ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

30 de junho de 2016 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios concedidos pelas autoridades belgas para o financiamento dos testes de deteção das encefalopatias espongiformes transmissíveis entre os bovinos — Vantagem seletiva — Decisão que declara esses auxílios em parte incompatíveis com o mercado interno»

No processo C‑270/15 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 4 de junho de 2015,

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por L. Van den Hende, advocaat,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por S. Noë e H. van Vliet, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, J.‑C. Bonichot (relator) e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

Através do seu recurso, o Reino da Bélgica pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 25 de março de 2015, Bélgica/Comissão (T‑538/11, EU:T:2015:188, a seguir «acórdão recorrido»), no qual aquele Tribunal negou provimento ao seu recurso de anulação parcial da Decisão 2011/678/UE da Comissão, de 27 de julho de 2011, relativa ao auxílio estatal para o financiamento dos testes de deteção de encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET) nos bovinos aplicado pela Bélgica [Auxílio estatal C 44/08 (ex NN 45/04)] (JO 2011, L 274, p. 36, a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 999/2001

2

O Regulamento (CE) n.o 999/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, que estabelece regras para a prevenção, o controlo e a erradicação de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis (JO 2001, L 147, p. 1), foi adotado com base no artigo 152.o, n.o 4, alínea b), CE.

3

Como resulta do seu considerando 2, esse regulamento visa a adoção de regras específicas com vista à prevenção, controlo e erradicação de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET), como a encefalopatia espongiforme bovina (EEB), tendo em conta a dimensão do risco que representam para a saúde humana e para a saúde animal.

4

O artigo 6.o do Regulamento n.o 999/2001, com a epígrafe «Sistema de vigilância», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«Cada Estado‑Membro deve criar um programa anual de vigilância da EEB e do tremor epizoótico, nos termos do anexo III, capítulo A. O programa inclui um processo de despistagem mediante a utilização de testes rápidos.»

5

O Anexo III, capítulo A, parte I, do Regulamento n.o 999/2001 estabelece as condições mínimas aplicáveis a um programa de vigilância da EEB nos bovinos. Prevê, nomeadamente, para efeitos desse programa, a seleção de certas subpopulações de bovinos com idade superior a 30 meses, incluindo os submetidos a um abate normal para consumo humano.

6

Além disso, o Anexo III, capítulo A, parte IV, do Regulamento n.o 999/2001 dispõe:

«Os Estados‑Membros velarão por que nenhuma das partes do organismo dos animais examinados por amostragem nos termos do presente anexo seja utilizada na alimentação humana ou dos animais nem em fertilizantes, enquanto não tiverem sido obtidos resultados negativos em análises laboratoriais.»

7

O Regulamento (CE) n.o 1248/2001 da Comissão, de 22 de junho de 2001, que altera os Anexos III, X e XI do Regulamento n.o 999/2001 (JO 2001, L 173, p. 12), alargou, a partir de 1 de julho de 2001, a obrigação de deteção da EEB por testes rápidos a todos os bovinos com idades superiores a 24 meses abatidos de urgência.

8

O Regulamento (CE) n.o 1494/2002 da Comissão, de 21 de agosto de 2002, que altera os Anexos III, VII e XI do Regulamento n.o 999/2001 (JO 2002, L 225, p. 3), alargou esta mesma obrigação aos bovinos com idades superiores a 24 meses mortos ou abatidos para fins diferentes, nomeadamente, do consumo humano.

Orientações EET

9

Em 2002, a Comissão das Comunidades Europeias adotou as Orientações comunitárias para os auxílios estatais relativos aos testes de deteção de encefalopatias espongiformes transmissíveis, aos animais mortos e aos resíduos de matadouros (JO 2002, C 324, p. 2, a seguir «orientações EET»).

