ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

26 de outubro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Segurança social — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigo 4.o — Âmbito de aplicação material — Retenções sobre as pensões legais de velhice e sobre qualquer outro benefício complementar — Artigo 13.o — Determinação da legislação aplicável — Residência noutro Estado‑Membro»

No processo C‑269/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hof van Cassatie (Tribunal de Cassação, Bélgica), por decisão de 18 de maio de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de junho de 2015, no processo

Rijksdienst voor Pensioenen

contra

Willem Hoogstad,

sendo interveniente:

Rijksinstituut voor ziekte‑ en invaliditeitsverzekering,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: A. Borg Barthet, exercendo funções de presidente de secção, E. Levits e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo belga, por M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidas por N. Bonbled e A. Percy, advocaten,

em representação da Comissão Europeia, por G. Wils e D. Martin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 13.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1606/98 do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO 1998, L 209, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1408/71»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Rijksdienst voor Pensioenen (Serviço Nacional de Pensões, a seguir «SNP») a Willem Hoogstad, a propósito das retenções efetuadas sobre capitais de pensões complementares pagas a este último no mês de fevereiro de 2008.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 1408/71:

«[...]

j)

O termo ‘legislação’ designa, em relação a cada Estado‑Membro, as leis, os regulamentos, as disposições estatuárias e quaisquer outras medidas de execução existentes ou futuras, respeitantes aos ramos e regimes de segurança social previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 4.o, ou as prestações especiais de caráter não contributivo referidas no n.o 2‑A do artigo 4.o

Este termo não inclui as disposições convencionadas existentes ou futuras, quer tenham ou não sido objeto de uma decisão dos poderes públicos tornando‑as obrigatórias ou alargando o seu âmbito de aplicação. Todavia, no que respeita às disposições convencionadas:

i)

que tenham por objeto dar cumprimento a uma obrigação de seguro decorrente das leis ou regulamentos referidos no parágrafo anterior,

ou

ii)

que criem um regime cuja gestão seja assegurada pela mesma instituição que gerir os regimes instituídos pelas leis ou regulamentos previstos no parágrafo anterior,

esta limitação pode ser suprimida, em qualquer momento, mediante declaração do Estado‑Membro interessado, mencionando os regimes desta natureza a que é aplicável o presente regulamento. Esta declaração será notificada e publicada nos termos do artigo 97.o

[...]»

4

O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 dispõe:

«O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos de segurança social que respeitam a:

a)

Prestações de doença e de maternidade;

b)

Prestações de invalidez, incluindo as que são destinadas a manter ou a melhorar a capacidade de ganho;

c)

Prestações de velhice;

d)

Prestações de sobrevivência;

e)

Prestações por acidente de trabalho e por doença profissional;

f)

Subsídios por morte;

g)

Prestações de desemprego;

h)

Prestações familiares.»

5

O artigo 13.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.°‑C e 14.°‑F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação é determinada de acordo com as disposições do presente título.

2.   Sem prejuízo dos artigos 14.° a 17.°:

[...]

f)

A pessoa à qual a legislação de um Estado‑Membro deixa de ser aplicável, sem que lhe seja aplicável a legislação de um outro Estado‑Membro em conformidade com uma das regras enunciadas nas alíneas precedentes ou com uma das exceções ou regras especiais constantes dos artigos 14.° a 17.°, está sujeita à legislação do Estado‑Membro no território do qual reside, de acordo com as disposições desta legislação.»

6

O artigo 33.o, n.o 1, deste regulamento estabelece o seguinte:

«A instituição de um Estado‑Membro, devedora de uma pensão ou renda, que aplique uma legislação que preveja a dedução de contribuições a cargo do titular de uma pensão ou de uma renda destinada ao financiamento das prestações de doença e de maternidade, fica autorizada a efetuar essa dedução, calculada em conformidade com a legislação em causa, da pensão ou renda por ela devida, desde que as prestações concedidas por força dos artigos 27.°, 28.°, 28.°‑A, 29.°, 31.° e 32.°, estejam a cargo de uma instituição do referido Estado‑Membro.»

