ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

9 de novembro de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transportes ferroviários — Diretiva 2001/14/CE — Taxas de utilização da infraestrutura — Tarificação — Entidade reguladora nacional que garante a conformidade das taxas de utilização da infraestrutura com esta diretiva — Contrato de utilização de uma infraestrutura celebrado entre um gestor da infraestrutura ferroviária e uma empresa ferroviária — Princípio da não discriminação — Reembolso das taxas sem intervenção daquela entidade e fora do âmbito de um recurso em que a mesma intervenha — Legislação nacional que permite ao tribunal cível a fixação de um montante ex aequo et bono no caso de taxas não equitativas»

No processo C‑489/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha), por decisão de 3 de setembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de setembro de 2015, no processo

CTL Logistics GmbH

contra

DB Netz AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet, M. Berger (relatora) e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de julho de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da CTL Logistics GmbH, por K.‑P. Langenkamp, Rechtsanwalt,

em representação da DB Netz AG, por M. Kaufmann e T. Schmitt, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Mölls e J. Hottiaux, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de novembro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.o, n.os 1 e 5, 6.o, n.o 1, 8.o, n.o 1, e 30.o, n.os 1 a 3, 5 e 6, da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO 2001, L 75, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2004/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004 (JO 2004, L 220, p. 16) (a seguir «Diretiva 2001/14»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a CTL Logistics GmbH à DB Netz AG a respeito do reembolso de taxas de cancelamento e de alteração no âmbito da utilização da infraestrutura ferroviária gerida pela DB Netz.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 5, 7, 11, 12, 16, 20, 32, 34, 35, 40 e 46 da Diretiva 2001/14 descrevem do seguinte modo os objetivos desta diretiva relativamente às taxas de utilização de infraestruturas:

«(5)

Para garantir a transparência e um acesso não discriminatório à infraestrutura ferroviária para todas as empresas de transporte ferroviário, serão publicadas nas especificações da rede todas as informações necessárias para a utilização dos direitos de acesso.

[…]

(7)

O encorajamento de uma utilização otimizada da infraestrutura ferroviária levará a uma redução dos custos dos transportes para a sociedade.

[…]

(11)

Os regimes de tarifação e de repartição da capacidade deverão proporcionar acesso equitativo e não discriminatório a todas as empresas e deverão procurar, na medida do possível, satisfazer as necessidades de todos os utilizadores e todos os tipos de tráfego, de um modo equitativo e não discriminatório.

(12)

No quadro estabelecido pelos Estados‑Membros, os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem encorajar os gestores das infraestruturas ferroviárias a otimizar a utilização da sua infraestrutura.

[…]

(16)

Os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem favorecer uma concorrência leal no fornecimento de serviços ferroviários.

[…]

(20)

É desejável deixar aos gestores das infraestruturas uma certa margem de manobra, que permita uma utilização mais eficiente da rede de infraestruturas.

[…]

(32)

Importa minimizar as distorções de concorrência que podem surgir entre infraestruturas ferroviárias ou entre modos de transporte em resultado de diferenças significativas nos princípios de tarificação.

[…]

(34)

O investimento na infraestrutura ferroviária é desejável e os regimes de tarificação da utilização da infraestrutura devem proporcionar incentivos a que o gestor da infraestrutura realize investimentos adequados, quando tais investimentos forem economicamente interessantes.

(35)

Um regime de tarificação transmite indicações económicas aos utentes. É importante que essas indicações às empresas de transporte ferroviário sejam consistentes e as incitem a tomar decisões racionais.

[…]

(40)

A infraestrutura ferroviária é um monopólio natural. Por conseguinte, é necessário incentivar os gestores da infraestrutura a reduzirem os custos e a gerirem eficientemente a infraestrutura.

[…]

(46)

A gestão eficaz e a utilização justa e não discriminatória da infraestrutura ferroviária requerem a instituição de uma entidade reguladora que supervisione a aplicação das regras e atos comunitários em causa como uma instância de recurso, sem prejuízo da possibilidade de controlo jurisdicional.»

4

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14 prevê:

«A presente diretiva estabelece os princípios e procedimentos a seguir na fixação e aplicação das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e na repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária.

Os Estados‑Membros devem assegurar que os regimes de tarificação e de repartição da capacidade da infraestrutura ferroviária respeitem os princípios estabelecidos na presente diretiva permitindo, assim, que o gestor da infraestrutura comercialize a capacidade da infraestrutura disponível e a utilize otimizada e eficazmente.»

5

O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Especificações da rede», dispõe:

«1.   Após consulta às partes interessadas, o gestor da infraestrutura deve elaborar e publicar as especificações da rede, que podem ser obtidas contra pagamento de uma taxa que não pode ser superior ao custo de publicação desse documento.

2.   Essas especificações devem enunciar as características da infraestrutura à disposição das empresas de transporte ferroviário e conterão informações que precisem as condições de acesso à infraestrutura ferroviária em causa. O conteúdo das especificações da rede consta do anexo I.

3.   As especificações da rede devem ser atualizadas e, se necessário, modificadas.

4.   As especificações da rede devem ser publicadas o mais tardar quatro meses antes do prazo de apresentação dos pedidos de capacidade da infraestrutura.»

6

O capítulo II da referida diretiva, que inclui os artigos 4.o a 12.o desta, tem por objeto as «Taxas de utilização da infraestrutura».

7

O artigo 4.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Fixação, determinação e cobrança de taxas», dispõe, nos seus n.os 1, 4 e 5:

«1.   Os Estados‑Membros devem definir um quadro para a tarificação, respeitando todavia a independência de gestão prevista no artigo 4.o da Diretiva 91/440/CEE [do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos de ferro comunitários (JO 1991, L 237, p. 25)].

Sob a mesma condição de independência de gestão, os Estados‑Membros devem proceder também ao estabelecimento de regras de tarificação específicas, ou delegar essas funções no gestor da infraestrutura. A determinação das taxas de utilização da infraestrutura e a cobrança dessas taxas é da responsabilidade do gestor da infraestrutura.

[…]

4.   Exceto quando sejam tomadas disposições específicas ao abrigo do n.o 2 do artigo 8.o, o gestor da infraestrutura deve garantir que os princípios em que se baseia o regime de tarificação em vigor sejam os mesmos em toda a rede.

5.   O gestor da infraestrutura deve garantir que o regime de tarificação seja aplicado de modo a que as taxas cobradas às diferentes empresas de transporte ferroviário que prestam serviços equivalentes num segmento análogo de mercado sejam equivalentes e não discriminatórias e que as taxas efetivamente aplicadas observem o disposto nas regras definidas nas especificações da rede.»

8

Os artigos 7.o a 12.o da Diretiva 2001/14 determinam as taxas que podem ser cobradas e o seu modo de cálculo.

9

O artigo 7.o desta diretiva, sob a epígrafe «Princípios de tarificação», dispõe, nos seus n.os 3 a 5:

«3.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 e no artigo 8.o, as taxas de utilização do pacote mínimo de acesso e do acesso por via férrea às instalações de serviços devem corresponder ao custo diretamente imputável à exploração do serviço ferroviário.

4.   A taxa de utilização da infraestrutura pode incluir uma componente que reflita a escassez de capacidade do segmento identificável da infraestrutura durante os períodos de congestionamento.

5.   A taxa de utilização da infraestrutura pode ser modificada para ter em conta o custo dos efeitos ambientais provocados pela exploração da composição. Esta modificação deve ser diferenciada em função da magnitude do efeito causado.

No entanto, a tarificação dos custos ambientais que impliquem um aumento do montante global das receitas realizadas pelo gestor da infraestrutura só é permitida se existir a um nível comparável também nos outros modos de transporte concorrentes.

Na falta de um nível comparável de tarificação dos custos ambientais noutros modos de transporte concorrentes, esta modificação não deve ter repercussões nas receitas do gestor da infraestrutura. Se tiver sido introduzido um nível comparável de tarificação dos custos ambientais nos transportes ferroviários e noutros modos de transporte concorrentes, e daí resultar um aumento da receita, competirá aos Estados‑Membros decidir da afetação das receitas suplementares.»

10

O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Exceções aos princípios de tarificação», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   A fim de proceder à plena recuperação dos custos do gestor da infraestrutura, os Estados‑Membros podem, se as condições do mercado o permitirem, aplicar sobretaxas adicionais com base em princípios eficazes, transparentes e não discriminatórios, garantindo ao mesmo tempo a maior competitividade possível, em especial no que se refere ao transporte ferroviário internacional de mercadorias. O regime de tarifação deve respeitar os aumentos de produção alcançados pelas empresas ferroviárias.

