ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

11 de outubro de 2017 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Marca figurativa com os elementos nominativos “CACTUS OF PEACE CACTUS DE LA PAZ” — Oposição do titular das marcas nominativa e figurativa da União Europeia com o elemento nominativo “Cactus” — Classificação de Nice — Artigo 28.o — Artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a) — Utilização séria da marca sob uma forma abreviada»

No processo C‑501/15 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal Geral de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de setembro de 2015,

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agente,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Cactus SA, com sede em Bertrange (Luxemburgo), representada por K. Manhaeve, avocate,

recorrente em primeira instância,

Isabel Del Rio Rodríguez, residente em Málaga (Espanha),

parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász, K. Jürimäe (relatora) e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 29 de março de 2017,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de maio de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

No seu recurso, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de julho de 2015, Cactus/IHMI — Del Rio Rodríguez (CACTUS OF PEACE CACTUS DE LA PAZ) (T‑24/13, não publicado; a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2015:494), que anulou parcialmente a decisão da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 19 de outubro de 2012 (processo R 2005/2011‑2), relativa a um processo de oposição entre a Cactus SA e Isabel Del Rio Rodríguez (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

2

O Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), que entrou em vigor em 13 de abril de 2009, revogou e substituiu o Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1).

3

O artigo 15.o do Regulamento n.o 207/2009, sob a epígrafe «Utilização da [marca da União Europeia]», prevê, n.o 1:

«Se, num prazo de cinco anos a contar do registo, o titular não tiver utilizado seriamente a [marca da União Europeia] na [União], para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se essa utilização tiver sido suspensa por um período ininterrupto de cinco anos, a [marca da União Europeia] será sujeita às sanções previstas no presente regulamento, exceto se houver motivos que justifiquem a sua não utilização.

São igualmente consideradas como “utilização”, na aceção do primeiro parágrafo:

a)

A utilização da [marca da União Europeia] sob uma forma que difira em elementos que não alterem o caráter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada;

[…]»

4

O artigo 28.o deste regulamento, sob a epígrafe «Classificação», dispõe:

«Os produtos e serviços para os quais sejam depositadas [marcas da União Europeia] serão classificados de acordo com a classificação prevista no [Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão, de 13 de dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento n.o 40/94 (JO 1995, L 303, p. 1)].»

5

O artigo 42.o do Regulamento n.o 207/2009, sob a epígrafe «Exame da oposição», prevê, no n.o 2:

«A pedido do requerente, o titular de uma [marca da União Europeia] anterior que tenha deduzido oposição, provará que, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de [marca da União Europeia], a [marca da União Europeia] anterior foi objeto de uma utilização séria na [União Europeia] em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e em que se baseia a oposição, ou que existem motivos justificados para a sua não utilização, desde que, nessa data, a marca anterior esteja registada há, pelo menos, cinco anos. Na falta dessa prova, a oposição será rejeitada. Se a [marca da União Europeia] anterior tiver sido utilizada apenas para uma parte dos produtos ou serviços para que foi registada, só se considera registada, para efeitos de análise da oposição, em relação a essa parte dos produtos ou serviços.»

6

A regra 2 do Regulamento n.o 2868/95, sob a epígrafe «Lista dos produtos e serviços», dispõe:

«1.   Para a classificação dos produtos e serviços, aplicar‑se‑á a classificação comum referida no artigo 1.o do Acordo de Nice relativo à classificação internacional dos produtos e serviços para efeitos de registo de marcas, de 15 de junho de 1957, na sua versão revista e alterada [(a seguir «Acordo de Nice»)].

2.   A lista dos produtos e serviços deve ser redigida de forma a fazer ressaltar claramente a sua natureza e a permitir a classificação de cada produto e de cada serviço numa só classe da classificação de Nice.

