ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

15 de setembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE — Artigos 4.° e 19.° — Autoridade reguladora nacional — Medidas de harmonização — Recomendação 2009/396/CE — Âmbito jurídico — Diretiva 2002/19/CE — Artigos 8.° e 13.° — Operador designado como dispondo de mercado significativo — Obrigações impostas por uma autoridade reguladora nacional — Controlo dos preços e obrigações relativas ao sistema de contabilização dos custos — Tarifas de terminação de chamadas em redes fixas e móveis — Âmbito da fiscalização que os órgãos jurisdicionais nacionais podem exercer sobre as decisões das autoridades reguladoras nacionais»

No processo C‑28/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), por decisão de 13 de janeiro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de janeiro de 2015, no processo

Koninklijke KPN NV,

KPN BV,

T‑Mobile Netherlands BV,

Tele2 Nederland BV,

Ziggo BV,

Vodafone Libertel BV,

Ziggo Services BV, anteriormente UPC Nederland BV,

Ziggo Zakelijk Services BV, anteriormente UPC Business BV,

contra

Autoriteit Consument en Markt (ACM),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 16 de março de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Koninklijke KPN NV e da KPN BV, por L. Mensink e C. Schillemans, advocaten,

em representação da T‑Mobile Netherlands BV, por B. Braeken e C. Eijberts, advocaten,

em representação da Tele2 Nederland BV, por P. Burger e P. van Ginneken, advocaten,

em representação da Ziggo BV, por W. Knibbeler, N. Lorjé e P. van den Berg, advocaten,

em representação da Vodafone Libertel BV, por P. Waszink, advocaat,

em representação da Ziggo Services BV e da Ziggo Zakelijk Services BV, por W. Knibbeler, N. Lorjé e P. van den Berg, advocaten,

em representação do Governo neerlandês, por J. Langer e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. De Stefano, avvocato dello Stato,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo finlandês, por S. Hartikainen, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por F. Wilman, G. Braun e L. Nicolae, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência 28 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37) (a seguir «diretiva‑quadro»), lido em conjugação com os artigos 8.° e 13.° da Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva acesso) (JO 2002, L 108, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2009/140 (a seguir «diretiva acesso»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Koninklijke KPN NV, a KPN BV, a T‑Mobile Netherlands BV, a Tele2 Nederland BV, a Ziggo BV, a Vodafone Libertel BV, a Ziggo Services BV, anteriormente UPC Nederland BV, e a Ziggo Zakelijk Services BV, anteriormente UPC Business BV, à Autoriteit Consument en Markt (ACM) (Autoridade dos Consumidores e dos Mercados, a seguir «ACM») a respeito de uma decisão que fixa limites tarifários para os serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva‑quadro

3

O artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, intitulado «Direito de recurso», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem garantir a existência de mecanismos eficazes a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas que tenha sido afetado/a por uma decisão de uma autoridade reguladora nacional tenha o direito de interpor recurso dessa decisão junto de um órgão de recurso que seja independente das partes envolvidas. Esse órgão, que pode ser um tribunal, deve ter os meios de perícia necessários para poder exercer eficazmente as suas funções. Os Estados‑Membros devem assegurar que o mérito da causa seja devidamente apreciado e que exista um mecanismo de recurso eficaz.

Na pendência do recurso, a decisão da autoridade reguladora nacional mantém‑se eficaz, salvo se forem impostas medidas provisórias nos termos do direito nacional.»

4

O artigo 8.o desta diretiva, intitulado «Objetivos de política geral e princípios de regulação», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros deverão assegurar que, no desempenho das funções de regulação constante[s] da presente diretiva e das diretivas específicas, as autoridades reguladoras nacionais tomem todas as medidas razoáveis para realizar os objetivos fixados nos n.os 2, 3 e 4. Tais medidas deverão ser proporcionais a esses objetivos.

[...]

2.   As autoridades reguladoras nacionais devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente:

a)

Assegurando que os utilizadores, incluindo os utilizadores deficientes, os utilizadores idosos e os utilizadores com necessidades sociais especiais obtenham o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade;

[...]

3.   As autoridades reguladoras nacionais devem contribuir para o desenvolvimento do mercado interno [...]

[...]

4.   As autoridades reguladoras nacionais devem defender os interesses dos cidadãos da União Europeia [...]

[...]»

5

O artigo 16.o da referida diretiva, intitulado «Procedimento de análise de mercado», prevê, nos seus n.os 2 e 4:

«2.   Sempre que, por força do disposto [no] [...] artigo 8.o da [diretiva acesso], tenha de decidir da eventual imposição, manutenção, modificação ou retirada de obrigações às empresas, a autoridade reguladora nacional deve determinar, com base na sua análise dos mercados referida no n.o 1 do presente artigo, se um mercado relevante é efetivamente concorrencial.

[...]

4.   Caso uma autoridade reguladora nacional determine que um mercado relevante não é efetivamente concorrencial, deve identificar as empresas que, individualmente ou em conjunto detenham poder significativo nesse mercado, nos termos do artigo 14.o, e impor‑lhes as obrigações regulamentares específicas adequadas referidas no n.o 2 do presente artigo ou manter ou modificar essas obrigações, caso já existam.»