No entanto, o nível das taxas não deverá excluir a utilização da infraestrutura por segmentos de mercado que possam pelo menos pagar os custos diretamente imputáveis à exploração do serviço ferroviário, acrescidos de uma taxa de rentabilidade se o mercado o permitir.

2.   Para projetos de investimento específicos a realizar no futuro ou que tenham sido concluídos no máximo quinze anos antes da data de entrada em vigor da presente diretiva, o gestor da infraestrutura pode fixar ou manter taxas mais elevadas com base nos custos a longo prazo desses projetos, se estes aumentarem a eficácia e/ou a relação custo‑eficácia e se, de outro modo, não pudessem ser ou ter sido realizados. Essas disposições sobre tarificação podem incluir acordos sobre a partilha dos riscos associados aos novos investimentos.»

11

O artigo 9.o, n.o 5, da mesma diretiva prevê:

«São aplicados regimes de desconto semelhantes a tipos de serviço semelhantes.»

12

O artigo 12.o da Diretiva 2001/14, sob a epígrafe «Taxas de reserva de capacidade», está redigido da seguinte forma:

«O gestor da infraestrutura pode aplicar uma taxa adequada sobre a capacidade pedida mas não utilizada. Essa taxa constituirá um incentivo à utilização eficiente da capacidade.

O gestor da infraestrutura deve, a todo o momento, poder informar qualquer parte interessada sobre a capacidade da infraestrutura que tenha sido atribuída às empresas ferroviárias utilizadoras.»

13

No capítulo IV da Diretiva 2001/14, intitulado «Disposições gerais», o artigo 30.o desta, sob a epígrafe «Entidade reguladora», prevê:

«1.   Sem prejuízo do disposto no n.o 6 do artigo 21.o, os Estados‑Membros devem instituir uma entidade reguladora. Esta entidade, que pode ser o Ministério dos Transportes ou outra instância, será independente, a nível de organização, de financiamento das decisões e a nível jurídico e decisório, de qualquer gestor da infraestrutura, organismo de tarificação, organismo de repartição ou candidato. A referida entidade deve exercer as suas funções segundo os princípios enunciados no presente artigo, nos termos do qual as funções de recurso e de regulamentação podem ser atribuídas a instâncias distintas.

2.   Qualquer candidato tem o direito de recorrer para esta entidade reguladora, se considerar ter sido tratado de forma injusta ou discriminatória ou de algum outro modo lesado, em particular contra decisões tomadas pelo gestor da infraestrutura ou, sendo o caso, pela empresa de caminhos de ferro no que se refere:

a)

Às especificações da rede;

b)

Aos critérios incluídos nessas especificações;

c)

Ao processo de repartição das capacidades e aos seus resultados;

d)

Ao regime de tarifação;

e)

Ao nível ou estrutura das taxas de utilização da infraestrutura que as empresas pagam ou possam vir a pagar;

[…]

3.   A entidade reguladora deve garantir que as taxas fixadas pelo gestor da infraestrutura cumprem o disposto no capítulo II e não são discriminatórias. A negociação do nível das taxas de utilização da infraestrutura entre os candidatos e o gestor de infraestrutura só é permitida se for efetuada sob a supervisão da entidade reguladora. A entidade reguladora deve intervir se as negociações puderem ser contrárias ao disposto na presente diretiva.

4.   A entidade reguladora está habilitada a solicitar as informações que considere relevantes ao gestor da infraestrutura, aos candidatos ou a terceiros interessados, no Estado‑Membro em causa, informações essas que deverão ser fornecidas rapidamente.

5.   A entidade reguladora será chamada a decidir de eventuais queixas e a diligenciar no sentido de resolver a situação num prazo máximo de dois meses a contar da data de receção de toda a informação.

Sem prejuízo do disposto no n.o 6, as decisões da entidade reguladora são vinculativas para todas as partes a que dizem respeito.

Em caso de recurso por recusa de concessão de capacidade de infraestrutura ou contra as condições de uma oferta de capacidade, a entidade reguladora deve confirmar a decisão do gestor da infraestrutura ou determinar a modificação da decisão de acordo com as diretrizes por si traçadas.

6.   Os Estados‑Membros devem adotar as medidas necessárias para garantir que as decisões tomadas pela entidade reguladora sejam sujeitas a controlo jurisdicional.»

14

Em conformidade com o disposto no anexo I da Diretiva 2001/14, para o qual remete o seu artigo 3.o, n.o 2, as especificações de rede incluirão, entre outras, as seguintes informações:

«[…]

2.   Um capítulo sobre os princípios de tarificação e o tarifário, que incluirá todos os elementos relevantes do regime de tarificação, assim como informação suficientemente pormenorizada sobre as taxas aplicáveis aos serviços enumerados no anexo II e assegurados por um único prestador. Este capítulo apresentará pormenorizadamente a metodologia, as regras e, sendo o caso, as escalas utilizadas para a aplicação dos n.os 4 e 5 do artigo 7.o e dos artigos 8.o e 9.o, e conterá informações sobre as alterações ao montante das taxas já decididas ou previstas;

[…]»

Direito alemão

AEG

15

O § 14, n.os 4 a 6, da Allgemeines Eisenbahngesetz (Lei geral dos caminhos de ferro), de 27 de dezembro de 1993 (BGB1. 1993 I, p. 2378), na versão em vigor à data dos factos em causa no processo principal, dispõe:

«(4)   Os gestores das vias férreas devem fixar as suas taxas de acordo com um regulamento adotado nos termos do § 26, n.o 1, pontos 6 e 7, de modo a compensar todos os custos suportados com o fornecimento de prestações regulamentares nos termos do n.o 1, primeira frase, assegurando uma rentabilidade de acordo com as taxas de mercado. Neste contexto, podem fixar e cobrar sobretaxas relativamente ao custo diretamente imputável à exploração do serviço ferroviário, podendo haver lugar a uma diferenciação consoante se trate de serviços de transporte ferroviário de passageiros de longo curso, de serviços de transporte ferroviário de passageiros de curta distância ou de serviços de transporte de mercadorias, e consoante o segmento de mercado dentro de cada um desses tipos de serviços, garantindo a competitividade, especialmente no domínio do transporte ferroviário internacional de mercadorias. Todavia, no que respeita ao segundo período referido supra, a tarificação não pode exceder, no que se refere a um segmento de mercado, os custos diretamente imputáveis à exploração do serviço ferroviário, aos quais é acrescida uma taxa de rentabilidade obtida de acordo com o preço de mercado. Nos termos do § 26, n.o 1, pontos 6 e 7:

1.

podem ser admitidas exceções ao modo de cálculo das taxas segundo o indicado na primeira frase, se a obrigação de cobertura dos custos for respeitada por outra via, ou

2.

a entidade reguladora pode, através de disposições gerais adotadas com o acordo da Bundesnetzagentur für Elektrizität, Gas, Telekommunikation, Post und Eisenbahnen (Agência federal de regulação da eletricidade, do gás, das telecomunicações, dos serviços postais e dos caminhos de ferro), entidade reguladora, isentar todos os gestores de vias férreas do cumprimento dos requisitos estabelecidos na primeira frase.

(5)   As empresas gestoras de infraestruturas ferroviárias fixam as taxas de acesso às suas instalações, incluindo aos serviços conexos, por forma a não prejudicar de forma abusiva a competitividade dos titulares de uma autorização de acesso. Em especial, existe um prejuízo abusivo quando:

1.

o gestor exige o pagamento de taxas que ultrapassam, de forma inadequada, os custos incorridos com o fornecimento dos serviços mencionados na primeira frase, ou

2.

determinados titulares de uma autorização de acesso sejam favorecidos em relação a outros titulares de uma autorização de acesso, sem que tal se baseie num motivo justificado.

(6)   O acesso, em especial no que se refere à data, hora e duração da utilização, bem como as taxas devidas e as restantes condições de utilização, incluindo as disposições relativas à segurança do serviço, são acordados entre os titulares da autorização de acesso e a empresa gestora da infraestrutura ferroviária, nos termos do regulamento referido no n.o 1.»

16

O § 14b, n.o 1, da AEG, na versão em vigor à data dos factos no processo principal, prevê:

«A entidade reguladora deve garantir o respeito pelas disposições da legislação ferroviária que rege o acesso à infraestrutura ferroviária, em particular no que se refere:

1.

