ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

26 de maio de 2016 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Fiscalidade — Livre circulação de capitais — Artigo 63.o TFUE — Artigo 40.o do Acordo EEE — Imposto sobre as sucessões — Regulamentação de um Estado‑Membro que prevê uma isenção do imposto sucessório relativo à residência principal desde que o herdeiro resida de modo permanente nesse Estado‑Membro — Restrição — Justificação»

No processo C‑244/15,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 27 de maio de 2015,

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou e W. Roels, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Helénica, representada por M. Tassopoulou e V. Karrá, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: C. Toader, presidente de secção, A. Rosas e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao adotar e manter em vigor uma legislação que prevê uma isenção do imposto sucessório relativo à residência principal, que é discriminatória, uma vez que se aplica unicamente aos cidadãos da União Europeia que residem na Grécia, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 63.o TFUE e do artigo 40.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»).

Quadro jurídico

Direito grego

2

O artigo 26.o A do Código do imposto sucessório, com a epígrafe «Isenção da residência principal», prevê, no seu n.o 1:

«Uma residência ou um terreno, adquiridos por morte pelo cônjuge ou filho do de cujus, em propriedade plena ou indivisa, estão isentos do imposto sucessório desde que o herdeiro ou legatário ou o seu cônjuge ou um dos seus filhos menores não tenham um direito de propriedade plena ou de usufruto ou de habitação sobre outra residência ou parte de residência que seja suficiente para prover às necessidades de alojamento da sua família, ou um direito de propriedade plena sobre um terreno urbanizável ou sobre uma quota‑parte de terreno correspondente à superfície de um edifício que seja suficiente para prover às suas necessidades de alojamento e se situe numa circunscrição territorial administrativa com uma população superior a três mil (3000) habitantes. Consideram‑se satisfeitas as necessidades de alojamento se a superfície total dos bens imóveis supramencionados e de outros bens imóveis da herança representarem 70 m2, acrescidos de 20 m2 por cada um dos dois primeiros filhos e de 25 m2 pelo terceiro e cada um dos filhos seguintes a cargo do beneficiário. Os beneficiários da isenção são os gregos e os nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia. Os beneficiários devem ter residência permanente na Grécia.»

Procedimento pré‑contencioso

3

Na sequência de contactos infrutíferos entre a Comissão e a República Helénica no âmbito do sistema «EU Pilot», a Comissão, em 25 de janeiro de 2013, enviou uma notificação para cumprir a esse Estado‑Membro, na qual chamava a atenção deste para uma eventual incompatibilidade do artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório com o artigo 63.o TFUE e com o artigo 40.o do Acordo EEE.

4

Na sua resposta de 26 de março de 2013, a República Helénica alegou que a disposição nacional em causa era compatível com os artigos mencionados pela Comissão.

5

Não tendo ficado satisfeita com essa resposta, a Comissão emitiu, em 21 de novembro de 2013, um parecer fundamentado, a que a República Helénica respondeu em 21 de março de 2014, reafirmando a compatibilidade da referida disposição com o direito da União e remetendo para a sua posição expressa na sua resposta à notificação para cumprir da Comissão.

6

Foi nestas condições que a Comissão decidiu propor a presente ação.

Quanto à ação

Argumentos das partes

7

A Comissão alega que o artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório é contrário à livre circulação de capitais, conforme garantida pelo artigo 63.o TFUE e pelo artigo 40.o do Acordo EEE.

8

Essa instituição observa, em primeiro lugar, que, segundo a disposição controvertida, duas categorias de nacionais dos Estados‑Membros da União ou dos outros Estados partes no Acordo EEE não podem beneficiar da isenção do imposto sucessório relativo à residência principal, a saber, os nacionais dos Estados‑Membros da União que não são residentes permanentes na Grécia e os nacionais de outros Estados partes no Acordo EEE, independentemente do seu local de residência. Daqui decorre, segundo a Comissão, que o valor de um bem imóvel situado na Grécia e adquirido por herança pelos referidos nacionais dos Estados‑Membros da União ou dos outros Estados partes no Acordo EEE é reduzida, uma vez que os herdeiros em causa suportam uma tributação de nível mais elevado. Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual as sucessões constituem movimentos de capitais e as medidas que diminuem o valor da sucessão de um residente de um Estado‑Membro que não aquele em que se encontram os bens em causa são consideradas restrições proibidas aos movimentos de capitais, a referida disposição deve ser considerada uma restrição dessa natureza.