3.   Os produtos e serviços devem, de preferência, ser agrupados de acordo com as classes da classificação de Nice, sendo cada grupo precedido do número da classe dessa classificação a que esse grupo de produtos e serviços pertence e apresentado segundo a ordem das classes dessa mesma classificação.

4.   A classificação dos produtos e serviços obedece exclusivamente a razões de ordem administrativa. Consequentemente, não se poderá considerar que determinados produtos ou serviços são semelhantes pelo facto de constarem da mesma classe da classificação de Nice, como não se poderá considerar que são distintos pelo facto de constarem de classes diferentes dessa mesma classificação.»

7

Por duas comunicações, publicadas, uma em 2003 e a outra em 2012, o presidente do EUIPO forneceu indicações quanto à utilização dos títulos das classes de produtos previstas no Acordo de Nice.

8

O ponto IV, primeiro parágrafo, da Comunicação n.o 4/03 do presidente do EUIPO, de 16 de junho de 2003, relativa à utilização dos títulos de classes nas listas de produtos e serviços para os pedidos e os registos de marca comunitária (a seguir «Comunicação n.o 4/03»), enunciava:

«As 34 classes de produtos e as 11 classes de serviços compreendem a totalidade dos produtos e serviços, pelo que a utilização de todas as indicações gerais do título de classe de uma classe específica constitui uma reivindicação em relação a todos os produtos ou serviços que se incluem nessa classe específica.»

9

Em 20 de junho de 2012, o presidente do EUIPO adotou a Comunicação n.o 2/12, que revogou a Comunicação n.o 4/03 e é relativa à utilização dos títulos das classes nas listas de produtos e serviços para os pedidos e os registos de marca comunitária (a seguir «Comunicação n.o 2/12»). O ponto V dessa comunicação prevê:

«Relativamente às marcas [da União Europeia] registadas antes da entrada em vigor da presente, que tenham utilizado todas as indicações gerais que constam do título de classe em particular, o [EUIPO] considera que a vontade do requerente, atendendo ao referido na Comunicação n.o 4/03, é de que sejam compreendidos todos os produtos e serviços incluídos na lista alfabética da referida classe na edição em vigor no momento em que foi feita a apresentação do pedido.»

Antecedentes do litígio

10

Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 12 do acórdão recorrido e podem ser resumidos do seguinte modo.

11

Em 13 de agosto de 2009, I. Del Rio Rodríguez apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia junto do EUIPO, nos termos do Regulamento n.o 207/2009, para o seguinte sinal figurativo:

Image

12

Os produtos e serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 31, 39 e 44, na aceção do Acordo de Nice.

13

Em 12 de março de 2010, a Cactus deduziu oposição, nos termos do artigo 41.o do Regulamento n.o 207/2009, ao registo da marca requerida em relação a todos os produtos e serviços por ela abrangidos.

14

A oposição teve por base as seguintes marcas anteriores:

a marca nominativa da União Europeia Cactus, registada em 18 de outubro de 2002, sob o número 963694, para os produtos e serviços pertencentes às classes 2, 3, 5 a 9, 11, 16, 18, 20, 21, 23 a 35, 39, 41 e 42, na aceção do Acordo de Nice, e

a marca figurativa da União Europeia, a seguir reproduzida, registada em 6 de abril de 2001, sob o número 963595, para os mesmos produtos e serviços que os abrangidos pela marca nominativa anterior, com exceção dos «produtos alimentares não incluídos noutras classes; flores e plantas naturais, sementes; frutos e legumes frescos», pertencentes à classe 31, na aceção desse acordo:

Image

15

A oposição teve por base o artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009.

16

Por decisão de 2 de agosto de 2011, a Divisão de Oposição deferiu a oposição quanto às «sementes, flores e plantas naturais», pertencentes à classe 31, na aceção do Acordo de Nice, e quanto aos «serviços de jardinagem, viveiros e horticultura», pertencentes à classe 44, na aceção desse acordo, abrangidos pela marca nominativa anterior.