à fixação do horário do serviço, em especial no que respeita às decisões relativas à repartição dos traçados ferroviários no horário de serviço, incluindo as prestações regulamentares;

2.

a outras decisões relativas à repartição dos traçados ferroviários, incluindo as prestações regulamentares;

3.

ao acesso às instalações de serviço, incluindo aos serviços conexos;

4.

às condições de utilização, aos princípios de tarificação e ao montante da taxa»

17

O § 14c da AEG, na versão em vigor à data dos factos em causa no processo principal, dispõe:

«(1)   A entidade reguladora pode, no exercício das suas funções para com as empresas públicas gestoras de infraestruturas ferroviárias, adotar as medidas necessárias a fazer cessar as violações constatadas ou a prevenir futuras violações das disposições da legislação ferroviária que rege o acesso às infraestruturas ferroviárias.

(2)   Para que a entidade reguladora e os seus agentes possam desempenhar a sua função, os titulares de uma autorização de acesso, as empresas públicas gestoras de infraestruturas rodoviárias e as pessoas que atuam por conta própria são obrigadas a conceder autorização para:

1.

a entrada nos locais e nas instalações de exploração durante o horário normal de abertura e de serviço, e

2.

a consulta de livros, documentos comerciais, bases de dados e outros documentos, e à sua disponibilização num suporte de dados adequado.

(3)   Para que a entidade reguladora e os seus agentes possam desempenhar a sua função, os titulares de uma autorização de acesso, as empresas públicas gestoras de infraestruturas rodoviárias e as pessoas que atuam por conta própria estão obrigadas a:

1.

fornecer‑lhes as informações necessárias;

2.

comunicar‑lhes os dados necessários;

3.

prestar‑lhes a assistência necessária.

Assim é, nomeadamente, no caso de negociações em curso ou já terminadas relativas ao montante das taxas de utilização das infraestruturas e de outras taxas. Prestam informações verídicas e de boa‑fé. As pessoas obrigadas a comunicar as informações podem recusar a sua divulgação quando elas próprias, ou as pessoas mencionadas no § 383, n.o 1, pontos 1 a 3, do Código de Processo Civil, possam incorrer em responsabilidade criminal ou contraordenacional.

(4)   A entidade reguladora pode executar a sua decisão nos termos desta legislação, segundo as disposições que regem a execução dos atos administrativos. A sanção pecuniária compulsória é fixada num montante máximo de 500000 euros.»

18

O § 14d da AEG, na versão em vigor à data dos factos em causa no processo principal, estabelece:

«(1)   As empresas públicas gestoras de infraestruturas ferroviárias informam a entidade reguladora a respeito:

1.

da decisão prevista relativa à repartição dos traçados ferroviários no horário de serviço, incluindo as prestações regulamentares, quando os pedidos apresentados devam ser indeferidos;

2.

da decisão prevista relativa à repartição dos traçados ferroviários, incluindo as prestações regulamentares, fora a elaboração do horário de serviço, quando os pedidos apresentados devam ser indeferidos;

3.

da decisão prevista relativa ao acesso às instalações de serviço, incluindo as prestações conexas, quando os pedidos apresentados devam ser indeferidos;

4.

da decisão prevista para a celebração de um acordo‑quadro;

5.

da decisão prevista de solicitar ao titular de uma autorização de acesso que proponha uma tarifa superior à tarifa que deve ser aplicada com base nas condições de utilização da rede ferroviária;

6.

da reconversão ou da alteração prevista das condições de utilização da rede ferroviária ou das condições de utilização das instalações de serviço, incluindo os princípios de tarificação e o montante da taxa.

As decisões previstas, na aceção dos pontos 1 a 5 da primeira frase, devem ser fundamentadas. Além disso, os gestores das vias férreas devem demonstrar que a sua tarificação é conforme às disposições do § 14, n.o 4.»

19

O § 14e da AEG, na versão em vigor à data dos factos em causa no processo principal, prevê:

«(1)   Após receção de uma comunicação nos termos do § 14d, a entidade reguladora pode opor‑se […]:

1.

a um projeto de decisão em conformidade com o disposto no § 14d, primeira frase, pontos 1, 3 e 5, no prazo de 10 dias úteis,

2.

a um projeto de decisão em conformidade com o disposto no § 14d, primeira frase, ponto 2, no prazo de um dia útil,

3.

a um projeto de decisão em conformidade com o disposto no § 14d, primeira frase, ponto 4, no prazo de quatro semanas,

4.

a um projeto de reconversão ou de alteração, na aceção do § 14d, primeira frase, ponto 6, no prazo de quatro semanas,

quando as decisões previstas violem as disposições da legislação que rege o acesso às infraestruturas ferroviárias.

(2)   Antes de decorrido o prazo fixado:

1.

no n.o 1, pontos 1 a 3, a decisão prevista não pode ser eficazmente comunicada aos titulares de uma autorização de acesso;

2.

no n.o 1, ponto 4, não podem entrar em vigor as condições de utilização da rede ferroviária ou as condições de utilização das infraestruturas de serviço, bem como os princípios de tarificação e o montante da taxa.

(3)   Se a entidade reguladora exercer o seu direito de oposição:

1.

no caso previsto no n.o 1, pontos 1 a 3, deve ser adotada uma decisão conforme às instruções da entidade reguladora;

2.

no caso previsto no n.o 1, ponto 4, não entram em vigor as condições de utilização da rede ferroviária ou das infraestruturas de serviços, incluindo os princípios de tarificação e as taxas.

(4)   A entidade reguladora pode renunciar, no todo ou em parte, à comunicação prevista no § 14d. Pode limitar esta renúncia a certas empresas públicas gestoras da infraestrutura ferroviária. Isto ocorre, em especial, quando existir o risco de provocar uma distorção da concorrência.»

20

O § 14f da AEG dispõe:

«(1)   A entidade reguladora pode controlar oficiosamente:

1.

as condições de utilização da rede ferroviária e de utilização das infraestruturas de serviços,

2.

as disposições relativas ao montante ou à estrutura das taxas de utilização e outras taxas das empresas gestoras de infraestruturas ferroviárias.

A entidade reguladora pode, futuramente,

1.

obrigar as empresas gestoras de infraestruturas ferroviárias a modificar, segundo as suas indicações, as condições previstas na primeira frase, ponto 1, ou as regras de tarificação previstas na primeira frase, ponto 2, ou

2.

anular as condições previstas na primeira frase, ponto 1, ou as regras de tarificação previstas na primeira frase, ponto 2,

quando violem as disposições da legislação que rege o acesso às infraestruturas ferroviárias.

(2)   Se não for possível chegar a acordo quanto ao acesso à rede ferroviária, na aceção do § 14, n.o 6, ou quanto a um acordo‑quadro, na aceção do § 14a, as decisões da empresa de infraestrutura ferroviária podem ser fiscalizadas pela entidade reguladora, mediante pedido ou oficiosamente. Os pedidos nesse sentido podem ser formulados pelos titulares de uma autorização de acesso cujo direito de aceder à infraestrutura ferroviária possa ser afetado. Os pedidos devem ser apresentados no mesmo prazo em que pode ser aceite uma proposta de celebração de um acordo, em conformidade com a primeira frase. A fiscalização pode, em especial, incidir sobre:

1.

as condições de utilização da rede ferroviária e as condições de utilização das infraestruturas de serviços,

2.

o processo de repartição das capacidades e os seus resultados;

3.

o montante e a estrutura das taxas de utilização e das outras taxas.

A entidade reguladora convida as partes a apresentarem todas as informações úteis num prazo razoável, que não pode ultrapassar as duas semanas. A entidade reguladora pronuncia‑se no prazo de dois meses a contar do termo desse prazo.

(3)   Se, no caso referido no n.o 2, a decisão de uma empresa de infraestrutura ferroviária impedir o direito de acesso do candidato à infraestrutura ferroviária,

1.

a entidade reguladora obriga a empresa de infraestrutura ferroviária a alterar a decisão ou

2.

a entidade reguladora fixa ela própria as condições contratuais, decide sobre a validade do contrato e declara inválidos os contratos que não respeitem as condições em questão.»