9

A Comissão alega, em seguida, que os cônjuges e os filhos do de cujus, que não dispõem de outro bem imóvel, se encontram numa situação objetivamente comparável, sejam ou não residentes. Faz referência ao acórdão de 22 de abril de 2010, Mattner (C‑510/08, EU:C:2010:216, n.o 36), no qual o Tribunal de Justiça declarou que não existe nenhuma diferença objetiva que justifique uma desigualdade de tratamento fiscal entre residentes e não residentes, uma vez que o montante do imposto sobre as doações é calculado em função do valor do bem imóvel e do vínculo familiar existente entre o doador e o donatário, não dependendo nenhum destes critérios do local de residência do doador ou do donatário. De igual modo, segundo a Comissão, o imposto sucessório previsto pela regulamentação grega em causa assenta no valor do bem imóvel objeto da sucessão, no vínculo familiar existente entre o de cujus e os herdeiros que dispõem ou não de um bem imóvel, sem que seja tomado em consideração se o bem em causa é ou passa a ser a residência principal dos herdeiros.

10

Assim, a disposição controvertida favorece, segundo a Comissão, exclusivamente os herdeiros que já residem na Grécia, quer no bem imóvel objeto da sucessão quer noutro local nesse Estado‑Membro, sendo estes geralmente nacionais gregos. Essa disposição prejudica os herdeiros que não residem no referido Estado‑Membro, que são geralmente estrangeiros ou nacionais gregos que exerceram as liberdades fundamentais previstas pelo Tratado FUE, por trabalharem, estudarem ou residirem no estrangeiro.

11

Em resposta à argumentação invocada pela República Helénica, segundo a qual a situação dos residentes e a dos não residentes não é comparável quanto às necessidades dos interessados em matéria de alojamento na Grécia, a Comissão alega que esta argumentação assenta na premissa errada de que os residentes gregos estão em regra desprovidos de alojamento e que os não residentes não.

12

Por último, no que diz respeito à justificação da restrição à livre circulação de capitais invocada pela República Helénica, a Comissão considera que a isenção do imposto sucessório em causa constitui simplesmente uma «facilidade geral», que não se justifica por razões de política de habitação ou de política social, uma vez que não está sujeita à ocupação pelos herdeiros do imóvel recebido em herança.

13

A República Helénica contesta o mérito da argumentação desenvolvida pela Comissão e conclui pela compatibilidade da disposição controvertida com o princípio da livre circulação de capitais.

14

A título liminar, esse Estado‑Membro sustenta que os nacionais dos outros Estados partes no Acordo EEE não estão excluídos da aplicação do artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório. Não constam da previsão do artigo devido a um erro que se comprometem a retificar, pois não existe nenhuma razão para os excluir ou dispensar‑lhes um tratamento diferente relativamente aos nacionais dos Estados‑Membros da União.

15

Em primeiro lugar, a República Helénica alega que a disposição controvertida não constitui uma restrição à livre circulação de capitais.

16

Observando, a este respeito, que o artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório diz respeito a um modo de regulamentação das sucessões muito particular e a uma isenção muito limitada e específica do imposto sucessório, a República Helénica alega, em substância, que uma herança adquirida pelos herdeiros legitimários por força da lei não implica, na falta de liberdade de designação dos herdeiros e, por conseguinte, independentemente da vontade do de cujus e do adquirente, um movimento de capitais. Com efeito, considera que o conceito de livre circulação de capitais se refere antes à possibilidade de investir mais do que a uma transmissão de património, por morte, a membros da família próxima do de cujus, regulada por lei.

17

A República Helénica alega, a este respeito, que, embora os herdeiros legitimários não residam de forma permanente na Grécia, nenhuma outra pessoa poderá beneficiar da isenção do imposto sucessório, e que o sistema fiscal grego contém parâmetros únicos que se aplicam quer aos seus nacionais quer aos nacionais dos outros Estados‑Membros, pelo que não há nenhuma discriminação no cálculo do imposto sucessório nem no montante da isenção em causa. Acrescenta que o pagamento do imposto sucessório sem a aplicação da isenção representa não uma «sobretributação», mas uma tributação ordinária, que, para beneficiar dessa isenção, os cidadãos nacionais e os nacionais de outros Estados‑Membros da União devem cumprir os mesmos requisitos e que o facto de não conceder a isenção aos herdeiros não residentes não é suscetível de dissuadir uma pessoa de investir num bem imóvel situado na Grécia.