17

A Divisão de Oposição considerou, nomeadamente, que, tendo I. Del Rio Rodríguez solicitado à Cactus a prova da utilização séria das marcas anteriores, os elementos de prova apresentados por esta última demonstravam a utilização séria da marca nominativa anterior quanto aos produtos da classe 31, na aceção do Acordo de Nice, bem como quanto aos serviços de «venda a retalho de plantas e flores naturais, sementes; frutas e legumes frescos» pertencentes à classe 35, na aceção desse acordo.

18

O registo da marca requerida foi, portanto, recusado para os produtos e serviços acima mencionados no n.o 16 tendo, porém, sido aceite para os serviços pertencentes à classe 39, na aceção do Acordo de Nice.

19

Em 28 de setembro de 2011, I. Del Rio Rodríguez interpôs recurso da decisão da Divisão de Oposição no EUIPO.

20

Na decisão controvertida, a Segunda Câmara de Recurso do EUIPO deu provimento ao recurso e indeferiu a oposição na íntegra. Em especial, entendeu que a Divisão de Oposição tinha errado ao considerar que a Cactus tinha feito prova da utilização séria das marcas anteriores quanto aos serviços de «venda a retalho de plantas e flores naturais, sementes; frutas e legumes frescos», pertencentes à classe 35, na aceção do Acordo de Nice.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

21

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de janeiro de 2013, a Cactus interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

22

Em apoio do seu recurso a Cactus invocou, em substância, três fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 42.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, o segundo, à violação do artigo 75.o e do artigo 76.o, n.o 1, desse regulamento e, o terceiro, à violação do artigo 76.o, n.o 2, do referido regulamento.

23

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral acolheu os dois primeiros fundamentos e julgou improcedente o terceiro fundamento. Consequentemente, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida porquanto, por um lado, indeferiu a oposição com o fundamento de que os serviços de «venda a retalho de plantas e flores naturais, sementes; frutas e legumes frescos», pertencentes à classe 35, na aceção do Acordo de Nice, não estavam abrangidos pelas marcas anteriores, e, por outro, indeferiu a oposição baseada nas «flores e plantas naturais; sementes», pertencentes à classe 31, na aceção desse acordo, e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

Pedidos das partes

24

Com o seu recurso, o EUIPO pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

dar provimento ao recurso na íntegra, anular o acórdão recorrido, e

condenar a Cactus nas despesas.

25

A Cactus pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso na sua totalidade, e

condenar o EUIPO nas despesas.

Quanto ao presente recurso

26

Em apoio do seu recurso, o EUIPO invoca dois fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do artigo 28.o do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com a regra 2 do Regulamento n.o 2868/95, e à violação do artigo 42.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), deste último regulamento.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

27

Com o seu primeiro fundamento, o EUIPO critica o Tribunal Geral por ter violado o artigo 28.o do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com a regra 2 do Regulamento n.o 2868/95, ao proceder a uma interpretação incorreta dos acórdãos de 19 de junho de 2012, Chartered Institute of Patent Attorneys (C‑307/10, a seguir «acórdão IP Translator», EU:C:2012:361), e de 7 de julho de 2005, Praktiker Bau‑ und Heimwerkermärkte (C‑418/02, a seguir «acórdão Praktiker Bau», EU:C:2005:425). Essa interpretação incorreta fez com que considerasse, nos n.os 36 e 37 do acórdão recorrido, que a utilização de todas as indicações gerais enumeradas no título da classe 35, na aceção do Acordo de Nice, estende a proteção das marcas anteriores a todos os serviços pertencentes a essa classe, incluindo os serviços que consistem na venda a retalho de produtos.

28

O EUIPO recorda que a Comunicação n.o 4/03 autorizou inicialmente a utilização das indicações gerais que compõem os títulos de classes, na aceção do Acordo de Nice. Nos termos dessa comunicação, a designação do título na sua totalidade de determinada classe, na aceção desse acordo, constituía uma reivindicação em relação a todos os produtos ou serviços incluídos nessa classe específica, incluindo os não mencionados na lista alfabética. Assim, nenhuma dessas indicações era considerada demasiado vaga ou indefinida.