EIBV

21

O § 4 do Eisenbahninfrastruktur‑Benutzungsverordnung (Regulamento relativo à utilização da infraestrutura ferroviária), de 3 de junho de 2005 (BGBl. 2005 I, p. 1566), na versão alterada de 3 de junho de 2009 (BGBl. 2009 I, p. 1235) (a seguir «EIBV»), dispõe:

«(1)   O gestor da rede ferroviária deve fixar as condições de utilização (da rede ferroviária) aplicáveis ao fornecimento dos serviços referidos no anexo 1, ponto 1, e:

1.

publicá‑las no jornal oficial, ou

2.

publicá‑las na Internet e informar o jornal oficial do endereço eletrónico onde podem ser consultadas.

A pedido dos titulares de uma autorização de acesso, o gestor das redes ferroviárias comunica‑lhes, a expensas dos mesmos, as condições de utilização da rede ferroviária.

(2)   As condições de utilização da rede ferroviária devem conter, pelo menos, as indicações referidas no anexo 2 e nas outras disposições deste regulamento, bem como as condições gerais de utilização dos traçados. A lista das taxas não faz parte das condições de utilização da rede ferroviária.

[…]

(5)   As condições de utilização da rede ferroviária devem ser publicadas, pelo menos, quatro meses antes do termo do prazo fixado no § 8, n.o 1, ponto 2, para a apresentação dos pedidos de atribuição de traçados no horário de serviço. As condições de utilização da rede ferroviária entram em vigor no termo do prazo fixado no § 8, n.o 1, ponto 2, para a apresentação dos pedidos.

(6)   As condições de utilização da rede ferroviária são aplicáveis a todos os requerentes em condições de igualdade. São vinculativas para todas as partes contratantes e sem prejuízo das condições gerais aí contidas. […]»

22

O § 21 do EIBV prevê:

«(1)   O gestor da rede ferroviária deve estruturar as taxas devidas pelos serviços que está obrigado a prestar de forma a incentivar as empresas ferroviárias e gestoras das ferrovias, mediante um sistema de aperfeiçoamento do desempenho, a minimizarem as perturbações e a melhorarem o desempenho da rede ferroviária. Os princípios da tarificação em função do desempenho aplicam‑se a toda a rede ferroviária a cargo do gestor da referida rede ferroviária.

(2)   A taxa de utilização da infraestrutura ferroviária pode incluir uma componente que tenha em consideração os efeitos ambientais da exploração do transporte ferroviário, e importa fazer uma distinção neste contexto em função dos efeitos ambientais. Este facto não pode ter por consequência a alteração do benefício global do gestor da rede ferroviária.

(3)   A taxa de utilização pode incluir uma componente que reflita a escassez de capacidade do segmento específico da infraestrutura durante os períodos de congestionamento.

(4)   Se o serviço de transporte implicar custos suplementares em relação a outros serviços de transporte, esses custos só podem ser tomados em consideração em relação a esse serviço de transporte.

(5)   Para evitar variações importantes e desproporcionadas, as taxas referidas nos n.os 2 e 4 e as taxas relativas às prestações regulamentares podem prolongar‑se por períodos adequados.

(6)   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as taxas devem ser calculadas da mesma forma em relação a todos os titulares de uma autorização de acesso. As taxas devem ser reduzidas se o estado das redes ferroviárias, dos sistemas de comando das agulhas e de segurança ou das instalações relativas ao abastecimento através de cateter de certas secções não estiverem em conformidade com as disposições contratuais.

(7)   As taxas cobradas por quem explora a rede ferroviária devem ser publicadas ou comunicadas em conformidade com o disposto no § 4, n.o 1, um mês antes do prazo referido no § 8, n.o 1, ponto 2. Essas taxas são aplicadas durante todo o novo período do horário de serviço.»

BGB

23

O § 315 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil, a seguir «BGB»), sob a epígrafe «Determinação da prestação por uma das partes», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«(1)   Se a determinação da prestação for confiada a uma das partes contratantes, há que, em caso de dúvida, partir do pressuposto de que a determinação deve ser feita ex aequo et bono.

[…]

(3)   Se a prestação tiver de ser determinada ex aequo et bono, só obriga a outra parte se for conforme à equidade. Caso contrário, a determinação é feita por sentença […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

24

A CTL Logistics é uma empresa privada de transporte ferroviário que utiliza a infraestrutura ferroviária gerida pela DB Netz, empresa pública autorizada.

25

A DB Netz disponibiliza a sua infraestrutura ferroviária aos clientes a título oneroso, com base em contratos denominados «de utilização da infraestrutura». Estes são contratos‑tipo que regulam os princípios da relação contratual existente entre as empresas de transporte ferroviário e a DB Netz e constituem a base dos contratos individuais de utilização da infraestrutura, celebrados para a utilização dos traçados. As disposições destes contratos‑tipo são incluídas em cada contrato de utilização individual.

26

Segundo estes contratos de utilização da infraestrutura, o uso da rede ferroviária da DB Netz estava subordinado ao pagamento, pela CTL Logistics, do preço do traçado, calculado com base no tarifário em vigor. Esta tarifa, também designada por «sistema de preços do traçado» (a seguir «SPT»), é fixada previamente pela DB Netz para vigorar durante um determinado período, sem a participação das empresas de transporte ferroviário.

27

As partes no processo principal estão em desacordo quanto a determinadas taxas de anulação e de alteração que a DB Netz incluiu unilateralmente no SPT e que foram aplicadas quando a CTL Logistics pretendeu alterar ou anular uma reserva de um traçado. Entre 2004 e 2011, a CTL Logistics pagou os montantes devidos a título do SPT. Posteriormente, decidiu exigir o seu reembolso.

28

Para o efeito, a CTL Logistics, sem se dirigir previamente à entidade reguladora, intentou uma ação no Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha).

29

Segundo esta sociedade, as taxas de anulação e de alteração em questão foram fixadas unilateralmente pela DB Netz de forma não equitativa. Nos termos do § 315 do BGB, a fixação destas taxas pela DB Netz é inoperante e incumbe aos tribunais fixar uma taxa cujo montante é apreciado ex aequo et bono. O montante em excesso da taxa paga não tem fundamento jurídico e deve ser restituído.

30

O órgão jurisdicional de reenvio confirma que, segundo a jurisprudência dos tribunais de recurso e do Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha), os tribunais cíveis têm efetivamente competência para, em processos como o processo principal, analisar o SPT da recorrida à luz da sua equidade e adotar, se for o caso, as suas próprias decisões através de uma apreciação ex aequo et bono. Segundo esta jurisprudência, nem a AEG nem o EIBV se opõem ao exercício de um controlo, à luz do direito civil, baseado no § 315 do BGB, dado que a determinação da taxa pela utilização de infraestruturas ferroviárias confere uma margem de manobra inerente à autonomia privada, não obstante os controlos efetuadas pela entidade reguladora.

31

Além disso, segundo a referida jurisprudência, por razões de ordem processual, impõe‑se uma aplicação concomitante do disposto no § 315 do BGB e na legislação ferroviária alemã. A ação intentada com fundamento no § 315 do BGB implica necessariamente um controlo do montante da taxa fixada pela empresa gestora da infraestrutura ferroviária e, sendo esse o caso, uma redução da mesma até ao limite do que resultasse de uma apreciação equitativa, com efeitos ex tunc.

32

Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio considera que não é admissível uma fiscalização baseada na equidade, efetuada nos termos do § 315 do BGB, e a aplicação concomitante das disposições da Diretiva 2001/14. Em sua opinião, uma aplicação deste § 315 assume de facto uma função de regulamentação incompatível com o princípio da remessa a uma só entidade reguladora, nos termos do artigo 30.o, n.o 1, primeira frase, da referida diretiva, e que não tem suficientemente em conta os princípios enunciados por essa diretiva em matéria de cálculo das taxas para a utilização da infraestrutura.

33

Nestas circunstâncias, o Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

[Devem] as disposições do direito da União, em especial o artigo 30.o, n.o 1, primeira frase, n.o 2, n.o 3, n.o 5, primeiro parágrafo, e n.o 6, da Diretiva [2001/14], ser interpretadas no sentido de que os pedidos de reembolso das taxas de utilização de uma infraestrutura ferroviária acordadas ou fixadas entre um gestor da infraestrutura e um candidato no âmbito de um contrato‑quadro não devem ser admitidos se não forem deduzidos [segundo] os processos previstos na entidade reguladora nacional e [segundo] os processos judiciais subsequentes de fiscalização das referidas decisões da entidade reguladora?

