Processo C‑81/15

Kapnoviomichania Karelia AE

contra

Ypourgos Oikonomikon

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias)

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Regime geral dos impostos especiais de consumo — Diretiva 92/12/CEE — Tabacos manufaturados que circulam em regime de suspensão dos impostos especiais de consumo — Responsabilidade do depositário autorizado — Possibilidade de os Estados‑Membros declararem o depositário autorizado solidariamente responsável pelo pagamento de quantias correspondentes a sanções pecuniárias aplicadas aos autores de um ato de contrabando — Princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 2 de junho de 2016

  1. Disposições fiscais — Harmonização das legislações — Impostos especiais sobre o consumo — Diretiva 92/12 — Responsabilidade do depositário autorizado — Responsabilidade objetiva — Obrigação de os Estados‑Membros preverem uma responsabilidade penal suplementar por qualquer irregularidade cometida durante a colocação em circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo — Inexistência

    [Diretiva 92/12 do Conselho, artigos 13.°, 15.°, n.os 3 e 4, e 20.°, n.o 1, alínea b)]

  2. Disposições fiscais — Harmonização das legislações — Impostos especiais sobre o consumo — Diretiva 92/12 — Regulamentação nacional que permite declarar o depositário autorizado solidariamente responsável pelo pagamento de quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicada os autores de um ato de contrabando — Responsabilidade incondicional — Inadmissibilidade — Violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade

    (Diretiva 92/12 do Conselho)

  1.  Resulta da economia da Diretiva 92/108, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, conforme alterada pela Diretiva 92/108, e, designadamente, do seu artigo 13.o, do seu artigo 15.o, n.os 3 e 4, e do seu artigo 20.o, n.o 1, que o legislador conferiu um papel central ao depositário autorizado no âmbito do procedimento de circulação dos produtos sujeitos a imposto especial sobre o consumo em regime de suspensão.

    A Diretiva 92/12 institui, a cargo do depositário autorizado, um regime de responsabilidade por todos os riscos inerentes à circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão, e este depositário é, por conseguinte, declarado devedor do pagamento dos impostos especiais de consumo quando a sua exigibilidade é desencadeada por uma irregularidade ou infração cometida no decurso da circulação dos referidos produtos. Assim, esta responsabilidade é objetiva e baseia‑se não na culpa provada ou presumida do depositário, mas na sua participação numa atividade económica.

    Todavia, não resulta do artigo 20.o, n.o 3, da Diretiva 92/12, que prevê que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para fazer face a eventuais infrações ou irregularidades e para impor sanções eficazes, que os Estados‑Membros estejam obrigados a prever uma responsabilidade penal suplementar do depositário autorizado por qualquer irregularidade cometida no decurso da circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

    Com efeito, em primeiro lugar, esta disposição não precisa as sanções adequadas nem as categorias de pessoas que devem ser consideradas responsáveis à luz das mesmas.

    Em segundo lugar, o regime de responsabilidade pelo risco previsto na Diretiva 92/12 termina com a tomada a cargo do pagamento dos impostos especiais de consumo. Assim, esta diretiva não impõe um regime de solidariedade que torne o depositário autorizado responsável pelo pagamento das quantias correspondentes às sanções pecuniárias impostas aos autores de um ato de contrabando.

    (cf. n.os 31, 32, 35, 38‑40)

  2.  A Diretiva 92/12 relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, conforme alterada pela Diretiva 92/108, lida à luz dos princípios gerais do direito da União, designadamente dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional — que permite declarar solidariamente responsável pelo pagamento de quantias correspondentes às sanções pecuniárias aplicadas em caso de infração cometida durante a circulação de produtos em regime de suspensão de impostos especiais de consumo, nomeadamente, os proprietários desses produtos, quando os referidos proprietários tenham com os autores da infração uma relação contratual que faz destes seus mandatários — por força da qual o depositário autorizado é declarado solidariamente responsável pelo pagamento das referidas quantias, sem que possa afastar essa responsabilidade provando que é totalmente alheio à atuação dos autores da infração, mesmo se, segundo o direito nacional, esse depositário não era proprietário dos referidos produtos no momento em que a infração foi cometida nem tinha com os seus autores nenhuma relação contratual que fizesse destes seus mandatários.

    Com efeito, quando a responsabilidade agravada do depositário autorizado que não conservou a propriedade dos produtos objeto da infração e não tem com os autores desta última uma relação contratual que faça dos mesmos seus mandatários que faça dos mesmos seus mandatários, não está expressamente prevista na Diretiva 92/12 nem nas disposições do direito nacional, as sanções suscetíveis de serem aplicadas a este depositário autorizado por força de tal legislação não parecem suficientemente certas e previsíveis para os interessados para que se possa considerar que respondem às exigências de segurança jurídica, o que cabe, no entanto, ao órgão jurisdicional nacional verificar.

    Por outro lado, no que diz respeito às medidas que visam prevenir a fraude fiscal, já foi declarado, em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, que a repartição do risco, na sequência de uma fraude cometida por um terceiro, não é compatível com o princípio da proporcionalidade, quando um regime de tributação faz recair toda a responsabilidade do pagamento sobre o fornecedor, independentemente de este estar ou não implicado na fraude cometida pelo comprador.

    Além disso, as medidas nacionais que dão de facto origem a um sistema de responsabilidade solidária sem culpa ultrapassam o que é necessário para preservar os direitos do Fisco. Imputar a responsabilidade pelo pagamento do imposto sobre o valor acrescentado a uma pessoa diferente do devedor, mesmo quando essa pessoa é um gerente de um entreposto fiscal autorizado vinculado às obrigações específicas da Diretiva 92/12, sem lhe permitir afastar a responsabilidade provando que é totalmente alheia à atuação desse devedor, deve ser considerado incompatível com o princípio da proporcionalidade. Seria manifestamente desproporcionado imputar, de maneira incondicional, a essa pessoa a perda de receitas fiscais causada pela atuação de um terceiro sujeito passivo, sobre a qual não tem nenhuma influência.

    O respeito destas mesmas exigências se impõe no que se refere a uma medida como a atribuição, ao depositário autorizado, da responsabilidade pelas consequências pecuniárias de atos de contrabando.

    (cf. n.os 46, 47, 49‑51, 54 e disp.)