29

O Tribunal de Justiça invalidou esse entendimento no acórdão IP Translator. Segundo o EUIPO, decorre dos n.os 57 a 64 desse acórdão que as indicações gerais de um dado título de classe só podem abranger os produtos ou serviços incluídos na lista alfabética dessa classe, sob reserva da observância de dois requisitos cumulativos, a saber, que os diferentes termos que constituem o título de classe sejam suficientemente «claros e precisos» e que o pedido reflita a intenção do requerente de abranger todos os produtos ou serviços incluídos na referida lista alfabética.

30

Após a prolação do referido acórdão, a Comunicação n.o 4/03 foi revogada e substituída pela Comunicação n.o 2/12, que limita, no que se refere às marcas da União Europeia apresentadas antes de 21 de junho de 2012, o alcance das indicações gerais de um título de classe, na aceção do Acordo de Nice, a todos os produtos ou serviços da lista alfabética de uma classe específica, e já não a todos os produtos e serviços pertencentes a essa classe.

31

No presente caso, o EUIPO não contesta que os serviços de venda a retalho pertençam à classe 35, na aceção do Acordo de Nice. Todavia, nem os serviços de venda a retalho enquanto tais nem os serviços de «venda a retalho de plantas e flores naturais, sementes; frutas e legumes frescos» estão incluídos na lista alfabética dessa classe. O EUIPO considera, portanto, que o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar que as marcas anteriores estavam protegidas relativamente aos serviços de venda a retalho.

32

O EUIPO acrescenta que, ao considerar que a classe 35, na aceção do Acordo de Nice, abrange os serviços de venda a retalho em relação a todos os produtos possíveis, o Tribunal Geral também cometeu um erro de interpretação tendo em conta o acórdão Praktiker Bau, que prevê que o requerente deve precisar os produtos ou tipos de produtos visados pelos serviços de venda a retalho.

33

Assim, ao considerar, no n.o 38 do acórdão recorrido, que o acórdão Praktiker Bau não se aplica às marcas registadas antes da data da prolação do referido acórdão, o Tribunal Geral ignorou o efeito retroativo da jurisprudência, que só pode ser limitado a título excecional. Ora, o Tribunal de Justiça não limitou os efeitos do acórdão Praktiker Bau. Consequentemente, foi sem razão que o Tribunal Geral não aplicou às marcas anteriores a interpretação feita nesse acórdão.

34

A Cactus contesta a procedência de todos estes argumentos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

35

O EUIPO critica, em substância, o Tribunal Geral pela sua leitura incorreta dos acórdãos IP Translator e Praktiker Bau ao considerar que a jurisprudência resultante desses acórdãos não tinha efeitos retroativos e por ter concluído, sem razão, que a designação do título da classe 35, na aceção do Acordo de Nice, abrange todos os serviços dessa classe, incluindo os serviços de venda a retalho de qualquer produto. Com efeito, o EUIPO considera que a referida jurisprudência tem efeitos retroativos e que havia de ter sido aplicada às marcas anteriores, independentemente de essas marcas terem sido registadas antes da prolação dos referidos acórdãos.

36

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 36 a 38, que, tendo em conta o princípio da segurança jurídica, não havia que aplicar a jurisprudência resultante dos acórdãos IP Translator e Praktiker Bau às marcas anteriores, visto que as mesmas foram registadas antes da prolação desses acórdãos. O Tribunal Geral concluiu que, no que diz respeito às marcas anteriores, a designação do título da classe 35, na aceção do Acordo de Nice, abrangia todos os serviços dessa classe, incluindo os serviços que consistiam na venda a retalho de qualquer produto.