6

Nos termos do artigo 19.o da mesma diretiva, intitulado «Medidas de harmonização»:

«1.   [...] caso constate que as divergências na execução, por parte das autoridades reguladoras nacionais, das funções regulatórias especificadas na presente diretiva e nas diretivas específicas podem criar um obstáculo ao mercado interno, a Comissão pode, tendo na máxima conta o parecer do [Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (ORECE)], publicar uma recomendação ou uma decisão sobre a aplicação harmonizada das disposições da presente diretiva e das diretivas específicas, para acelerar a consecução dos objetivos enunciados no artigo 8.o

2.   [...]

Os Estados‑Membros devem garantir que, no desempenho das suas funções, as autoridades reguladoras nacionais tenham na melhor conta essas recomendações. Caso uma autoridade reguladora nacional decida não seguir uma recomendação, deve informar desse facto a Comissão, fundamentando a sua posição.

[...]»

Diretiva acesso

7

Nos termos do considerando 20 da diretiva acesso:

«O controlo dos preços pode ser necessário caso a análise de determinado mercado revele uma situação de concorrência ineficaz. [...] O método de amortização de custos deve ser adaptado às circunstâncias, tendo em conta a necessidade de promover a eficácia, uma concorrência sustentável e de maximizar os benefícios do consumidor.»

8

O artigo 1.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.   No quadro estabelecido pela [diretiva‑quadro], a presente diretiva harmoniza o modo como os Estados‑Membros regulamentam o acesso e a interligação das redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos. A presente diretiva tem por objetivo estabelecer um quadro regulamentar, conforme com os princípios do mercado interno, aplicável às relações entre fornecedores de redes e serviços, que conduza a uma concorrência sustentável e a uma interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, e beneficie os consumidores.

2.   A presente diretiva [...] define [...] objetivos para as autoridades reguladoras nacionais, no que diz respeito ao acesso e interligação e estabelece procedimentos para garantir que as obrigações impostas pelas autoridades reguladoras nacionais sejam revistas [...]»

9

O artigo 5.o da referida diretiva, intitulado «Poderes e responsabilidades das autoridades reguladoras nacionais relativamente ao acesso e à interligação», dispõe no seu n.o 1:

«As autoridades reguladoras nacionais devem, agindo em conformidade com os objetivos estabelecidos no artigo 8.o da [diretiva‑quadro], incentivar e, sempre que oportuno, garantir, em conformidade com as disposições da presente diretiva, o acesso e a interligação adequados, bem como a interoperabilidade de serviços, exercendo a sua responsabilidade de modo a promover a eficiência, a concorrência sustentável, o investimento eficaz e a inovação, e a proporcionar o máximo benefício aos utilizadores finais.

[...]»

10

O artigo 8.o da mesma diretiva, intitulado «Imposição, alteração ou supressão de obrigações», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros assegurarão que as autoridades reguladoras nacionais tenham poderes para impor as obrigações definidas nos artigos 9.° a 13.°‑A.

2.   Caso um operador seja designado como operador com poder de mercado significativo num mercado específico, na sequência de uma análise do mercado efetuada em conformidade com o disposto no artigo 16.o da [diretiva‑quadro], as autoridades reguladoras nacionais imporão as obrigações previstas nos artigos 9.° a 13.° da presente diretiva, consoante adequado.

[...]

4.   As obrigações impostas em conformidade com o presente artigo basear‑se‑ão na natureza do problema identificado, e serão proporcionadas e justificadas à luz dos objetivos estabelecidos no artigo 8.o da [diretiva‑quadro]. Tais obrigações só serão impostas após consulta em conformidade com o artigo 6.o e 7.° dessa diretiva.

[...]»

11

O artigo 13.o da diretiva acesso, intitulado «Obrigações de controlo dos preços e de contabilização dos custos», tem a seguinte redação:

«1.   A autoridade reguladora nacional pode, nos termos do disposto no artigo 8.o, impor obrigações relacionadas com a amortização de custos e controlos de preços, incluindo a obrigação de orientação dos preços em função dos custos e a obrigação relativa a sistemas de contabilização dos custos, para fins de oferta de tipos específicos de interligação e/ou acesso, em situações em que uma análise do mercado indique que uma potencial falta de concorrência efetiva implica que o operador em causa possa manter os preços a um nível excessivamente elevado, ou comprimir os preços, em detrimento dos utilizadores finais. Para incentivar os investimentos feitos pelo operador, nomeadamente nas redes nova geração, as autoridades reguladoras nacionais devem ter em conta o investimento realizado pelo operador, permitindo‑lhe uma taxa razoável de rentabilidade sobre o capital investido, tendo em conta todos os riscos inerentes a um novo projeto específico de rede de investimento.

2.   As autoridades reguladoras nacionais assegurarão que os mecanismos de amortização de custos ou as metodologias obrigatórias em matéria de fixação de preços suscitem a promoção da eficiência e da concorrência sustentável e maximizem os benefícios para o consumidor. Nesta matéria, as autoridades reguladoras nacionais poderão também ter em conta os preços disponíveis nos mercados concorrenciais comparáveis.

[...]»

Recomendação 2009/396/CE

12

Nos termos dos considerandos 5, 7 e 13 da Recomendação 2009/396/CE da Comissão, de 7 de maio de 2009, sobre o tratamento regulamentar das tarifas da terminação de chamadas em redes fixas e móveis na UE (JO 2009, L 124, p. 67):

«(5)

Certas disposições do quadro regulamentar das redes e serviços de comunicações eletrónicas, nomeadamente os artigos 9.°, 11.° e 13.° em conjugação com o vigésimo considerando da [diretiva acesso], exigem que se apliquem os mecanismos de contabilidade de custos e as obrigações de controlo dos preços necessários e adequados.

