambientais que ocorreram depois de 30 de abril de 2007, mas que foram causados pela exploração de uma instalação autorizada, nos termos da legislação sobre as águas, que estava em atividade antes dessa data.

22

O Tribunal de Justiça já declarou que resulta do artigo 17.o, primeiro e segundo travessões, da Diretiva 2004/35, lido em conjugação com o seu considerando 30, que esta diretiva se aplica aos danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes que tenham ocorrido em 30 de abril de 2007 ou posteriormente a essa data, se esses danos resultarem de atividades exercidas nessa data ou posteriormente à mesma, ou de atividades exercidas anteriormente a essa data, mas que não tenham sido concluídas antes dela (v. acórdão de 4 de março de 2015, Fipa Group e o., C‑534/13, EU:C:2015:140, n.o 44).

23

Ora, resulta dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, no processo principal, a central hidroelétrica obteve uma autorização e entrou em funcionamento antes de 2007. Ficou igualmente demonstrado que, posteriormente a 30 de abril de 2007, o seu funcionamento provocava flutuações significativas do nível das águas do rio Mürz causando uma mortalidade massiva dos peixes. Essas flutuações repetidas devem ser qualificadas de emissões, acontecimentos ou incidentes que ocorreram depois de 30 de abril de 2007, data em que os Estados‑Membros deviam ter transposto a Diretiva 2004/35.

24

Além do mais, como salientou o advogado‑geral no n.o 26 das suas conclusões, é irrelevante o facto de os alegados danos se terem iniciado antes de 30 de abril de 2007 e resultarem da exploração de uma central hidroelétrica que foi autorizada antes dessa data.

25

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o da Diretiva 2004/35 deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, a referida diretiva se aplica ratione temporis aos danos ambientais que ocorreram depois de 30 de abril de 2007, mas que foram causados pela exploração de uma instalação autorizada, nos termos da legislação sobre as águas, que estava em atividade antes dessa data.

Quanto à terceira questão

26

Com a sua terceira questão, que importa examinar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2004/35, em especial o seu artigo 2.o, ponto 1, alínea b), deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que exclui que um dano que produz efeitos significativos adversos no estado ecológico, químico ou quantitativo ou no potencial ecológico das águas afetadas possa ser qualificado de «dano ambiental», quando esse dano estiver abrangido por uma autorização concedida em aplicação desse direito.

27

O órgão jurisdicional nacional considera que resulta das disposições do direito nacional que os danos resultantes de uma atividade autorizada em conformidade com a WRG não podem ser qualificados de danos ambientais, na aceção da referida diretiva. Interroga‑se sobre a conformidade de tais disposições com o artigo 2.o, ponto 1, alínea b), da mesma diretiva cuja redação remete para o artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2000/60.

28

Ora, o artigo 2.o, ponto 1, alínea b), da Diretiva 2004/35 não prevê, no que respeita aos danos abrangidos por uma autorização, exceções gerais no sentido de estes não estarem abrangidos pelo conceito de «danos ambientais». Esta disposição prevê apenas uma derrogação relativa aos efeitos adversos aos quais seja aplicável o artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2000/60.

29

Esta última disposição prevê que não se considerará que os Estados‑Membros tenham violado o disposto na referida diretiva quando o facto de não se restabelecer o bom estado das águas subterrâneas, o bom estado ecológico ou, quando aplicável, o bom potencial ecológico, ou de não se conseguir evitar a deterioração do estado de uma massa de águas de superfície ou subterrâneas, resultar de alterações recentes das características físicas de uma massa de águas de superfície ou de alterações do nível de massas de águas subterrâneas. Também não se considerará que os Estados‑Membros cometeram uma violação quando o facto de não se evitar a deterioração do estado de uma massa de água de excelente para bom resultar de novas atividades humanas de desenvolvimento sustentável.

30

A aplicação desta derrogação pressupõe que estejam reunidos os requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 7, alíneas a) a d), da mesma diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 11 de setembro de 2012, Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o., C‑43/10, EU:C:2012:560, n.o 67, e de 4 de maio de 2016, Comissão/Áustria, C‑346/14, EU:C:2016:322, n.os 65 e 66).

31

Evidentemente, os Estados‑Membros devem recusar a autorização de projetos suscetíveis de provocar uma deterioração do estado de massas de águas, salvo se se considerar que esses projetos se inserem no âmbito de aplicação da derrogação prevista no artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2000/60 (v., neste sentido, acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 50).

32

Esta disposição não diz apenas respeito aos projetos sujeitos a autorização. Com efeito, abrange qualquer hipótese de degradação das massas de água, devida ou não a uma instalação, e prevê as situações em que, face a essa degradação, os Estados‑Membros estão contudo dispensados de atuar. Daqui resulta que esta disposição não tem repercussão sobre o conceito de dano ambiental em si mesmo.