18

Em segundo lugar, a República Helénica salienta, à luz do artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE e da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de fiscalidade direta, designadamente dos acórdãos de 6 de junho de 2000, Verkooijen (C‑35/98, EU:C:2000:294, n.o 43), de 7 de setembro de 2004, Manninen (C‑319/02, EU:2004:484, n.os 28 e 29), e de 25 de outubro de 2012, Comissão/Bélgica (C‑387/11, EU:C:2012:670, n.o 45), que, no que respeita à isenção do imposto sucessório relativo ao bem imóvel considerado residência principal, a situação dos herdeiros que residem de forma permanente na Grécia não é objetivamente comparável à dos herdeiros que não residem de forma permanente nesse Estado‑Membro. Com efeito, enquanto os herdeiros residentes não dispõem de um bem imóvel adequado na Grécia e têm necessidades em matéria de alojamento no referido Estado‑Membro, que o imóvel adquirido por herança podia cobrir ou completar, os herdeiros não residentes dispõem, regra geral, de uma residência principal no estrangeiro e não contam com um imóvel herdado numa sucessão e situado na Grécia para se poderem alojar.

19

Segundo a República Helénica, a Comissão, ao considerar que a situação dos residentes e a dos não residentes é comparável, não tem em conta os objetivos prosseguidos pela isenção em causa. Esta última respeita de forma limitada à aquisição, por um residente permanente, de uma residência principal na Grécia, por via sucessória. As pessoas que não residem nesse Estado‑Membro e que herdam um imóvel situado neste último ocupá‑lo‑iam durante períodos limitados ou explorá‑lo‑iam de outro modo que não residindo nele. A Comissão não tem em conta também o facto de que é praticamente impossível fiscalizar um imóvel situado no estrangeiro. Por conseguinte, o não residente que herda um imóvel situado na Grécia encontra‑se numa situação mais vantajosa que um residente.

20

Em terceiro lugar, a República Helénica alega que a eventual restrição à livre circulação de capitais é justificada por razões imperiosas de interesse geral, de natureza social e financeira.

21

Assim, através da isenção especial e limitada do imposto sucessório relativo à residência principal, prevista no artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório e concedida no âmbito da política social implementada pelo Estado, o legislador terá querido ajudar os membros da família próxima do de cujus, que não dispõem de um bem imóvel adequado na Grécia, onde residem de forma permanente no momento do nascimento da obrigação fiscal, a adquirir, nesse Estado‑Membro, um tal bem como residência principal, concedendo‑lhes um alívio fiscal. Por conseguinte, trata‑se de uma vantagem social, cujo benefício depende do nexo de conexão com a sociedade grega e do grau de integração nesta.

22

O referido artigo 26.o A, n.o 1, não impõe ao herdeiro beneficiário da isenção em causa a obrigação de utilizar o imóvel herdado como residência principal, embora seja esse geralmente o caso, uma vez que, por um lado, essa obrigação constitui uma restrição desproporcionada à liberdade do beneficiário, contrária à Constituição helénica, e, por outro, o legislador preferiu adotar uma abordagem realista, tendo em conta as eventuais mudanças da situação profissional ou familiar do herdeiro.

23

Uma eventual restrição à livre circulação de capitais seria igualmente justificada por uma segunda razão imperiosa de interesse geral, que visa evitar a redução das receitas fiscais, uma vez que a extensão da isenção do imposto sucessório para a aquisição de uma residência principal aos não residentes teria como consequência inevitável essa redução e desvirtuaria o objetivo com base no qual essa isenção foi instituída.