[...]

(7)

O fornecimento grossista de terminação de chamadas vocais é o serviço necessário para fazer terminar as chamadas nos locais (nas redes fixas) ou nos assinantes (nas redes móveis) de destino. O sistema de tarifação da UE baseia‑se no princípio de que quem paga é a rede da pessoa que faz a chamada, o que significa que a tarifa da terminação é estabelecida pela rede chamada e paga pela rede chamadora. A parte chamada não é faturada por este serviço e, de um modo geral, não tem qualquer incentivo para reagir ao preço da terminação estabelecido pelo seu fornecedor de rede. Neste contexto, as tarifas excessivas são a preocupação principal em termos de concorrência das autoridades reguladoras. Os elevados preços da terminação acabam por ser recuperados através da imposição de tarifas de chamada mais elevadas aos utilizadores finais. Tendo em conta a característica de acesso recíproco dos mercados da terminação, outro potencial problema de concorrência, que é comum aos mercados da terminação fixa e móvel, são as subvenções cruzadas entre operadores. Por conseguinte, face à capacidade e aos incentivos dos operadores das redes de terminação das chamadas para aumentarem os preços substancialmente acima dos custos, a orientação dos preços em função dos custos é considerada a intervenção mais adequada para resolver este problema a médio prazo. O vigésimo considerando da [diretiva acesso] faz notar que o método de amortização dos custos deve ser adaptado às circunstâncias particulares. Perante as características específicas dos mercados da terminação de chamadas e as preocupações que suscitam a nível concorrencial e distributivo, a Comissão reconheceu há muito que o estabelecimento de uma abordagem comum baseada numa norma de custos eficiente e na aplicação de tarifas simétricas para a terminação promoverá a eficiência e a concorrência sustentável e maximizará os benefícios para os consumidores em termos de preços e de ofertas de serviços.

[...]

(13)

Tendo em conta as características particulares dos mercados da terminação de chamadas, os custos dos serviços de terminação devem ser calculados prospetivamente a partir dos custos adicionais de longo prazo (CALP). [...]»

13

Os pontos 1 e 2 da Recomendação 2009/396 têm a seguinte redação:

«1.

Ao imporem o controlo dos preços e obrigações de contabilidade de custos, em conformidade com o artigo 13.o da [diretiva acesso], aos operadores designados pelas autoridades reguladoras nacionais (ARN) como tendo poder de mercado significativo nos mercados da terminação de chamadas vocais a nível grossista em cada rede telefónica pública (a seguir designados ‘os mercados da terminação de chamadas em redes fixas e móveis’) em resultado de uma análise de mercado efetuada nos termos do artigo 16.o da [diretiva‑quadro], as ARN devem fixar tarifas de terminação baseadas nos custos suportados por um operador eficiente. Isto implica que também sejam simétricas. Para isso, as ARN devem proceder da maneira a seguir descrita.

2.

Recomenda‑se que a avaliação dos custos de um operador eficiente se baseie nos custos correntes e recorra a uma abordagem de modelização ascendente que utilize os custos adicionais de longo prazo (CALP) como metodologia pertinente de cálculo dos custos.»

Direito neerlandês

14

O artigo 1.3, n.o 1, da Telecommunicatiewet (Lei das Telecomunicações), na sua versão aplicável aos factos do processo principal, dispõe:

«1.   A [ACM] assegura que as suas decisões contribuem para a realização dos objetivos previstos no artigo 8.o, n.os 2 a 5, da [diretiva‑quadro], pelo menos através:

a.

da promoção da concorrência no fornecimento das redes de comunicações eletrónicas, dos serviços de comunicações eletrónicas ou dos recursos conexos, nomeadamente apoiando os investimentos eficazes em matéria de infraestruturas e as inovações;

b.

do desenvolvimento do mercado interno;

c.

do apoio dos interesses dos utilizadores finais em termos de opções, de preços e de qualidade.»

15

O artigo 1.3, n.os 2 e 3, da Lei das Telecomunicações prevê que, no exercício das suas missões e competências, a ACM deve ter na melhor conta as recomendações da Comissão Europeia previstas no artigo 19.o, n.o 1, da diretiva‑quadro. Se a ACM não aplicar uma recomendação, deve informar desse facto a Comissão, indicando os fundamentos da sua decisão.

16

Esta lei prevê, no seu artigo 6a.1, que a ACM, na sua qualidade de ARN, deve definir os mercados relevantes no setor das comunicações eletrónicas. Para este efeito, a ACM deve, em conformidade com o artigo 6a.1, n.o 5, da referida lei, determinar se o mercado em questão é ou não efetivamente concorrencial. Se não o for, a ACM deve, por força do artigo 6a.2 da referida lei, determinar se uma ou mais empresas dispõem de um poder significativo no mercado, bem como decidir das obrigações adequadas que lhes devem ser impostas.

17

O artigo 6a.2, n.o 3, da Lei das Telecomunicações dispõe:

«Uma obrigação prevista no n.o 1 é adequada quando se baseia na natureza do problema identificado no mercado em questão e é proporcional e justificada à luz dos objetivos do artigo 1.3.»