10

O n.o 12 das orientações EET precisa que as mesmas «dizem respeito aos auxílios estatais relativos aos custos dos testes de deteção de EET e de eliminação dos animais mortos e de resíduos de matadouros, concedidos aos operadores ativos na produção, transformação e comercialização de animais e produtos animais abrangidos pelo anexo I do Tratado».

11

No que respeita mais em particular aos testes de deteção de EET, os n.os 23 a 25 das orientações EET têm a seguinte redação:

«23.

A fim de incentivar a tomada de medidas de proteção da saúde animal e humana, a Comissão decidiu continuar a autorizar auxílios estatais que podem chegar a 100% para participação nos custos dos testes de deteção de EET, segundo os princípios do capítulo 11.4 das orientações para a agricultura.

24.

[...] a partir de 1 de janeiro de 2003, no que diz respeito à obrigatoriedade de testar, para deteção de EEB, os bovinos abatidos para consumo humano, o auxílio público total direto e indireto, incluindo os pagamentos comunitários, não pode exceder 40 euros por teste. A obrigatoriedade dos testes pode basear‑se na legislação comunitária ou na legislação nacional. Este montante diz respeito aos custos totais dos testes, incluindo: kit de teste, colheita, transporte, teste, armazenagem e destruição da amostra. Este montante pode ser reduzido futuramente, na medida em que baixem os custos dos testes.

25.

O auxílio estatal relativo aos custos dos testes de deteção de EET deve ser pago ao operador em cujas instalações tenham que ser recolhidas amostras para os testes. No entanto, para facilitar a sua administração, o auxílio pode, em vez disso, ser pago ao laboratório, desde que possa ser demonstrado que a totalidade do montante do auxílio estatal pago é transferida para o operador. Em qualquer caso, um auxílio estatal direta ou indiretamente recebido por um operador em cujas instalações tenham que ser recolhidas amostras para os testes deve refletir‑se numa redução equivalente dos preços cobrados por esse operador.»

12

Quanto aos auxílios de Estado destinados a cobrir os custos ocasionados pelos testes de deteção de EET e de EEB, que foram concedidos ilegalmente até 1 de janeiro de 2003, o n.o 45 das orientações EET prevê que a Comissão avalia a sua compatibilidade com base no capítulo 11.4 das Orientações comunitárias para os auxílios estatais no setor agrícola (JO 2000, C 28, p. 2) e na prática da Comissão a partir de 2001 de aceitar esses auxílios, que podem ir até 100%.

Antecedentes do litígio

13

Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.os 11 a 39 do acórdão recorrido. Para efeitos do presente acórdão, podem ser resumidos da seguinte forma.

14

Através da decisão controvertida, a Comissão considerou que o sistema belga de financiamento dos testes de deteção da EEB obrigatórios por meio de recursos estatais em relação ao período compreendido entre 2001 e 2005 preenchia as quatro condições cumulativas para constituir um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Concluiu que esse auxílio era ilegal no que respeita ao período entre 1 de janeiro de 2001 e 30 de junho de 2004, por ter sido concedido em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

15

A Comissão considerou igualmente que, relativamente ao período entre 1 de janeiro de 2003 e 30 de junho de 2004, os montantes acima do limite máximo de 40 euros por teste, como previsto no n.o 24 das orientações, eram incompatíveis com o mercado interno e deviam ser recuperados. Quanto ao restante do período em causa, isto é, de 1 de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2002, e posteriormente de 1 de julho de 2004 a 31 de dezembro de 2005, entendeu que o financiamento dos testes através de recursos estatais constituía um auxílio compatível com o mercado interno. Finalmente, outras medidas de financiamento adotadas durante o período em causa não foram consideradas auxílios.

16

O dispositivo da decisão controvertida tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

1.   As medidas financiadas por meio das remunerações não constituem auxílio.

2.   O financiamento dos testes [de deteção da] EEB por recursos estatais constitui um auxílio compatível com o mercado interno, a favor dos agricultores, matadouros e outras entidades que procedem ao tratamento, manipulação, venda ou comercialização dos produtos provenientes de bovinos sujeitos a testes obrigatórios EEB, no período de 1 de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2002 e no período de 1 de julho de 2004 a 31 de dezembro de 2005.