2)

[Devem] as disposições do direito da União, em especial o artigo 30.o, n.o 1, primeira frase, n.o 2, n.o 3, n.o 5, primeiro parágrafo, e n.o 6, da Diretiva [2001/14], ser interpretadas no sentido de que os pedidos de reembolso das taxas de utilização de uma infraestrutura ferroviária acordadas ou fixadas entre um gestor da infraestrutura e um candidato no âmbito de um contrato‑quadro não devem ser admitidos se as taxas de utilização da infraestrutura ferroviária controvertidas não tiverem sido previamente analisadas pela entidade reguladora nacional?

3)

[É compatível com as disposições do direito da União que obrigam o gestor da infraestrutura a respeitar determinadas regras gerais em matéria de cálculo da taxa, nomeadamente a obrigação de cobertura dos custos (artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva [2001/14]) ou a consideração de critérios relacionados com as condições do mercado (artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva [2001/14])], a fiscalização da equidade das taxas de utilização de uma infraestrutura ferroviária, exercida por um tribunal cível com base numa norma do direito civil nacional que, em caso de fixação unilateral das taxas por uma das partes, permite aos tribunais fiscalizar a equidade da prestação e eventualmente substitui‑la por outra ex aequo et bono?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão, deve o tribunal cível, no âmbito do exercício do seu poder discricionário, ter em conta os critérios estabelecidos na Diretiva [2001/14] relativos à fixação das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária e, em caso de resposta afirmativa, quais?

5)

[É compatível com o direito da União] a verificação da equidade das taxas por parte dos tribunais cíveis com base na norma nacional referida na terceira questão, [quando] os tribunais cíveis fixam a taxa sem terem em conta os princípios gerais e o montante das taxas aplicadas pelo gestor [da infraestrutura ferroviária], apesar de esse gestor estar obrigado pelo direito da União a tratar sem discriminação qualquer entidade autorizada a aceder à infraestrutura (artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva [2001/14])?

6)

[É compatível com o direito da União] a fiscalização da equidade das taxas fixadas pelo gestor da infraestrutura por parte dos tribunais cíveis tendo em conta o facto de o direito da União partir do princípio de que a entidade reguladora é competente para decidir os diferendos entre o gestor da infraestrutura e os titulares de uma autorização de acesso quanto às taxas de utilização da infraestrutura ferroviária ou quanto ao montante e à estrutura dessas taxas, que devem ou deviam ser pagas pelos titulares de uma autorização de acesso (artigo 30.o, n.o 5, terceiro parágrafo, da Diretiva [2001/14]), e o facto de, em consequência do número potencialmente elevado de litígios nos diferentes tribunais cíveis, a entidade reguladora poder deixar de garantir a aplicação uniforme da legislação reguladora do transporte ferroviário (artigo 30.o, n.o 3, da Diretiva [2001/14])?

7)

É compatível com o direito da União, em especial com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva [2001/14], que as disposições nacionais exijam que quaisquer taxas aplicadas pelos gestores das infraestruturas [pela] utilização das infraestruturas ferroviárias sejam calculadas exclusivamente [segundo] um método baseado nos custos diretos?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira, segunda, quinta e sexta questões

34

Com a primeira, segunda, quinta e sexta questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da Diretiva 2001/14, nomeadamente os artigos 4.o, n.o 5, e 30.o, n.os 1, 3, 5 e 6, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação de uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a fiscalização, caso a caso, do caráter equitativo das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária pelos órgãos jurisdicionais ordinários, e a possibilidade, se necessário, de alterar o montante dessas taxas independentemente da supervisão exercida pela entidade reguladora, prevista no artigo 30.o desta diretiva.

35

A título preliminar, a fim de responder a esta questão, importa recordar os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/14, bem como os princípios e os requisitos materiais e formais nela fixados em matéria de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária.

Objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/14

36

Entre os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/14 figura, nomeadamente, o de assegurar um acesso não discriminatório à infraestrutura, conforme indicado, designadamente, nos seus considerandos 5 e 11 (v., neste sentido, acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Hungria, C‑473/10, EU:C:2013:113, n.o 47, e de 18 de abril de 2013, Comissão/França, C‑625/10, EU:C:2013:243, n.o 49).

37

Além disso, a Diretiva 2001/14 prossegue o objetivo de garantir uma concorrência leal. O seu considerando 16 enuncia, a este respeito, que os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem favorecer uma concorrência leal no fornecimento de serviços ferroviários.

38

O regime de tarificação instituído pela Diretiva 2001/14 enquanto instrumento de gestão serve também para assegurar a prossecução de um outro objetivo, a saber, o da independência do gestor da infraestrutura (v., neste sentido, acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, EU:C:2013:114, n.o 44, e de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑556/10, EU:C:2013:116, n.o 82).

39

Por outro lado, resulta do considerando 12 da referida diretiva que, para realizar o objetivo de assegurar uma utilização eficaz da infraestrutura ferroviária, os referidos regimes devem incentivar os gestores das infraestruturas ferroviárias a otimizar a utilização da sua infraestrutura no quadro estabelecido pelos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑556/10, EU:C:2013:116, n.o 82).

40

Com vista à realização deste mesmo objetivo, é desejável, segundo o considerando 20 da Diretiva 2001/14, deixar uma certa margem de manobra ao gestor da infraestrutura (v., neste sentido, acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, EU:C:2013:114, n.o 44, e de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑556/10, EU:C:2013:116, n.o 82).

41

Do mesmo modo, o considerando 34 desta diretiva enuncia que o investimento na infraestrutura ferroviária é desejável e que os regimes de tarificação devem proporcionar incentivos para que o gestor da infraestrutura realize investimentos adequados, quando tais investimentos forem economicamente interessantes. Ora, os gestores não podem ser incentivados a investir na infraestrutura se não dispuserem de uma certa margem de manobra no quadro do regime de tarificação (acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, EU:C:2013:114, n.o 45).

42

Por último, uma vez que a infraestrutura ferroviária é um monopólio, o considerando 40 da referida diretiva enuncia que é, por conseguinte, necessário incentivar os gestores da infraestrutura a reduzirem os custos e a gerirem eficientemente a infraestrutura.

43

Essa gestão eficaz e a utilização justa e não discriminatória da infraestrutura ferroviária requerem, segundo o considerando 46 da mesma diretiva, a instituição de uma entidade reguladora que supervisione a aplicação das regras pertinentes do direito da União e dos atos comunitários em causa como uma instância de recurso, sem prejuízo da possibilidade de controlo jurisdicional.

Princípios substantivos enunciados na Diretiva 2001/14

44

Em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14, para permitir ao gestor da infraestrutura ferroviária a sua comercialização e utilização otimizada e eficaz, os Estados‑Membros devem assegurar que os regimes de tarificação e de repartição da capacidade da infraestrutura ferroviária respeitem os princípios estabelecidos nesta diretiva.

45

A este propósito, uma vez que a igualdade de tratamento das empresas ferroviárias é o requisito prévio à instauração de uma concorrência equitativa no setor da prestação de serviços ferroviários, o gestor da infraestrutura deve garantir, nos termos do artigo 4.o, n.o 5, da referida diretiva, que o regime de tarificação seja aplicado de modo a que as taxas cobradas às diferentes empresas de transporte ferroviário que prestam serviços equivalentes num segmento análogo de mercado sejam equivalentes e não discriminatórias e que as taxas efetivamente aplicadas observem o disposto nas regras definidas nas especificações da rede.

46

Importa recordar que esta disposição concretiza o princípio enunciado no considerando 11 da mesma diretiva, segundo o qual os regimes de tarifação e de repartição da capacidade deverão proporcionar acesso equitativo e não discriminatório a todas as empresas e procurar, na medida do possível, satisfazer as necessidades de todos os utilizadores e todos os tipos de tráfego, de um modo equitativo e não discriminatório.

47

Esse princípio, que resulta do considerando 11 e do artigo 9.o, n.o 5, da Diretiva 2001/14 e prevê que os regimes de desconto semelhantes se aplicam a tipos de serviço semelhantes, constitui, por conseguinte, o critério central para a determinação e a cobrança da taxa de utilização da infraestrutura.

48

Para garantir o objetivo prosseguido e por uma questão de transparência, o artigo 3.o da Diretiva 2001/14, que reproduz o conteúdo do considerando 5, impõe ao gestor da infraestrutura a elaboração e a publicação das especificações da rede que indiquem, nomeadamente, em conformidade com o anexo I da Diretiva 2001/14, os princípios e os níveis de tarificação.