18

Nos termos do artigo 6a.7 desta lei:

«1.   Em conformidade com o artigo 6a.2, n.o 1, a [ACM] pode, relativamente às formas de acesso que deve determinar, impor uma obrigação quanto ao controlo das tarifas anteriormente calculadas ou ao cálculo dos custos sempre que uma análise do mercado revelar que o operador em questão pode, na falta de uma concorrência eficaz, manter os preços a um nível excessivamente elevado, ou pode comprimir as margens, em ambos os casos em detrimento dos utilizadores finais. A [ACM] pode associar a essa obrigação regras necessárias à sua boa execução.

2.   Uma obrigação como a visada no n.o 1 pode prever a sujeição do acesso a uma tarifa de acesso orientada em função dos custos ou à aplicação de um sistema de cálculo dos custos definido ou aprovado pela [ACM].

3.   Quando a [ACM] tiver imposto a uma empresa uma obrigação de orientação dos preços em função dos custos, essa empresa deve demonstrar que os seus preços são efetivamente determinados em função dos custos.

4.   Sem prejuízo do disposto no n.o 1, segunda frase, a [ACM] pode associar a obrigação de aplicar um sistema de contabilização dos custos a medidas relativas à apresentação dos resultados da aplicação do sistema pela empresa sobre a qual recai a obrigação. [...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

No âmbito de um processo anterior àquele que deu origem ao litígio no processo principal, por decisão de 7 de julho de 2010, a Onafhankelijke Post en Telecommunicatie Autoriteit (OPTA) (Autoridade Independente dos Correios e Telecomunicações), atualmente ACM e que possui a qualidade de ARN nos Países Baixos na aceção da diretiva‑quadro, depois de ter efetuado uma análise dos mercados relevantes, impôs a operadores identificados como operadores com poder significativo nos mercados da terminação de chamadas em redes fixas e móveis nos Países Baixos medidas tarifárias. Fê‑lo de acordo com o modelo de cálculo de custos dito «Bulric puro» (Bottom‑Up Long‑Run Incremental Costs, a seguir «modelo ‘Bulric puro’»), segundo o qual só os custos diferenciais são reembolsados. Em 31 de agosto de 2011, o órgão jurisdicional de reenvio, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), anulou esta decisão com o fundamento de que devia ter sido aplicado outro modelo de cálculo dos custos, que tome em consideração um conjunto de custos mais amplo do que o modelo «Bulric puro», a saber, o modelo «Bulric mais».

20

Em seguida, tendo constatado que havia um risco de tarifas excessivamente elevadas e de compressão das margens nos mercados grossistas dos serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis, em 5 de agosto de 2013, a ACM adotou uma decisão, em conformidade com a regulamentação neerlandesa que transpôs os artigos 8.° e 13.° da diretiva acesso e com a Recomendação 2009/396, através da qual fixou os limites tarifários para a prestação desses serviços, tendo aplicado o modelo «Bulric puro». Esta autoridade considerou que este modelo era adequado para determinar as tarifas de terminação de chamadas orientadas em função dos custos e que era, nos termos desta recomendação, o único modelo de orientação dos preços conforme com o direito da União. De acordo com a referida autoridade, uma medida tarifária fixada com base neste modelo de cálculo afastava o risco de tarifas excessivamente elevadas e de compressão das margens, ao mesmo tempo que favorecia a concorrência, o desenvolvimento do mercado interno e os interesses dos utilizadores finais.

21

A Koninklijke KPN, a KPN, a T‑Mobile Netherlands, a Tele2 Nederland, a Ziggo, a Vodafone Libertel, a Ziggo Services e a Ziggo Zakelijk Services, que são operadores que prestam nomeadamente serviços de terminação de chamadas em redes móveis, interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio um recurso de anulação da decisão da ACM de 5 de agosto de 2013. Este, chamado a conhecer de um pedido de medidas provisórias, suspendeu a execução desta decisão por despacho de 27 de agosto de 2013.

22

No âmbito dos seus recursos, a Koninklijke KPN, a KPN, a T‑Mobile Netherlands e a Vodafone Libertel consideram que uma obrigação tarifária determinada em função do modelo «Bulric puro» é contrária ao artigo 6a.2, n.o 3, e ao artigo 6a.7, n.o 2, da Lei das Telecomunicações, que preveem, respetivamente, que uma tarifa deve ser orientada em função dos custos e que uma obrigação imposta pela ACM deve ser adequada.

23

Estas empresas alegam que todas as afirmações da ACM relativas aos efeitos positivos esperados da aplicação do modelo «Bulric puro» à estrutura tarifária num mercado de retalho não podem justificar a imposição de obrigações tarifárias como as que lhe foram impostas nos termos da decisão de 5 de agosto de 2013. Em sua opinião, dos preços determinados de acordo com o referido modelo decorre que as tarifas de terminação de chamadas são inferiores às que seriam obtidas num mercado concorrencial. Por conseguinte, a Recomendação 2009/396 não é conforme com o artigo 13.o da diretiva acesso. Por outro lado, as referidas empresas consideram que, uma vez que não são proporcionais à luz dos objetivos da decisão da ACM, estas obrigações tarifárias são designadamente contrárias ao artigo 6a.2, n.o 3, da Lei das Telecomunicações.

24

O órgão jurisdicional de reenvio indica que a redação do artigo 6a.7, n.o 2, da Lei das Telecomunicações não permite sustentar a interpretação segundo a qual pode ser imposta uma forma de regulamentação tarifária de acordo com o modelo «Bulric puro» que excede uma regulamentação dos preços menos rigorosa de acordo com o modelo «Bulric mais», que já é orientada em função dos custos.