3.   O financiamento dos testes [de deteção da] EEB por recursos estatais no período de 1 de janeiro de 2003 a 30 de junho de 2004 constitui um auxílio compatível com o mercado interno, a favor dos agricultores, dos matadouros e de outras entidades que procedem ao tratamento, manipulação, venda ou comercialização dos produtos provenientes de bovinos sujeitos a testes obrigatórios EEB, no que se refere aos montantes que não excedem 40 [euros] por teste. Os montantes acima de 40 [euros] por teste são incompatíveis com o mercado interno e devem ser objeto de recuperação, exceto no caso dos auxílios concedidos a projetos específicos, que, no momento da sua concessão, satisfaziam todas as condições fixadas no regulamento de minimis aplicável.

4.   A Bélgica efetuou ilegalmente um auxílio ao financiamento dos testes [de deteção da] EEB, em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE, no período de 1 de janeiro de 2001 a 30 de junho de 2004.

Artigo 2.o

1.   A Bélgica deve tomar as medidas necessárias para recuperar os auxílios ilegais e incompatíveis referidos no artigo 1.o, n.os 3 e 4, junto dos beneficiários.

[…]»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

17

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de outubro de 2011, o Reino da Bélgica pediu a anulação da decisão controvertida, com exceção do artigo 1.o, n.o 1, do seu dispositivo.

18

Em apoio do seu recurso, o Reino da Bélgica suscitou um fundamento de recurso único, baseado na violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar o financiamento dos testes obrigatórios de deteção de EEB de auxílio de Estado.

19

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso.

Pedidos das partes

20

O Reino da Bélgica conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido, bem como a decisão impugnada; e

condenar a Comissão nas despesas.

21

A Comissão conclui pedindo pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso; e

condenar o Reino da Bélgica nas despesas.

Quanto ao presente recurso

22

O Reino da Bélgica suscita dois fundamentos em apoio do seu recurso.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

23

Através do seu primeiro fundamento, o Reino da Bélgica sustenta que o Tribunal Geral cometeu erros de direito e violou o dever de fundamentação que lhe incumbe quanto à existência de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

24

No que respeita à questão de saber se o financiamento dos testes constituiu uma vantagem, pelo facto de ter dispensado as empresas de um encargo que deveria normalmente ter sido suportado pelos respetivos orçamentos, o Reino da Bélgica sustenta que foi erradamente que, no n.o 76 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que tais encargos incluem os custos suplementares que as empresas devem normalmente suportar em razão das obrigações de natureza legal, regulamentar ou convencional que se aplicam a uma atividade económica. Com efeito, segundo Reino da Bélgica, não se pode exigir que as suas consequências financeiras sejam sempre suportadas pelas empresas. Além disso, na medida em que não existem, no caso em apreço, regras de harmonização em matéria de financiamento dos testes EEB, os Estados‑Membros continuam a ser livres de assumir eles próprios os custos dos controlos correspondentes.

25

O Reino da Bélgica alega igualmente que o Tribunal Geral considerou, no n.o 81 do acórdão recorrido, que o objetivo de proteção da saúde pública prosseguido pelos testes obrigatórios que são objeto do financiamento em causa não basta para afastar a qualificação deste de auxílio de Estado. Com efeito, afirma que este objetivo apenas foi invocado para sustentar que tinha natureza não económica, fator pertinente para justificar que o custo dos testes não devia ser automaticamente imputado aos orçamentos das empresas.

26

O Reino da Bélgica sustenta também que foi erradamente que, no n.o 89 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou não pertinente para a aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao financiamento de certos controlos sanitários face às regras relativas à livre circulação de mercadorias, quando, como em matéria de auxílios, esses controlos dos Estados‑Membros afetam igualmente o mercado interno.