37

Quanto, em primeiro lugar, ao alcance do acórdão IP Translator, é preciso recordar que, no n.o 61 desse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, com vista a respeitar os requisitos de clareza e de precisão, o requerente de uma marca que utilize todas as indicações gerais do título de uma classe específica da classificação de Nice para identificar os produtos ou serviços para os quais a proteção da marca é pedida deve precisar se o seu pedido de registo tem por objetivo todos os produtos ou serviços repertoriados na lista alfabética da classe específica em causa ou apenas alguns desses produtos ou serviços. Caso o pedido tenha por objeto apenas alguns dos referidos produtos ou serviços, o requerente tem o dever de precisar quais os produtos ou serviços dessa classe visados.

38

O Tribunal de Justiça indicou, nos n.os 29 e 30 do acórdão de 16 de fevereiro de 2017, Brandconcern/EUIPO e Scooters India (C‑577/14 P, a seguir «acórdão Brandconcern», EU:C:2017:122), que o acórdão IP Translator se limita a precisar as exigências relativas aos novos pedidos de registo enquanto marcas da União Europeia, pelo que não diz respeito às marcas já registadas à data da prolação deste último acórdão. O Tribunal de Justiça deduziu daí, no n.o 31 do acórdão Brandconcern, que não é, pois, possível considerar que o Tribunal de Justiça, no acórdão IP Translator, pretendeu pôr em causa a abordagem descrita na Comunicação n.o 4/03 no que se refere às marcas registadas antes da prolação deste último acórdão.

39

A Comunicação n.o 2/12 não pode pôr em causa essa jurisprudência e conduzir, assim, à restrição do alcance da proteção das marcas registadas antes da prolação do acórdão IP Translator no que se refere a produtos ou serviços designados pelas indicações gerais dos títulos de uma classe, na aceção do Acordo de Nice, apenas aos produtos ou serviços visados na lista alfabética dessa classe ou à recusa da sua extensão, em conformidade com a Comunicação n.o 4/03, a todos os produtos ou serviços da referida classe.

40

Com efeito, como o advogado‑geral assinalou nos n.os 45 e 46 das suas conclusões, o âmbito da proteção conferida pelas marcas já registadas não pode ser alterado com base numa comunicação não vinculativa, cuja função se limita a esclarecer os requerentes sobre as práticas do EUIPO.

41

Na audiência perante o Tribunal de Justiça, o EUIPO objetou que não era possível deduzir do acórdão Brandconcern que a proteção conferida pelas marcas anteriores podia ser alargada a outros produtos ou serviços que não os visados na lista alfabética da classe em causa. Observou que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça confirmou a fundamentação do Tribunal Geral, segundo a qual o registo de uma marca anterior que se refira ao título de uma classe deve ser interpretado no sentido de que visa proteger essa marca exclusivamente no que se refere à totalidade dos produtos que figuram na lista alfabética da classe em causa e não a outros, em conformidade com as disposições da Comunicação n.o 2/12 relativas às marcas registadas antes da prolação do acórdão IP Translator.

42

Não obstante, é preciso referir a este respeito, como assinalado pelo advogado‑geral nos n.os 48 a 50 das suas conclusões, que essa leitura do acórdão Brandconcern é incorreta. Com efeito, esse acórdão não tratava da distinção entre, por um lado, os produtos ou serviços que figuram na lista alfabética de uma classe, na aceção do Acordo de Nice, e, por outro, a totalidade, mais vasta, dos produtos ou serviços abrangidos pelo título dessa classe. Tratava‑se apenas de determinar se havia de ter‑se em consideração o sentido literal do título da classe considerada ou se, pelo contrário, era preciso considerar que esse título designava os produtos que figuram na lista alfabética dessa classe. Consequentemente, o acórdão Brandconcern não pode ser lido no sentido de que limitou o alcance do registo das marcas anteriores que utilizam o título de classe aos produtos ou serviços que figuram na lista alfabética dessa classe.