25

Aquele órgão jurisdicional considera, todavia, que a ACM pode ser autorizada a impor uma obrigação tarifária mais estrita se esta for proporcionada e justificada, atendendo à natureza do problema constatado nos mercados em questão e se prosseguir os objetivos definidos no artigo 8.o, n.os 2 a 4, da diretiva‑quadro. Ao impor essas obrigações, a ACM deve, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, analisar se a medida tarifária pretendida é adequada para alcançar o objetivo ambicionado e se não excede o que é necessário para esse efeito. Além disso, esta autoridade deve fundamentar a sua decisão e proceder a uma ponderação de todos os interesses em causa.

26

O órgão jurisdicional de reenvio considera, no entanto, que subsiste uma dúvida quanto à exatidão desta interpretação. Interroga‑se, por um lado, sobre os interesses que podem ou devem ser ponderados, bem como sobre o peso que pode ou deve ser atribuído a cada um desses interesses aquando da fiscalização jurisdicional da decisão da ACM perante si impugnada e, por outro, sobre a importância que este órgão jurisdicional deve atribuir, no processo que lhe foi submetido, ao facto de a Comissão ter recomendado a utilização do modelo «Bulric puro» na Recomendação 2009/396 para adotar uma medida tarifária adequada sobre os mercados grossistas da terminação de chamadas em redes fixas e móveis.

27

Foi nestas condições que o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 4.o, n.o 1, da [diretiva‑quadro], conjugado com os artigos 8.° e 13.° da [diretiva acesso], ser interpretado no sentido de que é, em princípio, permitido ao órgão jurisdicional nacional, num litígio sobre a legalidade de um preço orientado em função dos custos imposto pela [ARN] no mercado grossista de terminação de chamadas, decidir em sentido diverso da Recomendação [2009/396], na qual se recomenda [o modelo ‘Bulric puro’] como medida de controlo dos preços adequada nos mercados de terminação de chamadas, quando, em seu entender, as circunstâncias factuais do caso que é submetido à sua apreciação e/ou as considerações de direito nacional ou direito supranacional assim o impõem?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, até que ponto tem o órgão jurisdicional nacional um poder discricionário para, na apreciação de uma medida de preço orientado em função dos custos:

a)

à luz do artigo 8.o, n.o 3, da [diretiva‑quadro], examinar o argumento da ARN de que se contribui para o desenvolvimento do mercado interno com base no grau em que se contribui efetivamente para o funcionamento do mercado interno?

b)

à luz dos objetivos de política geral e princípios de regulação previstos nos artigos 8.° da [diretiva‑quadro] e 13.° da [diretiva acesso], examinar se a medida de preço é:

i)

proporcionada;

ii)

adequada;

iii)

proporcionalmente aplicada e justificada?

c)

exigir à ARN que prove que:

i)

o objetivo de política geral, previsto no artigo 8.o, n.o 2, da [diretiva‑quadro], segundo o qual as ARN devem promover a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, é efetivamente alcançado e que os utilizadores obtêm o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade;

ii)

o objetivo de política geral, previsto no artigo 8.o, n.o 3, da [diretiva‑quadro], de contribuir para o desenvolvimento do mercado interno é efetivamente alcançado; e

iii)

o objetivo de política geral previsto no artigo 8.o, n.o 4, da [diretiva‑quadro], de defesa dos interesses dos cidadãos da União Europeia é efetivamente alcançado?

d)

à luz do artigo 16.o, n.o 1, da [diretiva‑quadro] e do artigo 8.o, n.os 2 e 4, da [diretiva acesso], na resposta à questão de saber se a medida de preço é adequada, tomar em consideração que a medida foi imposta no mercado em que as entidades reguladas detêm um considerável poder de mercado mas que a abordagem escolhida [o modelo ‘Bulric puro’] contribui para a prossecução de um dos objetivos da [diretiva‑quadro], a defesa dos interesses dos consumidores, noutro mercado que não se presta à regulação?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

28

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, lido em conjugação com os artigos 8.° e 13.° da diretiva acesso, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido um litígio relativo à legalidade de uma obrigação tarifária imposta pela ARN para a prestação dos serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis se pode afastar da Recomendação 2009/396, que preconiza o modelo «Bulric puro» enquanto medida adequada de regulamentação dos preços no mercado de terminação de chamadas.

29

No que diz respeito aos artigos 8.° e 13.° da diretiva acesso, importa observar que o primeiro destes artigos prevê, no seu n.o 2, que, caso um operador seja designado como operador com poder de mercado significativo num mercado específico, na sequência de uma análise do mercado efetuada em conformidade com o disposto no artigo 16.o da diretiva‑quadro, as ARN imporão as obrigações previstas nos artigos 9.° a 13.° da diretiva acesso, consoante adequado.

30

Por seu lado, o artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso prevê que a ARN pode, nos termos do disposto no artigo 8.o da mesma diretiva, impor obrigações relacionadas com a amortização de custos e controlos de preços, incluindo a obrigação de orientação dos preços em função dos custos e a obrigação relativa a sistemas de contabilização dos custos, para fins de oferta de tipos específicos de interligação e/ou acesso, em situações em que uma análise do mercado indique que uma potencial falta de concorrência efetiva implica que o operador em causa possa manter os preços a um nível excessivamente elevado, ou comprimir os preços, em detrimento dos utilizadores finais.