49

Também no contexto da fixação e da cobrança das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária, o artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14 prevê que a determinação da taxa de utilização da infraestrutura e a sua cobrança incumbem aos gestores da infraestrutura, que devem velar pela aplicação de princípios uniformes, como prevê, nomeadamente, o artigo 4.o, n.os 4 e 5, da referida diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑556/10, EU:C:2013:116, n.o 84, e de 3 de outubro de 2013, Comissão/Itália, C‑369/11, EU:C:2013:636, n.o 41).

50

Por conseguinte, os gestores da infraestrutura, que estão obrigados a determinar e a cobrar as taxas de forma não discriminatória, devem não só aplicar os requisitos de utilização da rede ferroviária de forma igual a todos os utilizadores da rede mas também garantir que as taxas efetivamente cobradas cumprem esses requisitos.

51

O princípio da não discriminação estabelecido na Diretiva 2001/14, agora exposto, é o corolário da margem de apreciação conferida por esta diretiva para a fixação e a cobrança das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária. Além do poder de apreciação conferido aos Estados‑Membros para transpor e aplicar as disposições dos artigos 7.o e seguintes da Diretiva 2001/14, o seu artigo 4.o, n.o 1, segundo parágrafo, prevê, a este respeito, que o cálculo da taxa incumbe ao gestor da infraestrutura, ao qual, por consequência, é reconhecido um certo poder de apreciação próprio.

52

Neste contexto, em conformidade com o disposto no artigo 12.o da Diretiva 2001/14, no caso de o referido gestor, que não é obrigado a aplicar taxas de anulação, ter, no entanto, decidido a sua cobrança, essas taxas constituirão um incentivo à utilização eficiente da capacidade, desde que sejam adequadas e estabelecidas em conformidade com o princípio enunciado no artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, da referida diretiva.

53

A redação do considerando 7 da Diretiva 2001/14 vai no mesmo sentido ao enunciar que o encorajamento da utilização otimizada da infraestrutura ferroviária levará a uma redução dos custos dos transportes para a sociedade.

54

Por último, importa salientar que, segundo o considerando 35 desta diretiva, um regime de tarificação transmite indicações económicas aos utentes e é importante que essas indicações sejam consistentes e incitem os utentes a tomar decisões racionais. Daqui resulta que estes incentivos só podem ter o efeito pretendido se o gestor da infraestrutura dispuser efetivamente da possibilidade de adaptar o seu comportamento comercial às condições de mercado. Por conseguinte, a Diretiva 2001/14 reconhece um certo poder de apreciação ao gestor da infraestrutura para que realize os objetivos por ela prosseguidos. A tomada em consideração desses objetivos traduz‑se na fixação e no controlo uniformes de todos os tipos de taxas, nomeadamente das taxas cobradas pela capacidade pedida mas não utilizada.

Princípios procedimentais enunciados na Diretiva 2001/14

55

No que se refere à entidade reguladora, o considerando 46 da diretiva 2001/14 dispõe que a gestão eficaz e a utilização justa e não discriminatória da infraestrutura ferroviária requerem a instituição de uma entidade reguladora que supervisione a aplicação das regras e atos jurídicos da União como uma instância de recurso, sem prejuízo da possibilidade de controlo jurisdicional.

56

Por conseguinte, em conformidade com o disposto no artigo 30.o, n.o 1, desta Diretiva, os Estados‑Membros devem instituir essa entidade, à qual, nos termos do n.o 2 do mesmo artigo 30.o, pode recorrer um candidato que considere ter sido «tratado de forma injusta ou discriminatória ou de algum modo lesado». Segundo esta disposição, o recurso interposto a este respeito incide nomeadamente sobre as decisões do gestor da infraestrutura sobre o regime de tarificação ou o nível ou a estrutura das taxas de utilização da infraestrutura que o candidato é ou seria obrigado a pagar, devendo a entidade reguladora, nos termos do artigo 30.o, n.o 5, da Diretiva 2001/14, decidir de eventuais queixas e diligenciar no sentido de resolver a situação no prazo máximo de dois meses.

57

Daqui resulta que, além da apreciação das taxas aplicáveis num determinado caso, esta entidade deve garantir que todas as taxas, na medida em que constituam o regime de tarificação, cumpram as disposições da referida diretiva.

58

A supervisão centralizada exercida pela entidade reguladora, que garante o caráter não discriminatório das taxas, corresponde, por conseguinte, ao princípio segundo o qual a fixação centralizada das referidas taxas é efetuada pelo gestor, no respeito do princípio da não discriminação.

59

É nesta perspetiva que se inserem as disposições relativas aos efeitos das decisões adotadas pela entidade reguladora, bem como o alcance dos controlos que efetua.

60

Neste sentido, nos termos do artigo 30.o, n.o 3, primeira frase, da Diretiva 2001/14, a entidade reguladora deve garantir que as taxas fixadas pelo gestor da infraestrutura cumprem o disposto no capítulo II e não são discriminatórias. Por outro lado, o artigo 30.o, n.o 3, segunda frase, da referida diretiva prevê que a negociação do nível das taxas de utilização da infraestrutura entre os candidatos e o gestor da infraestrutura só é permitida se for efetuada sob a supervisão da entidade reguladora, a qual deve intervir se as negociações puderem ser contrárias ao disposto na presente diretiva.

61

Nos termos do artigo 30.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14, as decisões da entidade reguladora são vinculativas para todas as partes a que dizem respeito, tendo assim um efeito erga omnes.

62

Em conformidade com o artigo 30.o, n.o 6, da Diretiva 2001/14, essas decisões devem ser sujeitas a controlo jurisdicional.

63

É à luz destes princípios que importa responder à primeira, segunda, quinta e sexta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, tal como reformuladas no n.o 34 do presente acórdão.

Disposições do § 315 do BGB, conforme interpretadas pelo órgão jurisdicional de reenvio

64

No que diz respeito ao § 315 do BGB, resulta do pedido de decisão prejudicial que esta disposição do direito civil alemão prevê que, quando uma disposição legal ou uma estipulação contratual reconheçam a uma parte, por exemplo, a um gestor de infraestruturas, o direito de determinar unilateralmente a prestação contratual devida, este direito deve, todavia, na dúvida, ser exercido de forma equitativa. O respeito da equidade pode ser verificado pelos tribunais cíveis que, ao constatarem o caráter não equitativo da determinação da prestação, a substituem por uma decisão judicial equitativa, discricionariamente adotada. O objetivo do § 315 do BGB consiste, portanto, em corrigir o caráter excessivo ou desproporcionado, em determinados casos, da prestação relativamente ao objeto do contrato.

65

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio constata que, segundo a jurisprudência dos tribunais cíveis alemães, as cláusulas contratuais de utilização das infraestruturas da DB Netz que fazem referência ao regime de tarificação dos traçados estabelecem, por um lado, o direito de determinar a prestação de origem contratual e, por outro, que a obrigação prevista na legislação de elaborar as listas das tarifas traduz o direito de determinar a prestação de origem legal. Esses tribunais deduziram desse facto que tinham competência para efetuar a fiscalização das taxas, em aplicação do § 315, n.o 3, do BGB, e para adotar, sendo caso disso, as suas próprias decisões, após uma apreciação ex aequo et bono.

66

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os órgãos jurisdicionais alemães interpretam a legislação ferroviária alemã, a saber, as disposições da AEG e do EIBV, que transpõe a Diretiva 2001/14, no sentido de que a mesma não se opõe à realização de um controlo à luz do direito civil, com fundamento no disposto no § 315 do BGB. Esse controlo não está excluído dado que, por força do princípio da autonomia privada, o gestor da infraestrutura dispõe de margem de manobra na determinação da taxa de utilização de infraestruturas ferroviárias, não obstante os controlos realizados pela entidade reguladora.

67

Segundo essa jurisprudência, razões de ordem processual justificam também a aplicação concomitante do § 315 do BGB e da legislação ferroviária alemã. A empresa de transporte ferroviário pode intentar uma ação nos termos desse artigo com vista à fixação de uma taxa de montante equitativo pelo tribunal sem respeitar condições particulares. Essa ação desencadeia necessariamente um controlo sobre a taxa fixada pelo gestor da infraestrutura e, sendo esse o caso, uma redução do seu montante através de uma apreciação equitativa, com efeitos ex tunc, muito embora esse efeito não seja certo quanto às decisões tomadas pela entidade reguladora.

68

Por último, segundo a referida jurisprudência, o § 315 do BGB pode ser aplicado mesmo que as taxas estejam fixadas sob a forma de uma tarifa geral, dado que a relação jurídica existente entre a empresa gestora da infraestrutura ferroviária e a empresa de transporte ferroviário é regulada, no direito civil, pelo § 14, n.o 6, da AEG.