Direito belga

7

Segundo o artigo 191.o, n.o 1, ponto 7, da wet betreffende de verplichte verzekering voor geneeskundige verzorging en uitkeringen, gecoördineerd op 14 juli 1994 (Lei consolidada de 14 de julho de 1994 relativa ao seguro obrigatório de cuidados de saúde e de prestações por doença, Belgisch Staatsblad, de 27 de agosto de 1994, p. 21524, a seguir «lei consolidada de 14 de julho de 1994»), na versão aplicável à data dos factos no processo principal:

«É efetuada uma retenção de 3,55% sobre as pensões legais de velhice, reforma, antiguidade e sobrevivência ou sobre qualquer outro benefício equivalente, bem como sobre qualquer benefício destinado a complementar uma pensão, mesmo que esta não tenha sido adquirida e atribuída, quer em aplicação de disposições legais, regulamentares ou estatutárias, quer em aplicação de disposições decorrentes de um contrato de trabalho, de um regulamento de empresa, ou de uma convenção coletiva de empresa ou de setor. Essa retenção é igualmente efetuada sobre todos os benefícios a título de pensão ou que completem a pensão, atribuídos a um trabalhador independente nos termos de um acordo coletivo ou de um plano individual de reforma, celebrados pela empresa.»

8

Nos termos do artigo 3.o‑A do koninklijk besluit tot uitvoering van artikel 191, eerste lid 1, 7°, van de wet betreffende de de verpflichte verzekering voor geneeskundige verzorging en uitkeringen, gecoördineerd op 14 juli 1994 (Decreto real que dá execução ao artigo 191.o, n.o 1, ponto 7, da Lei consolidada de 14 de julho de 1994 relativa ao seguro obrigatório de cuidados de saúde e de prestações por doença), de 15 de setembro de 1980 (Belgisch Staatsblad, de 23 de setembro de 1980, p. 10869), na versão aplicável à data dos factos no processo principal:

«A avaliação em montantes mensais, prevista no artigo 2.o, § 1, é efetuada o mais tardar até ao termo do ano civil em que as pensões e os benefícios complementares foram pagos. No entanto, a avaliação dos montantes mensais dos benefícios concedidos de uma só vez às pessoas que ainda não detêm a qualidade de pensionistas, também é aplicável aos anos posteriores que faltam para os titulares desses benefícios alcançarem a idade normal de reforma. Um eventual saldo só poderá ser reembolsado após confirmação pelo [SNP] de que o montante bruto acumulado das pensões e dos benefícios complementares é inferior ao limiar.»

9

De acordo com o artigo 68.o, § 1, da wet houdende sociale bepalingen (Lei que estabelece normas em matéria de segurança social), de 30 de março de 1994 (Belgisch Staatsblad, de 31 de março de 1994, p. 8866, a seguir «lei de 30 de março de 1994»), na versão aplicável à data dos factos no processo principal, entende‑se por:

«[...]

(c)

‘benefício complementar’ qualquer benefício destinado a complementar uma pensão referida nas alíneas a) ou b), mesmo que esta não seja adquirida e atribuída, quer em aplicação de disposições legais, regulamentares ou estatutárias, quer em aplicação de disposições decorrentes de um contrato de trabalho, de um regulamento de empresa, ou de uma convenção coletiva de empresa ou de setor, independentemente de se tratar de um benefício periódico ou de um benefício concedido sob a forma de um capital.

São igualmente considerados benefícios complementares na aceção a alínea c):

as rendas definidas em a), 1, pagas sob a forma de capital;

qualquer benefício pago a uma pessoa, independentemente do seu estatuto, em execução de um plano individual de reforma [...]»

10

Nos termos do artigo 68.o, § 5, segundo e quinto parágrafos, da lei de 30 de março de 1994:

«O organismo pagador belga responsável pelo pagamento de um benefício complementar após 31 de dezembro de 1996, sob a forma de um capital, cujo montante seja superior a 2478,94 euros, deverá reter oficiosamente, no momento do pagamento do capital, um valor correspondente a 2% do montante bruto desse capital.

[...]

Se aquando do primeiro pagamento do montante definitivo de uma pensão legal subsequente ao pagamento de um capital, a percentagem da retenção a efetuar em aplicação do § 2 for inferior à percentagem da retenção efetuada sobre o capital, o [SNP] procederá ao reembolso ao beneficiário de uma soma correspondente à diferença entre, por um lado, o montante da retenção efetuada sobre o capital e, por outro, o montante obtido através da multiplicação desse mesmo capital pela percentagem da retenção a efetuar nos termos do § 2. Se o reembolso ocorrer mais de seis meses após a data do primeiro pagamento do montante definitivo de uma pensão legal, o [SNP] está legalmente obrigado a pagar ao beneficiário juros de mora sobre o montante reembolsado. Esses juros, calculados à taxa legal de 4,75% ao ano, começam a correr a partir do primeiro dia do mês seguinte ao termo do prazo de seis meses. O Rei pode adaptar a taxa destes juros de mora.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

11

W. Hoogstad, de nacionalidade holandesa, trabalhou por conta de um empregador belga no período compreendido entre 1 de novembro de 1996 e 31 de dezembro de 2004, que constituiu a seu favor duas pensões complementares. Depois de ter terminado a sua carreira profissional, W. Hoogstad estabeleceu‑se, no decurso do ano de 2007, na Irlanda, com o seu cônjuge nacional desse Estado‑Membro.