27

Segundo o Estado‑Membro recorrente, o Tribunal Geral não podia limitar‑se, para rejeitar o seu argumento segundo o qual os testes obrigatórios de deteção da EEB, por se situarem no âmbito do exercício de prerrogativas de poder público e não apresentarem natureza económica, podiam ser financiados pelo Estado, a afirmar que os operadores em causa não exercem eles próprios prerrogativas de poder público.

28

O Reino da Bélgica alega ainda que o Tribunal Geral não podia, sem cometer um erro de direito, julgar inoperante, no n.o 67 do seu acórdão, o argumento segundo o qual o legislador da União não harmonizou as condições de financiamento dos testes de deteção da EEB, contrariamente ao que fez em relação aos controlos noutros domínios em que estão em causa questões de segurança alimentar, quando a verdade é que este elemento era pertinente para apreciar se tais encargos devem ou não ser normalmente suportados pelas empresas.

29

Por último, o Reino da Bélgica, tendo alegado em primeira instância que o financiamento dos testes de deteção da EEB pela autoridade pública tinha sido sempre inferior aos custos reais desses testes e que, portanto, o facto de não se ter verificado uma «sobrecompensação» se opunha ao reconhecimento da existência de uma vantagem económica, sustenta que o Tribunal Geral errou ao considerar este argumento distinto do fundamento relativo a esta vantagem e ao afirmar, no n.o 133 do acórdão recorrido, para o julgar inadmissível, que tal argumento não tinha sido suficientemente explicitado.

30

A Comissão conclui pedindo que todos estes argumentos sejam rejeitados.

Apreciação do Tribunal de Justiça

31

Para efeitos da decisão do presente recurso, há que recordar que, para que uma medida nacional possa ser qualificada de auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário e deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 39 e jurisprudência referida).

32

No presente processo, só são postas em causa a interpretação e a aplicação da terceira condição, segundo a qual, para ser qualificada de auxílio, a medida em causa deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário.

33

Com efeito, através do seu primeiro fundamento, o Reino da Bélgica sustenta que foi por motivos juridicamente errados ou insuficientemente justificados que o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, rejeitou os seus argumentos segundo os quais o financiamento dos testes de deteção da EEB não constitui uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

34

A este respeito, importa salientar que, como fez o Tribunal Geral no n.o 72 do acórdão recorrido, são consideradas auxílios as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v., designadamente, acórdão de 16 de abril de 2015, Trapeza Eurobank Ergasias, C‑690/13, EU:C:2015:235, n.o 20 e jurisprudência referida).

35

No n.o 76 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, entre os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, se contam, designadamente, os custos suplementares que as empresas devem suportar como resultado das obrigações de natureza legal, regulamentar ou convencional que se aplicam a uma atividade económica.

36

Esta apreciação, que está suficientemente fundamentada e é inequívoca, não padece de um erro de direito. Com efeito, tais custos suplementares resultantes de obrigações, como no caso vertente, de origem legal ou regulamentar inerentes ao exercício de uma atividade económica regulamentada constituem, por natureza, encargos que as empresas devem normalmente suportar. A circunstância de tais obrigações emanarem das autoridades públicas não pode portanto, por si própria, influenciar a apreciação da natureza de outras intervenções dessas mesmas autoridades, para determinar se estas favorecem empresas fora das condições normais do mercado.

37

Assim, é devido a uma leitura errada do acórdão recorrido que o Reino da Bélgica sustenta que o Tribunal Geral, no n.o 76 do acórdão recorrido, afirmou que, sempre que uma autoridade pública impõe uma obrigação, os custos daí resultantes devem automaticamente ser imputados às empresas em causa.

38

Consequentemente, todos os argumentos invocados pelo Reino da Bélgica para criticar esta suposta afirmação são inoperantes. Em particular, a circunstância de esses encargos decorrerem da intervenção dos poderes públicos no exercício das suas prerrogativas de poder público ou de os Estados‑Membros serem livres de assumir tais custos na falta de harmonização no domínio do financiamento dos testes de deteção da EEB não tem incidência na qualificação de encargos que devem suportar normalmente as empresas.