Resposta do Tribunal de Justiça

69

A título preliminar, importa recordar que resulta dos autos a que o Tribunal de Justiça tem acesso que a fiscalização baseada na equidade, exercida pelos tribunais cíveis nacionais nos termos do disposto no § 315, n.o 3, do BGB, constitui um instrumento geral do direito civil, mais precisamente do direito das obrigações, sem que esteja concretamente relacionada com a fiscalização das taxas cobradas pelos gestores de infraestruturas, prevista pela Diretiva 2001/14. Esta disposição destina‑se, por conseguinte, a estabelecer uma relação equitativa em cada caso concreto.

70

Ora, em primeiro lugar, há que observar que uma apreciação equitativa em cada caso concreto viola o princípio da não discriminação consagrado no artigo 4.o, n.o 5, e no considerando 11 da Diretiva 2001/14, conforme exposto nos n.os 45 a 54 do presente acórdão.

71

A este respeito, resulta dos autos que a jurisprudência dos tribunais cíveis alemães parte do princípio de que o § 315 do BGB tem um «âmbito de aplicação autónomo», paralelo ao da legislação ferroviária, e que, por conseguinte, importa controlar se, no âmbito da margem de manobra que lhe é reconhecida pela legislação nacional em matéria de determinação das tarifas, o gestor da infraestrutura também teve em consideração, de forma adequada, os interesses da empresa de transporte ferroviário recorrente, que vão além do respeito pelo caráter não discriminatório das condições de acesso à rede.

72

Ora, basta constatar, a este respeito, que esta jurisprudência leva a aplicar critérios de apreciação substantivos, relativos à equivalência entre as prestações, que não estão previstos nas disposições pertinentes da Diretiva 2001/14.

73

Estes critérios, aplicados no âmbito da fiscalização de equidade efetuada pelo tribunal cível nos termos do § 315 do BGB, põem assim em causa a realização dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/14, uma vez que não existem critérios uniformes reconhecidos pela referida jurisprudência, sendo estes aplicados caso a caso, tendo em conta o objeto do contrato e o interesse das partes no litígio.

74

Ao insistir exclusivamente na racionalidade económica do contrato individual, a aplicação do § 315 do BGB ignora o facto de que só uma determinação das taxas baseadas em critérios uniformes pode garantir que a política em matéria de taxas seja aplicada da mesma forma a todas as empresas ferroviárias.

75

A apreciação equitativa efetuada nos termos do § 315 do BGB no âmbito de um contrato, por um lado, e a regulamentação ferroviária como decorre da Diretiva 2001/14, por outro, dizem respeito a considerações diferentes, as quais, em caso de aplicação a um mesmo contrato, podem conduzir a resultados contraditórios.

76

Por conseguinte, a aplicação do princípio da equidade pelos órgãos jurisdicionais alemães está em contradição com os princípios enunciados pela Diretiva 2001/14, nomeadamente com o princípio da igualdade de tratamento das empresas de transporte ferroviário.

77

Em segundo lugar, importa recordar que, por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14, os Estados‑Membros devem fixar um quadro para a tarificação. Podem igualmente aprovar regras de tarificação específicas, respeitando a independência de gestão do gestor da infraestrutura. De acordo com esta disposição, incumbe a este último, por um lado, determinar a taxa de utilização da infraestrutura e, por outro, proceder à sua cobrança (v., designadamente, acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, EU:C:2013:114, n.o 39, e de 3 de outubro de 2013, Comissão/Itália, C‑369/11, EU:C:2013:636, n.o 41).

78

Esta disposição estabelece assim uma repartição das competências entre os Estados‑Membros e os gestores da infraestrutura, no que se refere aos regimes de tarificação. Com efeito, cabe aos Estados‑Membros definir um quadro para a tarificação, ao passo que a determinação da taxa e a sua cobrança incumbem, em princípio, ao gestor da infraestrutura (acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, EU:C:2013:114, n.o 41; de 11 de julho de 2013, Comissão/República Checa, C‑545/10, EU:C:2013:509, n.o 34; e de 3 de outubro de 2013, Comissão/Itália, C‑369/11, EU:C:2013:636, n.o 42).

79

Para que seja assegurado o objetivo que consiste em garantir a independência de gestão do gestor da infraestrutura, este, no quadro da tarificação conforme definido pelos Estados‑Membros, deve dispor de uma certa margem de manobra para a determinação do montante das taxas para permitir‑lhe utilizá‑la como instrumento de gestão (acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, EU:C:2013:114, n.os 44 e 49, e de 11 de julho de 2013, Comissão/República Checa, C‑545/10, EU:C:2013:509, n.o 35).

80

Resulta assim do considerando 12 da Diretiva 2001/14 que, no quadro estabelecido pelos Estados‑Membros, os regimes de tarificação e de repartição de capacidade devem incentivar os gestores das infraestruturas ferroviárias a otimizarem a utilização da sua infraestrutura (acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑483/10, EU:C:2013:114, n.o 44).

81

Ora, embora seja verdade que esses gestores podem, em princípio, calcular o montante da taxa através de um regime de tarificação aplicável a todas as empresas ferroviárias, não podem atingir a otimização desse sistema se correrem o risco de, a qualquer momento, um tribunal cível fixar nos termos da equidade, em aplicação do disposto no § 315 do BGB, a taxa aplicável à única empresa ferroviária que é parte no processo, dado que a fixação dessa taxa pelo referido tribunal restringiria assim a margem de manobra do gestor da infraestrutura de um modo incompatível com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/14 (v., neste sentido, acórdão de 3 de outubro de 2013, Comissão/Itália, C‑369/11, EU:C:2013:636, n.o 43).

82

Neste contexto, deve salientar‑se que, em conformidade com o previsto no artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva, a fim de incentivar o gestor da infraestrutura a otimizar a sua utilização, o mesmo deve estar em condições de fixar ou manter taxas mais elevadas com base nos custos a longo prazo de determinados projetos de investimento (acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑556/10, EU:C:2013:116, n.o 83).

83

Assim, há que concluir que uma fiscalização das taxas baseada no princípio da equidade e a adoção, se for o caso, de uma decisão resultante de uma apreciação ex aequo et bono, em conformidade com o § 315, n.o 3, do BGB, são contrárias aos objetivos prosseguidos pelo artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/14.

84

Em terceiro lugar, há que declarar que a aplicação de critérios de apreciação substantivos com base no § 315 do BGB ou seria incompatível com os critérios de apreciação previstos, nomeadamente, nos artigos 4.o, 7.o e 8 da Diretiva 2001/14 ou, admitindo que esses requisitos são conformes com os fixados por esta última, levaria os tribunais cíveis a aplicar diretamente as disposições da legislação ferroviária e, por conseguinte, invadir as competências da entidade reguladora.

85

A este respeito, deve salientar‑se que ao princípio da fixação das taxas de utilização da infraestrutura pelo gestor da infraestrutura ferroviária, o qual está obrigado a respeitar o princípio da não discriminação, corresponde a supervisão exercida pela entidade reguladora, a qual, por sua vez, deve garantir o respeito do caráter não discriminatório das taxas.

86

Assim, quando os tribunais cíveis nacionais que conhecem dos litígios em matéria de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária aplicam, no âmbito da fiscalização equitativa prevista no § 315 do BGB, as disposições da legislação setorial resultante da AEG e do EIBV para apreciar as modalidades de cálculo e o montante das taxas, a legislação ferroviária que resulta da Diretiva 2001/14 não está apenas sujeita à apreciação da entidade reguladora competente e à verificação ex post levada a cabo pelos órgãos jurisdicionais que conhecem dos recursos das decisões dessas entidades, mas é também aplicada e precisada por qualquer tribunal cível nacional competente para conhecer do recurso, em violação da competência exclusiva conferida à entidade reguladora pelo artigo 30.o da Diretiva 2001/14.

87

Consequentemente, diversas decisões de tribunais cíveis independentes, eventualmente não harmonizadas pela jurisprudência dos tribunais superiores, substituem‑se à unicidade do controlo efetuado pela entidade competente, sem prejuízo, sendo esse o caso, da fiscalização ulterior realizada pelos tribunais que decidem os recursos interpostos das decisões desse organismo, concretamente pelos tribunais administrativos, como também prevê o artigo 30.o da Diretiva 2001/14. Daqui resulta uma justaposição de duas vias decisórias não coordenadas, em contradição manifesta com o objetivo prosseguido pelo artigo 30.o da Diretiva 2001/14.