31

Decorre assim de uma leitura conjugada do artigo 8.o, n.o 2, e do artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso que, caso um operador seja designado como operador com poder de mercado num mercado específico, na sequência de uma análise do mercado efetuada em conformidade com o disposto no artigo 16.o da diretiva‑quadro, a ARN pode, consoante adequado impor‑lhe «obrigações relacionadas com a amortização de custos e controlos de preços, incluindo a obrigação de orientação dos preços em função dos custos e a obrigação relativa a sistemas de contabilização dos custos, para fins de oferta de tipos específicos de interligação e/ou acesso».

32

Para efeitos da aplicação do artigo 13.o da diretiva acesso, a Recomendação 2009/396 preconiza um modelo de cálculo dos custos, a saber, o modelo «Bulric puro». De acordo com os considerandos 5, 7 e 13 desta recomendação, esta foi adotada para pôr termo às divergências e às distorções na União respeitantes aos mercados de terminação de chamadas em redes fixas e móveis, prejudiciais para uma concorrência efetiva e para os utilizadores finais, bem como tendo em consideração as características específicas do mercado de terminação de chamadas.

33

De acordo com o ponto 1 da Recomendação 2009/396, ao imporem o controlo dos preços e obrigações de contabilidade de custos, em conformidade com o artigo 13.o da diretiva acesso, aos operadores designados como dispondo de um poder significativo nos mercados grossistas da terminação de chamadas em redes fixas e móveis, em resultado de uma análise dos mercados efetuada nos termos do artigo 16.o da diretiva‑quadro, as ARN devem fixar tarifas de terminação baseadas nos custos suportados por um operador eficiente. Para isso, as ARN devem proceder da maneira descrita nesta recomendação.

34

No entanto, há que recordar que, em conformidade com o disposto no artigo 288.o TFUE, tal recomendação não reveste, em princípio, caráter vinculativo. Por outro lado, o artigo 19.o, n.o 2, segundo parágrafo, da diretiva‑quadro autoriza expressamente as ARN a afastarem‑se das recomendações da Comissão adotadas ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, desde que informem a Comissão desse facto e fundamentem a sua posição.

35

Daqui decorre que a ARN, quando adota uma decisão através da qual impõe obrigações tarifárias aos operadores ao abrigo dos artigos 8.° e 13.° da diretiva acesso, não está vinculada pela Recomendação 2009/396.

36

A este respeito, há que salientar que o Tribunal de Justiça já declarou que, no exercício destas funções de regulamentação, as ARN dispõem de um poder alargado a fim de poderem apreciar as necessidades de regulamentação de um mercado caso a caso, em função de cada situação (acórdão de 3 de dezembro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑424/07, EU:C:2009:749, n.o 61 e jurisprudência referida). É o que sucede no âmbito do controlo dos preços, enunciando o considerando 20 da diretiva acesso que o método de amortização de custos deve ser adaptado às circunstâncias, tendo em conta a necessidade de promover a eficácia, uma concorrência sustentável e de maximizar os benefícios do consumidor.

37

Contudo, o artigo 19.o, n.o 2, segundo parágrafo, da diretiva‑quadro exige que as ARN, no desempenho das suas funções, «tenham na melhor conta» recomendações da Comissão.

38

Assim, cabe à ARN, quando impõe obrigações de controlo dos preços e de contabilização dos custos em conformidade com o disposto no artigo 13.o da diretiva acesso, seguir, em princípio, as indicações constantes da Recomendação 2009/396. Só se lhe parecer, no âmbito da sua apreciação de uma determinada situação, que o modelo «Bulric puro» preconizado por esta recomendação não se adapta às circunstâncias é que a ARN se pode afastar deste, fundamentando a sua posição.

39

No que diz respeito à extensão da fiscalização jurisdicional de uma decisão da ARN, resulta do artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro que o direito de recurso garantido por esta disposição deve assentar num mecanismo de recurso eficaz que permita que o mérito da causa seja devidamente apreciado. Além disso, esta disposição precisa que o organismo competente para conhecer de tal recurso, que pode ser um tribunal, deve ter os meios de perícia necessários para poder exercer de forma eficaz as suas funções.

40

Assim, quando lhe é submetido um litígio relativo à legalidade de uma obrigação tarifária imposta pela ARN em aplicação dos artigos 8.° e 13.° da diretiva acesso, um órgão jurisdicional nacional pode afastar‑se da Recomendação 2009/396.

41

Contudo, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, mesmo que as recomendações não se destinem a produzir efeitos vinculativos, os juízes nacionais são obrigados a ter em consideração as recomendações, para a resolução dos litígios que lhes são submetidos, nomeadamente quando esclarecem a interpretação de disposições nacionais adotadas com o fim de garantir a sua aplicação ou quando têm por objeto completar disposições da União com caráter vinculativo (acórdão de 24 de abril de 2008, Arcor, C‑55/06, EU:C:2008:244, n.o 94 e jurisprudência referida).

42

Por conseguinte, no âmbito da sua fiscalização jurisdicional de uma decisão da ARN adotada ao abrigo dos artigos 8.° e 13.° da diretiva acesso, um órgão jurisdicional nacional só se pode afastar da Recomendação 2009/396 se, como salientou o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, considerar que motivos relacionados com as circunstâncias do caso, em especial as características específicas do mercado do Estado‑Membro em questão, assim o impõem.