39

Por outro lado, e de qualquer modo, a circunstância de não se ter procedido a uma harmonização em matéria de financiamento de medidas tornadas obrigatórias para lutar contra a EEB também não tem incidência na qualificação de vantagem económica que é suscetível de ser feita de tal financiamento. Com efeito, há que recordar, como fez o Tribunal Geral no n.o 65 do acórdão recorrido, que, mesmo nos domínios em que são competentes, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União, designadamente as exigências decorrentes dos artigos 107.° e 108.° TFUE (v., neste sentido, acórdão de 29 de março de 2012, 3M Italia, C‑417/10, EU:C:2012:184, n.os 25 e seguintes).

40

O Reino da Bélgica também não pode utilmente sustentar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 81 do acórdão recorrido, que o objetivo de saúde pública prosseguido pela obrigação de efetuar testes de deteção da EEB não basta para afastar a qualificação de auxílio de Estado desses testes. Com efeito, é jurisprudência constante que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não distingue em função das causas ou dos objetivos das intervenções visadas, mas define‑as em função dos seus efeitos (v., designadamente, acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, EU:C:2011:732, n.o 87).

41

Por último, o argumento relativo à «sobrecompensação» é inoperante, na medida em que, de qualquer modo, apenas poderia ter sido utilmente invocado no quadro do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Consequentemente, este argumento invocado pelo Reino da Bélgica perante o Tribunal Geral deveria ter sido rejeitado por este último, que não poderia ter sido criticado se o tivesse julgado inadmissível.

42

Atendendo às considerações que precedem, há que rejeitar o primeiro fundamento do recurso.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

43

Através do seu segundo fundamento, o Reino da Bélgica sustenta que o Tribunal Geral cometeu erros de direito e não observou o seu dever de fundamentação no que respeita à condição da seletividade do auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

44

O Reino da Bélgica sustenta, a este respeito, que, ao considerar, nos n.os 109 e 110 do seu acórdão, que os operadores do setor bovino sujeitos aos testes de deteção da EEB se encontravam, relativamente à qualificação dos auxílios de Estado, numa situação factual e jurídica comparável à de todos os outros operadores económicos obrigados regulamentarmente a realizar controlos antes de poderem comercializar os seus produtos, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

45

Segundo o Reino da Bélgica, o Tribunal Geral não indica quais são essas empresas dos outros setores. Além disso, existem diferenças essenciais entre os testes temporários efetuados a fim de erradicar uma afeção animal, como a EEB, e os controlos obrigatórios de qualidade exigidos, por exemplo, aos fabricantes de ascensores ou de camiões. Mesmo tomando como quadro de referência os testes obrigatórios para os produtos agrícolas, o conjunto destes testes não é necessariamente comparável aos testes destinados a erradicar a EEB, como resulta da regulamentação da União que, relativamente a certos testes, impõe um sistema particular de financiamento, ao passo que para outros a definição de tal sistema é deixada ao critério dos Estados‑Membros.

46

Dado que um mesmo regime era aplicável a todas as empresas submetidas aos testes obrigatórios de deteção da EEB, isto é, a todas as empresas colocadas na mesma situação factual e jurídica, no caso vertente a condição relativa à seletividade enunciada no artigo 107.o, n.o 1, TFUE não estava preenchida.

47

A Comissão conclui pedindo que estes argumentos sejam rejeitados.