88

Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, corretamente, a dificuldade praticamente inultrapassável que representaria a integração rápida, num sistema não discriminatório, das diferentes decisões jurisdicionais individuais proferidas pelos tribunais cíveis, ainda que a entidade reguladora se esforçasse por reagir na sequência dessas decisões.

89

Primeiro, daí resultaria, pelo menos até à intervenção de um tribunal supremo, uma discriminação consoante as empresas ferroviárias tivessem ou não recorrido aos tribunais cíveis e consoante o teor da decisão por estes proferida, e isso em violação manifesta do princípio da não discriminação consagrado no artigo 4.o, n.o 5, da Diretiva 2001/14.

90

Segundo, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que uma fiscalização baseada na equidade, efetuada com base no § 315 do BGB, implicaria, a fim de evitar um eventual tratamento discriminatório entre as empresas ferroviárias, a adaptação efetiva de uma taxa pelo gestor da infraestrutura ou pela entidade reguladora e a aplicação dessa taxa a todas as outras empresas ferroviárias em consequência da adoção de uma decisão de um tribunal cível que alterou essa taxa a pedido de uma única empresa.

91

Ora, uma obrigação dessa natureza não resulta das disposições da Diretiva 2001/14 relativas à entidade reguladora.

92

Além disso, o argumento segundo o qual esse método poderia trazer uma solução que garantisse um tratamento não discriminatório das empresas ferroviárias assenta na hipótese de que a entidade reguladora deveria limitar‑se a reagir às decisões individuais já proferidas pelo tribunais cíveis com base no § 315 do BGB. Ora, essa hipótese é manifestamente contrária à missão conferida à entidade reguladora, conforme resulta do artigo 30.o, n.os 2 e 5, da Diretiva 2001/14.

93

Por último, a referida hipótese violaria a independência dos gestores de infraestruturas rodoviárias, uma vez que seriam forçados, em reação à decisão de um tribunal cível, a confrontar‑se com taxas «equitativas» forfetárias, resultantes da análise de casos particulares, e isso em contradição com a missão confiada a estes gestores de infraestruturas pela Diretiva 2001/14.

94

Neste contexto, há que observar, em quinto lugar, que não seria respeitado o caráter vinculativo das decisões tomadas pela entidade reguladora para as partes a que respeitam, conforme resulta do artigo 30.o, n.o 5, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/14. Com efeito, decorre desta disposição que as decisões da entidade reguladora, eventualmente sujeitas a fiscalização jurisdicional, produzem efeitos jurídicos para as partes a que respeitam no setor ferroviário, quer sejam empresas de transporte, quer gestores de infraestruturas. Seria contrário a este princípio que as sentenças proferidas pelos tribunais cíveis, eventualmente com base em critérios fixados pela legislação relativa ao cálculo das taxas, produzissem um efeito limitado apenas às partes nos litígios trazidos a juízo.

95

Assim, o titular de uma autorização de acesso que interpusesse recurso contra o gestor da infraestrutura para obter o reembolso de uma parte do montante da taxa considerada não equitativa teria necessariamente uma vantagem em relação aos seus concorrentes que não interpuseram recurso. Ora o tribunal cível chamado a pronunciar‑se, diferentemente da entidade reguladora, não teria oportunidade de estender o litígio a outros contratos de utilização da infraestrutura ou de proferir uma sentença aplicável a todo o setor em questão.

96

Esta situação colocaria em causa não só o princípio, resultante da legislação que rege o acesso às infraestruturas ferroviárias, segundo o qual o efeito das decisões adotadas é vinculativo para todas as partes a que digam respeito, e implicaria necessariamente uma desigualdade de tratamento entre os titulares de uma autorização de acesso, o que a Diretiva 2001/14 visa precisamente evitar, mas também prejudicaria o objetivo de garantir uma concorrência leal no setor da prestação de serviços ferroviários.

97

Por conseguinte, o reembolso das taxas em aplicação de disposições do direito civil só pode ser perspetivado no caso de, em conformidade com as disposições do direito nacional, o caráter ilícito da taxa à luz da legislação que rege o acesso às infraestruturas ferroviárias ter sido previamente declarado pela entidade reguladora ou por um órgão jurisdicional que efetuou a fiscalização da decisão desta entidade, e na medida em que esse pedido de reembolso possa ser objeto de recurso para os tribunais cíveis nacionais e não do recurso previsto por essa legislação.

98

Em sexto lugar, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que não está excluída uma resolução amigável do litígio no âmbito de um processo cível e, por conseguinte, de um processo instaurado com base no § 315 do BGB. Ora, o postulado segundo o qual o § 315 do BGB mantém um «âmbito de aplicação autónomo», em paralelo à legislação que rege o acesso às infraestruturas ferroviárias, implica que as negociações com vista a uma resolução amigável do litígio possam ocorrer sem a participação da entidade reguladora, que não é parte nesse processo.

99

Ora, essa exclusão da entidade reguladora está em contradição com a redação e a finalidade do artigo 30.o, n.o 3, segunda e terceira frases, da Diretiva 2001/14, que prevê, por um lado, que a negociação do nível das taxas de utilização da infraestrutura entre os candidatos e o gestor da infraestrutura só é permitida se for efetuada sob a supervisão da entidade reguladora e, por outro, que esta última deve intervir se as negociações puderem ser contrárias ao disposto na referida diretiva.

100

Em sétimo lugar, a aplicação do § 315 do BGB feita pelos tribunais alemães não parece ser conciliável com o objetivo prosseguido pela Diretiva 2001/14, que consiste em encorajar os gestores a otimizar a utilização da sua infraestrutura, nomeadamente nos termos do artigo 12.o, primeiro parágrafo, da referida diretiva, que prevê a possibilidade de o gestor da infraestrutura aplicar uma taxa adequada sobre a capacidade pedida, mas não utilizada. A fundamentação em que assenta a aplicação do § 315 do BGB, segundo a qual esta disposição possui um «âmbito de aplicação autónomo», paralelo ao âmbito de aplicação da legislação que rege o acesso às infraestruturas ferroviárias, deve levar a concluir que os objetivos específicos visados pelas disposições desta legislação não são tomados em consideração.

101

Admitindo que a aplicação do § 315 do BGB permite que os objetivos específicos prosseguidos pela Diretiva 2001/14 sejam tidos em consideração, existe um risco manifesto de ver uma redução das taxas decidida caso a caso traduzir‑se em diferenças no que se refere ao efeito encorajador obtido, e de incentivar as empresas de transporte ferroviário a obter, por meio de ações cíveis, vantagens de que não beneficiam outras empresas que se encontrem em situação semelhante.

102

Ora, este encorajamento é também suscetível de prejudicar o interesse em contribuir para uma utilização otimizada das infraestruturas através de uma medida de organização adequada ou da anulação de um pedido de reserva de capacidade o mais precocemente possível, em contradição com o objetivo prosseguido pelo artigo 12.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/14.

103

Resulta das considerações precedentes que as disposições da Diretiva 2001/14, nomeadamente os seus artigos 4.o, n.o 5, e 30.o, n.os 1, 3, 5 e 6, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê uma fiscalização, caso a caso, do caráter equitativo das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária pelos órgãos jurisdicionais ordinários, e a possibilidade, se necessário, de alterar o montante dessas taxas independentemente da supervisão exercida pela entidade reguladora prevista no artigo 30.o desta diretiva.

Quanto à terceira, quarta e sétima questões

104

A terceira, quarta e sétima questões só são submetidas para o caso de a primeira, segunda, quinta e sexta questões merecerem resposta afirmativa.

105

Dado que a resposta dada à primeira, segunda, quinta e sexta questões é negativa, não há que responder à terceira, quarta e sétima questões.

Quanto às despesas

106

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

As disposições da Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária, conforme alterada pela Diretiva 2004/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, nomeadamente os seus artigos 4.o, n.o 5, e 30.o, n.os 1, 3, 5 e 6, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê uma fiscalização, caso a caso, do caráter equitativo das taxas de utilização da infraestrutura ferroviária pelos órgãos jurisdicionais ordinários, e a possibilidade, se necessário, de alterar o montante dessas taxas independentemente da supervisão exercida pela entidade reguladora prevista no artigo 30.o da Diretiva 2001/14, conforme alterada pela Diretiva 2004/49.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.