43

Resulta do exposto que foi com razão que o Tribunal Geral considerou que a jurisprudência resultante do acórdão IP Translator não se aplica às marcas anteriores.

44

Quanto, em segundo lugar, ao alcance do acórdão Praktiker Bau, importa recordar que, nos n.os 39 e 50 desse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, embora a atividade de comércio a retalho de produtos constitua um serviço da classe 35, na aceção do Acordo de Nice, o requerente tem, não obstante, de precisar, para efeitos do registo de uma marca, os produtos ou tipos de produtos visados pela atividade de comércio a retalho.

45

Ora, como assinalou o advogado‑geral no n.o 56 das suas conclusões, à imagem do acórdão IP Translator, a jurisprudência resultante do acórdão Praktiker Bau apenas tem por objeto os pedidos de registo como marcas da União Europeia, não dizendo respeito ao âmbito da proteção das marcas registadas à data da prolação desse acórdão.

46

Tal solução é, de resto, como o advogado‑geral assinalou no n.o 57 das suas conclusões, conforme com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

47

Consequentemente, não é possível criticar o Tribunal Geral por ter, no n.o 38 do acórdão recorrido, considerado que a Cactus não estava obrigada a precisar os produtos ou tipos de produtos visados pela atividade de comércio a retalho.

48

Assim, decorre do exame dos acórdãos IP Translator, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Brandconcern, e Praktiker Bau que o âmbito da proteção de uma marca registada antes da prolação desses acórdãos, como a marca nominativa da Cactus, registada em 18 de outubro de 2002, e a marca figurativa da Cactus, registada em 6 de abril de 2001, não é afetado pela jurisprudência resultante desses acórdãos, uma vez que estes últimos têm por objeto apenas os novos pedidos de registo como marcas da União Europeia.

49

Por fim, posto que o artigo 28.o, n.o 8, do Regulamento n.o 207/2009, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015 (JO 2015, L 341, p. 21), prevê uma disposição transitória que permite que os titulares de marcas da União Europeia requeridas antes de 22 de junho de 2012 e registadas para a integralidade do título de uma classe da classificação de Nice declarem, antes de 24 de setembro de 2016, que a sua intenção à data de apresentação do pedido era requerer a proteção dos produtos ou serviços diferentes dos abrangidos pelo sentido literal desse título, mas que figuram na lista alfabética dessa classe, basta salientar que essa disposição não é aplicável à data da decisão controvertida.

50

Resulta das considerações expostas que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar que, quanto às marcas anteriores em causa, a designação do título da classe 35, na aceção do Acordo de Nice, abrange todos os serviços pertencentes a essa classe, incluindo os serviços que consistem na venda a retalho de produtos.

51

Assim, o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

52

Com o seu segundo fundamento, o EUIPO alega que o Tribunal Geral violou o artigo 42.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), do mesmo, porquanto considerou que a utilização, sem o elemento nominativo «Cactus», apenas do elemento figurativo da marca anterior, a saber, o cato estilizado, equivalia a uma utilização «sob uma forma que [difere] em elementos que não [alteram] o caráter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada», na aceção desta última disposição.

53

O EUIPO alega que esta consideração padece de quatro erros de direito.

54

O Tribunal Geral cometeu um primeiro erro de direito ao considerar que o logo estilizado de um cato era «essencialmente equivalente» à forma sob a qual a marca complexa foi registada. Com efeito, não verificou se o elemento nominativo «Cactus», que foi omitido na versão abreviada da marca figurativa anterior, tinha caráter distintivo intrínseco quanto às «plantas e flores naturais, sementes», ou se esse elemento nominativo era, devido ao seu tamanho e à sua posição na forma registada da marca anterior, negligenciável ou, pelo contrário, suscetível de atrair a atenção do consumidor e ser memorizado como um sinal identificador em si da origem comercial dos produtos.