33

Estas conclusões são particularmente válidas para o processo principal, no qual a autorização de exploração da instalação em causa é anterior à Diretiva 2000/60 e a sua concessão não estava, portanto, nesse momento, subordinada ao respeito dos quatro critérios cumulativos do artigo 4.o, n.o 7, alíneas a) a d), da referida diretiva. Além disso, decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que as flutuações do nível da água, às quais se fica a dever uma mortalidade massiva dos peixes, advêm do funcionamento normal da instalação autorizada.

34

Resulta de todas as considerações que precedem que há que responder à terceira questão que a Diretiva 2004/35, em especial o seu artigo 2.o, ponto 1, alínea b), deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que exclui, de forma geral e automática, que um dano que produz efeitos significativos adversos no estado ecológico, químico ou quantitativo ou no potencial ecológico das águas afetadas possa ser qualificado de «dano ambiental», pelo simples facto de estar abrangido por uma autorização concedida em aplicação desse direito.

Quanto à quarta questão

35

Com a sua quarta questão, que importa examinar em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, no caso de ser concedida uma autorização em aplicação das disposições nacionais sem exame do respeito dos requisitos enunciados no artigo 4.o, n.o 7, da Diretiva 2000/60, o referido órgão jurisdicional deve verificar, ele próprio, se os requisitos previstos nesta disposição estão preenchidos a fim de determinar a existência de um dano ambiental na aceção do artigo 2.o, ponto 1, alínea b), da Diretiva 2004/35.

36

A este respeito, importa recordar que, quando um projeto é suscetível de acarretar efeitos negativos para a água, só pode ser autorizado se estiverem reunidos os requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 7, alíneas a) a d), daquela diretiva (v., neste sentido, acórdão de 4 de maio de 2016, Comissão/Áustria, C‑346/14, EU:C:2016:322, n.o 65).

37

A fim de determinar se um projeto foi autorizado sem violação da Diretiva 2000/60, o órgão jurisdicional pode controlar o respeito, pela autoridade que concedeu a autorização, dos requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 7, alíneas a) a d), desta diretiva, verificando, em primeiro lugar, se foram tomadas todas as medidas exequíveis para mitigar o impacto negativo dessas atividades sobre o estado da massa de água em causa, em segundo lugar, se as razões na origem das ditas atividades foram especificamente definidas e justificadas, em terceiro lugar, se as mesmas atividades são de superior interesse público e/ou se os benefícios para o ambiente e para a sociedade decorrentes da realização dos objetivos definidos no artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva são superados pelos benefícios destas para a saúde humana, para a manutenção da segurança humana ou para o desenvolvimento sustentável e, em quarto lugar, se os objetivos benéficos prosseguidos não podem, por motivos de exequibilidade técnica ou de custos desproporcionados, ser alcançados por outros meios que constituam uma opção ambiental significativamente melhor (v., neste sentido, acórdão de 11 de setembro de 2012, Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o., C‑43/10, EU:C:2012:560, n.o 67).

38

No entanto, se, como sucede no processo principal, a autoridade nacional competente concedeu a autorização sem examinar o respeito dos requisitos enunciados no artigo 4.o, n.o 7, alíneas a) a d), da Diretiva 2000/60, o órgão jurisdicional nacional não é obrigado a examinar, ele próprio, o respeito dos requisitos previstos no referido artigo e pode limitar‑se a declarar a ilegalidade do ato impugnado.

39

Com efeito, é às autoridades nacionais competentes pela autorização dos projetos que incumbe a obrigação de controlar se os requisitos enumerados no artigo 4.o, n.o 7, alíneas a) a d), da Diretiva 2000/60 estão preenchidos antes de conceder essa autorização, sem prejuízo de uma eventual fiscalização jurisdicional. Em contrapartida, o direito da União em nada obriga os órgãos jurisdicionais nacionais a substituírem a autoridade competente examinando, eles próprios, os referidos requisitos quando essa autoridade procedeu à concessão da autorização sem ter efetuado o referido exame.

40

Resulta das considerações que precedem que há que responder à quarta questão que, no caso de ser concedida uma autorização em aplicação das disposições nacionais sem exame dos requisitos enunciados no artigo 4.o, n.o 7, alíneas a) a d), da Diretiva 2000/60, o órgão jurisdicional nacional não está obrigado a verificar, ele próprio, se os requisitos previstos nesta disposição estão preenchidos a fim de determinar a existência de um dano ambiental na aceção do artigo 2.o, ponto 1, alínea b), da Diretiva 2004/35.

Quanto à segunda questão

41

Com a sua segunda questão, que importa examinar em último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2004/35 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe os titulares de uma licença de pesca de interpor um recurso relativo a um dano ambiental, na aceção do artigo 2.o, ponto 1, alínea b), desta diretiva.