43

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, lido em conjugação com os artigos 8.° e 13.° da diretiva acesso, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido um litígio relativo à legalidade de uma obrigação tarifária imposta pela ARN para a prestação dos serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis só se pode afastar da Recomendação 2009/396, que preconiza o modelo «Bulric puro» enquanto medida adequada de regulamentação dos preços no mercado de terminação de chamadas, se considerar que motivos relacionados com as circunstâncias do caso, em especial as características específicas do mercado do Estado‑Membro em questão, assim o impõem.

Quanto à segunda questão

44

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional, ao qual foi submetido um litígio relativo à legalidade de uma obrigação tarifária imposta pela ARN para a prestação dos serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis, pode apreciar a proporcionalidade desta obrigação à luz dos objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro bem como no artigo 13.o da diretiva acesso e ter em conta o facto de que a referida obrigação tende a promover interesses dos utilizadores finais num mercado de retalho que não é suscetível de ser regulamentado.

45

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se também sobre a questão de saber se pode exigir a uma ARN que demonstre que a referida obrigação realiza efetivamente os objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro.

46

Quanto à primeira parte da segunda questão, importa salientar que o artigo 8.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva‑quadro prevê que as ARN, no desempenho das funções de regulação constantes desta diretiva e das diretivas específicas, e, assim, em especial na diretiva acesso, devem tomar todas as medidas razoáveis para realizar os objetivos fixados neste artigo, que consistem em promover a concorrência na oferta de redes e de serviços de comunicações eletrónicas, em contribuir para o desenvolvimento do mercado interno e em defender os interesses dos cidadãos da União. Além disso, esta disposição precisa que estas medidas devem ser proporcionais a estes objetivos.

47

Assim, de acordo com o seu artigo 1.o, n.os 1 e 2, a diretiva acesso inscreve‑se no quadro estabelecido pela diretiva‑quadro e harmoniza o modo como os Estados‑Membros regulamentam o acesso e a interligação das redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos. A diretiva acesso tem por objetivo estabelecer um quadro regulamentar, conforme com os princípios do mercado interno, aplicável às relações entre fornecedores de redes e serviços, que conduza a uma concorrência sustentável e a uma interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, e beneficie os consumidores. Esta última diretiva define nomeadamente os objetivos atribuídos às ARN no que diz respeito ao acesso e à interligação.

48

Quanto aos requisitos que permitem que a ARN imponha a um operador designado como detendo um poder de mercado significativo uma obrigação tarifária para a prestação dos serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis, há que observar que o artigo 8.o, n.o 4, da diretiva acesso prevê que as obrigações impostas pela ARN, incluindo as previstas no artigo 13.o desta diretiva, se devem basear na natureza do problema identificado, ser proporcionadas e justificadas à luz dos objetivos estabelecidos no artigo 8.o da diretiva‑quadro, e só podem ser impostas após a consulta prevista nos artigos 6.° e 7.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2015, KPN, C‑85/14, EU:C:2015:610, n.o 47).

49

De acordo com o artigo 13.o, n.o 2, da diretiva acesso, as ARN assegurarão, quando exercerem a competência prevista no n.o 1 do referido artigo, que os mecanismos de amortização de custos ou as metodologias obrigatórias em matéria de fixação de preços suscitem a promoção da eficiência e da concorrência sustentável e maximizem os benefícios para o consumidor. Nesta matéria, as ARN poderão também ter em conta os preços disponíveis nos mercados concorrenciais comparáveis.

50

Daqui decorre que a ARN, quando adota uma decisão através da qual impõe obrigações aos operadores ao abrigo dos artigos 8.° e 13.° da diretiva acesso, se deve certificar de que essas obrigações correspondem a todos os objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro e no artigo 13.o da diretiva acesso. Da mesma forma, no âmbito da fiscalização jurisdicional dessa decisão, um órgão jurisdicional nacional deve garantir que a ARN respeita todas as exigências que decorrem dos objetivos enunciados nestes dois últimos artigos.

51

Como o advogado‑geral salientou no n.o 82 das suas conclusões, o facto de uma obrigação tarifária ser baseada na Recomendação 2009/396 não priva o órgão jurisdicional nacional da sua competência para fiscalizar a proporcionalidade dessas obrigações com os objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro e no artigo 13.o da diretiva acesso.

52

Por conseguinte, no âmbito da sua fiscalização, um órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido um recurso de uma decisão da ARN que aplica o modelo «Bulric puro» preconizado pela Recomendação 2009/396, como no processo principal, pode verificar, aplicando as regras processuais nacionais, se os recorrentes apresentaram elementos suficientes que permitam demonstrar que a aplicação desse modelo não é proporcional à luz dos objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro e no artigo 13.o da diretiva acesso, tendo em consideração, sendo caso disso, as características específicas do mercado em causa.

53

Por outro lado, decorre de uma leitura conjugada do artigo 8.o, n.o 2, alínea a), e n.o 4, da diretiva‑quadro, bem como do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 8.o, n.o 4 da diretiva acesso, fazendo este último artigo referência ao artigo 8.o da diretiva‑quadro, que as ARN devem, quando promovem a concorrência, garantir que os utilizadores finais e os consumidores retirem um benefício máximo, designadamente em termos de escolha e de preço, e defender os interesses dos cidadãos da União. Além disso, quando estas autoridades impõem mecanismos de amortização de custos, na aceção do artigo 13.o, n.o 2, da diretiva acesso, devem assegurar‑se nomeadamente de que este mecanismo otimiza as vantagens para o consumidor.