12

Em fevereiro de 2008, quando W. Hoogstad atingiu a idade de 60 anos, foram‑lhe pagos os capitais das duas pensões complementares.

13

Na Bélgica, os capitais em questão foram objeto de duas retenções. Foi efetuada uma primeira retenção de 3,55%, com base no artigo 191.o, n.o 1, ponto, da lei consolidada de 14 de julho de 1994, a favor do Instituto Nacional de Seguro de Doença e Invalidez, encarregue de repartir o produto pelos organismos responsáveis do regime de seguro de cuidados de saúde. Uma segunda retenção de 2% foi atribuída ao SNP, com base no artigo 68.o da lei de 30 de março de 1994, com vista a reforçar a solidariedade entre as diferentes categorias de pensionistas (contribuição de solidariedade) e, no futuro, a implementar adaptações seletivas em favor das pensões mais baixas.

14

Por petição de 31 de dezembro de 2009, W. Hoogstad pediu o reembolso dos montantes de que foi assim privado pelo facto de, à data do pagamento dos referidos capitais, não estar abrangido pela lei belga em matéria de segurança social.

15

Por sentença do arbeidsrechtsbank Brussel (Tribunal do Trabalho de Bruxelas, Bélgica), de 28 de outubro de 2011, o Instituto Nacional de Seguro de Doença e Invalidez e o SNP foram condenados a reembolsar as quantias retidas. Tendo sido igualmente vencido no recurso para o arbeidshof Brussel (Tribunal do Trabalho de segunda instância de Bruxelas, Bélgica), o SNP interpôs recurso de cassação.

16

O SNP alega que os pagamentos a W. Hoogstad dos capitais de pensão complementar foram efetuados em aplicação de regimes que não são considerados «legislações» na aceção do artigo 1.o, alínea j), primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1408/71 e que esses capitais não estão, portanto, abrangidos pelo âmbito de aplicação material deste regulamento. Consequentemente, as retenções efetuadas sobre as pensões complementares não são compatíveis com o artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento.

17

Nestas circunstâncias, o Hof van Cassatie (Tribunal de Cassação, Bélgica), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o [1408/71] ser interpretado no sentido de que se opõe à cobrança de uma contribuição — como a retenção efetuada nos termos do artigo 191.o, n.o 1, [ponto 7], da [lei consolidada de 14 de julho de 1994] e como a contribuição de solidariedade prevista no artigo 68.o da Lei de 30 de março de 1994, que estabelece normas em matéria de segurança social [...] — sobre prestações de regimes belgas de pensão complementar [que não constituem legislações] na aceção do artigo 1.o, alínea j), primeiro parágrafo, deste regulamento, no caso de tais prestações serem devidas a um beneficiário, não residente na Bélgica, que esteja sujeito, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, alínea f), do referido regulamento, ao regime de segurança social do Estado‑Membro onde reside?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

18

A título preliminar, o Governo belga alega que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível pelo facto de o órgão jurisdicional de reenvio partir do pressuposto errado de que as retenções sobre prestações de regimes belgas de pensão complementar são definitivas e não dão lugar a reembolso. Ora, tendo em conta que os montantes inicialmente retidos foram integralmente reembolsados, a interpretação solicitada não apresenta nenhuma utilidade real para a solução do litígio em causa no processo principal.

19

Em conformidade com jurisprudência constante, compete apenas ao tribunal nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de junho de 2000, Sehrer, C‑302/98, EU:C:2000:322, n.o 20, e de 25 de outubro de 2012, Folien Fischer e Fofitec, C‑133/11, EU:C:2012:664, n.o 25).

20

A recusa em pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando resultar de forma manifesta que a interpretação solicitada do direito da União não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (v., designadamente, acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 27, e de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne, C‑41/11, n.o 35).

21

Ora, não é esse o caso dos autos, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio indicou claramente as razões pelas quais submeteu a questão prejudicial e que uma resposta a essa questão lhe é necessária para decidir o litígio que lhe foi submetido.

22

Em consequência, o pedido de decisão prejudicial deve ser considerado admissível.