42

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o § 11, n.o 1, da B‑UHG dispõe que as pessoas singulares ou coletivas que possam ser prejudicadas nos seus direitos devido a um dano ambiental podem requerer à autoridade administrativa competente a adoção de medidas que lhe ponham termo. O § 11, n.o 2, segundo parágrafo, da B‑UGH precisa, no que respeita às águas, que podem ser invocados os «direitos existentes na aceção do § 12, n.o 2, da WRG», sem mencionar os direitos de pesca. O órgão jurisdicional de reenvio explica que uma interpretação literal destas disposições se opõe a que os titulares de licenças de pesca possam interpor recurso em matéria ambiental pelos danos que afetam os seus direitos de pesca.

43

O Governo austríaco alega que o facto de os titulares de licenças de pesca não serem expressamente citados no § 12, n.o 2, da WRG, para o qual remete o § 11, n.o 1, da B‑UHG, se insere na margem discricionária de que dispõe em virtude dos artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2004/35.

44

A este respeito, há que verificar que o artigo 12.o da referida diretiva determina as categorias de pessoas singulares e coletivas que podem apresentar observações em matéria de danos ambientais. Estas três categorias são compostas por pessoas afetadas ou que possam vir a ser afetadas por danos ambientais, que tenham um interesse suficiente no processo de decisão ambiental relativo ao dano ou que invoquem a violação de um direito, sempre que o direito processual administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio.

45

Conforme salientou o advogado‑geral no n.o 72 das suas conclusões, o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2004/35 enumera três categorias de pessoas singulares ou coletivas que, alternativa ou autonomamente consideradas, possuem legitimidade processual. O mesmo artigo estabelece três categorias distintas de pessoas que podem encetar os procedimentos citados nos artigos 12.° e 13.° desta diretiva.

46

A transposição completa e correta desta diretiva exige que estas três categorias de pessoas possam apresentar observações em matéria de danos ambientais, tenham a faculdade de pedir que a autoridade competente tome medidas nos termos da diretiva e, deste modo, possam recorrer a um tribunal ou a outro organismo público competente, em conformidade com os artigos 12.° e 13.° da mesma diretiva.

47

Embora disponham de uma margem de apreciação para determinar o que constitui um «interesse suficiente», conceito previsto no artigo 12.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 20004/35, ou uma «violação de um direito», conceito previsto no artigo 12.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva, os Estados‑Membros não dispõem dessa margem no que diz respeito ao direito de recurso das pessoas afetadas ou que possam vir a ser afetadas por danos ambientais, como decorre do artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva.

48

À luz da redação do artigo 12.o da Diretiva 2004/35, afigura‑se que os titulares de licenças de pesca são suscetíveis de pertencer às três categorias definidas no artigo 12.o, n.o 1, desta diretiva. Ora, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que estes não podem, nos termos do direito nacional, interpor recursos, na aceção do artigo 13.o da referida diretiva, no que diz respeito a um dano ambiental na aceção do artigo 2.o, ponto 1, alínea b), da mesma diretiva. Assim, ao excluir do benefício do direito de recurso todos os titulares de licenças de pesca, a legislação nacional priva do benefício desse direito um número muito significativo de particulares suscetíveis de pertencer a uma das três categorias definidas pelo artigo 12.o da Diretiva 2004/35.

49

Uma interpretação do direito nacional que prive todos os titulares de licenças de pesca do direito de recurso na sequência de um dano ambiental que se traduz num aumento da mortalidade dos peixes, apesar de estes serem diretamente afetados por este dano, não respeita o alcance dos referidos artigos 12.° e 13.°, e é, assim, incompatível com a referida diretiva.

50

Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2004/35 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe os titulares de uma licença de pesca de interpor um recurso relativo a um dano ambiental, na aceção do artigo 2.o, ponto 1, alínea b), desta diretiva.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 17.o da Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais, conforme alterada pela Diretiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, a referida diretiva se aplica ratione temporis aos danos ambientais que ocorreram depois de 30 de abril de 2007, mas que foram causados pela exploração de uma instalação autorizada, nos termos da legislação sobre as águas, que estava em atividade antes dessa data.

 

2)

A Diretiva 2004/35, conforme alterada pela Diretiva 2009/31, em especial o seu artigo 2.o, ponto 1, alínea b), deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que exclui, de forma geral e automática, que um dano que produz efeitos significativos adversos no estado ecológico, químico ou quantitativo ou no potencial ecológico das águas afetadas possa ser qualificado de «dano ambiental», pelo simples facto de estar abrangido por uma autorização concedida em aplicação desse direito.

 

3)

No caso de ser concedida uma autorização em aplicação das disposições nacionais sem exame dos requisitos enunciados no artigo 4.o, n.o 7, alíneas a) a d), da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água, o órgão jurisdicional nacional não está obrigado a verificar, ele próprio, se os requisitos previstos nesta disposição estão preenchidos a fim de determinar a existência de um dano ambiental na aceção do artigo 2.o, ponto 1, alínea b), da Diretiva 2004/35, conforme alterada pela Diretiva 2009/31.

 

4)

Os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2004/35, conforme alterada pela Diretiva 2009/31, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe os titulares de uma licença de pesca de interpor um recurso relativo a um dano ambiental, na aceção do artigo 2.o, ponto 1, alínea b), da referida diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.