24

Por último, a República Helénica sustenta que o artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório não vai além do necessário para manter uma repartição equilibrada da competência fiscal entre os Estados‑Membros e prevenir eventuais artifícios que tenham exclusivamente por objetivo a concessão de um benefício fiscal injustificado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto à liberdade em causa

25

Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o imposto sucessório cobrado, que consiste numa transmissão, a uma ou várias pessoas, do património deixado por uma pessoa falecida, se insere nas disposições do Tratado FUE relativas aos movimentos de capitais, com exceção dos casos em que os elementos constitutivos das sucessões se situam no interior de um só Estado‑Membro (acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, van Hilten‑van der Heijden, C‑513/03, EU:C:2006:131, n.o 42; de 17 de janeiro de 2008, Jäger, C‑256/06, EU:C:2008:20, n.o 25; de 17 de outubro de 2013, Welte, C‑181/12, EU:C:2013:662, n.o 20; e de 3 de setembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑127/12, não publicado, EU:C:2014:2130, n.o 53 e jurisprudência referida).

26

No caso em apreço, o artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório prevê uma isenção dos direitos sucessórios relativos a um bem imóvel adquirido por herança pelo cônjuge ou o filho do de cujus se estes forem gregos ou nacionais de um outro Estado‑Membro da União e residentes permanentes na Grécia.

27

Esta disposição é relativa ao imposto sobre as sucessões, diz respeito a situações cujos elementos constitutivos não se situam no interior de um único Estado‑Membro e faz parte, por conseguinte, da livre circulação de capitais.

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

28

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no que respeita às sucessões, as medidas proibidas pelo artigo 63.o TFUE, na medida em que constituem restrições aos movimentos de capitais, incluem as que têm por efeito diminuir o valor da sucessão de um residente num Estado‑Membro que não seja o Estado em cujo território se encontram os bens em causa e que tributa a transmissão dos mesmos por via de sucessão (v., designadamente, acórdãos de 11 de dezembro de 2003, Barbier, C‑364/01, EU:C:2003:665, n.o 62, e de 17 de outubro de 2013, Welte, C‑181/12, EU:C:2013:662, n.o 23 e jurisprudência referida).

29

Com efeito, a regulamentação de um Estado‑Membro, segundo a qual a aplicação de uma isenção do imposto sucessório depende do lugar de residência do de cujus ou do beneficiário no momento da morte, quando conduz a que as sucessões que envolvem não residentes fiquem sujeitas a uma carga fiscal mais pesada que a que apenas envolve residentes, constitui uma restrição à livre circulação de capitais (v., neste sentido, acórdãos de 17 de outubro de 2013, Welte, C‑181/12, EU:C:2013:662, n.os 25 e 26, e de 3 de setembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑127/12, não publicado, EU:C:2014:2130, n.o 58).

30

No caso em apreço, o artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório isenta do imposto sucessório relativo a uma residência ou a um terreno, a partir de um certo montante, o cônjuge ou o filho do de cujus, desde que estes não disponham de um direito de propriedade plena ou de usufruto ou de habitação sobre outro bem imóvel suficiente para as necessidades em matéria de alojamento da sua família, sejam nacionais de um Estado‑Membro da União e residam de forma permanente na Grécia.

31

Esta disposição tem por efeito diminuir o valor da sucessão para o herdeiro que preenche todos estes requisitos exceto o da obrigação de residir de forma permanente na Grécia, privando o interessado da isenção do imposto sucessório e conduzindo assim a que este seja sujeito a uma carga fiscal mais pesada do que a suportada por um herdeiro residente de forma permanente na Grécia.

32

Daqui decorre que a legislação em causa constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE.

Quanto às justificações de uma restrição à livre circulação de capitais

33

No que respeita a uma eventual justificação da restrição à livre circulação de capitais com base no artigo 65.o TFUE, importa recordar que, nos termos da alínea a) do n.o 1 desse artigo 65.o, «[o] disposto no artigo 63.o [TFUE] não prejudica o direito de os Estados‑Membros […] [a]plicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido».

34

Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, essa exceção é, ela própria, limitada pelo artigo 65.o, n.o 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais referidas no artigo 65.o, n.o 1, TFUE «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e de pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUE]». Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos nos termos do artigo 65.o TFUE das discriminações arbitrárias proibidas por força do n.o 3 desse artigo (acórdão de 3 de setembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑127/12, não publicado, EU:C:2014:2130, n.os 71 a 73).