Apreciação do Tribunal de Justiça

48

A exigência de seletividade resultante do artigo 107.o, n.o 1, TFUE deve ser claramente distinguida da deteção concomitante de uma vantagem económica, na medida em que, uma vez detetado pela Comissão que existe uma vantagem, considerada em sentido lato, decorrente direta ou indiretamente de uma dada medida, esta última deve demonstrar, além disso, que essa vantagem beneficia especificamente uma ou várias empresas. Incumbe‑lhe, para tal, demonstrar, em especial, que a medida em causa introduz diferenciações entre as empresas que estão, tendo em conta o objetivo prosseguido, numa situação comparável. É pois necessário que essa vantagem seja concedida de maneira seletiva e seja suscetível de colocar certas empresas numa situação mais favorável do que outras (v. acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 59).

49

Importa, porém, distinguir consoante a medida em causa seja encarada como um regime geral de auxílio ou como um auxílio individual. Neste último caso, a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade. Em contrapartida, no âmbito da análise de um regime geral de auxílio, é necessário identificar se a medida em questão, não obstante a constatação de que confere uma vantagem de alcance geral, o faz em benefício exclusivo de certas empresas ou de certos setores de atividade (v. acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 60).

50

É pacífico que, no caso vertente, o financiamento dos testes de deteção da EEB pelo Reino da Bélgica, uma vez que beneficia o conjunto dos operadores do setor bovino que suportam o custos desses testes, deve ser encarado como um regime geral, incumbindo por consequência à Comissão identificar se essa medida, apesar de se concluir que conferia uma vantagem de alcance geral, o fazia em benefício exclusivo de certas empresas ou de certos setores de atividade.

51

Como resulta dos n.os 108 e 110 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que era esse o caso do financiamento dos testes em causa, considerando que a Comissão tinha constatado acertadamente «que os operadores do setor bovino beneficiavam de uma vantagem que não estava disponível para as empresas de outros setores, uma vez que beneficiavam da gratuitidade das fiscalizações que deviam obrigatoriamente efetuar antes da colocação no mercado ou da comercialização dos seus produtos, ao passo que as empresas de outros setores não tinham essa possibilidade, o que não é contestado pelo Reino da Bélgica».

52

O Reino da Bélgica acusa o Tribunal Geral de não ter precisado a que «outros setores» fazia referência. No entanto, há que salientar que o Tribunal Geral se limitou, no n.o 110 do acórdão recorrido, a retomar uma constatação feita a este respeito pela Comissão. Ora, o Reino da Bélgica não sustenta que o Tribunal Geral não respondeu a um argumento baseado na circunstância de a própria Comissão não ter precisado a que outros setores fazia referência.

53

Em todo o caso, resulta claramente da constatação recordada no n.o 110 do acórdão recorrido que a situação dos operadores do setor bovino foi implicitamente, mas necessariamente, comparada com a situação do conjunto das empresas que, como eles, estão sujeitas a controlos que devem obrigatoriamente efetuar antes da colocação no mercado ou da comercialização dos seus produtos.

54

O Reino da Bélgica sustenta que estes diferentes setores não estão numa situação comparável, uma vez que os testes destinados a controlar a qualidade dos produtos, mesmo alimentares, variam de setor para setor, em termos de natureza, objetivos, custos e periodicidade. Este argumento é inoperante no quadro da qualificação dos auxílios de Estado, a qual tem a ver não com os próprios testes, mas com o seu financiamento através de recursos do Estado, dado que este tem por efeito reduzir os custos a cargo dos respetivos beneficiários. Ora, é ponto assente que, como sublinhou o Tribunal Geral no n.o 110 do acórdão recorrido, o Reino da Bélgica não contestou que os operadores do setor bovino beneficiavam, graças ao financiamento dos testes de deteção, de uma vantagem que não era oferecida às empresas de outros setores.

55

Nestas condições, o Tribunal Geral considerou, sem cometer um erro de direito, que a Comissão tinha validamente considerado que a medida em causa era seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

56

O segundo fundamento deve, consequentemente, ser rejeitado.

57

Atendendo a todas as considerações precedentes, deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

58

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

59

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do seu 184.°, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

60

Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino da Bélgica e tendo este último sido vencido na totalidade, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão relativamente ao presente processo.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

O Reino da Bélgica é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.