Quanto ao mérito

23

Com a sua questão, órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de uma contribuição social sobre as prestações de regimes de pensões complementares, mesmo que o beneficiário dessas pensões complementares não resida nesse Estado‑Membro e esteja, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, alínea f), do referido regulamento, sujeito à legislação em matéria de segurança social do Estado‑Membro onde reside.

24

A fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que recordar, desde logo, que, segundo o artigo 1.o, alínea j), primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1408/71, o termo «legislação» designa, em relação a cada Estado‑Membro, as leis, os regulamentos, as disposições estatuárias e quaisquer outras medidas de execução existentes ou futuras, respeitantes aos ramos e regimes de segurança social previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 4.o deste regulamento.

25

No entanto, nos termos do segundo parágrafo do referido artigo 1.o, alínea j), o termo «legislação» não inclui as disposições convencionadas existentes ou futuras, quer tenham ou não sido objeto de uma decisão dos poderes públicos tornando‑as obrigatórias ou alargando o seu campo de aplicação.

26

Embora resulte da própria formulação da questão prejudicial que as prestações de regimes de pensão complementar de que beneficia W. Hoogstad no processo principal «não constituem legislações na aceção do artigo 1.o, alínea j), primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1408/71», não deixa de ser verdade que a contribuição cobrada sobre esses regimes de pensão complementar é suscetível de estar abrangida pelo âmbito de aplicação do referido regulamento.

27

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de «legislação» se caracteriza pelo seu conteúdo amplo, englobando todo o tipo de medidas legislativas, regulamentares e administrativas adotadas pelos Estados‑Membros, e deve ser entendido como englobando o conjunto das medidas nacionais aplicáveis na matéria (acórdão de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 32).

28

Neste contexto, o Tribunal de Justiça precisou que o elemento determinante para efeitos da aplicação do Regulamento n.o 1408/71 reside no nexo, direto e suficientemente pertinente, que deve apresentar a disposição em causa com as leis que regem os ramos de segurança social enumerados no artigo 4.o do Regulamento n.o 1408/71 (acórdãos de 18 de maio de 1995, Rheinhold & Mahla, C‑327/92, EU:C:1995:144, n.o 23; de 15 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑34/98, EU:C:2000:84, n.o 35; de 15 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑169/98, EU:C:2000:85, n.o 33; e de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 23).

29

Assim, a circunstância de uma imposição ser qualificada de «imposto» por uma legislação nacional não exclui que, à luz do Regulamento n.o 1408/71, essa imposição possa ser considerada abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento (acórdão de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

30

Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que as imposições que não atingem os rendimentos de atividade e os rendimentos de substituição dos trabalhadores, mas que oneram os rendimentos do património, são suscetíveis de estar abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido regulamento, uma vez que não se contesta que o produto dessas imposições é afetado direta e especificamente ao financiamento de certos ramos da segurança social no Estado‑Membro em questão (acórdão de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 28).

31

A mesma conclusão se impõe no que respeita às cobranças em causa no processo principal que atingem regimes complementares de pensão, uma vez que o produto dessas contribuições é afetado direta e especificamente ao financiamento de certos ramos da segurança social no Estado‑Membro em causa.

32

Esta interpretação é, além disso, corroborada pelo objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1408/71 e pelos princípios em que este assenta.

33

Com efeito, com vista a garantir a livre circulação dos trabalhadores na União Europeia tomando como princípio a igualdade de tratamento dos mesmos à luz das diferentes legislações nacionais, o Regulamento n.o 1408/71 instituiu, no seu título II, um sistema de coordenação relativo, designadamente, à determinação da legislação ou das legislações aplicáveis aos trabalhadores assalariados e não assalariados que exerçam, em diferentes circunstâncias, o seu direito de livre circulação (v., neste sentido, acórdãos de 3 de abril de 2008, Derouin, C‑103/06, EU:C:2008:185, n.o 20; de 3 de março de 2011, Tomaszewska, C‑440/09, EU:C:2011:114, n.os 25 e 28; e de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 34).

34

O caráter completo deste sistema de normas de conflitos tem por efeito retirar ao legislador de cada Estado‑Membro o poder de determinar como bem entender o âmbito e as condições de aplicação da sua legislação nacional quanto às pessoas que a ela estão sujeitas e quanto ao território no qual as disposições nacionais produzem os seus efeitos (acórdãos de 10 de julho de 1986, Luijten, 60/85, EU:C:1986:307, n.o 14; de 5 de novembro de 2014, Somova, C‑103/13, EU:C:2014:2334, n.o 54; e de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 35).