35

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal nacional que, para efeitos do cálculo do imposto sucessório, opera uma diferença de tratamento entre os residentes e os não residentes possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que essa diferença de tratamento respeite a situações que não são objetivamente comparáveis ou que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral. Essa regulamentação nacional deve ser adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não exceder o necessário para o alcançar (v., neste sentido, acórdãos de 17 de outubro de 2013, Welte, C‑181/12, EU:C:2013:662, n.o 44 e jurisprudência referida; de 3 de abril de 2014, Comissão/Espanha, C‑428/12, não publicado, EU:C:2014:218, n.o 34; e de 4 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha, C‑211/13, não publicado, EU:C:2014:2148, n.o 47). Além disso, uma regulamentação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se corresponder verdadeiramente à intenção de o alcançar de uma forma coerente e sistemática (acórdão de 4 de setembro de 2014, API e o., C‑184/13 a C‑187/13, C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13, EU:C:2014:2147, n.o 53 e jurisprudência referida).

36

No que diz respeito, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações em causa, há que recordar que, quando uma regulamentação nacional põe no mesmo plano, para efeitos da tributação de um bem imóvel adquirido por sucessão e situado no Estado‑Membro em causa, os herdeiros não residentes e os herdeiros residentes, não pode, sem violar as exigências do direito da União, tratar esses herdeiros de maneira diferente, no âmbito dessa mesma tributação, no que respeita à aplicação de uma isenção do imposto sucessório relativo a esse bem imóvel. Ao tratar de modo idêntico, exceto no tocante ao montante da isenção suscetível de beneficiar o herdeiro, as sucessões abertas efetuadas a essas duas categorias de pessoas, o legislador nacional admitiu efetivamente que não há entre ambas, no tocante às modalidades e às condições dessa cobrança do imposto sobre as sucessões, nenhuma diferença de situação objetiva que possa justificar uma diferença de tratamento (v., neste sentido, acórdão de 17 de outubro de 2013, Welte, C‑181/12, EU:C.2013:662, n.o 51 e jurisprudência referida).

37

No caso em apreço, a República Helénica alega, ao invocar a argumentação exposta nos n.os 18 e 19 do presente acórdão, que existe uma diferença objetiva entre a situação dos herdeiros que residem de forma permanente na Grécia e a dos herdeiros que não preenchem essa condição, no que diz respeito à isenção do imposto sucessório relativo à residência principal. No entanto, esse Estado‑Membro indica que o sistema fiscal grego inclui critérios uniformes, que se aplicam tanto aos nacionais como aos cidadãos dos outros Estados‑Membros no que respeita ao montante do imposto sucessório relativo a um imóvel situado na Grécia. É apenas relativamente à isenção do imposto sucessório relativo à residência principal que a regulamentação controvertida procede a uma diferença de tratamento entre as sucessões relativas a um herdeiro que reside de forma permanente na Grécia e as relativas a um não residente.

38

Daqui resulta que a situação de um herdeiro residente de forma permanente na Grécia e a de um herdeiro não residente são comparáveis para efeitos da concessão da isenção do imposto sucessório em causa.

39

Por conseguinte, importa examinar, em segundo lugar, se a regulamentação controvertida pode ser objetivamente justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

40

Em primeiro lugar, há que referir que, ao invés das exigências que resultam da jurisprudência citada no n.o 35 do presente acórdão, o artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório não é adequado para permitir alcançar, de forma coerente e sistemática, o objetivo de interesse geral de ordem social, invocado pela República Helénica e que consiste em responder às necessidades em matéria de alojamento na Grécia, uma vez que a isenção prevista na referida disposição não está sujeita à obrigação, para o herdeiro, de fixar a sua residência principal no imóvel objeto da sucessão, nem mesmo à de ocupar o referido imóvel.

41

Na falta dessa obrigação, não tem relevância o argumento da República Helénica segundo o qual os herdeiros não residentes nesse Estado‑Membro só ocupariam um imóvel adquirido por herança durante períodos limitados ou explorá‑lo‑iam de outro modo que não para nele residir. Também não convence o argumento de que a disposição em causa visa fazer depender a concessão da referida isenção do vínculo que o herdeiro mantém com a sociedade grega e do seu grau de integração na mesma, uma vez que um herdeiro que não resida de forma permanente na Grécia no momento da abertura da sucessão e que não possua nenhum imóvel pode, tal como um herdeiro que reside nesse Estado‑Membro, estabelecer uma ligação estreita com a sociedade grega e querer adquirir, no referido Estado, o imóvel que é objeto da sucessão, para aí fixar a sua residência principal.