55

O segundo erro alegado resulta do facto de o Tribunal Geral ter deduzido a equivalência das marcas, conforme utilizadas e registadas, unicamente da equivalência semântica dos respetivos elementos nominativos e figurativos, sem proceder a um exame global da equivalência dos sinais que requerem uma análise das diferenças visuais e eventualmente fonéticas suscetíveis de distinguir a forma sob a qual a marca anterior foi registada da forma sob a qual essa marca foi utilizada.

56

O terceiro erro imputado ao Tribunal Geral prende‑se com o facto de ter baseado implicitamente a sua constatação da equivalência entre o cato estilizado e a forma sob a qual a marca complexa foi registada no conhecimento prévio que os consumidores podem ter desta última. Sem esse conhecimento prévio, não haveria razão para os consumidores pensarem que o cato estilizado é um elemento de uma marca complexa cujo segundo elemento é necessariamente a palavra «Cactus».

57

Por último, o quarto erro do Tribunal Geral foi ignorar que a alteração do caráter distintivo da marca complexa anterior deve ser examinada à luz da perceção dos consumidores europeus, e não apenas dos consumidores luxemburgueses. Se a perceção dos consumidores europeus tivesse sido tida em consideração, o Tribunal Geral teria concluído que, para uma parte considerável do público pertinente, o cato estilizado não pode ser assimilado à palavra «cactus» ou à marca complexa anterior na sua totalidade, visto que a ortografia e a pronúncia do termo equivalente nas línguas oficiais da União, como «cato», «kaktus», «kaktusas», «kaktuzs», «κάκτος», são diferentes.

58

A Cactus alega, a título principal, que o segundo fundamento deve ser considerado inadmissível porquanto o EUIPO pede, na realidade, ao Tribunal de Justiça que reaprecie elementos factuais, com o propósito de substituir a apreciação do Tribunal Geral pela apreciação do Tribunal de Justiça.

59

A título subsidiário, a Cactus considera que as alegações do EUIPO são improcedentes.

Apreciação do Tribunal de Justiça

60

De acordo com o artigo 256.o, n.o 1, TFUE e o artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito. Por conseguinte, o Tribunal Geral é o único competente para apurar e apreciar os factos pertinentes, bem como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e elementos de prova não constitui, portanto, exceto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (acórdão de 12 de julho de 2012, Smart Technologies/IHMI, C‑311/11 P, EU:C:2012:460, n.o 52 e jurisprudência referida).

61

Quanto ao terceiro erro alegado, pelo qual o EUIPO critica o Tribunal Geral por ter deduzido o caráter equivalente dos sinais do pretenso conhecimento prévio que os consumidores têm do sinal registado, deve sublinhar‑se que as conclusões relativas à atenção, à perceção ou à atitude do público pertinente são apreciações de natureza factual (v., neste sentido, acórdão de 12 de julho de 2012, Smart Technologies/IHMI, C‑311/11 P, EU:C:2012:460, n.o 51 e jurisprudência referida).

62

Quanto ao quarto erro alegado, pelo qual o EUIPO critica o Tribunal Geral por ter examinado a eventual alteração do caráter distintivo da marca figurativa anterior apenas à luz da perceção dos consumidores luxemburgueses e não à luz da perceção dos consumidores europeus em geral, há que salientar, por razões idênticas às enunciadas no número anterior do presente acórdão, que as considerações criticadas são de natureza factual e que não compete ao Tribunal de Justiça delas conhecer, salvo em caso de desvirtuação dos factos, o que não foi invocado no presente caso.

63

O segundo fundamento deve, portanto, ser julgado inadmissível na parte em que versa sobre a definição do público pertinente e sobre a perceção que este tem da marca figurativa anterior.

64

Em contrapartida, o segundo fundamento é admissível na parte em que versa, através do primeiro e do segundo erros alegados, sobre os critérios à luz dos quais importa apreciar a utilização séria de uma marca sob uma forma abreviada. Com efeito, contrariamente ao que a Cactus sustenta, a determinação dos critérios que devem ser utilizados na apreciação global da equivalência dos sinais do ponto de vista do caráter distintivo dos mesmos é uma questão de direito da competência do Tribunal de Justiça.