35

A este respeito, o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 prevê que as pessoas às quais se aplica este regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um único Estado‑Membro, o que exclui, por conseguinte, sem prejuízo do disposto nos artigos 14.°‑C e 14.°‑F, qualquer possibilidade de cumulação de várias legislações nacionais para um mesmo período (v., neste sentido, acórdãos de 5 de maio de 1977, Perenboom, 102/76, EU:C:1977:71, n.o 11, e de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 36).

36

Este princípio da unicidade da legislação aplicável em matéria de segurança social visa evitar as complicações que podem resultar da aplicação simultânea de várias legislações nacionais e eliminar as desigualdades de tratamento que, para as pessoas que se deslocam no interior da União, seriam a consequência de uma cumulação parcial ou total das legislações aplicáveis (v., neste sentido, acórdãos de 15 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑34/98, EU:C:2000:84, n.o 46; de 15 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑169/98, EU:C:2000:85, n.o 43; e de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 37).

37

O princípio da unicidade da legislação aplicável não regula, contudo, as situações a que se referem o artigo 13.o, n.o 2, e os artigos 14.° a 17.° do Regulamento n.o 1408/71, na medida em que estes determinam as regras de conflito que há que aplicar nos diferentes casos.

38

Assim, desde a introdução pelo Regulamento (CEE) n.o 2195/91 do Conselho, de 25 de junho de 1991 (JO 1991, L 206, p. 2), que altera o Regulamento n.o 1408/71, da alínea f) ao artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, o princípio da unicidade da legislação também é aplicável aos trabalhadores que cessaram definitivamente as suas atividades profissionais.

39

No caso em apreço, há que salientar, em conformidade com as disposições do artigo 13.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 1408/71, que W. Hoogstad, na sua qualidade de reformado residente na Irlanda, está submetido à legislação em matéria de segurança social desse Estado‑Membro e não pode, por conseguinte, ser submetido por outro Estado‑Membro, no que respeita nomeadamente às prestações de pensões complementares, a disposições legais que instaurem contribuições que apresentem um nexo direto e suficientemente pertinente com as leis que regem os ramos de segurança social enumerados no artigo 4.o do Regulamento n.o 1408/71.

40

Esta constatação não é prejudicada pelas disposições do artigo 33.o do Regulamento n.o 1408/71, nos termos das quais um Estado‑Membro pode receber de um titular de uma pensão ou de uma renda contribuições destinadas ao financiamento das prestações de doença se as prestações correspondentes estiverem a seu cargo.

41

Com efeito, o artigo 33.o do Regulamento n.o 1408/71 deve ser lido por referência aos artigos 27.°, 28.° e 28.°‑A da secção 5 do capítulo I do título III do regulamento aplicável aos direitos dos titulares de pensões ou de rendas e membros da sua família, os quais visam ou situações em que o titular recebe uma pensão ou uma renda devida por força da legislação de dois ou vários Estados‑Membros, ou situações em que o titular recebe uma pensão nos termos da legislação de um só Estado‑Membro mas não tem qualquer direito a prestações no seu país de residência (v., neste sentido, acórdão de 15 de junho de 2000, Sehrer, C‑302/98, EU:C:2000:322, n.o 26).

42

Por conseguinte, não se pode deduzir da existência de regras materiais relativas aos direitos dos titulares de pensões ou de rendas, as quais não são, de qualquer forma, aplicáveis às reformas ou às pensões complementares que assentam em disposições convencionadas (v., neste sentido, acórdão de 16 de janeiro de 1992, Comissão/França, C‑57/90, EU:C:1992:10, n.o 20), que a cobrança de contribuições sociais sobre tais pensões complementares seja compatível com o princípio da unicidade da legislação aplicável enunciado no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71.

43

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de contribuições que apresentam um nexo direto e suficientemente pertinente com as leis que regem os ramos de segurança social enumerados no artigo 4.o do referido regulamento, sobre prestações provenientes de regimes complementares de pensão, mesmo que o beneficiário dessas pensões complementares não resida nesse Estado‑Membro e esteja, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, alínea f), do mesmo regulamento, sujeito à legislação em matéria social do Estado‑Membro onde reside.

Quanto às despesas

44

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

O artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1606/98 do Conselho, de 29 de junho de 1998, opõe‑se a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de contribuições que apresentam um nexo direto e suficientemente pertinente com as leis que regem os ramos de segurança social enumerados no artigo 4.o do referido Regulamento n.o 1408/71, conforme alterado, sobre prestações provenientes de regimes complementares de pensão, mesmo que o beneficiário dessas pensões complementares não resida nesse Estado‑Membro e esteja, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, alínea f), do mesmo regulamento, sujeito à legislação em matéria social do Estado‑Membro onde reside.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.