54

Daqui resulta que a ARN, no âmbito do processo de adoção de uma decisão em circunstâncias como as do processo principal, deve tomar em consideração os interesses dos utilizadores finais e dos consumidores, independentemente do mercado em que as obrigações regulamentares são impostas. Além disso, na medida em que, por definição, os utilizadores finais e os consumidores não estão presentes nos mercados grossistas de terminação de chamadas em redes fixas e móveis, é essencial que os seus interesses possam ser tomados em consideração e avaliados no contexto do exame do efeito que a obrigação tarifária imposta pela ARN num mercado grossista visa produzir num mercado de retalho.

55

Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional pode analisar, no âmbito da fiscalização da proporcionalidade de uma obrigação tarifária imposta pela ARN à luz dos objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro e no artigo 13.o da diretiva acesso, se esta obrigação imposta aos mercados grossistas de terminação de chamadas em redes fixas e móveis tender também a promover os interesses dos utilizadores finais num mercado de retalho que não é suscetível de ser regulamentado.

56

Quanto à segunda parte da segunda questão, que incide sobre a questão de saber se um órgão jurisdicional nacional pode exigir que a ARN demonstre que a referida obrigação realiza efetivamente os objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro, há que recordar que esta disposição prevê que as ARN, no desempenho das suas tarefas de regulação especificadas nesta diretiva, bem como, designadamente, na diretiva acesso, devem tomar todas as medidas razoáveis e proporcionais para realizar os objetivos fixados na referida disposição, que consistem em promover a concorrência no fornecimento das redes e dos serviços de comunicações eletrónicas, em contribuir para o desenvolvimento do mercado interno e em defender os interesses dos cidadãos da União.

57

Para realizarem os objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro, o artigo 5.o, n.o 1, da diretiva acesso precisa que as ARN devem, nomeadamente, exercer a sua responsabilidade de modo a promover a eficiência, a concorrência sustentável, o investimento eficaz e a inovação, e a proporcionar o máximo benefício aos utilizadores finais.

58

As obrigações tarifárias que as ARN podem impor, incluindo obrigações tarifárias como as que estão em causa no processo principal, devem assim visar a realização dos objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro. Em contrapartida, como o advogado‑geral salientou nos n.os 96 e 97 das suas conclusões, não se pode exigir que uma ARN demonstre que tais obrigações alcançam realmente esses objetivos.

59

Com efeito, se se fizesse recair tal ónus da prova sobre uma ARN estaria a ignorar‑se que a adoção de obrigações regulamentares assenta numa análise prospetiva da evolução do mercado, que toma como referência, para remediar os problemas de concorrência constatados, o comportamento e/ou os custos de um operador eficaz. Ora, tratando‑se de medidas direcionadas para o futuro, é impossível ou excessivamente difícil produzir prova de que estas medidas realizam efetivamente os objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro.

60

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional, ao qual foi submetido um litígio relativo à legalidade de uma obrigação tarifária imposta pela ARN para a prestação dos serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis, pode apreciar a proporcionalidade desta obrigação à luz dos objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro bem como no artigo 13.o da diretiva acesso e ter em conta o facto de que a referida obrigação tende a promover os interesses dos utilizadores finais num mercado de retalho que não é suscetível de ser regulamentado.

61

Um órgão jurisdicional nacional não pode, quando exerce uma fiscalização jurisdicional de uma decisão de uma ARN, exigir que essa autoridade demonstre que a referida obrigação realiza efetivamente os objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro.

Quanto às despesas

62

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, lido em conjugação com os artigos 8.° e 13.° da Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva acesso), conforme alterada pela Diretiva 2009/140, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido um litígio relativo à legalidade de uma obrigação tarifária imposta pela autoridade reguladora nacional para a prestação dos serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis só se pode afastar da Recomendação 2009/396/CE da Comissão, de 7 de maio de 2009, sobre o tratamento regulamentar das tarifas da terminação de chamadas em redes fixas e móveis na UE, que preconiza o modelo de cálculo de custos dito «Bulric puro» ( Bottom‑Up Long‑Run Incremental Costs ) enquanto medida adequada de regulamentação dos preços no mercado de terminação de chamadas, se considerar que motivos relacionados com as circunstâncias do caso, em especial as características específicas do mercado do Estado‑Membro em questão, assim o impõem.

 

2)

O direito da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional, ao qual foi submetido um litígio relativo à legalidade de uma obrigação tarifária imposta pela autoridade reguladora nacional para a prestação dos serviços de terminação de chamadas em redes fixas e móveis pode apreciar a proporcionalidade dessa obrigação à luz dos objetivos enunciados no artigo 8.o da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, bem como no artigo 13.o da Diretiva 2002/19, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, e ter em conta o facto de que a referida obrigação tende a promover os interesses dos utilizadores finais num mercado de retalho que não é suscetível de ser regulamentado.

Um órgão jurisdicional nacional não pode, quando exerce uma fiscalização jurisdicional de uma decisão de uma autoridade reguladora nacional, exigir que essa autoridade demonstre que a referida obrigação realiza efetivamente os objetivos enunciados no artigo 8.o da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.