42

A este respeito, a argumentação da República Helénica exposta nos n.os 19 e 22 do presente acórdão deve igualmente ser afastada. Com efeito, há que recordar que as razões justificativas que podem ser invocadas por um Estado‑Membro devem ser acompanhadas de provas ou da análise da oportunidade e da proporcionalidade da medida restritiva adotada por esse Estado, bem como dos elementos precisos que permitam apoiar a sua argumentação (acórdão de 21 de janeiro de 2016, Comissão/Chipre, C‑515/14, EU:C:2016:30, n.o 54 e jurisprudência referida). Ora, a República Helénica não demonstrou os argumentos que invocou, tal como não demonstrou ser impossível controlar se o herdeiro não residente preenche as condições para beneficiar da isenção em causa.

43

Em seguida, contrariamente ao que alega a República Helénica, a regulamentação nacional controvertida não se pode justificar pela necessidade de prevenir a redução de receitas fiscais que ocorreria, segundo esse Estado‑Membro, se a isenção do imposto sucessório em causa fosse extensível aos não residentes. Com efeito, resulta de uma jurisprudência constante que tal necessidade não figura nem entre os objetivos enunciados no artigo 65.o TFUE, nem entre as razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição a uma liberdade instituída pelo Tratado FUE (v., designadamente, acórdãos de 7 de setembro de 2004, Manninen, C‑319/02, EU:C:2004:484, n.o 49; de 27 de janeiro de 2009, Persche, C‑318/07, EU:C:2009:33, n.o 46; e de 10 de fevereiro de 2011, Missionswerk Werner Heulkelbach, C‑25/10, EU:C:2011:65, n.o 31).

44

Por último, a República Helénica não demonstrou minimamente que a exclusão dos herdeiros não residentes de forma permanente na Grécia do benefício da isenção prevista no artigo 26.o A, n.o 1, do Código do imposto sucessório decorre da repartição de competência fiscais entre os Estados‑Membros e é necessária para evitar abusos.

45

Daqui resulta que a República Helénica não invocou perante o Tribunal de Justiça nenhuma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar, no caso em apreço, uma restrição à livre circulação de capitais, na aceção do artigo 63.o TFUE.

Quanto ao incumprimento do artigo 40.o do Acordo EEE

46

No que diz respeito à violação, pela regulamentação controvertida, do artigo 40.o do Acordo EEE, invocada pela Comissão, a República Helénica alega que os nacionais dos outros Estados partes no Acordo EEE foram omitidos do artigo 26.o A, ponto 1, do Código do imposto sucessório, em razão de um erro que se compromete a corrigir.

47

Basta recordar, a este respeito, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, segundo a qual a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/Grécia, C‑351/13, não publicado, EU:C:2014:2150, n.o 20; de 5 de fevereiro de 2015, Comissão/Bélgica, C‑317/14, EU:C.2015:63, n.o 34; e de 14 de janeiro de 2016, Comissão/Grécia, C‑66/15, não publicado, EU:C:2016:5, n.o 36).

48

Independentemente da referida omissão, há que recordar que, na medida em que o disposto no artigo 40.o do Acordo EEE tem o mesmo alcance jurídico que as disposições, idênticas, em substância, do artigo 63.o TFUE, o conjunto das considerações anteriores, relativas à existência de uma restrição quanto ao fundamento do artigo 63.o TFUE, é, em circunstâncias como as da presente ação, transponível mutatis mutandis para o referido artigo 40.o (v., por analogia, acórdão de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Bélgica, C‑250/08, EU:C:2011:793, n.o 83 e jurisprudência referida).

49

Resulta do conjunto de considerações precedentes que a ação da Comissão deve ser julgada procedente.

50

Por conseguinte, há que concluir que, ao adotar e manter em vigor uma legislação que prevê uma isenção do imposto sucessório relativo à residência principal, que se aplica unicamente aos nacionais dos Estados‑Membros da União que residem na Grécia, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 63.o TFUE e do artigo 40.o do Acordo EEE.

Quanto às despesas

51

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Helénica e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) decide:

 

1)

Ao adotar e manter em vigor uma legislação que prevê uma isenção do imposto sucessório relativo à residência principal, que se aplica unicamente aos nacionais dos Estados‑Membros da União Europeia que residem na Grécia, a República Helénica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 63.o TFUE e do artigo 40.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992.

 

2)

A República Helénica é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.