65

A este respeito, o Tribunal de Justiça já precisou que decorre diretamente dos termos do artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), do referido regulamento que a utilização da marca sob uma forma que difere da forma sob a qual foi registada é considerada utilização na aceção do primeiro parágrafo desse artigo, desde que o caráter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada não seja alterado (acórdão de 18 de julho de 2013, Specsavers International Healthcare e o., C‑252/12, EU:C:2013:497, n.o 21).

66

Importa salientar que o artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), desse regulamento, ao não exigir uma conformidade estrita entre a forma usada no comércio e a forma sob a qual a marca foi registada, tem por objetivo permitir ao titular desta última acrescentar ao sinal, na sua exploração comercial, variações que, sem alterarem o caráter distintivo, permitem uma melhor adaptação às exigências da comercialização e da promoção dos produtos ou dos serviços em causa (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Specsavers International Healthcare e o., C‑252/12, EU:C:2013:497, n.o 29).

67

Segue‑se que o requisito da «utilização séria» na aceção do artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), do mesmo regulamento se verifica mesmo quando só o elemento figurativo de uma marca complexa é utilizado, desde que o caráter distintivo da referida marca, conforme registada, não seja alterado.

68

Quanto ao primeiro erro alegado, o EUIPO não pode criticar o Tribunal Geral por não ter verificado em que medida a parte omitida, a saber, o elemento nominativo «Cactus», tinha caráter distintivo e era importante para a perceção do sinal na sua totalidade, quando o Tribunal Geral comparou corretamente o sinal utilizado sob a sua forma abreviada com o sinal registado.

69

Com efeito, no n.o 61 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou, sem contestação por parte do EUIPO no âmbito do presente recurso, que os dois elementos que compõem a marca figurativa anterior, a saber, um cato estilizado e o elemento nominativo «Cactus», transmitiam, cada um com formas próprias, o mesmo conteúdo semântico. Ora, decorre dessa constatação que o Tribunal Geral entendeu que não se podia considerar que o elemento nominativo «Cactus» tinha um caráter distintivo diferente daquele do cato estilizado e que a inexistência desse elemento nominativo na versão abreviada da marca figurativa anterior não era suficientemente significativa na perceção dessa marca na sua totalidade para alterar o seu caráter distintivo.

70

Quanto ao segundo erro alegado, importa salientar, como fez o advogado‑geral no n.o 81 das suas conclusões, que o Tribunal Geral procedeu corretamente a uma apreciação global da equivalência do sinal utilizado sob a forma abreviada, o cato estilizado sozinho, e do sinal protegido pela marca figurativa anterior, o cato estilizado, acompanhado do elemento nominativo «Cactus». A este respeito, há que salientar, por um lado, que, contrariamente ao que o EUIPO sustenta, o Tribunal Geral fez uma comparação visual e indicou que a representação do cato estilizado era a mesma em ambos os sinais. Por outro lado, a comparação fonética explícita dos mesmos sinais teria sido supérflua, dado que o Tribunal Geral constatou que os dois elementos da marca figurativa anterior tinham o mesmo conteúdo semântico. Assim, importa considerar que o Tribunal Geral pôde, sem infringir o artigo 15.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, limitar‑se, no n.o 61 do acórdão recorrido, à apreciação da equivalência dos sinais em causa no plano visual e conceptual.

71

Consequentemente, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na parte em que versa sobre os critérios à luz dos quais importa apreciar a equivalência dos sinais em causa para efeitos da demonstração da utilização séria.

72

Assim, há que julgar o segundo fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

73

Tendo em conta todos os elementos expostos, há que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

74

Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Cactus pedido a condenação do EUIPO e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

O Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) é condenado nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.